Encadeados escrita por Nipuni


Capítulo 8
Tranque a Porta


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada pelos comentários, me ajudaram muito! ♥
Espero que gostem do capítulo! :3



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Já havia passado das seis da tarde e eu ainda estava emperrada no primeiro prontuário. Cocei os olhos e me joguei na cadeira do escritório da dra. Tsunade, determinada a conseguir dessa vez. As palavras flutuavam em minha cabeça por alguns instantes, mas logo desapareciam. Alguma coisa me impedia de conseguir interpretar aquilo que costumava ser meu ponto forte durante os plantões.

Tsunade entrou pela porta carregando algumas pastas beges e um copo de café.

— Ainda no primeiro? – ela perguntou, colocando o copo sobre a escrivaninha e se sentando de frente pra mim.

— Acho que tem alguma coisa errada. – joguei a pasta no colo e me recostei na cadeira acolchoada, enrolando uma mecha de cabelo no indicador. – Não consigo nem ler isso.

A doutora apoiou-se sobre os cotovelos e me estudou por alguns segundos.

— Você almoçou?

— Almocei. – confirmei com um suspiro. – Me sinto ótima, mais do que ótima, aliás! Não tenho a menor ideia do porque desse bloqueio.

Ela bebeu seu café enquanto estreitava os olhos âmbares pra mim. Eu já sabia que a doutora Tsunade era áspera quando necessário e tinha uma reputação de ser difícil – um dos motivos de ter pedido pra que ela me tutorasse –, mas nem sabendo disso eu poderia esperar o que ela diria em seguida.

— Sakura. – ela se levantou de novo, dando a volta na escrivaninha e se escorando nela ao olhar pra mim. – Você é uma das minhas alunas favoritas, e eu não escondo isso de ninguém. Acho que você tem uma vocação e já te disse isso. Mas hoje você está tão inútil que eu preferiria que nem tivesse vindo.

Afundei na cadeira. Tinha certeza que a palavra “perdedora” estava estampada na minha testa.

— Desculpe, professora. Eu posso vir amanhã pra compensar por hoje, se quiser. – levantei da cadeira e apertei o prontuário contra o peito.

Minha mentora suspirou mais uma vez, seu rosto se contorcendo numa expressão que eu nunca tinha visto ela fazer antes. Aquilo era pena?

— Não precisa. É melhor você se concentrar no que está te segurando e não deixar que se repita. Vou deixar esse plantão passar dessa vez, mas não se acostume.

Relaxei um pouco, aliviada.

— Muito obrigada. – fiz uma reverência curta, permitindo que algumas mechas de cabelo se soltassem do coque e caíssem sobre meu rosto. – Quer que eu faça mais alguma coisa ou já posso ir?

Tsunade tomou o prontuário de minhas mãos e o jogou junto das pastas que havia trazido.

— Não, já está liberada. Do jeito que você tá, é capaz que nem ache a saída do hospital. – e riu para si mesma, sentando novamente e abrindo a primeira pasta. – Ah, mais uma coisa, Sakura.

— Pois não? – me virei da porta antes de sair.

— Quem é ele?

Meu rosto se contraiu numa careta.

— Ele quem?

— O cara em que você ficou pensando o dia todo. – ela deu um sorriso que escorria perversão.

— Eu não estava pensando em ninguém! – me agarrei a porta, irritada.

— Até parece, tá escrito na sua cara que você tá afim de alguém! Quem é? Ele é bonito?

— Te vejo depois, doutora Tsunade. – fechei a porta atrás de mim antes que ela tivesse a chance de dizer mais alguma coisa.

Deixei o escritório apertado e o cheiro de formaldeído e produto de limpeza me envolveu como uma capa. Definitivamente tomaria alguns banhos antes de dormir.

Ao alcançar o corredor dos vestiários, comecei a me desfazer do crachá que rodeava meu pescoço e levantar a farda – por ser residente, não era permitido usar jalecos que passassem a impressão errada. Os pacientes precisavam conseguir discernir os formados dos estudantes. Arranquei a blusa ao chegar em meu armário, enfiando ela e meu crachá novinho lá dentro e puxando uma camiseta que tinha deixado.

Me esbarrei em Temari ao sair do vestiário.

— Já vai? – ela franziu as sobrancelhas, puxando sua identificação da bolsa e a passando sobre a cabeça.

