Crônicas Mitológicas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 10
Mentes


Notas iniciais do capítulo

O misterioso tio de Jasão finalmente dá as caras, e logo de início como o personagem principal do capítulo. Mentes recebe o sobrinho nas sagradas florestas do Monte Pélion, onde, na mitologia grega, os mais famosos heróis foram educados.



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Escalando o Monte Pélion, a meio caminho de seu ponto mais alto e próximo a uma caverna, havia um velho entre as árvores sentado em frente a uma fogueira. Sobre o fogo, ele fervia chá em um recipiente de bronze, para esquentar-se nesse final de tarde. Sentindo o sol desaparecer por detrás do Monte Pélion, de tempos em tempos jogava um graveto nas chamas para alimentá-las. Seu olhar fixo na dança das labaredas contemplava a beleza desse elemento que tinha-lhe um significado dual, trazendo-lhe memórias boas e ruins. O velho sempre fitava absorto o fogo quando precisava refletir. Nas últimas horas, o ancião havia pressentido acontecimentos suspeitos nas redondezas do Monte Pélion, cujos significados ele ainda não havia compreendido totalmente.

— Tio Mentes! — uma voz jovem exclamou de longe. Era seu sobrinho, Jasão, que subia a encosta íngreme. Apoiando-se num galho para auxiliar a escalada, o garoto caminhava com certa dificuldade. Parecia estar mancando, e possuía hematomas e escoriações por todo o corpo, além da túnica estar suja e rasgada. Sem tirar os olhos do fogo, o velho Mentes esperou que o rapaz terminasse a escalada e se aproximasse.

— O que lhe aconteceu, filho? Escorregou durante a subida? — perguntou sem estar realmente interessado na resposta. O velho tinha maiores preocupações no momento.

— Bem, eu... Não sei por onde começar — Jasão estava hesitante, então Mentes insistiu que ele desembuchasse logo. — Eu conheci um Cavaleiro de Zeus — respondeu finalmente. Foi aí que Mentes congelou. Seu olhar alheio desapareceu, e foi substituído pelo mais sincero interesse em Jasão. Agora as suas premonições começavam a fazer sentido. Mandou o sobrinho sentar-se e contar todo o ocorrido. Jasão revelou uma longa história, abordando desde o encontro com Orfeu, até o sonho com seu suposto pai e a audiência com o rei Pélias. Embora a história tenha sido contada de forma bagunçada devido à ansiedade do garoto, o tio ouviu-a com extrema atenção, absorvendo cada frase atentamente. Ainda que o ouvisse calado, quanto mais o garoto revelava, mais o velho se interessava no relato. Quando Jasão finalmente deu-o por completo, Mentes voltou a compenetrar-se no fogo, e assim permaneceu por alguns incômodos minutos, mesmo sabendo o quanto Jasão estava ansioso para descobrir o significado de tudo aquilo.

— Então é pior do que eu havia profetizado — comentou, finalmente.

— Tio, o que está acontecendo? Afinal eu sou ou não sou filho de Esão, o cavaleiro de áries?! — indagou impaciente.

— Sim, você é — respondeu secamente. — Mas esta é a menor de suas preocupações... O pior ainda está por vir.

— Me conte logo. Seja o que for, eu posso lidar com isso. É por que ele vai voltar para me matar assim que perceber que...

— Calado — asseverou. Jasão ficou apreensivo. — Escute, atentamente, pois eu vou revelar toda a verdade. O sonho que você teve todas as noites, é uma lembrança. Mas não é a sua lembrança. É uma mensagem que o seu pai deixou para você através de Hele. Ele nunca teve a chance de se despedir de você, e por isso deixou essa mensagem gravada no cosmo de Hele. Eu sei disso, pois também recebi essa mensagem quando seu pai enviou Hele para mim.

— O cosmo de Hele? Não estou entendendo... — interrompeu, confuso. — O que Hele tem a ver com tudo isso?

