A M O N G U S escrita por Ero Hime


Capítulo 2
F I G H T U S


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mil perdões pela demora. Meu computador quebrou de vez, com todos os capítulos, dados, plot, tudo! Então, estou me virando pelo celular, tanto escrevendo quanto fazendo trabalhos de faculdade. Até arrumar, ou comprar outro (o que eu acho difícil), vou demorar um pouco mais do que de costume, então já estou me desculpando antes!
Desculpem também por qualquer erro ortográfico que eu tenha deixado passar. Espero que estejam gostando da história, porque eu realmente estou animada para escrevê-la!



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São as nossas escolhas que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades.

— Ou sobre brigar a cada momento em que se avistam –

 

Hinata estava no meio de um suspiro quando cruzou a masmorra, tendo seus olhos cobertos de um esmeralda tragicamente belo. As cortinas caiam elegantemente pelas janelas, afugentando, de maneira eficiente, a paisagem das algas enegrecidas do lago.

A garota depositou seus livros sobre a mesa. Embora o ano letivo tivesse começado há pouco, os professores já haviam passado uma quantidade homérica de lições, e ela tinha que se esforçar para manter sua agenda dentro dos prazos. Sentiu uma ligeira pontada atrás do olhos, mas ignorou, como vinha fazendo desde as férias. Os feriados em casa lhe davam tensões lombares e incômodas dores de cabeça que custavam a passar. Apesar disso, jamais reclamava. Nunca.

Sentiu-se confortável cercada pelos estofados e pela calmaria excepcionalmente característica de seu salão comunal. Um ano havia se passado, e, por mais que sua personalidade forte repelisse a maior parte das tentativas de amizade que se apresentaram, Hinata identificava-se com o castelo muito mais que um dia o fizera em sua própria casa. A frieza constipada de seus colegas era, de alguma maneira, reconfortante — um reflexo exorbitante de si mesma, repetido a todo momento em uniformes pretos de gravatas esverdeadas.

Tão esperado quanto uma nova manhã, Hinata já sabia seu destino na escola de magia — trajar a esmeralda em suas vestes e representar a casa dos orgulhosos e desinibidos. A serpente enroscava-se carinhosamente sobre suas colchas, lembrando-a a cada instante de quem ela era, de quem deveria ser. Os Hyuuga eram uma linhagem antiga — tão antiga quanto a própria magia —, levando consigo o sangue dos puros e dos bruxos poderosos. Prosseguir com a linhagem era sua obrigação como primogênita, trilhar os passos do pai e construir uma sólida carreira de glória e prestígio. Ela crescera com aquele fardo em seus ombros, e, depois de alguns anos, apenas acostumara-se. A fina barreira gélida que criara em torno de si era uma proteção necessária, tão cortante como vidro, mas tão resistente quanto o mais fundido dos aços.

Depositou a varinha de cerejeira junto de sua mochila, observando-a com atenção. Não fora exatamente uma surpresa quando a comprara no Sr. Olivaras — a cerejeira era conhecida por seu poder letal, e representava perigo real para os portadores que não tivessem um incrível autocontrole mental. Apesar de forte, a árvore era conhecida por suas belas flores, que floresciam encantadoramente a cada primavera, principalmente no Japão — o país de seus ancestrais. Como sua varinha, Hinata era uma flor desabrochando, obstruindo dentro de si um poder imensurável. Mas ela ainda não sabia disso.

Resmungou algo ininteligível enquanto se acomodava nas poltronas, abrindo seu pergaminho e molhando a pena no tinteiro, concentrando-se em tudo que conseguira absorver da monótona aula de História da Magia.

— Oi, Hinata. — virou-se para trás, encarando as duas figuras que caminhavam em sua direção. Seus semblantes eram sérios, quase entediados, mas ela acenou para eles. A não-presença de um sorriso caloroso era sua maneira de dizer que eram amigos. Sentaram-se junto dela, e, ao contrário dos demais colegas que se aproximavam por obrigação, Hinata não sentia-se desconfortável. Era quase normal demais, indiferente, mas com um quê agradável.

— Oi. Oi, Sasuke. — dirigiu-se para o garoto mais atrás, que retribuiu com um balançar ligeiro, sem nada a dizer.

