Rebeca abriu os olhos, vendo o teto branco de sua sala, processando tudo o que tinha visto. Então sentiu que suas mãos estavam largadas ao lado do corpo.

Como se tivesse levado um susto, se sentou, olhando ao redor, e se deparou com Cecília, ainda sentada na mesinha, a encarando.

— Você está bem? — Ela perguntou.

— Acho que sim... E você? — Rebeca olhou para o lado e viu que Aloys não estava mais ali.

— Estou bem. Acho que preciso tirar um cochilo.

— Pode dormir... — Levantou, sentindo suas pernas fracas. — O-onde está Aloys?

Cecília sentou-se no lugar dela. — Ele foi para fora.

Uma sensação de medo encheu o peito de Rebeca, e sentindo seu coração se acelerar, correu para fora. Assim que abriu a porta dos fundos, viu Aloys no meio do jardim, sentado nos calcanhares, na grama. Sua cabeça estava baixa como se estivesse abalado.

Rebeca andou devagar até ele, sentindo sua garganta apertar. — ... Aloys... — sussurrou, quando ficou a três passos dele.

Aloys balançou a cabeça, negando. Rebeca deu um passo para frente. — Não! — Ele disse sem a olhar. Sua voz estava trêmula.

Ficando parada, Rebeca sentiu seu coração doer. — P-por favor...

— Não! — Levantou e virou para olhá-la. Seu rosto estava molhado, arrasado. — Você... você... — Passou as mãos no rosto e no cabelo.

— Aloys... — Sua voz sumiu. Ela não entendia, mas sentia-se culpada.

— Me deixe em paz. — Se virou, ficando de costas para ela. — Eu não consigo acreditar... — disse para si.

Rebeca começou a se sentir fraca, como se tivesse ficado dias sem comer. Ela estava com medo e ficou ali, em silêncio. Não queria se afastar dele, pois tinha a sensação de que se o fizesse, ele sumiria.

Começou a chorar, sentindo seu peito se apertar, e se abraçou, lembrando da sensação de quando Aloys havia sumido do lado de Amice. Aquela dor inexplicável em seu interior estava ali, prestes a explodir a qualquer momento.

Ouviu Aloys suspirar e o olhou. Ele estava de lado, com os olhos fechados e com cara de dor. Ele ainda chorava e Rebeca queria reconfortá-lo de alguma forma, mas temia que ele a afastasse.

— Agora eu entendo... — Ele disse baixo. — Como você pôde? — A olhou.

A garganta de Rebeca se apertou mais, ficando seca. — Eu... eu sinto muito... — falou baixo. Aquela distância entre eles estava machucando. — E-eu disse que não me lembrava, eu nunca ia achar que... que... — Suspirou, tentando controlar os soluços. — E-eu não queria ficar no lugar dela.

— Não... — Aloys murmurou, dando alguns passos para frente e segurou seus ombros. — Você ficou no lugar dela porque você é ela. Vocês são a mesma pessoa. A mesma alma... Por que acha que somos tão próximos? Eu não estava falando disso.

— Então sobre o quê..?

— Como você pôde me salvar e ficar ali, para ser pega. Você poderia ter saído de lá... — falou, desolado.

— Eu acho que não... Naquele momento... eu senti uma dor muito forte... Eu mal conseguia respirar...

Aloys balançou a cabeça, em descrença. — Você se sacrificou por mim... Usou toda a sua energia para fazer aquele feitiço, só para me salvar.

— É... acho que sim. Eu só pensava em... te salvar.

Aloys suspirou de novo e puxou Rebeca pela cintura, a abraçando. Rebeca jogou seus braços ao redor do pescoço e o abraçou de volta, com força.

Todas as sensações ruins passaram e ela sentiu-se melhor instantaneamente.

— Você era muito importante para ela, Aloys... — Se afastou um pouco e o olhou. — E é para mim também.

— Eu sei... Você também é importante para mim. Em todas as suas vidas, você procurou por mim... Você sofreu e morreu por mim... Como posso retribuir tudo isso? É-é muita coisa para uma única vida, eu nunca...

Rebeca tapou a boca dele com a ponta dos dedos. — Você pode retribuir ficando do meu lado, para sempre. — Sorriu.

Ele sorriu. — Não acho que chegue perto, mas podemos começar por aí.

Ambos se sentiam mais leves, agora que descobriram tudo o que realmente tinha acontecido. Enquanto se abraçavam novamente, sentiram pequenos chuviscos de água.

