Família De Marttino Coração de Gelo(Degustação escrita por moni


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Boa noite. Surpresaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
espero que gostem.



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   Pov – Gabriela

   Fico olhando minha pequena dormir sem saber que perdeu a mãe. Não sei como contar a ela. Não sei como vamos seguir em frente sozinhas. Como vou enfrentar Ugo.

   Isabella abre os olhos e os esfrega. Me dá um meio sorriso cheio de sono. Tão linda. Ela olha em torno e se dá conta que está na própria cama e é dia.

   ―Nem vi a gente voltando. Você chegou muito tarde Gabriela.

   ―Sinto muito. – Minha voz embarga. Respiro fundo. – Precisa tomar um banho quer ajuda? – Ela nega. – Coloca esse vestidinho. – É um vestido azul marinho. Ela me olha surpresa.

   ―Não vou na escola hoje? – Balanço a cabeça.

   ―Não meu anjo. Amo você sabia? – Ela me abraça. Beijo o rostinho. – Amo muito.

   ―Gabriela você é muito especial.

   ―Você é muito mais especial. – Sorrio com seu jeitinho. Ela adora reproduzir coisas que dizemos, palavras que ela aprende e resolve dar um jeito de usar numa frase qualquer que deixa sempre todo mundo encantado.

   ―Banho.

   Ela segue para o banho. Preparo seu café. Não quero contar assim, logo que abriu os olhos. Temos que ir ao funeral. A vizinhança toda vai. Ela me encontra na cozinha, o vestido mal colocado, com alguns botões abertos, os cabelos muito penteados na frente, com uma tiara rosa, mas atrás é um emaranhado de fios finos e com nós.

   Não tenho apetite. Não hoje, hoje está difícil até respirar, mas aguardo enquanto ela come e toma o leite. Depois lavo a louça. Preciso contar a ela. Fico enrolando e em uma hora tenho que estar no funeral.

   ―Vem cá querida. – Isabella se senta ao meu lado. Fico olhando para o rostinho preocupado. Ela sabe que algo vai mal. – Tenho que te contar uma coisa muito difícil. Amo você. Acho você a menina mais especial do universo. A pessoa mais bonita que conheço.

   ―Você me adora muito, não é mesmo Gabriela?

   ―Muito. Vamos sempre estar juntas. A vida toda.

   ―Até quando você casar?

   ―Eu não levo jeito para casar. – Ela enruga o narizinho, me machuca causar essa dor a ela. – Querida, a mamãe ama tanto você, mas ela esteve doente muito tempo, ficou cansada. Ontem uma coisa triste aconteceu. – Os olhinhos ficam atentos. – A mamãe partiu. Ela não está mais aqui conosco. Está no céu, brilhando bem pertinho da lua.

   ―Isso é quando a pessoa morre? – Afirmo, os olhos dela se assustam, depois entristecem. – E nunca mais vamos ver a mamãe ou falar com ela?

   ―Não querida. Sinto muito. – Isabella vem para meus braços numa crise de choro e nem mesmo nessa hora consigo chorar. Não posso, não posso me entregar. Talvez nunca possa. Afago seus cabelos. Fico ali, acariciando minha pequena criança enquanto ela se entrega as lágrimas.

   ―Você vai ficar comigo para sempre? Não vai nunca ficar doente?

   ―Nunca. Vamos ficar juntas meu amor. Vamos cuidar uma da outra. Você cuida de mim?

   ―Cuido. Pode deixar. – Ela soluça mais algum tempo em meus braços. É hora do funeral. Talvez leva-la seja errado, mas somos só nós duas agora. Ela tem o direito de se despedir. Não é uma boa memória, mas um dia ela pode querer saber por que não esteve no funeral da mãe. Melhor que lide com isso do que não ter como saber.

   Os vizinhos pagam por uma lápide, não tenho dinheiro para isso. Mãe e irmã amorosa. Bonito. É minha irmã, é mãe da minha pequena. Isabella deixa uma flor sobre o túmulo e depois partimos de volta para casa. Não sei o quanto ela entende disso. Talvez nada, mesmo assim ela chora.