— Ela é o centro de tudo, Jasão. Ela é a razão de todo o incomum pelo qual você está passando agora. Pois ela é a deusa Atena — Jasão ficou perplexo. A princípio fitou seu tio com olhar desconfiado, mas a expressão severa de Mentes permaneceu inflexível. — Há quinze anos, antes da guerra começar, seu pai era um dos cavaleiros de ouro mais poderosos do Santuário de Zeus. Porém, em certa noite, ele testemunhou que o Grande Mestre do Santuário iria trair Atena e, para salvá-la, raptou do Santuário o bebê em que a deusa reencarnou como humana — Mentes revelava cada palavra pausadamente, para dar tempo de Jasão absorvê-las. — Entretanto, seu pai morreu durante a fuga. E as últimas palavras dele foram ditas ao cosmo desse bebê, bebê esse que foi criado como a sua irmã. Ao atingir a maturidade e começar a despertar o cosmo e o espírito da deusa Atena, Hele deve ter retransmitido inconscientemente essa mensagem para você durante o sono. Isso significa que ela está finalmente se tornando a nossa deusa. — Embora improvável, esta era a única explicação possível para Mentes. De que outra forma Jasão sonharia com uma mensagem que lhe foi enviada há mais de 15 anos, quando era apenas um bebê? Não havia como ele lembrar por conta própria.

— Então eu sou mesmo filho de Esão... E Hele é a deusa Atena?! Me desculpe, tio, mas eu não consigo acreditar num absurdo desses. Eu me recuso! — exclamou, levantando-se, irado. Talvez fosse informação demais para Jasão digerir em um único dia. — Você sempre me ensinou que a reencarnação de Atena havia morrido. Se você quer que eu acredite em todas essas bobagens, você precisa me dar uma prova!

— Olhe o seu tom comigo, rapaz — retorquiu, erguendo-se também. — Para começo de história, eu não sou seu tio, e meu verdadeiro nome nem é Mentes. Isso é tudo um disfarce. Eu nem conhecia os camponeses para quem entreguei você e Hele. Eles não conseguiam ter filhos; então fiz um acordo com eles para que Hele permanecesse escondida. Hele é a única pessoa importante aqui. A única razão de você não ter sido descartado após seu pai morrer foi para proteger Atena! — O velho se arrependeu um pouco logo após essas palavras duras. O garoto pareceu ficar abalado. Era de se esperar. Afinal, o mundo como ele conhecia estava desabando. Nada do que ele sabia sobre si mesmo e sobre as pessoas ao seu redor, nada do que sabia sobre a sua vida até ali, era verdade. O ancião notou que Jasão nem olhava mais em seus olhos. — Me perdoe. Eu não devia ter dito essas palavras. Você era muito importante para o seu pai, e Esão era um grande amigo meu.

— Quem é você, afinal? — devolveu, sem interesse em aceitar o perdão do velho.

— Meu nome é Quíron. Eu sou o antigo Cavaleiro de Prata de Centauro — respondeu com um pouco de orgulho.

— O quê?! Você é o Quíron das histórias que me contava? Aquele que treinou dezenas de cavaleiros? Você é o cara que treinou mais da metade do Santuário? — interrogou, tentando esconder a admiração.

— Sim. Eu tive muitos discípulos, entre eles o seu pai e, agora, você. Eu vou treiná-lo para ser o sucessor de Esão para que, assim, você proteja Atena — assegurou.

Embora o garoto ainda estivesse magoado pelas palavras duras de antes, a possibilidade dele tornar-se mais forte para proteger Hele ganhou a sua simpatia. Quíron sabia que não havia ninguém no mundo a quem Jasão quisesse proteger mais do que a sua querida irmã.

— Mas, tio... Quero dizer... Quíron... Orfeu disse que eu não tenho cosmo nenhum, que eu não tenho potencial para me tornar um cavaleiro.

— Sobre o seu cosmo, há algo mais para eu revelar... Mas antes, me responda, pois isso é muito importante: você tem certeza absoluta de que o nome do cavaleiro que encontrou era Orfeu de Virgem?

— Sim. Eu tenho certeza.

— E ele tocava uma lira dourada, e carregava uma urna dourada? — sem entender a preocupação de Quíron, Jasão confirmou novamente. — Parece impossível, mas se é mesmo esse Orfeu que eu estou imaginando, isso significa que Hele pode ser descoberta a qualquer momento... A intuição cósmica desse homem, Jasão, vai além da de qualquer outro cavaleiro que já existiu. Não vamos mais perder tempo; devemos partir imediatamente — asseverou, decidido.