Tal qual um legítimo sonserino, nenhum dos garotos era conhecido por falar. Cultivavam — como a própria garota — uma comunicação não-verbal muito forte, expressa por seus olhos marcantes, os semblantes sérios, porém intensos. Não ousavam intrometer-se em seu caminho, tanto por sua postura fisicamente ameaçadora — apesar de garotos do segundo ano não serem exatamente desenvolvidos —, quanto pela história que carregavam.

A Sonserina era a casa dos arrogantes, pretensiosos, astutos — mas, acima de tudo, era a casa dos incompreendidos. Marcados pelo emblema de suas famílias, carregavam fardos maiores que grande parte das pessoas suportaria. Talvez fosse por essa razão que Hinata sentira-se afetuosamente atraída pelos garotos. Suas famílias, seu sangue, seus passados, os acompanhavam onde quer que fosse, afastando quaisquer boas intenções, e como modo de defesa, abraçaram esse escudo ranzinza, protegendo-se da crueldade que o mundo os obrigava a enfrentar.

Não havia uma só pessoa — sonserina ou não — que não conhecesse a tragédia que pairou sobre a família Sabaku no, tantos anos atrás que era mais como um conto do que uma lembrança. Sobreviventes, o mais novo e seus dois irmãos conviveram embalados pelo rancor e pela descrença. A irmã mais velha cursava o último ano, prestando exames vocacionais e testes de aparatação, enquanto o irmão há muito havia se perdido em algum lugar da América, em uma profissão que ninguém ousava citar. Apesar disso, o garoto de cabelos intimidantemente vermelhos era de quem Hinata gostava mais.

Já Sasuke era uma verdadeira incógnita. Vivia à sombra do irmão mais velho — de quem Hinata também cultivava certo fascínio —, também sonserino. Grandes eram os feitos de Itachi Uchiha, e os corredores sussurravam suas histórias no quadribol, nas salas de aula, entre os demais alunos, entre professores. Itachi era uma lenda viva, e a fama jamais subira-lhe a cabeça. Apesar de portar o brasão serpentino com orgulho, não havia uma só criatura que não era contemplada com seu sorriso gentil e sua personalidade agradável. Enquanto isso, Sasuke negava-se a se esforçar o suficiente para ser, ao menos, educado. Eram poucos os corajosos a conversar com ele, e Gaara conseguira, se alguma forma, aproximar-se o bastante para chamá-lo amigo. Hinata tampouco importava-se com a grosseria alheia, então, aos poucos, ele a deixara penetrar em seus muros, e eram cordiais um com o outro. Uma vez, Sasuke até sorrira para ela — um sorriso torto, frio, mas ainda belo, de uma maneira mística. Apesar de tudo, o Uchiha mais novo era uma beldade, tal como seu irmão, e cobiçado pela maior parte da população bruxa.

De qualquer maneira, sonserinos deveriam manter-se unidos. Era como um paradoxo — a fama que lhes precedia deslumbrava, nas demais casas, uma imagem errônea dos alunos, fazendo-os se afastar e criar uma rivalidade desmedidamente desnecessária. Por outro lado, ao serem desprezados, os herdeiros de Slytherin não mediam esforços para serem rudes, desmerecendo seus rivais leoninos, principalmente. Era um ciclo vicioso que parecia não se romper jamais.

— Onde estavam? — a garota perguntou, com um tom casual. Só haviam os três no salão comunal. Àquela hora, a maioria dos alunos estava no refeitório.

— Na biblioteca. — Sasuke soltou um resmungo que deixou a Hyuuga curiosa. Era fato que muitas coisas irritavam Sasuke, mas poucas o faziam com tanta intensidade a ponto dele se importar em demonstrar — Estávamos procurando livros para o trabalho do Asuma, mas aquela bolha loira irritante chegou com os amiguinhos grifinórios. — a voz de Gaara era puro asco, e Hinata, no mesmo instante, soltou um bufar indignado, sentindo-se irritar à simples menção do garoto.

De todos os grifinórios, certamente o que Hinata mais odiava era ele. O primeiro ano converteu-se em uma prova de paciência e autocontrole para não lhe lançar uma azaração da pior espécie, apenas para fazê-lo calar a maldita boca. Usualmente, não tinha nada contra a casa vermelha e amarela — era certo que não se padecia dos alunos, mas sua existência era mais como uma indiferença do que qualquer coisa —, mas desde o primeiro dia, simplesmente odiara aquela criatura. Ele era tão hiperativo, tão falante, tão provocador, tão infantil, tão grifinório.