— A doutora me liberou mais cedo hoje. Eu estava particularmente inútil demais pro gosto dela. – pro gosto de qualquer um, na verdade. – Temari, por favor, me diz que você deixou o apartamento arrumado.

Não estava com a menor paciência de lavar os quinhentos copos que ela sujava enquanto eu estava fora. Temari não entendia o termo “reutilizar”.

— Arrumei sim. Inclusive, vou chegar mais tarde em casa, então não entre no meu quarto enquanto eu não estiver.

Franzi as sobrancelhas. Aquela era nova.

— Ok... – e coloquei o celular dentro do bolso depois de consultar as horas. – Ei, o que é isso?

Apontei para o pingente triangular que despontava por baixo do uniforme dela, e Temari o puxou para fora. Um triângulo de madeira escura estava amarrado a um cordão improvisado, esculpido aos mínimos detalhes. No centro, vi uma pequena bolinha preta sem nenhuma imperfeição. Era muito bonito.

— Ah, eu ganhei de brinde, acredita? Fui mais cedo buscar uma encomenda naquela loja de Osaka e o vendedor me deu isso de presente. Não é incrível?

Minha boca se pressionou em uma linha dura.

— Aquele vendedor esquisito? Cruzes.

— Cruzes? Quem é você, minha avó? – ela riu, puxando o pingente para fora e olhando pra ele por um tempo. – Pode levar isso pra casa por mim? Não quero que suma enquanto eu estiver trabalhando.

Estiquei a mão para pegar o pingente, mas quando minha pele e a madeira se tocaram, eu senti uma imensa descarga elétrica percorrendo meu braço. Foi como se eu tivesse colocado um grampo na tomada, tão forte que meus dedos ficaram formigando mesmo depois do colar cair no chão.

— Ai! – esbravejei, irritada. – Que brincadeira idiota, Temari! Você tem quantos anos, dez?

Ela não estava rindo, no entanto.

— Então é verdade. – ela puxou o cordão de volta e o estendeu na minha frente. – O vendedor disse que era pra pessoas amaldiçoadas, que espanta o mau olhado ou alguma coisa. Disse também que quem é assombrado não consegue pegar na madeira da primeira vez. – e sorriu encantada – Só não achei que fosse acontecer com você.

— Eu não sou amaldiçoada. – sacudi a mão na tentativa de me livrar do formigamento. Não funcionou. – É você que fica mexendo com essas coisas, não eu.

— Não precisa mexer com essas coisas pra ser assombrada, tolinha. Se eu fosse você ia procurar ajuda Sakura, porque foi um baita choque esse seu.

Temari enfiou o colar de volta no pescoço enquanto eu continuava a olhar aquela coisa feio.

— Se você já acabou com essa sua profecia idiota, eu tenho um trem pra pegar.

— Espera! Se mudou um cara novo no nosso andar, eu ouvi a velha do 41 falando com o porteiro antes de sair. A gente podia levar alguma coisa pra ele, considerando que todos os nossos vizinhos nos odeiam. Deve ser bom ter um aliado pra variar.

— Eu faço uma torta pra ele hoje e amanhã de manhã entrego. – dei de ombros, vendo se Temari tinha algo mais a dizer.

— Porque eu não posso cozinhar?

— Por que ele teria uma úlcera com qualquer coisa que você faz.

Ela fez um bico e olhou pro lado.

— Tanto faz, Master Chef. – ela cruzou os braços e começou a entrar no vestiário. – Te vejo mais tarde. Não entre no meu quarto.

Saí do hospital pela porta da frente e dei passos largos até a estação do metrô. Mesmo chegando na hora, esperei por mais alguns minutos antes que meu trem passasse, e quando chegou, não demorei nada pra chegar em casa. Entrei no elevador e apertei o 8, me escorando de costas contra o espelho enquanto subia.

No apartamento, deixei meus sapatos na entrada e arrastei os pés até o quarto, tirando toda a roupa e entrando num banho fervente. Me enrolei no roupão e segui para a cozinha, pronta para começar a fazer a torta. Já estava levando a massa à geladeira quando meu telefone tocou na mesa da cozinha.

— Alô? – atendi sem olhar quem ligava, segurando o aparelho entre o ouvido e o ombro enquanto terminava de fazer a calda.

— Oi. – me arrepiei quando ouvi a voz de Sasuke, totalmente desprevenida. Ele nunca tinha me ligado antes.

— O-oi. – soei como uma completa idiota. Parabéns Sakura, é assim que se faz. – O que foi?