— O que tem de especial nesse Orfeu de Virgem? Você nunca me contou sobre nenhum cavaleiro com esse nome — perguntou-lhe, preocupado. Mas antes que pudesse responder, uma rajada de cosmo-energia surgiu de dentro de bosque, morro abaixo, subindo na direção de Jasão. O velho saltou sobre o garoto, derrubando-o no último instante, e a rajada seguiu adiante até colidir com uma árvore e parti-la o tronco.

— Você está bem? — perguntou a Jasão, enquanto a centenária árvore despencava no chão, com um grande estrondo, e depois deslizava montanha abaixo.

— Acho que sim. O que foi isso? — retrucou, aflito. Quíron ainda não havia identificado o inimigo por entre as árvores, mas provavelmente era alguém do Santuário. Após quinze anos se escondendo nas montanhas sagradas do Monte Pélion, ele finalmente foi descoberto.

— Fique atrás de mim — recomendou a Jasão, levantando-se. — Quem está aí?! Apareça! — Um grupo formado por sete mulheres e um homem se revelou de detrás das árvores. Todos vestiam túnicas brancas de linho, leves e curtas o suficiente para dar bastante mobilidade às pernas. O homem carregava uma urna de prata nas costas. — Como foi que eu não percebi a presença de vocês? — indagou aos desconhecidos.

— Eu sou Pirítoo, Rei dos Lápitas, e Cavaleiro de Prata de Órion. E essas sãos as minhas discípulas, as Plêiades. Como todo bom caçador, a minha especialidade é seguir a presa sem que ela perceba. Orfeu pediu para investigar vocês... E parece que eu acabei descobrindo o paradeiro do maior traidor do Santuário depois de Esão: Quíron. Bem como o filho do próprio Esão e Atena!

— E o que você fará agora que me encontrou, Pirítoo, Rei dos Lápitas?

— Não é óbvio? Nesse exato instante, Orfeu já deve estar reconduzindo Atena para o Santuário. — Outra má notícia. Se essa informação era verdadeira, Quíron estava certo sobre a velocidade dedutiva de Orfeu. — Eu aposto que foi por isso que ele decidiu separar-se de nós. E enquanto ele resgata Atena... Eu vou puni-los com a morte por seus crimes contra o Santuário — ameaçou.

— Espere um momento, cavaleiro. — Com as coisas saindo do controle, Quíron precisava apelar para a diplomacia. — Se você prestou atenção na minha história, você deve ter ouvido que o Grande Mestre é quem traiu Atena e a colocou em perigo. Esão a raptou para...

— Nos poupe de suas explicações — interrompeu. — Eu não vou ouvir as palavras de um traidor que diria qualquer coisa para salvar a própria vida. A simples alegação de que o Grande Mestre trairia Atena é absurda. Se esse era o seu melhor álibi, prepare-se para morrer.

O Cavaleiro de Órion estava determinado em sua missão. Quíron precisava pensar em algo rápido, pois em um confronto contra oito inimigos ele não seria capaz de garantir a segurança de Jasão. Mas já era tarde! A crescente agressividade no cosmo do inimigo denunciou que ele atacaria novamente. Sem alternativas, ordenou a Jasão que corresse.

— Tio? — o garoto ficou relutante.

— Vamos, corra!

Quíron empurrou o rapaz, que finalmente lhe obedeceu. Nesse mesmo instante, porém, Pirítoo lançou outra rajada de energia, muito mais rápida do que Jasão. O fluxo de cosmo-energia iria atingir o rapaz, mas Quíron entrou no caminho e parou o golpe com a palma da mão. Violentas correntes de cosmo fluíam ao redor do ancião enquanto ele detinha o golpe. Quíron olhou sobre o ombro e viu que Jasão havia conseguido escapar – ele terminou de subir o morro que dava na caverna e desceu para o outro lado. Vendo que o ataque não surtia efeito e era completamente contido por Quíron, Pirítoo o cancelou e descansou o punho, que ficou fumegando após lançar toda aquela energia.