Mesmo com todas as aversões que sentia por sua querida família, foi um alívio fugir das brincadeiras irritantes do garoto por alguns meses. Não podia vê-la que fazia de tudo para acabar com seu equilíbrio, rindo de idiotices com seus amigos idiotas. E, como se não fosse suficiente, irritava também seus amigos e quaisquer pessoas que estivessem junto dela. A inimizade com a Grifinória era algo palpável àquela altura, e Hinata não se incomodaria se ele e sua corja de palhaços apenas desaparecessem do seu caminho.

Além de todas os defeitos mencionáveis e gritantes, ele ainda era um sangue-ruim. A escória do mundo bruxo, a sujeira dos puros, os não merecedores dos poderes que detinha. Era uma mera sorte ele ter algum ancestral longínquo que lhe passara uma centelha de DNA bruxo. Tudo que Hinata sabia sobre os nascidos-trouxas devia ao seu amado pai — defensor ferrenho do extermínio daquela espécie do mundo bruxo, cuja posição conhecidíssima atraía muitos admiradores e inimigos na mesma proporção —, que a ensinara, desde cedo, que eram pessoas que não mereciam sequer atenção. Eram imorais, repulsivos.

— Eu realmente não acredito que vamos ter que conviver com ele por mais cinco anos. — grunhiu, irritada. Os garotos do seu lado concordaram com acenos.

— Por pouco eu não azarei ele, mas a maldita Tsunade estava passando. Ele tem sorte por ser o protegido da sapa velha. — Gaara reclamou consigo mesmo, cruzando os braços.

Os amigos permaneceram em uma conversa superficial, falando em como os grifinórios eram desprezíveis, e aproveitaram para fazer algumas lições do dia seguinte. Com somente uma parte da atenção voltada para a realidade, Hinata divagou em pensamentos, sendo levado, contra sua vontade, para a imagem do Uzumaki, e em como ele lhe causava repugnância.

 

O quadro da mulher-gorda se abriu, dando espaço para que Naruto e seus amigos passassem, carregando mochilas cheias de livros e alguns objetos úteis, caso encontrassem algum sonserino. As inúmeras detenções em sua ficha não impediam o garoto de armar brincadeiras a torto e a direita — estas que terminavam, quase que categoricamente, em xingamentos e varinhas em punho. Os professores não intervinham até que fosse estritamente necessário, mantendo-se neutros na questão da rivalidade entre as duas casas, antiga como seus próprios fundadores.

O garoto e seus amigos — pessoas com quem havia conversado no ano anterior, que se identificavam com sua personalidade, criando uma duradoura amizade — caminharam pelas escadas em uma conversa animada, rumo ao campo perto do lago, onde havia grandes sombras para que deitassem. Deviam estar na biblioteca, a procura de livros para escrever as numerosas lições passadas pelos professores, mas não era como se algum deles realmente ligasse.

Além do que, alguns incidentes determinou, em um acordo mútuo e invisível, horários em que ambas as casas frequentavam o local, para evitar encontros indesejáveis, principalmente para o loiro, que levava a primazia com os sonserinos um pouco a sério demais.

No começo, era apenas engraçado provocá-los, ver sua postura perfeita e seu ar nobre esvaírem-se em acessos de fúria e incredulidade. No entanto, não sabia dizer exatamente quando deixou de ser apenas escárnio — lentamente, foi concretizando-se, esfriando e endurecendo —. Em um determinado momento, seus olhos refletiam antagonismo, ódio verdadeiro, repúdio. A frieza deixou de ser uma característica a ser zombada, e passou a ser um sinal claro de desrespeito. E Naruto era apenas intrépido demais para aguentar aquilo calado.

E fez-se. Simples e efetivo. Uma inimizade que ultrapassava os limites do saudável, provocando sérias disputas e duelos, em sua maioria, resultando em feridos e detenções. Azarações silenciosas, competições em sala de aula, a vontade de se provar melhor. Grifinórios eram nobres, mas também podiam ser orgulhosos.