   A senhora Gioconda oferece um chá aos vizinhos. Eles todos se prontificam a me ajudar. Não sei como vou trabalhar, cuidar dela e nos sustentar, mas dou um jeito.

   Nada disso é importante ou difícil demais. Mulheres no mundo inteiro fazem isso. São felizes, criam até mesmo mais de um filho sozinhas, meu grande problema não é esse. Meu problema é Ugo.

   Por uma semana ele não nos procura. Meu dinheiro está indo rápido, mas preciso passar um pouco de tempo com Isabella antes de decidir o que fazer. Ela para de chorar na terceira noite. Crianças se recuperam muito mais fácil. É estranho não ter Carina, a preocupação com seu tratamento. Seu riso, suas provocações. A casa fica um pouco mais silenciosas. Nós duas um pouco abatidas demais para rir como antes.

   Na segunda semana o riso volta. Agora minha pequena princesa começa a se recuperar e eu não tenho escolha se não fazer o mesmo. A sexta-feira

Começa com um sol mais fraco. O outono chegando.

   Gabriela vai para a escola e eu ando pela cidade em busca de uma vaga. Emprego é difícil. Me formei em relações públicas pelo simples fato de ter vaga, ser gratuito e curto. Agora meu diploma não serve para muita coisa por aqui e nem sei se gosto do que fiz. A vida era uma correria, me dividia em cuidar de Isabella, Carina, trabalhar e estudar e no fim só terminei o curso com ajuda dos colegas.

   Apanho Isabella no colégio e voltamos para casa de mãos dadas por alguns metros, depois ela vem com a frase de sempre.

   ―Que tal me pegar no colo um pouco em?

   ―Claro. – Ergo minha pequena. – Como foi a aula?

   ―Normal. O Patrício quer namorar a Gina. Tem mais dois meninos que querem namorar com ela. Gina acha que eu não vou namorar quando crescer por causa da minha perna.

   ―Você é a pessoa mais bonita que existe no mundo. Gina não sabe de nada. Pode ser tudo que quiser e muitos rapazes vão querer namorar com você. Não escute essas bobagens.

   ―É mesmo. Você que sabe das coisas. Você faz massagem quando chegar? Minha perna doeu de tanto que brinquei hoje.

   ―Claro que faço. Vai tomar um banho quente e ganhar uma massagem. Depois vamos ver desenho quietinhas na sala.

   ―Gabriela você é mesmo muito especial. Quando que a gente vai ter um cachorro?

   ―Agora não dá querida, mas assim que der prometo dar um a você.

   ―Vou escolher um nome bem fofinho e dormir abraçadinha com ele. O que você acha disso?

   ―Acho ótimo.

   ―Boa tarde senhor Andrea. – Ela acena para o senhor que sorri quando a vê. Isabella é falante e simpática. Conversa com todos e pergunta o tempo todo.

   ―Meus amigos têm computador em casa. A gente não tem. Queria ver um bem de pertinho. Apertar as letrinhas e escrever meu nome. Gina falou que é por que eu sou pobre.

   ―Tem certeza que a Gina é sua amiga? Garotinha chata.

   ―Pode xingar as pessoas? Você xinga as vezes. Xingou muito o Ugo, e aquela mulher que falou aquilo de mim. Xingou ela no meio da rua.

   ―Quando crescer você decide se pode ou não. Chata nem é xingar. É só... é... ela é chata mesmo.

   ―Achou emprego?

   ―Nada. Ele está bem escondidinho. Tenho que pega-lo desprevenido.

   ―Isso aí Gabriela. Você é muito esperta.

   Chegamos em casa. Ajudo Isabella no banho, dou almoço e faço massagem em sua perna. Ficamos no sofá, assistindo televisão abraçadas.

   A batida forte na porta me assusta e dou um salto. Olho para Isabella de olhos arregalados de susto.