— Não deixem ele fugir — ordenou às Plêiades. As sete guerreiras correram em disparada em busca de Jasão, numa velocidade sobre-humana, vencendo rapidamente a distância que as separava do morro por trás do qual o garoto descera. Porém, Quíron não pretendia deixá-las matar o filho de seu melhor pupilo. Após quinze anos de reclusão, o velho voltava a queimar o seu cosmo, e saltou para se colocar no caminho delas. Elevando as palmas das mãos para o alto, Quíron invocou uma altíssima muralha de fogo às suas costas, bloqueando a passagem das Plêiades. A muralha se estendia por dezenas de metros para os lados, sendo impossível contorná-la, e suas chamas subiam tão alto que atingiam as copas das árvores. Mas enquanto as seis primeiras Plêiades pararam imponentes perante o fogo, a retardatária saltou para os troncos das árvores e, usando-as como apoio para tomar impulso a alturas cada vez maiores, sobrevoou a muralha.

— Electra conseguiu! — comemorou uma das guerreiras que ficaram para trás. Quíron se virou para tentar deter a Plêiade que havia passado; ele preparava o lançamento de um golpe à distância. Porém, não teve tempo de concluir o ataque, pois as seis guerreiras restantes avançaram contra ele. A primeira oponente se aproximou com um cruzado de direita. Com a guarda baixa, Quíron realizou uma esquiva de cabeça para a esquerda, ao mesmo tempo em que torceu o tronco para a direita, ficando em posição de contra-atacá-la. Apenas com a força necessária, puniu a guerreira desavisada com o cotovelo esquerdo na nuca dela – a mulher desmaiou imediatamente. Mas não havia tempo para repouso. Nesse mesmo instante, a segunda combatente já estava às suas costas. Ela saltou e desferiu uma sequência de três chutes rotatórios no ar. O velho defendeu-se do primeiro com o antebraço esquerdo, e esquivou-se dos dois últimos. Após aterrissar, a Plêiade investiu mais uma vez contra Quíron. Mas ele foi mais rápido e, antecipando-se, atingiu-a com um soco na boca do estômago, deixando-a totalmente incapacitada. Nesse instante, as quatro restantes já o cercavam de muito perto, mas Quíron segurava a companheira ferida delas como um escudo humano, mantendo-as relutantes em atacar.

— Não se preocupem. Ela só está com o diafragma espástico — disse empurrando-a para suas aliadas, que a acolheram antes que caísse. — Ela logo voltará a respirar normalmente.

— Maldito, vai pagar...

— Pare, Alcíone! — ordenou Pirítoo, para a guerreira que já se movimentava para atacar Quíron. — Este homem está em um nível muito acima de vocês.

— Mestre Pirítoo... — protestou a discípula.

— Cuidem de Maia e de Celeno, e aguardem o retorno de Electra. Eu vou lidar com este traidor pessoalmente — ordenou, colocando a urna de prata à sua frente. Pirítoo desfez os laços que prendiam sua túnica, deixando-a cair no chão e ficando completamente nu. Então, tomou um impulso sobre a urna, realizando um grande salto para a frente. Imediatamente, a urna se abriu, revelando uma grande explosão de luz branca e peças de armadura que voaram para o corpo do cavaleiro, vestindo-o completamente antes dele aterrissar em frente a Quíron e as Plêiades. A vestimenta sagrada de Órion, de cor prateada, e assim como as demais armaduras, protegia quase todo o corpo do usuário. As ombreiras eram largas e quadradas, cada uma contendo um grande espinho na ponta. As braçadeiras também continham um espinho em cada antebraço, próximo do cotovelo. Havia algo mais, no entanto, que diferenciava a armadura de Órion das outras. Assim como o caçador desta constelação, a armadura possuía uma espada longa e reta de dois gumes, embainhada nas costas, e uma enorme e robusta clava, que Pirítoo portava na mão direita, descansando-a sobre o ombro. Ambas as armas eram feitas, em sua totalidade, do mesmo material que o restante do traje sagrado. Vendo que seu mestre iria lutar, as Plêiades afastaram-se carregando as feridas.

— Uma batalha entre cavaleiros... Isto é proibido e jamais deveria acontecer. Mas se for para proteger Atena do mal que se apossou do Santuário, eu devo passar por você e chegar até Orfeu antes que ele a leve de volta para o Grande Mestre.

— Não seja ridículo — contestou, Pirítoo, agora com a voz metalizada pela máscara do elmo. — Não é uma batalha entre cavaleiros se você não tem uma armadura — observou.