— Naruto, você trouxe os snaps explosivos? — o garoto assentiu, admirando a garota que caminhava ao seu lado.

De todas as pessoas, Sakura era, certamente, quem ele mais gostava de ter por perto. A conhecera poucos meses depois do ano letivo começar, quando eram apenas primeiranistas deslumbrados com a grandeza de tudo que os cercava. Foi uma amizade natural, singela. Não tinham muitas características que os aproximava — Sakura tinha cabelos róseos chamativos, uma personalidade ofuscante e contundente, além de ser uma puro-sangue —, mas se completavam em alguns quesitos, e, para Naruto, bastava. O garoto era uma pessoa fácil de conviver. Daquelas que atraem as demais, cativante, calorosa. Portava sorrisos a todo momento, como se qualquer dificuldade não fosse grave o suficiente. Como se tudo se resolvesse com positividade — Sakura gostava daquilo, afinal.

O grupo caminhava sob o sol morno de fevereiro, quando avistou algumas pessoas espalhadas estrategicamente pelo espaço que pretendiam ocupar. Mais um dia normal, se Naruto não tivesse visto o verde refletido pela luz — e se virado para sorrir diabolicamente, seguido de seus amigos. Eram poucos, cerca de cinco ou seis, com livros e rostos fechados. Conversavam baixo, e apenas um ou dois arriscava demonstrar alguma emoção. Frios e traiçoeiros, não havia diversão melhor para Naruto do que incomodar sonserinos.

Enquanto se aproximavam, seus olhos se cruzaram, quase instantaneamente, com as pérolas que ele realmente amava encontrar. Era felinas e agressivas, sempre que o encontravam, seguidas de um rosnar e uma postura defensiva. Era palpável a atmosfera colérica que emanava da garota, mas Naruto lhe dirigiu seu melhor sorriso debochado. A garota se levantou, sendo seguida de três garotos, entre eles o de cabelos vermelhos que Naruto detestava encontrar. Gemeu internamente, prevendo mais uma detenção — mas era tarde demais para recuar. Grifinórios eram valentes, e toda batalha era uma batalha.

O terceiro garoto puxou sua varinha, mas Naruto foi mais rápido.

Colloshoo! — o garoto estacou, assustado, tentando movimentar seus pés, mas Naruto era bom com azarações, era muito bom. Os demais sonserinos se levantaram, com expressões enfurecidas, mas nenhuma chegava aos pés de Hinata, que portava uma careta quase assassina. Naruto controlou-se para não lhe provocar mais.

— Saiam daqui. — sibilou, e os amigos de Naruto uivaram de rir, enquanto o próprio ensaiava seu melhor sorriso irônico.

— Só nos seus maiores sonhos, Hyuuga. — a garota abominava a maneira que o Uzumaki pronunciava seu nome, com escárnio e prepotência, e ele observou, aos risos, seu peito subir e descer perigosamente — O espaço da escola é público. Não vejo o nome de vocês aqui, então, nesse caso, podemos nos sentar onde quisermos. — aplausos de incentivo vieram de suas costas.

Verugs. — o feitiço, por pouco, não acerta o Uzumaki, que parou de rir quando um de seus colegas começou a gritar, tendo seu rosto coberto por horrorosas verrugas. Os demais tentaram ajudá-lo, mas o Finite não estava ajudando. Com raiva, tornou-se para os sonserinos, que sorriam com deboche em sua direção.

— Vocês vão pagar caro por isso! — exclamou inconformado, e, antes que qualquer um tomasse alguma atitude, fora Hinata quem dera um passo adiante, a postura rígida e a varinha presa em mãos, com os dedos apertados.

— Pode vir, sangue-ruim. — uma onda de exclamações atravessou o grupo leonino, que cravaram-se em caretas horrorizadas e dentes cerrados para a Hyuuga. Enquanto isso, o grupo do lado oposto fitava a garota com admiração. Não eram idiotas o suficiente para se intrometer no caminho da sonserina, mas admitiam que ela era corajosa — uma Hyuuga afinal, e, embora muitos pensassem exatamente como ela, não externariam tal opinião.