— Só queria conversar. – ele falou e eu ouvi um miado do outro lado.

— Parece que já tem alguém aí pronto pra conversar. – acabei sorrindo. Desde que ele não visse, não tinha problema.

— Você é a única aqui que fala com animais. – e então o barulho de uma porta fechando. – Tá ocupada?

Sim.

— Não. – segurei o celular, desistindo temporariamente do trabalho de confeiteira. – Alguma coisa importante pra me dizer?

— Lembrou de trancar as portas?

— Quê? – estreitei os olhos e ouvi Sasuke rindo.

— Só um lembrete inocente e amigável pra você trancar as portas antes de dormir.

— Nossa, isso não foi nem um pouco aleatório, Sasuke.

— Pode trancar a porta agora? – senti urgência na sua voz. Não sabia porque, mas achei melhor virar a chave como ele disse.

— Pronto, pode relaxar. – falei, encarando a porta por alguns instantes. – Ótimo, agora tô assustada. Muito obrigada.

O ouvi soltando a respiração devagar. Soube antes que ele pudesse continuar que o Sasuke irônico e sarcástico tinha voltado.

— Eu posso ir aí te acalmar, sem problemas.

— Foi mal, já tranquei a porta. Só a partir amanhã. – sorri pra mim mesma, me escorando na mesa da sala.

— Amanhã então. – ouvi seu sorriso raposo na voz. Espera, o quê?

Ignorei a sensação de ansiedade. Ele provavelmente só estava brincando mesmo.

— Boa noite, Sasuke. – balancei a cabeça para os lados, sacudindo o pensamento pra longe.

— Boa noite. – pronunciou devagar e baixo antes de desligar.

O celular ficou jogado sobre a mesa e meus olhos continuavam colados na porta. Se Temari não fosse chegar mais tarde, eu passaria a corrente também. Só por precaução. Terminei minha calda de limão e coloquei na geladeira junto à massa da torta, deixando o resto pra terminar amanhã. Como o semestre já estava chegando ao fim, muitas aulas eram facultativas e outras nem aconteciam. Minha manhã e tarde estavam completamente livros pela primeira vez em muitos meses.

Me arremessei sobre a cama e afundei no colchão, agarrada ao celular. Continuei encarando meu reflexo na tela desligada por alguns instantes, repassando o que Sasuke havia dito.

Nem fazia sentido. Pra que aquela urgência pra que eu trancasse a porta? Quais as chances de alguém invadir meu prédio, e pior, vir exatamente no meu apartamento? Era tão remoto que a maioria das pessoas nem considerava a ameaça – principalmente num país como o Japão –, então porque Sasuke consideraria?

Deixei o aparelho de lado e me virei para o teto me sentindo apertada por dentro. Vai ver eu que estava ouvindo mais do que ele havia realmente dito. Quem sabe ele nem estava tão urgente assim, mas o tom no telefone acabou dando desespero aonde não tinha nenhum? Minha mente havia travado um cabo de guerra contra si mesma, e eu estava presa no meio dele.

Nas cobertas, fiquei encarando minha lâmpada apagada até os olhos pesarem e eu finalmente conseguisse dormir.

[...]

Só desliguei o forno quando o apartamento inteiro estava cheirando a limonada. Puxei a torta pronta com luvas térmicas e a coloquei sobre o balcão de mármore, vendo o vapor subindo leve de sua superfície. A porta do quarto de Temari abriu e fechou, e logo ela apareceu no portal da cozinha.

— Que cheiro bom. – ela comentou como quem não quer nada, se aproximando. – Será que eu posso...

— Essa torta é pro vizinho, não pra sua barriga esfomeada. – peguei uma bandeja de vidro do armário e comecei a transferir, cuidadosamente, a torta pra lá.

— Você bem que podia fazer uma dessas pra mim, né, Sakura? – ela se aproximou como um gato de rua faminto.

— Temari... – tinha alguma coisa diferente nela, mas eu não conseguia dizer exatamente o quê. Cruzei os braços – De quem é essa camisa?

Ela soluçou.

— Como assim? É minha.

— Já te disse que você mente que nem o Pinóquio? – me aproximei e ouvi alguma coisa caindo lá dentro. – Tem alguém aqui?!

— O-o quê?! Claaaro que não, como assim? – consegui ver uma sombra de sorriso começando a crescer cada vez mais.