— Tem certeza disso? — desafiou Quíron. Após deixar apagar a muralha de fogo às suas costas, da caverna ali acima surgiu um brilho reluzente, e uma armadura prateada em formato de centauro revelou-se, pairando no ar. Suas partes se desmontaram e voaram para Quíron, formando o traje de um autêntico cavaleiro de prata. Era uma armadura robusta no tórax, conferindo uma proteção pesada nessa região. As ombreiras também eram enormes, possuindo saliências que cercavam o pescoço dos dois lados, e uma extensão pontiaguda bastante comprida nas pontas.

— Isso é impossível. Sua armadura deveria tê-lo rejeitado após trair Atena. Como pode estar vestindo ela? — admirou-se Pirítoo.

— Eu já lhe disse. Eu não trai Atena. O Grande Mestre é que é o traidor — atestou Quíron, agora com a voz também encoberta pela máscara. Pirítoo analisou a situação calado. Quíron esperava que ele desistisse do combate e resolvessem o impasse com diálogo. Mas o cavaleiro de Centauro também sabia que as armaduras sagradas não eram impassíveis de corrupção, e que Pirítoo deveria estar refletindo sobre isso nesse momento. As Plêiades assistiam de longe, ansiosas pelo julgamento de seu mestre.

— Você deve ter dado um jeito de burlar a confiança da armadura, assim como criou algum mecanismo para suprimir o cosmo daquele garoto — Pirítoo era astuto. — Você acha que eu não percebi? — vangloriou-se. — Esta é a única explicação para Orfeu não ter detectado a herança de Esão no garoto. Pois bem! — exclamou, largando a clava no chão, e depois retirando a espada da bainha fincando-a no solo — Mesmo que uma batalha entre cavaleiros seja proibida a séculos, não podemos fugir disso agora. Então vou seguir o antigo código e lhe dar uma luta justa. Não usarei nenhuma das minhas armas, em respeito a você estar lutando apenas com as próprias mãos — explicou, torcendo os punhos.

— Vejo que eu não conseguirei convencê-lo com palavras — lamentou o ancião, que elevou o cosmo em resposta à cosmo-energia agressiva que o Cavaleiro de Órion começava a emanar.

Pirítoo cerrou o punho direito, onde concentrou a cosmo-energia até ela começar a descarregar faíscas azuis. Então, abriu o punho e formou uma esfera de relâmpagos, que girava em torno no próprio eixo em alta velocidade, e, com um brado de luta, arremessou-a contra Quíron. Com dois passos ágeis, o veterano esquivou-se para a direita, deixando a esfera colidir contra o terreno íngreme às suas costas e depois subir até a copa das árvores. Quíron não se impressionou com a técnica, mas o olhar arrogante de seu jovem adversário o fez supor que aquele não era o fim do golpe planejado. Com os dedos indicador e médio em riste, Pirítoo usou a telecinese para controlar a trajetória da esfera lançada. Quando Quíron olhou sobre o ombro, percebeu que a esfera já voltava na sua direção, e teve tempo apenas de saltar, desajeitado, para a direita. A esfera colidiu novamente com o solo, quicando na direção de Pirítoo, que conteve os relâmpagos em sua mão esquerda. Movimentando-se na direção do Centauro, o Cavaleiro de Órion arremessou mais uma vez a esfera, desta vez contra um oponente sem reação, que ainda pairava em pleno ar. Quíron protegeu-se com os braços ao ser atingido, e foi arrastado junto com a esfera de relâmpagos através da colina às suas costas, subindo o morro até o seu corpo chocar-se contra a parede de rocha maciça da entrada da caverna. Mas Pirítoo ainda exercia força telecinética sobre a esfera, pressionando o corpo de Quíron contra o paredão de pedra, e castigando-o com o calor dos relâmpagos – mesmo com a proteção da armadura de prata, o velho podia sentir os raios queimarem seus antebraços. O Cavaleiro de Órion havia colocado o ancião em uma situação difícil, mas o Centauro estava determinado em escapar dela para proteger Jasão e Atena.