Sakura observou Naruto prender a respiração, e teve vontade dela mesma fazer algo — quem sabe encher a cara daquela garota de porrada. Mas permaneceu no lugar, produzindo algo semelhante a rosnados, exasperada demais para tomar alguma atitude racional. Aquela era a palavra proibida, fosse dentro dos terrenos da escola ou no mundo bruxo. Um xingamento da pior espécie, que revelava o quão baixa era a índole de quem o produzia. Haviam histórias — lendas passadas entre as gerações — de que o criador daquela palavra nojenta era o maior opositor aos nascidos-trouxas que já vivera entre os mágicos e não-mágicos. Desaparecido com o tempo, os boatos sobre seu poder percorriam o mundo, alegando que sua volta estava se aproximando, e seu nome era algo que ninguém ousava pronunciar.

A garota de cabelos rosados não entendia — realmente não entendia, algo que não fazia sentido por mais que pensasse sobre — porque existia tanto preconceito por algo que sequer era visível a olho nu. Não sabia se fora a convivência com as mais diferentes pessoas ou os pais, curandeiros de uma longa linhagem de curandeiros, que fizera crescer nela uma visão muito posicionada quanto à divisão da categoria bruxa. Era babaquice pensar ser superior só por conta do seu material genético. Era nisso que ela acreditava, e Naruto era uma das melhores pessoas que ela já conhecera. Ver uma garota asquerosa chamá-lo daquela maneira despertava em si intenções assassinas nada cordiais.

Naruto tentava controlar os tremores que percorriam por todo seu corpo, atingindo seus nervos sensoriais e desorientando-o de ódio. Ele não gostava de sentir aquele tipo de emoção — o coração era infectado, a alma era irreparavelmente escurecida  —, não gostava de produzir pensamentos ruins. Aquilo deixava-o enojado. Mas como poderia sequer evitar? Quando ela estava parada a sua frente, parada sobre um pedestal interior, julgando a tudo e todos com sua frieza implacável. Ele não entendia — e, tão naturalmente, não concordava. Naruto não sabia muitas coisas sobre o mundo, mas sabia uma coisa: aquele nome era pior que uma maldição imperdoável. E era doloroso.

Varinhas em mãos, os inimigos caminharam até estarem frente a frente, com olhares determinados. De fato, era a primeira vez que Naruto vira a sonserina expressar alguma reação — que não fosse ódio ou indiferença. No entanto, quando estavam prestes a azarar um ao outro, uma voz sonora e severa soou atrás dos alunos:

— Posso saber o que significa isso?

Naruto gelou, sentindo os pêlos da nuca eriçarem, e ele desejou não ter saído da sala comunal naquela manhã. Virou-se lentamente, fitando os olhos perfurantes da mulher parada diante dele. Engoliu em seco, baixando a varinha devagar, sabendo que estava, certamente, muito fodido. Hinata, por outro lado, reassumiu a máscara gélida e aprumou a postura, sem baixar a guarda. Gaara e Sasuke, em sua retaguarda, estavam preparados para defendê-la contra quaisquer acusações, mas sabiam que, de todas os diretores, a diretora da Grifinória era a mais intransigente. Nem mesmo Orochimaru poderia salvá-los naquele momento.

Os colegas de casa se aproximaram, deixando os grupos fortemente distintos — aglomerados de vermelho e amarelo à direita, na defensiva, e verdes e prateado à esquerda, hostis, cada qual protegendo sua própria versão da história. No centro do semicírculo, Naruto e Hinata, impelidos por claras bolhas de retenção, e a diretora, com os braços cruzados e posição ameaçadora.

Era conhecida por vários fatores, sim. Sua beleza, duvidosamente conservada através dos anos, tornando sua idade uma das maiores incógnitas da história da escola — o cabelo loiro era característico, mas nenhum atributo físico a representava mais que seu torso, com valorosos seios, apreciados por alunos, professores e criaturas suspeitas —. Sua inteligência, incontestável nas aulas de Transfiguração — não era segredo que fora a primeira de sua turma, formada com honras, detentora de diversos prêmios por Contribuição à Comunidade Bruxa. Animaga, suas transformações eram lendárias pelos quadros, e o cargo de diretora parecia uma consequência inevitável do destino —, e, também, mas não menos importante, sua rigidez. Não havia que não temesse suas broncas. Da mesma maneira que era afável e corria mundos e fundos para ajudar algum aluno, jamais poupava castigos e punições severas.