   ―Gabriela! Abre Gabriela. Quero a Isabella. – Ugo. Meu coração salta. Olho para Isabella apavorada. – Abre Gabriela.

   ―Querida, quero que vá ficar bem escondidinha no quarto. Sem fazer nenhum barulho até eu te chamar. – Sussurro.

   ―Não quero ver ele Gabriela. Tenho medo. Ele me bateu.

   ―Não vai. Faz o que pedi. Corre. – Ela some. Abro a porta. Não dou espaço para que entre. – O que quer?

   ―Minha filha.

   ―Agora ela é sua filha? Disse que Carina traiu você, que não é o pai dela. Não entendo.

   ―Sou e nós dois sabemos disso. Um DNA prova facilmente. Eu fico com ela. Agora que...

   ―Que Carina está morta? Que você tem parte nisso? Bateu nela. Piorou o estado de saúde dela.

   ―Sofri com a morte dela. Vivemos muitas coisas juntos. Quero minha filha. Carina ficaria feliz de nos entendermos, eu e Isabella. Chame ela.

   ―Ela não vai se acostumar. Você vai ter muito trabalho criando uma criança, sabe disso. Podemos tentar um acordo. Visitas, aqui, vem vê-la nos fins de semana. Passa umas horas com ela aqui. – Preciso tentar. Isabella é dele, não minha. Não posso brigar na justiça que perderia com certeza. – Daqui um tempo. Quando ela estiver maior você pode ficar com ela.

   ―Não tem negociação Gabriela. Você não tem armas para isso. Sou o pai, a mãe está morta. Só me dê minha filha e deixo você visita-la de vez em quando.

   ―Dinheiro. Ugo você sabe que são muitos gastos. Fico com ela, não vai precisar pensar em dar dinheiro, nenhuma pensão. Assumo tudo. Custa muito caro ter uma criança.

   ―Essa perna dela, você sabe, muita gente quer ajudar. – Fecho meus olhos um momento. Não vamos ter um acordo, ele não quer a filha, quer usar a menina. Não vai abrir mão dela. – Além disso, você é responsável por muitos dos meus problemas com a Carina. Não vai ficar com a criança. Nunca vou deixa-la com você.

   ―Está certo. Não posso vencê-lo. Vai me deixar vê-la? Onde está morando? Vou poder visitar a Isabella?

   ―De vez em quando, se não tentar jogar a menina contra mim. O tempo vai dizer. Estou num hotel. Pegue a menina e as coisas dela. Amanhã vou num juiz colocar meu nome dela. Não sei como funciona, mas deve ser fácil.

   ―Isabella está na escola.

   ―Não insulte minha inteligência. Ela estuda de manhã.

   ―Passeio. Foram a um museu. Está fora até as oito da noite. Não viu o ônibus que levou as crianças? Foi um inferno. Muito barulho. Quer entrar e procurar? – Meu corpo todo treme, mas dou espaço a ele. – Quer ver o último lugar em que viu Carina antes dela morrer. No chão da sala, onde a deixou depois de machuca-la?

   Ele me fulmina com os olhos, mas não dá um passo para dentro.

   ―Ela está morta e não pode provar isso. Volto as oito para apanhar a menina. Vai ser bom, você se livra dela. A menina manca, da trabalho. É minha responsabilidade.

   Ele deixa minha porta. Volto para dentro, passo a chave na porta e me sento atordoada. Meu coração batendo descompassado. Ele não vai ficar com ela. Jurei que faria qualquer coisa. Não precisava jurar. Eu faria de qualquer modo.

   Vamos fugir. Deixar tudo para trás e fugir. É sequestro o nome disso, mas que se dane. Ninguém quer mesmo saber sobre uma garotinha órfã, ele vai procurar um tempo e depois vai achar outro meio de viver. Vai desistir por que não é amor que o move.