Explodindo sua cosmo-energia, Quíron conseguiu repelir a esfera de relâmpago com o braço esquerdo, lançando-a para o céu, ao mesmo tempo em que correu em disparada na direção de Pirítoo, morro abaixo. Na metade do caminho, o Centauro reuniu toda a sua cosmo-energia no braço direito, e disparou uma grande rajada de chamas através da palma da mão. A torrente incandescente era enorme e violenta, mas Órion não se abalou com o perigo. O grande caçador projetou outra esfera de relâmpagos à sua frente, dotada de uma rotação tão alta que repeliu todas as chamas em seu caminho, formando um túnel para que o Caçador se abrigasse, ajoelhado, dentro daquele imenso turbilhão de fogo. As chamas fluíam ao seu redor queimando todo o bosque, mas o cavaleiro de prata permanecia impassível, protegido por sua esfera de raios. Quíron estava determinado a terminar essa luta rapidamente, e começou a elevar ainda mais o seu cosmo, aumentando a potência das chamas.

— Esta é a sua última chance de desistir! — alertou o ancião. — Eu não quero machucá-lo. Desista dessa luta, e eu interrompo o meu ataque!

Apesar dos avisos, o Cavaleiro de Órion o ignorava e parecia permanecer resoluto em defender-se. Mesmo assim, Quíron não queria feri-lo, e ficou hesitante em aumentar ainda mais o poder de suas chamas. Foi então que percebeu um sorriso malicioso nas Plêiades que assistiam ao combate, de longe. Por que elas sorriam? Não fazia sentido, levando em conta o mestre delas estava encurralado. O que elas sabiam que Quíron estava perdendo? Foi nesse momento em que o ancião ouviu um silvo vindo do céu. Quando olhou na direção do som para conferir o que era, já era tarde demais para escapar. Outra esfera de relâmpagos vinha em sua direção, e o velho nada pode fazer senão resistir ao impacto da melhor maneira que pode. A orbe chocou-se contra a ombreira do Centauro, que estilhaçou-se imediatamente, e derrubou o cavaleiro de prata com violência no solo, interrompendo o seu ataque de chamas.

Muita poeira se levantou com a colisão. Essa era a primeira esfera de relâmpagos que Pirítoo havia criado, e que Quíron pensara ter se livrado ao repeli-la para longe. Mas o Cavaleiro de Órion habilmente a reconduziu para a batalha e, controlando uma orbe para se defender e outra para atacar, surpreendeu o experiente cavaleiro.

Enquanto Quíron jazia ferido no solo, Pirítoo deslocou a esfera com que atacara novamente para si e, com as duas esferas flutuando ao seu redor, aguardou pelo resultado de seu ataque. Enquanto isso, as Plêiades, que haviam se afastado ainda mais para se protegerem da violência das chamas, aproximaram-se novamente, admirando a destruição causada pelo fogo na paisagem.

Quando a poeira baixou, Quíron finalmente levantou-se. Ele estava moderadamente ferido na região em que a armadura foi destruída, mas demonstrava estar apto para levar a contenda adiante.

— Esta sua técnica é impressionante. Confesso que foi leviano da minha parte não considerar que você poderia controlar mais de uma esfera de relâmpagos ao mesmo tempo — Pirítoo, que não demonstrava ter-se ferido enquanto se defendia, pareceu ficar satisfeito com o elogio.

— Obrigado. Não o culpo por desconhecer minhas habilidades de luta. Você abandonou o Santuário antes de eu desenvolver a Dança de Relâmpagos.

— Dança de Relâmpagos?

— É como chamam a minha técnica de luta. Eu posso controlar até três esferas de relâmpagos — afirmou, invocando uma terceira orbe que passou a flutuar em círculos junto com as demais ao redor de seu corpo — e movimentá-las como quiser, como se fossem uma extensão do meu corpo. Lutando com estas três orbes, eu posso atacar e defender simultaneamente. Também posso atacar em até três direções diferentes ao mesmo tempo, confundindo a defesa do inimigo — nesse momento as esferas começaram a contornar seu corpo em eixos diferentes, formando uma espécie de triângulo ao seu redor. — Esse aspecto ofensivo da minha técnica é conhecido como Dança de Relâmpagos. Além disso, estas três esferas também podem cercar o meu corpo e me proteger de ataques vindos de qualquer direção, como se formassem um cinturão de raios. Esse aspecto defensivo da minha técnica é conhecido como Cinturão de Órion.

— Cinturão de Órion... Exatamente como as três estrelas que formam o cinturão da constelação de Órion — constatou, sorrindo. — Admito que o subestimei, Pirítoo. Você é um guerreiro bem mais inventivo do que eu esperava. Tem o meu respeito.