— Professora Tsunade! — Naruto exclamou, se adiantando — Não é nada demais, apenas conversando. — envergou as mãos.

— Não era o que parecia, senhor Uzumaki. — ergueu uma elegante sobrancelha, impaciente — Eu quero que a senhorita Hyuuga e o senhor me acompanhem. — uma onda de protestos se ergueu, e as vozes se misturavam em um barulho irritante, as palavras se sobrepondo de maneira inteligível. Tsunade ergueu uma das mãos e o silêncio se fez — Eu não quero ouvir mais nada. Hyuuga, Uzumaki, comigo. Agora. — virou-se de costas, marchando, e os dois citados saíram em fila atrás dela, com a cabeça baixa. Naruto sentia-se culpado, mas Hinata manteve a expressão impassível. Quando passou por Gaara, sentiu sua mão sob seu ombro lhe dirigiu um sorriso imperceptível, querendo dizer que tudo acabaria bem.

 

Nada acabaria bem.

De alguma maneira, que nenhum dos dois garotos saberiam dizer, estavam completamente ferrados, uma vez que Tsunade exigira falar com cada um deles separadamente. Hinata esperava do lado de fora da sala da diretora, com a cabeça baixa e as mãos cerradas, efervescente. Sentia-se humilhada de uma maneira nada agradável, embora, ainda assim, desprovida de qualquer tipo de culpa — não se arrependera de nada que dissera, porque o garoto apenas merecera.

Do lado de dentro, Naruto permanecia impassivo. Em outros tempos, passaria horas admirando a sala, porque ele simplesmente adorava a decoração e a atmosfera confiável que transpassava — troféus da disputa das Casas, troféus de quadribol e quadros dos diretores passados mesclavam-se com móveis de magno que, embora de idade suspeitavelmente avançada, permaneciam intactos, enfeites pessoais nos mais variados tons de vermelho e uma enorme estante, repleta de tantos livros que qualquer admirador sentiria inveja —. Em outros tempos. Naquele instante, o garoto não sentia a menor vontade de admirar a sala. Naquele momento, permanecia de cabeça baixa, ouvindo a bronca que levaria horas se a diretora tivesse tempo para tal.

— Naruto, eu não vou poder cobrir suas ações irresponsáveis para sempre. — a mulher suspirou, abandonando, por um momento, a posição rígida, parecendo verdadeiramente cansada. O garoto assentiu, culpado, principalmente, por estar sendo tão egoísta com a diretora.

Tsunade se apiedara especialmente do garoto. Talvez ela se sentisse mais próxima dele, por também ser uma nascida-trouxa — ela, mais que todos, sabia como era difícil se adaptar com um mundo totalmente novo, ser um estranho entre os normais, e um estranho entre os estranhos —. Claro que haviam centenas de alunos nascidos-trouxas, mas nenhum deles havia visitado tanto sua sala quanto àquele que estava a sua frente naquele momento.

Os olhos azulados, o cabelo loiro, a personalidade alegre e hiperativa — traços singulares que a faziam, por alguns segundos, perder o fôlego. Por problemas biológicos, nunca pudera exercer o ofício da maternidade, um sonho há muito esquecido, no entanto, nunca superado. Naruto a lembrava do filho que nunca chegaria a ter, principalmente pelas características tão similares ao que seria o grande amor da sua vida — uma história de altos e baixos, amor e ódio —, mas Tsunade quase sempre recusava-se a pensar sobre aquilo. Entretanto, era impossível não sentir uma afeição especial pelo Uzumaki, e ter de ser dura com ele quase sempre era um desafio que ela não gostava de executar.

— Desculpa, professora.— murmurou, mexendo nos dedos, sem jeito.

— Eu não quero suas desculpas, quero uma mudança de atitude. — seu tom não era verdadeiramente severo, mas Naruto encolheu-se mesmo assim — É saudável uma competição entre as Casas, eu mesma incentivo isso entre meus alunos, mas isso está passando dos limites. Azarações, provocações, duelos fora de hora, detenções a todo momento! — Naruto engoliu em seco — Diga-me, qual o problema com os sonserinos? — ela já sabia a resposta para aquela pergunta, mas queria saber da mesma maneira.

— Eles são muito metidos. — Naruto grunhiu, sentindo-se um tanto idiota.