   Escrevo um bilhete para dona Gioconda. As pessoas da vizinhança me ajudaram muito e não é justo preocupa-los. Aviso que estou partindo com Isabella para fugir de Ugo. Não é segredo tudo que Carina passou.

    ―Isabella. – Ela sai de baixo da cama e meu coração dói de ver a cena. Corre para meus braços e eu a aperto. – Temos que conversar querida. Me escuta com atenção. O Ugo quer você. – Ela balança a cabeça negando. – Está tudo bem, não vou deixar. Vamos ter que deixar essa casa, a escola, os amigos. Tudo. Temos que ir embora escondidas para ele não achar a gente.

   ―Tudo bem. A Gina é chata. Você que disse.

   ―Está certo. Não podemos levar muita coisa. Só umas roupas, só o necessário. O que couber na mochila. Entende? Deixar seus brinquedos, tudo. Pode ser?

   ―Pode. Você vai ficar para sempre comigo?

   ―Vou, mas temos que treinar uma coisa.

   ―O que?

   ―Tem que aprender a me chamar de mãe. Consegue? – Uma jovem e sua filha, ninguém vai fazer muitas perguntas. Agora uma moça e uma menininha. Talvez as pessoas perguntem pelos pais dela. Aí vão acabar descobrindo e se devolverem meu anjinho então... ela vai para um abrigo e depois para os braços dele. Ugo acaba vencendo. – Consegue?

   ―Fingir que é minha mãe? Falo só mamãe. Não chamo mais Gabriela?

   ―Isso.

   ―Na frente das pessoas todas?

   ―Mesmo sozinha querida. Para não confundir. Pode fazer isso? Dizer que sou sua mãe?

   ―Posso.

   ―Ótimo. Vamos recolher nossas coisas. Temos que ir agora.

   É triste deixar tudo para trás. Recolho roupas, documentos dela, meus e fotos. Ela precisa de fotos da mãe. Encho uma mochila grande e pesada. Não sei como vou fazer com ela, nossa mochila e quase nenhum dinheiro.

   Levo alguns biscoitos e água. Isabella abraça seu ursinho e dou um último olhar pela casa. Depois de trancar a porta coloco as chaves no envelope e coloco na caixa do correio de dona Gioconda. Ela pode cuidar de tudo. Quem sabe seu coração gigante não guarda nossas coisas? Um dia volto nem que seja para agradecer o carinho de todos conosco.

   A rodoviária está cheia. É noite de sexta-feira para minha sorte e o ir e vir das pessoas me ajuda a passar despercebida. Me aproximo do balcão.

   ―Boa noite. O próximo ônibus sai a que hora e para onde?

   ―Em dez minutos, para San Gimignano.

   ―Duas passagens por favor.

   ―Gabriela... – Olho para Isabela me puxando a blusa. – Mamãe. Quero fazer xixi.

   ―Só um instante querida. – Pego as passagens o troco e corro com ela no colo e a mochila nas costas. Ela sempre precisa ir ao banheiro quando tenho pressa. Não adianta me irritar.

   O ônibus quase parte sem a gente, mas me acomodo no último momento e me despeço de Siena pela pequena janela. Isabella se encosta em meu ombro. Os olhinhos preocupados.

   ―Mamãe agora ele não acha mais a gente? – Ela sussurra. Não quero que se preocupe com nada. É só uma garotinha.

   ―Não acha. Conseguimos fugir dele. – Beijo sua testa. – Amo você pequena. Amo muito você.

   ―Também.

   Quando chegamos no meio da madrugada eu encontro um quarto de hotel. Uma pousada barata com um homem sonolento sentado atrás de um pequeno balcão. Ele me estende a chave de um quarto depois de esticar as notas. Não quer saber quem somos ou quanto tempo vamos ficar.

   Atiro a mochila no chão do quarto. Meu coração batendo a mil. Não acredito no que fiz. Não sei o que fazer agora. Isabella se estica na cama. Está cansada e com sono.

   Me deito a seu lado. Abraço minha garotinha. Estamos tentando Carina. Estamos lutando e não vamos desistir.

