London,

January 20, 2017

Desde o fim da tarde a neve não parou de cair, deixando as ruas de Hammersmith com a aparência de extensos tapetes de algodão gelado. Dentro de uma das residências, porém, uma névoa densa pairava prestes a provocar uma explosão. Uma ruiva extremamente irritada andava de um lado para o outro, em uma espécie de ronda constante no quarto do primo, que se tornara temporariamente seu.

— Isso não é possível, Lily! Não é possível!

A menina mais nova a observava, aflita, deitada na cama do irmão que viajava a trabalho com os seus pais. O vai e vem da prima já estava a deixando tonta.

— Você precisa se acalmar, Rosie. – Lily sugeriu inutilmente.

— Como?! – Rose se empertigou, ainda mais incontrolável – Já são onze da noite e nada do papai chegar aqui.

— Hoje é sexta. É normal as pessoas saírem pra curtir alguma coisa com os amigos...

— Só que ele não saiu pra curtir com os amigos!

— Você não pode afirmar isso...

— Claro que posso! Ninguém sai pra curtir com os amigos todo arrumado da forma que ele saiu daqui!

O celular de Rose vibrou em cima da cama. Lily pegou a aparelho e, com o aval da prima, leu a mensagem que havia acabado de chegar.

Não precisa me esperar,

não dormirei em casa.

Chegarei a tempo para o café-da manhã, não se preocupe.

Beijos!

Daddy [11:18 pm, 1/20/2017]

A ruiva mais velha inchou-se em cólera.

— Eu disse o-quê!!

Lily protegeu os ouvidos dos gritos esganiçados da prima. Rose estava fazendo tanto barulho que nem ela, nem a ruiva mais nova escutaram quando duas pessoas adentraram a casa. A porta do quarto fora aberta sem nenhuma cerimônia.

— Rosie, da pra ouvir os seus gritos do início da rua. – Alvo comentou, colocando a cabeça através da passagem e sorrindo de canto. – Daqui a pouco a Mrs. Figg toca a campainha, querendo saber quem é que tá morrendo.

A menina semicerrou os olhos para o primo, que só fez rir mais intensamente. Ele adentrou completamente no quarto com Scorpius na sua cola.

— O que houve? – o loiro indagou, se sentando ao lado de Lily, na cama.

— A primeira parte do plano deu errado. – a garota mais nova respondeu. – O tio Ron saiu pra farra e só volta amanhã de manhã.

— Ihh...

Alvo fez uma expressão engraçada. Scorpius, no entanto, foi menos sutil e soltou uma gargalhada. Se tudo continuasse acontecendo dessa forma, ele estaria cada vez mais perto da vitória. Rose o fuzilou com os olhos.

— Você não tem casa não, Malfoy?

— Tenho.

— Meio tarde pra você estar fora dela, não acha? – o tom da ruiva era sarcástico.

— Não, não acho. – o garoto permaneceu inabalável.

A garota rolou os olhos. Lily aproveitou a deixa para se manifestar.

— Mas e agora? Como vai ser?

— Não sei... – Rose respondeu. – Preciso pensar.

— Talvez não seja melhor você deixar essa loucura de lado e respeitar a decisão dos seus pais?

Alvo questionou, sério. A ruiva negou com a cabeça.

— Eu não posso, Al. Eu quero tentar.

— Ah, claro, nossa senhora salvadora da pátria e dos casamentos.

Scorpius debochou. Rose ignorou.

— Eu preciso distrair a mente da mamãe e do papai de alguma forma. Só assim o plano vai dar certo.

Alvo e Lily franziram a testa, sem entender. Scorpius, contudo, pareceu analisar o comentário por alguns segundos. Incrivelmente, ele fora o único que havia compreendido a relação entre as coisas. A ruiva mais velha percebeu.

— Olha... – Rose sussurrou. – Parece que o seu único neurônio oxigenado funciona, então? – ela zombou, sorrindo animada.

Rose raramente sorria na presença do loiro e Scorpius sabia disso. De alguma forma ele gostou daquela reação. As provocações da menina eram divertidas.

— Dependendo do assunto, Weasley, ele funciona bem até demais.

A resposta foi dada diretamente, olho no olho. Rose sentiu-se subitamente quente. Ela desviou o rosto para a janela, temendo demonstrar as bochechas vermelhas de vergonha. A técnica, porém, tinha sido inútil. Scorpius percebera, cravando nos lábios um sorrisinho malicioso. A tensão da situação foi quebrada com o murmúrio chateado de Lily.

