Jimin andava pelas ruas gélidas de Seul. Estava em janeiro, o ápice do inverno, que estava rigoroso. A rua estava branca, graças a neve que brilhava, mesmo naquela escuridão. Não tinha ninguém na rua, somente ele.

Andava em direção ao apartamento, perdido em pensamentos . Na verdade, em lembranças. Lembrava de sua família – nem sabia se ainda podia chamar assim – e da sua vida antiga.

Já fazia três anos. Três anos em que foi expulso de casa.

Desde mais novo, nunca havia sentido atração por mulheres, porém pensava que eventualmente iria sentir. Não foi isso que aconteceu. Com quinze anos se viu apaixonado pelo melhor amigo, Min Yoongi. Não sabia como reagir, o que fazer, então resolveu não fazer nada. Ficou calado, guardando aquilo para si.

A ideia de gostar de alguém do mesmo sexo o assustava. Seus pais eram membros fervorosos da igreja, abominavam esses tipos de relações. Ficou com medo e escolheu não contar.

Com o tempo passando, ficava ainda mais difícil esconder aquilo de todos, e acabou contando ao seu melhor amigo. Obviamente não contou dos sentimentos que nutria por ele, mas só de contar a sua orientação sexual já havia sido um alivio.

Quando completou dezoito anos, Yoongi finalmente o convenceu a contar a família. Dizia que iriam o aceitar, que amavam ele mais que tudo. Motivado por essas palavras, e pelo fato de não conseguir mais esconder a verdade, resolveu que era momento de falar.

Mesmo assim, ainda tinha medo, então sempre adiava a conversa. Até aquele dia.

Lembrava-se perfeitamente. Era um dia frio como aquele. Nevava tanto que as pegadas desapareciam em meio a neve. Chamou a família para conversar e os pôs sentados em um sofá, de frente a poltrona em que estava sentado.

Soltou a notícia, porém não houve reação. Todos ficaram muito chocados para reagir. Depois de instantes, a feição de todos mudou. Sua mãe lhe olhava com decepção, seu irmão mais novo com pena e seu pai... Ah, aquele homem só conseguia transmitir fúria no olhar.

“Você é uma vergonha!” Explodiu, levantando de onde estava. Aquelas palavras foram cortantes ao coração de Jimin, que sentiu seus olhos marejarem. “Não acredito que criei um viadinho!” Continuava, fazendo lágrimas escorrerem por seu rosto.

Seu pai, mesmo que fosse uma pessoa rigorosa, sempre havia sido carinhoso. Quando criança, lhe contava histórias para dormir, quando quebrava um brinquedo era a ele quem pedia para concertar e quando caia era ele que cuidava de seus ferimentos. Não podia acreditar que o homem que chamava de herói com seis anos era a mesma pessoa que lhe dizia isso.

A mãe, decepcionada demais, correu para o quarto, se trancando lá e chorando.

Tudo piorou quando, movido a raiva, o senhor Park desferiu um soco no rosto do filho. Aquilo doeu. Fisicamente a dor foi forte, mas emocionalmente... Havia sido a pior dor que sentira em toda a vida.

Não satisfeito com aquele soco, segurou na gola da camisa do filho, o obrigando a se levantar e o socou de novo. E de novo e de novo. Espancava Jimin na sala de casa, com o filho mais novo observando tudo. Só parou quando ele já estava no chão, semiacordado.

Jimin virou o rosto, vendo o irmão chorando silenciosamente no sofá. Não queria que ele visse aquela cena.

“Você nunca mais irá por os pés nesta casa” E com aquela frase, o pai do menino o levantou, puxando pelo braço e o jogou para fora de casa.

Caiu na neve macia. Um arrepio percorreu o seu corpo ao ter contato com algo tão gelado em sua pele que, até então, estava quente.

Agora estava sozinho. Ele estava destinado a ser um lobo solitário. A diferença é que ele não deixou a alcateia, ele foi expulso dela.