   Não posso ficar aqui. É uma cidade próxima demais, talvez um dos primeiros lugares que ele vai procurar. Tenho que encontrar algum vilarejo escondido. Um desses que cercam as vilas dos produtores de vinho. Os ricaços e seus vinhedos que ocupam hectares sem fim de terra sempre mantem com seu mercado aquecido pequenas cidadezinhas em torno. São vilarejos remotos e de difícil acesso. Ideal para tentarmos a sorte de começar uma vida.

   Um dia, quando juntar dinheiro e tiver estabilidade eu procuro um advogado para resolver isso. Tenho certeza que posso provar que Ugo não é boa escolha, mas não agora. Agora eu não sou uma escolha melhor. Nem mesmo tenho um emprego.

   Ficamos no quarto o dia todo. Andar a luz do dia com ela me enche de medo. Eu sou mesmo muito idiota. Sequestrei uma criança.

   ―Ga... mamãe. – Meu coração sempre bate um pouco mais rápido quando ela me chama assim. Amo como se fosse minha. Queria que fosse. Agora ela é. Sou mãe dela. – O que vamos fazer agora?

   ―Vamos viajar mais um pouquinho. O que acha? Está bem divertido não é mesmo?

   ―Muito divertido isso. Estamos conhecendo todos os lugares. Quando a gente chegar eu posso ter um cachorro e um quarto só meu?

   ―É tudo que eu quero pequena. Agora vamos tomar banho, sair para comer e continuar nossa viagem. O que acha?

   ―Que você é muito legal. Mamãe. – Ela sorri, me abraça. – Sei te chamar de mamãe certinho como ensinou. – Ela sussurra no meu ouvido e beijo a bochecha rosada.

   São quase nove da noite quando devolvo as chaves para o mesmo homem com cara de sono e ganho as ruas pequenas e encantadoras. Isabella vai me mostrando lugares acenando para estranhos. Ela sabe como se manter incógnita.

   Encontro um pequeno restaurante aberto. Pelas minhas contas sobrevivemos mais uns quatro dias com o dinheiro que tenho. Depois eu não tenho ideia.

   ―Boa noite. – Uma senhora de avental e sorriso amplo nos recebe. Indica uma mesa. – Em férias?

   ―Sim.

   ―Sua filha é linda. Como se chama?

   ―Me chamo Isabella. Tenho cinco anos e essa é a minha mãe que se chama Gabriela e tem vinte e quatro anos. ―É virgem, está desempregada e me sequestrou. Tenho medo que ela um dia entregue a ficha completa.

   ―Puxa. Que bom. Você é muito simpática Isabella.

   ―Obrigada. – Eu respondo por ela. – Queremos uma pasta com molho vermelho e água.

   ―Quero suco de morango.

   ―Uma água senhora. – A mulher se afasta. – Temos pouco dinheiro pequena.

   A mulher volta pouco depois com o suco e uma água.

   ―O suco é por conta da casa. – Ela sorri.

   ―Senhora. O próximo vilarejo fica muito longe?

   ―Uma hora daqui. Pegando a estradinha velha. Depois da Vila De Martino.

   ―Tem ônibus?

   ―Tem um que passa por lá, mas o último saiu há duas horas. O primeiro é só amanhã as sete da manhã.

   ―Obrigada. – Uma hora de distância. É um lugar seguro, posso arriscar caminhar até lá. Está uma noite agradável, lá arrumo um quarto e descansamos, se o lugar for seguro e remoto como espero ficamos, se não... eu não tenho ideia.

   Pago a conta e coloco a mochila nas costas, dou a mão a minha pequena.

   ―Onde que a gente vai?

   ―Conhecer um novo lugar. O que acha de caminhar um pouco nessa noite tão bonita.

   ―Acho estranho. – Honestidade. Me faz sorrir.

   ―Vai gostar.

