Black Annis: A Coisa que Nos Uniu escrita por Van Vet


Capítulo 17
Tomando uma Decisão


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!!

Eu ia postar esse capítulo ontem, mas não deu tempo. De todo o modo, ele já está aguardando a leitura e as impressões de vocês.

Super beijo e até a próxima atualização! o/



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Rony desligou o celular novo que precisou comprar após arremessar o anterior contra a sarjeta dois dias atrás e ficou encarando a tela preta, remoendo a breve conversa que tivera com Harry Potter. Então ele voltaria. Ele e todos os outros que pudesse contatar e convencer. Os antigos amigos de Twinbrook, o Clube dos Perdedores novamente…

Será?

Fatigado e com olheiras expressivas, a farda policial amarfanhada também, ele estava há duas noites sem conseguir pregar os olhos. Em sua mente, quando fechava–os na cama, tudo o que via era o maldito esgoto e a maldita Coisa. A Aranha e o Palhaço. Respirando pesado, ele tornava a abrir os olhos na escuridão e em sua casa sons estranhos pareciam vir lhe visitar. Uma torneira pingando no banheiro era tão estridente quanto um martelo batendo forte sobre um prego teimoso e os gatos brigando nas latas de lixo na rua eram como bestas ferais do inferno dilacerando vítimas indefesas numa confusão de sangue e membros rasgados.

Com um suspiro cansado, ele guardou o celular no bolso e tomou um gole daquele café horroroso que o hospital servia. Sentado no corredor da ala pediátrica, Rony aguardava Gina para lhe contar as novas e prepará-la também.

Não demorou muito para que a amiga, tão abatida quanto, saísse de um dos dormitórios infantis, o localizasse e viesse caminhando até ele.

─ Você esteve aqui a noite inteira? ─ ela perguntou preocupada, sentando-se ao lado. Gina parecia mais pálida e magra do que o costume, mas os olhos não estavam mais inchados de tanto chorar pelo filho.

─ Não. Cheguei faz uma meia hora e aproveitei para tomar esse delicioso café da manhã enquanto a esperava ─ sacudiu o copo no ar e deu um sorriso sarcástico.

─ E eu preciso ir a lanchonete comer alguma coisa. Finalmente meu estômago roncou após esses três terríveis dias.

─ Hum… ─ Rony pegou o saquinho que havia depositado no banco ao lado, conferiu seu conteúdo com uma olhadela e perguntou ─ Você ainda gosta de bolinhos de carne fritos com ketchup?

─ Era esse cheiro que eu estava sentindo quando saí do quarto! ─ Gina sorriu pela primeira vez desde a chamada policial que os uniu ─ Hummmm! Está delicioso! ─ pegou um com afobação e levou a boca numa mordida generosa.

Rony retornou ao seu café aguado e azedo, mas, de repente, até ele parecia ter ficado mais tragável. Gina terminou o primeiro bolinho numa rapidez assustadora e começou a devorar o segundo. No corredor, duas enfermeiras passaram carregando bandejas e fichas médicas enquanto tagarelavam sobre a estranha ausência de um médico que não faltava nunca ao trabalho.

─ E como o Alvo está?

─ Bem ─ Gina respondeu após terminar seu terceiro bolinho ─ Os médicos fizeram uma bateria de exames e ele não quebrou nada. Vai ter alta ainda hoje, mas com uma pequena lista de remédios preventivos já que esteve dentro de um esgoto.

─ Isso é bom. Isso é ótimo.

─ Ele só está muito calado ─ ela constatou sombriamente ─ Teve dificuldade para pegar no sono ontem e diz não se lembrar de absolutamente nada depois que saiu atrás do aviãozinho pelo córrego. Rony, como ele estava exatamente naquele esgoto?

Ah, era a hora de contar tudo, Rony pensou angustiado. De súbito, o café ficou horrível de novo. Ele levantou-se e jogou o copo na lixeira mais próxima. Retornando para a cadeira com o olhar alerta de Gina sobre si, começou:

─ Eu não sou bom suspense ou meias palavras, você sabe, portanto vou direto ao ponto ─ encarou-a ─ Black Annis voltou.

Gina precisou de um minuto inteiro para processar aquela constatação. Ela precisou deste tempo, não porque achava que Rony estava falando disparates ou enlouquecendo. Ela precisou deste tempo, porque consolidava todas as coisas estranhas que vinham acontecendo nos seus últimos dias. A voz na pia chamando seu nome enquanto urinava de madrugada no banheiro. Um balão vermelho de festa flutuando solitariamente pela rua deserta há cinco noites. Os pesadelos cada vez mais palpáveis com a Coisa. Seu filho caindo dentro do esgoto…

─ Eu sei ─ ela disse. Retornou a ficar mais pálida do que nunca. Uma lágrima solitária escapou deu seu olho direito ─ Alvo viu a Coisa então. Ela estava lá com ele?

─ Não exatamente, mas me farejou quando o encontrei desacordado ─ Rony relembrou com muito custo. Falar da Coisa retornava-o ao estado mental de uma criança temerosa, as pernas amoleciam e algo parecia querer estrangular sua garganta.