Era triste pensar que passou a vida inteira sendo o garoto perfeito, o filho perfeito, mas nada disso importava passa sua família, porque ele era gay.

Não tinha força para se levantar, não conseguia se mexer. A neve adormecia seu corpo, o fazendo parar de sentir a dor física. Mas isso não o incomodava. O frio nunca lhe incomodou de qualquer jeito.

Conseguiu ver um ser correndo em sua direção, se abaixando ao seu lado. Seus olhos já estavam muito desfocados, mas conseguiu reconhecer aquela pessoa, era seu irmãozinho. Escutava a voz infantil e chorosa repetindo “Hyung”, tentando fazer o outro responder, mas não conseguia.

Viu o outro fazer uma movimentação estranha e logo viu que ele havia pego seu celular, ligando para alguém. Essa era a última lembrança que Jimin tinha, já que após isso desmaiou.

Mais tarde descobriu que o irmão havia ligado para Yoongi, que o levou para o hospital. Jimin teve que passar dias internado, se recuperando dos ferimentos e da pneumonia que pegou, ao passar tanto tempo naquela neve.

Mesmo atualmente, seria uma mentira dizer que aquelas lembranças não machucavam Park. Mesmo com o melhor amigo lhe dando apoio, cedendo a casa até que Jimin achasse um emprego e o ajudando em tudo, ainda não estava recuperado daquela ferida.

Já conseguia enxergar a distância seu apartamento, e também tinha uma pequena figura parada em frente a ele. É engraçado como a distância faz tudo parecer pequeno.

Assim que reconheceu quem era, começou a correr, com um pequeno sorriso no rosto.

— Yoongi hyung! – Exclamou, pulando em cima do mesmo. Seu coração estava acelerado, mas não era por causa da corrida – O que você estava fazendo nesse frio?

— Fiquei com vontade de te ver – Falou com um sorriso, o que fez Jimin sorrir mais abertamente – Na verdade, precisava falar com você.

Aquilo fez Park se preocupar. Será que havia acontecido algo com o mais velho.

— Mas... Mas está tudo bem? – Perguntou, preocupado.

— Está bebê, não se preocupe – Sorriu, acariciando o rosto do mais baixo – Eu só resolvi que quero ser corajoso. Corajoso como você.

— O que você quer dizer, hyung? – Não entendia nada, mas estava gostando do carinho que recebia.

— Eu... Aish, é tão difícil – Mordeu o lábio inferior, se perguntando por onde começaria – Você se lembra daquele dia, há três anos atrás?

— Como não lembrar...

— Quando eu recebi a ligação do seu irmão, eu sai correndo. Eu cheguei lá e te vi caído na neve, com o rosto sangrando. Meu coração se apertou, o ar fugiu dos meus pulmões. Eu fiquei tão preocupado. Quando os médicos... Quando me falaram que você estava com pneumonia, eu pensei que ia te perder – Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, assustando Jimin – Eu fiquei tão assustado. Senti uma dor tão forte no meu peito.

— Hyung, não precisa se preocupar – Deu um sorriso, tentando confortar o outro – Eu estou bem aqui. Ao seu lado. E sempre vou estar.

— Jimin, aquele dia eu descobri meus sentimentos por você. Eu descobri que te amo. Me desculpa, sou medroso. Só consegui falar o que sinto agora. Mas seu queria ser livre. Livre como você.

Park não sabia dizer o que sentia. Sentia uma queimação gostosa em seu peito, seu estômago estava estranho e de repente se via sem ar.

— Hyung, vou te contar um segredo – Falou, com um sorriso grande e puro, obtendo a atenção do Yoongi – Eu também te amo.

Aquilo foi o suficiente para fazer o mais velho avançar nos lábios do mais novo. Era um beijo carinhoso e puro, tão puro quanto aquela neve que caia agora sobre suas cabeças.

E nesse momento Jimin resolveu que seguiria a vida dele. Seguiria ao lado que quem ama e que o amava de volta. Esqueceria o passado e tudo que o machucasse, porque afinal

O passado está no passado.