— Então, né, eu ainda tô esperando alguém me explicar...

Malfoy se pôs a explicar.

— O que a Weasley quis dizer... – ele começou, observando para a ruiva mais velha pelo canto do olho. – É que se ela der um jeito de distrair os pais, eles podem acabar esquecendo toda essa briga deles e focando somente nas coisas boas que aconteceram entre eles dois.

A explicação não o impediu de fazer um comentário ácido no final.

— Isso, claro, se ainda existir alguma coisa boa entre eles dois.

Rose rebateu na mesma hora. Sua mente funcionava a mil por hora.

— Existe, eu tenho certeza. – ela foi enfática. – E você, Malfoy, já que está aqui, seja útil.

Scorpius franziu a testa. A menina continuou.

— Eu quero que você ligue para sua mãe e peça um favor.

— Eu não vou ligar pra minha mãe, muito menos pedir um favor a ela!

— Ah, você vai. Nem que eu faça você engolir esse smartphone que tá no seu bolso!

Alvo e Lily caíram na risada. O loiro apenas rolou os olhos acinzentados.

— Digamos que eu aceite ligar pra Astoria... – ele simulou a possibilidade – Que favor necessariamente eu deveria pedir a ela?

Rose sorriu, pela segunda vez naquela noite. Scorpius suspirou e a deixou repassar o plano que dançava em sua mente.

—---- Ω -----

Rose saiu do quarto de Lily de roupão, escolhendo displicentemente um dos elásticos do braço para prender o cabelo. A ruiva havia acabado de tomar banho no quarto da prima, pois o banheiro de James estava com problemas na tubulação. A garota veio se arrastando lentamente pelo corredor, com as mãos erguidas até os fios na sua cabeça, até perceber a sombra de alguém apoiado à parede, ao lado da porta do cômodo onde ela estava dormindo.

A figura descansava pacientemente em pé, com as pernas cruzadas e as mãos nos bolsos. Seus fios de cabelo quase brancos, mais compridos do que o usual, caiam pela sua testa com certo charme. A ruiva fingiu não se importar com a presença e tentou se manter o mais equilibrada possível.

— O que necessariamente você está fazendo aqui?

Rose perguntou, calma, terminando de prender o cabelo em um coque alto. Scorpius observou algumas pontas avermelhadas, mais curtas, se soltarem e caírem pela nuca e pelas têmporas da garota. Ele umidificou os lábios, dispersando certos pensamentos antes de responder.

— Eu só vim te dizer que a ligação que você me obrigou a fazer também não vai sair de graça, Weasley.

A ruiva ergueu as sobrancelhas, desafiadora.

— Ah, é mesmo?! – ela o provocou, o encarando – Interessante...

O loiro conseguiu distinguir as sardas da garota mesmo a meia luz.

— E como você pretende me cobrar por ela?

Ele a encarou.

— Na hora certa eu vou descobrir um jeito.

Rose não se abalou. Ela girou a maçaneta, abrindo a porta do quarto.

— Pense e me avise. Não quero ficar em dívida com ninguém, muito menos com você.

A resposta foi dada com uma altivez desconhecida as adolescentes comuns de quinze anos.

— Agora me dê licença, por favor. Eu preciso tentar dormir.

— Problemas com insônia?

O loiro inquiriu, surpreso.

— Talvez esteja, mas você não tem nada a ver com isso.

— Quer que eu cante uma canção de ninar pra você, Weasley?

— Só se eu quiser que os meus tímpanos estourem.

Scorpius sorriu de canto e se aproximou uns dois passos, ficando entre a garota e a entrada do quarto. Ele se abaixou até a direção da orelha de Rose.

— Ninguém nunca reclamou – o loiro sussurrou, devagar – Não creio que você será a primeira.

O hálito quente do garoto fez a pele da ruiva se arrepiar por baixo do roupão. Rose respirou fundo e engoliu a seco, antes de rebater a altura.

— Provavelmente todas já estavam com a audição comprometida.

Scorpius gargalhou e deu de ombros. Rose bufou, num misto de irritação e algo mais que ela não sabia descrever.

 – Boa noite, Malfoy.

A ruiva atravessou o batente, ríspida, e fechou a porta do cômodo com força. O barulho ecoou pelo corredor.

— Boa noite, Weasley...

O loiro murmurou, pondo as mãos dentro dos bolsos outra vez. Scorpius seguiu andando tranquilamente, sorrindo, em direção ao quarto de Al.