─ Deus! ─ Gina exclamou abraçando-se ─ Deus, Deus, Deus! Você acha que ele pegou Alvo de propósito?

─ Eu não sei. Nunca entendemos bem como Aquilo funcionava. Talvez.

─ Pois eu tenho certeza ─ a voz tornou-se rancorosa.

─ Quase acreditamos que ela havia ido para sempre. Ela parecia morta daquela vez, mas…

─ Mas a aura opressora desta cidade nunca cessou. Coisas ruins continuam acontecendo por aqui com uma intensidade nunca antes registrada em nenhuma cidadezinha do Nordeste americano ─ constatou ─ O que faremos? Nos mudarmos daqui de uma vez? Eu não aguentaria esse pesadelo novamente e meu filho não vai correr mais nenhum perigo. Não vou deixar!

─ A promessa ─ ele a lembrou ─ A promessa, Gina. Lembra-se dela? Foi feita naquela época também.

Gina virou a palma da sua mão direita para cima e encarou a pequena cicatriz que a acompanhava há vinte anos. Era preciso um pequeno esforço para enxergá-la com perfeição, porém esta continuava nela.

E nele.

Rony ergueu a mesma mão e observou a marquinha branca e ínfima camuflada entre a linha da vida e a linha do destino de sua palma.

─ Eu não estou certa ─ Gina cerrou os punhos e respirou pesadamente, olhando para o outro extremo do corredor.

─ Eu sim. Liguei para Harry e ele vai avisar os outros. Nós temos que cumprir nossa palavra ou inocentes continuarão morrendo.

─ Harry? ─ ela perguntou incrédula e com o tom de voz elevado.

─ Sim, Harry.

─ Eu não vou reencontrar Harry Potter, Rony! Não mesmo! ─ levantou-se de braços cruzados e foi encarar as janelas, contrariada.

─ Gina ─ Rony a seguiu, repousando a mão em seu ombro.

─ Não, Rony ─ virou-se para ele, os olhos injetados de raiva e medo ─ Chega de pesadelos em minha vida. Chega de cretinos que me destruíram ou me abandonaram. Chega de Black Annis também. Essa cidade me deixou doente, mas não fará o mesmo com meu filho. Vou me mudar para a casa da minha tia no Kansas, já me decidi. Nunca mais quero estar aqui.

─ Você pr- ─ o celular começou a tocar em seu bolso e o policial teve de pedir um segundo para atendê-lo. Na linha, Meg, sua parceira, trazia péssimas, e esperadas, notícias. Ele desligou o celular após confirmar que já estava se encaminhando para o local designado.

─ O que? ─ Gina perguntou vendo a expressão desnorteada do amigo ao se despedir no celular.

─ Uma criança desaparecida desde ontem, vista pela última vez na floresta. Uma menininha, filha de um médico daqui.

A ruiva o observou, penalizada, contudo nada em suas expressões diziam que ela voltaria atrás na sua decisão. Talvez precisasse de mais tempo para pensar ou talvez não tivesse condições psicológicas de cumprir o pacto, afinal. Se todos ficaram alquebrados no passado, Gina foi a que teve mais motivos para isso.

─ Eu preciso ir. Dê um abraço em Alvo no meu nome.

─ Pode deixar e… e boa sorte.

─ Obrigado ─ ele começou a afastar-se em direção a saída.

─ Rony! ─ Gina o chamou ─ Eu ainda não o agradeci adequadamente por ter salvo meu filho…

─ Não precisa ─ o policial balançou a cabeça ─ Era meu dever… Como amigo.

 

***

 

“Sou eu, Harry Potter. Não, não é um trote. Hermione, Rony me ligou e disse que a Coisa… ela voltou”.

Há exatas três horas Hermione Granger havia recebido aquela ligação e escutado precisamente aquelas palavras. Há três horas, a mulher seguia absorta e estarrecida, encolhida sobre o sofá de seu apartamento, encarando as sombras se avolumarem pela janela com a chegada da noite e cobrir os móveis enquanto a mente mergulhava em lembranças sobre amizade e medo.

Foram três nomes também que a fizeram ficar daquele modo.

Harry Potter.

O líder do Clube dos Perdedores. Seu amigo querido de infância, com seus cabelos negros e seu olhar perspicaz. O garoto da determinação mais contundente de Twinbrook. Aquele que se apaixonara pela espirituosa Gina. O que havia fechado o poço, pego um pedaço de vidro cortado no mato e selado o pacto entre eles. Harry. Potter.

Rony Weasley.

Seu outro amigo. O garoto ruivo de uma família de muitos irmãos. Aquele que foi terrivelmente marcado no passado devido à bestialidade que assombrou Twinbrook. O que, ainda assim, não perdeu a esperança e mostrou valentia quando sua vontade era fugir correndo de tudo. Rony Weasley, o único menino capaz de fazer o coração exigente de Hermione Granger acelerar como uma locomotiva descarrilhada em dia de tempestade.

A Coisa.