   Dez minutos de caminhada e sei que ela começa a sentir dor na perna. Eu sou mesmo estúpida. Eu não vou conseguir. Vou estragar tudo. Claramente eu vou colocar tudo a perder.

   ―Que tal me pegar no colo um pouco em? – Ajeito a mochila nas costas e ergo minha pequena. Ela está cansada e com dor. Sinto pelo olharzinho abatido.

   Uma hora de caminhada parando a cada dez minutos no meio da mais completa escuridão com ela dormindo em meu ombro e todos os meus músculos doendo e nem sinal do vilarejo.

   Sinto medo, sinto angustia. Tudo misturado. Continuo a andar. A mulher disse uma hora. Descontando as mil paradas devo ter andado metade do caminho.

   Joguei o celular fora com medo de Ugo rastrear. Me senti meio que num filme de espionagem, mas achei que era melhor. Deve ser por volta de meia noite. Olho para o céu com a mochila escorregando.

   ―Gabriela você não entende nada de estrelas. – Eu me lembro. Não vou saber que horas são ou que direção estou. Paro um pouco. Me sento na beira da estrada em cima da mochila. Isabella acorda.

   ―A gente ainda está em lugar nenhum, mamãe?

   ―Acertou. Estamos bem no centro de lugar nenhum. Você é genial.

   As luzes de um farol iluminam a pequena estrada. Fico feliz, depois apavorada. Pode ser um psicopata assassino. Abraço Isabella e o carro para uns metros de nós. É muito pior. É um policial.

   ―Boa noite senhora. – Ele joga uma lanterna em meu rosto. Fico de pé. Coloco a mochila nas costas. – Está perdida?

   ―Pareço perdida? Ok, pareço, mas não estou. Estou indo... indo... naquela direção. – Aponto a estrada.

   ―É perigoso andar por aí sozinha com uma criança. – Ele ilumina o rosto de Isabella que fecha os olhos com a lanterna forte. – Entre no carro e levo a senhora de volta a San Gimignano.

   ―Senhor policial. Se eu quisesse voltar para lá não teria saído. Não acha?

   ―Não posso deixa-la na estrada.

   ―É um país livre. Posso ficar na estrada se eu quiser. – Ergo meu queixo. O homem parece não gostar muito do meu tom.

   ―Se o problema for dinheiro o padre costuma ajudar os necessitados. Pode ficar abrigada lá por uns dias. Basta apresentar seus documentos e os da criança. – Um lampejo de esperança que morre no minuto que ele diz documentos. Vão descobrir que não somos mãe e filha.

   ―Não. Obrigado. Vou continuar.

   ―Tem onde passar a noite?

   ―Vou achar uma pousada assim que chegar ao meu destino.

   ―Que é?

   ―O próximo vilarejo.

   ―A criança é sua?

   ―Sou dela sim. – Isabella aperta meu pescoço assustada, a mochila agora já pesa meia tonelada e Isabella mais meia. – Mamãe eu sou sua, sou sua para sempre. Fala para ele.

   ―Calma querida. Não chora. – Outro carro se aproxima. Acho que é a reunião anual dos policiais da Toscano. Como posso ter tanto azar? Um carro preto elegante para. Isabella me aperta o pescoço praticamente me esmagando. O policial quer atenção e agora temos curiosos. Uma madrugado bem agitada para o centro de lugar nenhum. – Viu o que fez? Policial mal. Cadê seu parceiro bonzinho?

   Voltamos nossa atenção para o grupo que se aproxima. Uma senhora que brilha em meio a escuridão de tantas joias, um homem alto, elegante e lindo até no escuro. Um motorista particular uniformizado parado na porta do carro de luxo.

   ―O que está acontecendo aqui policial mal? – A senhora dá mostras de que me ouviu. Eu fico olhando mesmo é para o homem que parece ter os olhos grudados em mim. Ele mexe comigo de um jeito estranho.

   ―Senhora De Martino. – Vila De Martino. Me lembro da senhora do restaurante. Gente rica. Apenas curiosos que logo vão partir. – Essa moça estava perdida na estrada.