— Não diga isso como se a Grifinória também não o fosse. — ralhou.

— O problema é ela! — foi a primeira vez que Naruto demonstrou reação, erguendo os olhos e jogando os braços para cima. Tsunade suspirou, já sabendo a quem ele se referia — Ela é um poço de gelo arrogante e prepotente. Se acha superior a mim, e fica com aquele papo de puro-sangue, isso simplesmente me irrita! Se ela fosse um pouco mais legal, talvez não precisa azarar ela e os amiguinhos sonserinos dela. — um bico se formou em seus lábios, e, em outras circunstâncias, Tsunade teria achado graça na birra do menor.

— Naruto, a senhorita Hyuuga passa por mais problemas que você pode imaginar. — Naruto parou, confuso — Ela vem de um mundo diferente do meu ou do seu, com uma criação diferente, pressões diferentes. Não conhecemos a história de ninguém, e não podemos julgar as pessoas sempre no primeiro momento. Ela tem motivos para agir daquela maneira, e eu não estou dizendo que é certo — completou quando Naruto abriu a boca para falar —, só estou justificando suas ações. É errado, mas os anos a farão mudar, e você tem que exercer um pouco mais de compaixão. — terminou o sermão, e o Uzumaki, pela primeira vez, não tinha como replicar. Estava pensativo — Por fim, vou colocar vocês em uma detenção. Juntos. — frisou a última palavra.

— Mas, professora...! — Naruto exclamou, prestes a reclamar. Passar algumas horas em qualquer lugar que fosse com aquela garota era sua pior versão de inferno.

— Não, Naruto. Vocês vão cumprir uma detenção juntos, na sexta. E, até lá, se eu te ver na minha sala novamente, irei te expulsar tão rápido que você não terá tempo de dizer “trasgo”. — deu o assunto por encerrado, levantando-se, a deixa para que Naruto saísse da sala.

Emburrado, o garoto caminhou, abrindo a porta e a vendo parada na frente, olhando para os próprios pés. Lembrou-se do que Tsunade dissera e engoliu em seco a vontade de provocá-la. Apenas se virou de costas e saiu, sem olhar para trás, deixando Hinata tão parada quanto estivera pelos últimos minutos.

 

A sexta-feira chegou, para a infelicidade de ambos os envolvidos, com uma velocidade atípica, e até mesmo as aulas pareceram passar em um piscar de olhos. Mesmo acolhido pela piedade dos colegas, Naruto não conseguiu disfarçar a má-vontade quando o relógio bateu cinco horas, e, arrastando os pés pelo chão, caminhou até o segundo andar, onde ficava a Ala Hospitalar. Tsunade parecia ter um apreço especial pela Madame Shizune, porque todas suas detenções se resumiam a limpar as comadres e os leitos, sem o uso de magia — algo que Naruto não estava nada entusiasmado para fazer.

Quando chegou, o lugar estava deserto, exceto pela presença da Hyuuga, que havia chego pontualmente ao local — Naruto adoraria importuná-la por ser perfeita demais, mas, novamente, mordeu a língua —. Ela usava o uniforme tradicional sonserino, com as mangas arregaçadas, e parecia compenetrada com o pano. Naruto suspirou. Sabia que não seria uma detenção com muitos diálogos — e, mesmo que acontecessem, não seriam nada agradáveis —, então limitou-se a pegar seus próprios instrumentos e se sentar, limpando desanimadamente.

Hinata ouvira-o chegar e controlou-se para não exprimir nenhum sentimento, embora tivesse bufado internamente. Era por culpa dele que estava em detenção, embora a professora Tsunade tivesse concordado em não registrar o castigo em sua ficha, mantendo-a intacta. A garota a agradeceu infinitamente. Embora fosse diretora da casa rival, Tsunade era bastante compreensiva — Hinata chegou a considerar que era porque a diretora havia estudado com seu pai, e conhecia o Hyuuga bem o suficiente para apiedar-se dela. Quaisquer que fossem os motivos, Hinata a agradecera muito, e chegara à conclusão que passar uma tarde limpando mijo das comadres com o garoto que mais odiava era um preço baixo a se pagar.

A primeira hora passou sem maiores desavenças, tolerando a presença um do outro. Haviam limpado uma quantidade considerável de utensílios quando Naruto resolveu quebrar o gelo:

— Por que você me odeia?