A própria definição do mal na Terra. Se o diabo existisse e estivesse assumindo uma forma mundana, ele seria aquele Palhaço. Seria o tubarão assassino, a enguia gigante, o mendigo da rua Grave, o triângulo invertido em cima da árvore, o espantalho no fim da estrada, a aranha telepática. Ele seria isso tudo e muito mais, qualquer coisa na verdade, que as crianças de Twinbrook tivessem medo. Ele assumiria a forma que mais o beneficiasse e dela se aproveitaria para retirar o pavor e a vida das suas presas. Dos inocentes. Se o diabo ele fosse, quem sabe rezas e crucifixos tivessem adiantado. Mas a Coisa não era nada que pudesse se definir por textos bíblicos ou crenças pagãs. A Coisa não havia nascido naquela galáxia para início de conversa.

E como eles esperavam, crianças ingênuas, que o complexo e inconcebível em tantos níveis, Aquilo, tivesse morrido 21 anos antes?

“Precisamos voltar, Mione. É a nossa promessa, quem sabe o nosso destino”.

Quem sabe o nosso destino. Quem sabe o nosso destino. Quem sabe o nosso destino.

Sim, Hermione pensou. Embora tivesse sido dúbia ao telefone com Harry, não dado certeza do seu retorno, agora tudo começava a fazer sentido. O vazio de sua vida atual estava aguardando aquele momento para ser preenchido. Todos os esforços que outrora achou imprescindíveis nada eram perto da responsabilidade de destruir Black Annis… ou morrer tentando.

Se no telefone ela havia dado um “não sei”, agora, após três horas pensando sobre, a resposta definitiva era “Sim, vou voltar para Twinbrook”.

─ O que está fazendo aqui no escuro? ─ Ame acendeu a luz da sala, há alguns minutos tomada pela escuridão da noite.

─ Ah, Ame. Achei que estava no mercado ─ Hermione retornou de seus devaneios e endireitou-se no sofá sentindo todos os músculos rijos.

─ E eu estava ─ a mulher mais velha encarou a outra ─ Você continua na mesma posição de quando sai daqui.

─ Eu cochilei ─ desconversou.

Ame foi para as janelas e fechou as cortinas. Depois, contornando os móveis, ligou o abajur do aparador e retornou a olhar para sua protegida.

─ Perdeu o medo do escuro?

─ Hã… precisa de ajuda com as compras?

─ Eu já as coloquei sozinha na cozinha. Você não ouviu?

─ Eu estava cochilando mesmo ─ Hermione deu um risinho amarelo.

─ Engraçado, você não está com cara de sono.

─ Ame, é o seguinte ─ disse saindo do sofá e calçando as pantufas espalhadas pelo tapete ─ Vou para meu quarto porque preciso arrumar minha mala. Vou ter de ficar uns dias fora da cidade.

─ Espere aí ─ a empregada contornou o sofá e pegou-a pelo braço ─ Hermione Granger, o que está acontecendo com você? E… e que tipo olhar é esse?

─ Que tipo de olhar? ─ Hermione estava ficando impaciente com as desconfianças de Ame.

─ Olhar determinado. Você vai fazer alguma burrada, não vai? NÃO VAI?

De repente, Ame a soltou e começou a se debulhar em lágrimas de desespero.

─ Meu Deus, Ame! O que foi? ─ Hermione a amparou até o sofá novamente e as duas sentaram-se.

Ela aguardou que a mulher mais velha se acalmasse um pouco para começar a falar:

─ Estamos com medo, filha ─ ela reclamou, soluçando ─ Eu, Jane e John. Estamos apavorados. Não é essa vida que queremos para você, não sabemos o que fazer. Você sempre foi a garotinha mais brilhante deste mundo, se formou, se tornou uma mulher eficiente e incrível, mas… mas… eu não sei… é como se uma sombra estivesse pairando sobre você e nunca a libertasse para ser feliz realmente.

─ Ame…

─ Eu vi um programa dia desses, falavam de depressão e suicídio. Fiquei muito apavorada, tão apavorada que liguei para sua mãe e contei tudo sobre você. Seu sono diário até depois do almoço, os quilos que andou perdendo, as coisas bobas que faz perambulando por esse apartamento, as saídas noturnas para se encontrar sabe-se lá com quem e os retornos com o corpo cheirando a álcool. Eu não entendo ─ voltou a chorar ─ Onde está minha Mione?

─ Ame, querida ─ Hermione envolveu a mulher num abraço ─ Eu sinto muito por ter te aborrecido deste modo nos últimos tempos e confesso, não estou bem, mas acho que descobri como mudar. Na verdade, como me livrar desta coisa ruim que me acompanha.

─ Você não está pensando em…

─ Não sou suicida, tá bem?! Talvez esteja um pouco deprimida sim, contudo sou grata a minha vida e as minhas conquistas. De qualquer forma, preciso que confie em mim apenas mais uma vez e me deixe viajar sem fazer perguntas, por favor.

─ Viajar? Mas para onde? ─ a empregada continuava desnorteada, Hermione não.

─ Para iluminar esta sombra que anda pairando em minha vida de uma vez por todas.


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