— Você também não luta nada mal para um velho. O poder do seu Espírito Indomável do Fogo é lendário lá no Santuário. Eu, que já lutei contra os centauros para expulsá-los das minhas terras, devo admitir que a sua técnica é exatamente como eles: violenta e incontrolável.

— Isso não é algo de que eu realmente me orgulhe — observou, torcendo o nariz. — Eu tive a honra de receber a herança da nobre escola de Centauro. No entanto, com os ensinamentos que recebi, é impossível proteger aqueles com quem me importo sem colocá-los em perigo. Agora mesmo, veja o que a minha técnica fez a este bosque, antes imaculado. Ele está todo devastado pelo fogo. A fúria desse elemento não pode ser controlada.

Quíron admirava a natureza, e agora lamentava que todas as árvores ao redor estavam tão queimadas que seus troncos já tinham virado carvão, ainda em brasas. Parecia que um incêndio florestal havia passado por ali. Se o clima estivesse mais seco, o fogo certamente teria se espalhado por toda a montanha.

— Sinto um certo remorso em suas palavras. Você já feriu alguém a quem estava tentando proteger? É por isso que você se perdeu em seu caminho como cavaleiro? — Quíron desviou o olhar para baixo. Sentia vergonha ao recuperar essas memórias. — Não importa. De qualquer maneira, cabe a mim puni-lo por ter se desvirtuado — decidiu-se, elevando o cosmo.

— Não seja arrogante — retrucou, também elevando o cosmo, e devolvendo-lhe um olhar furioso — Você não tem o direito de me julgar sem conhecer a minha história. É verdade que eu já cometi erros no passado, cujos fardos são a minha responsabilidade carregar até o dia da minha morte, mas... Esse dia não é hoje! Eu não estou pronto para morrer até que eu tenha concluído a minha missão com Atena!

Ambos os cavaleiros de prata explodiram suas cosmo-energias violentamente. Uma enorme aura azul clara envolveu Pirítoo, enquanto uma laranja rodeou o corpo de Quíron. Pirítoo elevou sua mão direita acima da cabeça, e as três orbes de relâmpagos começaram a girar cada vez mais rápido ao redor de seu corpo, ao passo que se juntavam no mesmo eixo para girar ao redor de seu punho. Elas rodavam tão rápido acima de sua cabeça que era impossível distingui-las individualmente. Visualmente, elas haviam se fundido em uma única roda de relâmpagos, que de tempos em tempos deixava descargas elétricas escaparem contra os troncos incinerados mais próximos. Ao mesmo tempo, Quíron invocou uma enorme quantidade de chamas que se desprendiam dos arredores de seu corpo. O fogo violento ampliava-se para os lados e para cima, formando uma barreira inflamada a partir de seus flancos e costas. Ao recuar o punho direito, preparando um soco, todas essas chamas foram sugadas para o seu braço na forma de um redemoinho, e acumularam-se de forma densa e com um brilho muito mais intenso na superfície de seu corpo. Para as Plêiades, que assistiam a esse embate de titãs, os poderes pareciam equiparar-se perfeitamente, e os combatentes estavam prontos para desferir suas principais técnicas. Mas quando estavam prestes a lançarem seus golpes, os cavaleiros tiveram sua concentração interrompida. Uma enorme explosão de cosmo-energia surgiu das proximidades das montanhas. Quíron e Pirítoo se entreolharam sem compreender de onde vinha aquele imenso poder. Perplexos, detiveram seus golpes, tentando entender de onde vinha aquele cosmo. Alguns segundos depois, um grande tremor de terra balançou toda a montanha, sendo seguido por um trovão ensurdecedor. E então o misterioso cosmo desapareceu.

— Que cosmo aterrador foi esse? — disse Pirítoo, finalmente.

— Veio da direção em que Jasão correu... — constatou Quíron. — Não é possível. Será que ele...


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Notas finais do capítulo

De todas as lutas que escrevi até agora nesses 10 capítulos publicados e nos outros 12 ainda em revisão, este embate entre os cavaleiros de prata continua sendo o meu favorito. Espero que o leitor tenha sentido a mesma emoção que eu senti ao escrevê-lo e relê-lo.



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