   ―Não estamos perdidas. É um pais livre. Viva a democracia.

   ―Ela não quer que a leve a San Gimignano e não posso deixa-las na estrada no meio da noite.

   ―Está tudo bem, querida? – A mulher me pergunta com uma voz suave. Se não estivesse tentando me equilibrar de pé com tanto peso eu a abraçaria.

   ―Estou indo ao próximo vilarejo. Quero tentar encontrar pousada lá. A dona do restaurante disse que ficava a uma hora. Tem quatrocentos mil anos que estou andando e nada.

   ―Uma hora de carro. A pé, com uma mochila e uma criança o tempo fica cinco vezes mais longo. – O homem elegante e lindo se pronuncia com a voz profunda e muito fria. O que eu queria? Um abraço. Provavelmente é isso mesmo.

   ―Não sou boa em matemática. Ninguém é perfeito. – É minha resposta madura.

   ―O senhor é um bom policial. – A senhora diz ao homem com um leve sorriso. – Obrigada por seus serviços. A senhorita e a garotinha vão passar a noite conosco na Vila. Amanhã meu neto vai leva-la até o vilarejo. O senhor pode ir.

   Todos olhamos para ela ao mesmo tempo. Não sei quem de nós está mais chocado. Eu ou o homem elegante.

   ―Como quiser senhora. – O policial faz uma mesura e segue para a viatura. O homem volta a me olhar. Isabella aperta mais meu pescoço. Chora num misto de medo e esgotamento físico e emocional.

   ―Está tudo bem, querida. Vão estar seguras e são muito bem-vindas.

   ―Vovó.... – O homem diz perplexo.

   ―Posso seguir a pé. Não quero ser um problema. – Digo olhando para ele.

   ―Vittorio, não acha que é um problema. Uma jovem e uma garotinha na estrada no meio da noite sozinhas. Não posso permitir isso. Nem ele. Meu neto é um cavalheiro muito honrado.

   Vittorio. Nome forte que combina com ele. O homem se precipita em minha direção. Isabella oferece os braços a ele para minha surpresa e espanto dele.

   Sem alternativa e como se ela fosse uma pluma ele a pega no colo. Ainda lhe sobra um braço livre. Sinto até um pouco de inveja. Com a mão livre ele pega minha mochila, minhas pernas ainda bambas demais para reagir. Isabella com a cabeça no ombro do desconhecido se sentindo em casa.

   O motorista corre para pegar a mochila e levar para o porta-malas do carro. A senhora segue na frente de volta para o carro e eu não sinto minhas pernas.

   ―Senhorita. Está se sentindo bem? – Ele apoia meu braço, tem força ali, não no toque, mas na ação. Me ponho em movimento. Quando me sento no luxuoso carro ele deixa Isabella em meus braços, dá a volta e se senta na frente com o motorista.

   ―Sou Pietra De Martino. Este é meu neto Vittorio. Não se preocupe. Tudo vai ficar bem.

   ―Sou Gabriela. Essa é minha filha Isabella.

   ―Já vamos chegar em casa. Vai poder descansar com a pequena. Amanhã falamos.

   ―Obrigada senhora De Martino. Não sei o que dizer.

   Ela me sorri. Olho para o banco da frente. Vittorio está lá, olhando para o horizonte em silencio. Olho para Isabella agarrada a mim. Beijo o rostinho assustado e seco algumas lágrimas que ainda molham seu rosto.

   ―Amo você. – Digo a ela. – Está tudo bem.

   ―Eu sou sua para sempre. Não é? – Ela toca meu rosto. Sempre foi carinhosa. Fala tocando, abraçando. Fazendo carinho.

   ―Minha para sempre. Está com dor?

   ―Só um pouquinho.

   ―Já vai descansar. – Abraço Isabella e Pietra de Martino me sorri. Aperta minha mão e me sinto segura.


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Notas finais do capítulo

BEIJOSSSSSSSSSSS