Os dois sorriram ao encarar as nuvens levemente acinzentadas. Se olharam, e como duas crianças, correram de volta para casa. Ao entrar, Rebeca já avistou Cecília no sofá, dormindo, então fez o menos barulho possível.

— Ela parece estar exausta. — Rebeca sussurrou.

— Vamos deixa-la descansar. — Aloys pegou o braço dela, falando baixo. — Você não está cansada também?

— Agora que você falou... Acho que estou um pouco.

— Estranharia se não estivesse. Eu fiquei pouco tempo ali, mas fiquei bem cansado. Você ficou muito tempo.

— Sério? — Rebeca sentou-se na cadeira da mesa.

— Sim. — Aloys fez o mesmo, sentando na cadeira ao lado dela. — Não sei como Cecília aguentou ficar tanto tempo na mesma posição. Vimos muitas vidas suas antes de chegar na nossa.

— Eu não entendo. Eu tive tantas vidas, mas e você? Onde você estava?

— Não sei. Fiquei pensando nisso também. Mas você viu...

— Sim.... Isso significa que você não teve outras vidas? Se for parar para analisar... você foi tirado de lá para vir para cá, certo?

— Acho que sim — respondeu, confuso.

— Caramba... então eu acabei com seu percurso de vida. — Arregalou os olhos. — Você deveria ter vivido tanto quanto eu, mas não viveu porque eu te mandei para o futuro.

— Por que está tão preocupada? — Aloys começou a ficar com medo.

— E-eu mexi em tudo. Eu... acabei com seu destino ou sei lá.

— Não se preocupe, Beca. — Cecília falou, sentando-se no sofá. — Você não estragou nada.

— Mas... Ceci, ele não teve outra vida. Tecnicamente ele está preso nessa vida por minha causa.

— Ele não está preso nessa vida, ele ainda está vivendo ela.

— Mas ele deveria ter tido outras vidas...

— Não temos como saber, Beca. Muitas almas ficam muito tempo sem reencarnar.

Rebeca não tinha mais argumentos, mas aqueles pensamentos não a deixaram.

— Não se preocupe. — Aloys falou. — O importante é que estamos aqui.

— Exatamente. — Cecília sorriu. — E é melhor eu ir embora. Está ficando tarde. – Levantou.

— Não quer ficar para jantar? — Rebeca levantou e foi até ela.

— Não, obrigada. Tenho que ir preparar a janta para meu marido — comentou gentilmente.

Eles a acompanharam até a porta. Aloys a abriu e Cecília foi na frente. Rebeca abriu o pequeno portão e pararam na frente do carro.

— Nem sei como te agradecer, Ceci. — Rebeca disse. — Muito obrigada, vou ficar te devendo para sempre.

— Para com isso, Beca. — Deu risada. — Fico feliz de ter ajudado.

— Obrigado, Cecília. — Aloys sorriu. — Serei eternamente grato.

Cecília sorriu e o abraçou. Mas Rebeca percebeu que aconteceu a mesma coisa de quando ela chegou, apenas foi mais rápido.

— A-até mais. — Se afastou e abraçou Rebeca. — Me ligue se precisar de algo.

— Claro, Ceci. Obrigada de novo. — A soltou.

Ela abriu a porta do carro e entrou, indo embora em seguida. Os dois ficaram observando até o carro virar a esquina.

— Ela viu alguma outra coisa quando te abraçou. — Rebeca disse, ainda olhando a rua.

— Como sabe? — Aloys a olhou.

— Ela fez aquela mesma cara de espanto, surpresa, sei lá, quando te abraçou.

— O que será que era?

— Bem que eu queria saber. Mas se ela não falou, é porque não queria falar.

— O que faremos agora?

O olhou. — A janta. — Sorriu, entrando em casa.

Aloys a seguiu, fechando a porta da frente e fizeram a janta juntos. Os pais de Rebeca chegaram e todos se juntaram à mesa para comer.

Rebeca contou que Cecília esteve lá, mas obviamente ocultou a maior parte do dia. E a sobremesa foi o restante das rosquinhas que ela trouxera.

Um pouco depois, Aloys foi para o celeiro.

Mais tarde, quando os pais já tinham ido dormir, Rebeca se juntou à Aloys em sua cama.

Os dois ficaram em silêncio, cada um em seus pensamentos, porém, aproveitando a companhia um do outro.

Dormiram abraçados, sentindo que todos os problemas tinham sido resolvidos. Ou grande parte deles.