— Você trouxe um cara pra cá?

Temari se agarrou à barra da camisa, tentando parecer fofa.

Eu não ia cair naquela duas vezes.

— Olha, foi só hoje, ok? A gente ia pra casa dele como sempre, mas aí deu algum problema com a chave e então viemos pra cá. Viu, fomos tão silenciosos que você só descobriu agora, Sakura!

Arregalei os olhos, mas por dentro, queria rir também.

— Como sempre? – não consegui segurar e acabei gargalhando. – É o mesmo cara do clube?

Ela mordeu o lábio inferior e balançou a cabeça num “sim” silencioso.

— Ah, ele é tão legal! A gente gosta das mesmas coisas e ele é todo folgado, ah, sei lá, é muito suave com tudo. – ela se curvou sobre o balcão e ficou encarando a torta.

— Você tá apaixonadinha, hein?

Temari começou a fazer que sim, mas parou no meio do caminho, balançando a cabeça para os lados violentamente.

— Claro que não! Eu, apaixonada? Até parece. O Shikamaru é só um lance.

— Certo. – cobri a torta com um lenço branco, indo até a porta. – Se eu não for madrinha no casamento de vocês, conto todos seus podres pra ele.

Vi ela se inchando toda, mas saí antes que Temari tivesse chance de gritar. Andei até o apartamento de nosso novo vizinho, tocando a campainha e esperando reta sobre o tapete escrito “Bem-vindo!” que estava do lado de fora.

Um rapaz de óculos redondos e cabelos muito claros abriu a porta pra mim, dando um sorriso extremamente caloroso.

— Olá. – ele disse, e eu observei que o apartamento não tinha quase mobília nenhuma, só algumas poucas caixas abertas.

— Oi, eu sou a Sakura e moro descendo o corredor com minha amiga, Temari. Nós queríamos te entregar isso e desejar boas vindas ao prédio. – estendi a torta em sua direção e ele pareceu surpreso.

— Muito obrigado, Sakura. – ele pegou a torta com cuidado e arrumou os óculos sobre o nariz. – Pode me chamar de Kabuto.

Fiz uma reverência curta em sua direção.

— Se precisar de qualquer coisa, pode falar com a gente.

Outro sorriso, e ele retribuiu a reverência.

— Fico feliz em ser tão bem recebido. Mais uma vez, obrigado pela torta.

Deixei Kabuto para que arrumasse suas coisas e voltei para casa, pronta pra arrumar a bagunça que fiz pra terminar aquela torta a tempo. Joguei as chaves sobre o balcão e comecei a lavar a louça quando Temari – sozinha – saiu do quarto.

— Shikamaru já foi, então pode ficar tranquila.

— Já? Que rápido, eu queria saber quem é esse famoso Naara.

— A gente concordou em não envolver amigos ainda. – ela deu de ombros e não pareceu se incomodar com aquilo. Já estava propriamente vestida pra ir à universidade. – Aliás, de quem é aquele livro velho no seu quarto?

— É meu. – terminei o que estava sujo e enxuguei minhas mãos. – O que você foi fazer no meu quarto?

— Procurar uma coisa que você não tinha. – ela riu e eu me perguntei o que seria. – Mas não mexi em nada, relaxa. Só queria saber onde conseguiu o livro.

— Ganhei de presente.

— Do Sasuke?

Congelei.

— Como é? – senti minha pressão ir no pé. – Você conhece o Sasuke?

Ela sorriu e me olhou de cima.

— Não, mas quando eu entrei no seu quarto pra procurar a coisa você estava gemendo esse nome.

— Mentira! – bati as mãos no balcão, minhas orelhas fervendo. – Eu não falo dormindo!

Temari gargalhou alto.

— Fala sim e fala muito! Sasuke, Sasuke, Sasuke! Parece que eu não sou a única com lances por aí.

— Sasuke não é um lance.

— Opa, já tá sério assim?

Eu conseguia ver minha pele vermelha como um astro. Eu era um marte ambulante.

— Não é nada disso, ele é só um conhecido!

— Deve ser um conhecido muito gostoso pra você ficar por aí falando o nome dele enquanto dorme.

— Você não tem uma aula pra ir, desocupada? – joguei um talher de plástico nela e Temari saiu pulando pela porta.

Me agarrei ao pano de pratos enquanto encarava o vazio. Eu não poderia estar falando o nome dele enquanto dormia... Poderia?


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? ♥



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