Hinata parou por um instante, pensando se deveria responder ou não. Optou por ignorá-lo, e Naruto suspirou, já prevendo aquela reação. Ele sabia que falar com ela seria o mesmo que falar com o nada, mas precisava tentar. Sua própria existência se baseia no barulho, e o silêncio o corroía, enlouquecendo-o.

— Sabe — continuou mesmo sem resposta, e sua voz ecoava pela sala vazia —, eu posso ser legal quando eu quero. Mas desde que nos encontramos no Expresso, no primeiro dia — Hinata surpreendeu-se por ele lembrar-se daquele episódio —, você me despreza. Eu não entendo isso. — sua voz era inconformada — Eu nunca fiz nada para você me odiar. Eu até tentei ser simpático. — estava na defensiva, mas seu monólogo morreu alguns segundos depois.

Hinata estava dividida. Parte de si desprezava todos os ancestrais e herdeiros que aquele garoto poderia ter, mas, por outro lado, sua mente martelava com aquelas palavras, tão honestas. Ela nunca havia conhecido ninguém tão espontâneo em toda sua vida, e fora criada para nunca dizer o que pensava — ao contrário do loiro, que falava sem pensar. Eram antagônicos em absolutamente tudo, mas, somente naquele instante, Hinata também perguntou-se porque o odiava.

— Eu não te odeio. — murmurou, depois de passado alguns minutos, e Naruto estacou, pensando ter ouvido errado. A garota suspirou, apertando os dedos contra o pano molhado que segurava.

— O quê? — Naruto perguntou, assustado, fitando-a, embora ela não tivesse se virado para ele.

— Eu não te odeio. — repetiu, arrependendo-se de ter falado, para começo de conversa — Pessoalmente, eu não te odeio. Mas, eu vim de uma família que me ensinou a ser assim. — sua voz não expressava nenhum tipo de emoção, embora, interiormente, Hinata estivesse trêmula — Não é você quem eu odeio. São todos. Toda uma espécie, as pessoas em geral. Não leve para o lado pessoal. É quem eu sou. E você é uma criatura irritante, baderneiro e insuportável. — finalizou, voltando a limpar, enquanto Naruto permanecia congelado.

Cada palavra que ela pronunciava parecia uma estaca de gelo em sua direção. Era tão confuso — Hinata tinha a aparência de uma boneca de porcelana, com a pele branquíssima e aqueles olhos intensos, da cor mais extraordinária que Naruto já vira. Mas, ao mesmo tempo, ela era o ser mais frio, cruel e insosso que já conhecera. Como uma pessoa tão bonita podia ter uma personalidade tão dura?

De qualquer maneira, ela havia dito que não o odiava — claro, ignorando a parte em que ela dissera que odiava todos que eram iguais a ele —. Não o odiava. Não odiava ele, Naruto Uzumaki. Aquilo era uma grande surpresa. O garoto ainda estava perplexo quando voltou às suas atividades, mas seus pensamentos, definitivamente, haviam mudado sobre ela.

Ele ouvia as histórias. Sabia dos boatos que corriam sobre sua família, a fama que precedia os Hyuuga desde muitas gerações passadas. Ela era só uma garota, criada sem a mãe — as histórias que corriam eram muitas —, por um pai ditador e rígido. Talvez, só talvez, não fosse ela. Talvez fosse todo um passado, uma criação, e ela só aprendera o que lhe fora ensinado.

Talvez ela mudasse.

Naruto sorriu com a perspectiva. Não era como se fossem amigos agora, mas algo havia mudado entre eles. Talvez a convivência fosse tolerável, afinal de contas. O segundo ano mal havia começado, e eles tinham muitos outros pela frente.

No final da tarde, Hinata despediu-se com um aceno indiferente de cabeça, e Naruto retribuiu com um sorriso largo. Não saberia dizer se fora um sorriso de escárnio ou um sorriso verdadeiramente animado — nem ele conseguiria distinguir. Estava confuso, sim, mas não sentia mais aquela necessidade de odiá-la. A Hyuuga fora somente uma arrogante mesquinha, não havia feito nada que merecesse seu desprezo. Ela nunca havia sequer falado com ele, claro, mas um aceno de despedida era, indiscutivelmente, um começo.


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