O corpo sem vida de Thalia estava acomodado na cama de Nico, este que observava-o com a boca seca e os olhos vidrados. Não conseguia lidar com a dor da perda, a vida não o tinha preparado para isso, era um vampiro e nunca teve que chorar aos prantos por um alguém que não fosse sua mãe. Afinal, era imortal, estava acostumado com a vida longa e próspera. 

Sequer se importava com a vida humana, não ligava para o quão frágeis eles poderiam ser e como morreriam em um estalo de dedos. Mas nada era tão forte quanto a culpa em seu peito por ter deixado-a para trás no meio da batalha. Deveria ter seguido em frente com ela ao seu lado, assim, não teria perdido alguém que gostava tanto. 

Talvez alguém que tivesse o interesse em descobrir o que era aquela sensação reconfortante em estar próximo, a sensação borbulhante em seu estômago. Queria nomear aquilo, mas precisava dela para descobrir o que era. 

— Eu posso cuidar dela, sabe? O enterro. — Bianca murmurou, pousando uma das mãos no ombro do irmão e afagando ali. — Você não precisa ficar aqui se torturando, Nico.

— Eu poderia ter salvo ela, Bianca.

— Nico… 

Ele suspirou, cortando-a. Não queria conversar sobre aquilo, queria ficar para sempre sentado ao lado de Thalia, mesmo que aquilo fosse morbidamente ridículo. 

— Ela sofreu, teve uma morte dolorosa em seu aniversário, porque eu não a levei comigo, quando ela estava segundos antes na minha frente, em meus braços, eu a deixei… 

Bianca entreabriu os lábios, pronta para dizer o contrário. Mas sequer teve tempo.

Em uma arfada pela vida, literalmente, Thalia Grace ergueu seu corpo de supetão na cama. Ao timing, as janelas explodiram. E as luzes. E os tímpanos dos vampiros presentes. 

Do lado de fora, raios brilhavam entre as nuvens no meio de uma chuva forte e repentina, deixando Nico em estado de choque e uma Bianca sem entender porra nenhuma.

A eletricidade estava palpável no quarto, tanto que Nico viu o exato momento em que um raio entrou pela janela, queimando o chão e se espalhando por todo o quarto, tocando sua pele como uma carícia, que arrepiou seu corpo, os olhos brancos da Grace sendo pintados pelas faíscas, voltando ao eletrizante azul. O poder tomando conta de seu corpo naquela explosão ensurdecedora, as garras lupinas tomando suas mãos, assim como ela parecia prestes a se transformar em completo em um lobo, suas presas cresciam e ela sentiu a garganta seca e sedenta por sangue. 

— Eu… to com fome. — E, sim, essas foram as primeiras palavras da renascida Thalia Grace.

— Jura? Você morreu que nem trouxa, voltou de boassas e a primeira coisa que você fala é que está com fome? — Bianca disse totalmente incrédula, por mais que seu tom estivesse puxado para algo feliz e inacreditado. 

A garota estreitou os olhos, o olfato aguçado capturando o cheiro de sangue e saltando da cama no mesmo instante, indo de encontro ao frigobar que estava dentro do quarto e abrindo a porta com tanta força de vontade que a tirou do lugar, jogando-a para um lado sem se importar e agarrando um das bolsas de sangue, chupando todo o conteúdo em segundos.

Jogou para trás o saquinho vazio que bateu em Nico que a olhava assustado para caramba. E pegou outro.  Outro e… Outro. E assim foi até Bianca se tocar que não tinha mais nenhum saquinho de sangue ali e Thalia ainda parecia sedenta, mesmo tendo caído sentada para trás passando a mão na barriga.

Sentindo ainda o vazio, Thalia se levantou prontamente.

— Eu quero mais, eu preciso de mais! 

— Ou, ou, ou gatinha, calma! — Bianca a envolveu pelo pulso e quase teve um treco quando viu a garota virar de uma vez para si, rosnando. — Ih, caralho.

Thalia puxou o braço e saiu do quarto atrás de mais sangue, precisava daquilo. E Bianca não viu outra saída a não ser segui-lá, balançando a mão em frente ao rosto do irmão.

— Eu sei que é muita coisa, ela voltou, ta sedenta que nem bicho e rosnando igual cachorro, mas a gente vai descobrir o que tá acontecendo, ok? — Deixou um beijinho delicado na bochecha de Nico que engoliu em seco, parecendo voltar a realidade e indo atrás das duas. 

Eles entraram juntos dentro da estufa onde guardavam as bolsas, olhando horrorizados para a porta de ferro arrancada e jogada no chão como se não fosse nada. A Grace estava sentada com o freezer grande virado à sua frente, rodeada de bolsas de sangue e acabando com elas em poucos segundos, jogando os saquinhos para o lado como uma criança feliz.

— Vai! — Bianca empurrou o ombro do irmão, sugerindo que ele fosse até ela. 

— Por que eu? — Sussurrou, levemente assustado. 

— Só vai, Nico! — O empurrou, fazendo-o dar um passo à frente. 

Puxou o ar com força para seus pulmões e caminhou devagar, abaixando para ficar no mesmo tamanho de Thalia.

— Thalia? — Chamou, baixo. — Ei, por favor, olha pra mim.

Thalia piscou devagar, virando sua cabeça e fixando seus olhos azuis nos dele. Passou a língua no lábio inferior, interessada no que via. E sorriu. Abriu um sorriso ao ver Nico ali na sua frente. 

E juntou seus lábios.

— Eu vou… Ali. — Bianca murmurou, constrangida, dando as costas para os dois e se afastando, pensando em como colocaria aquela porta no lugar. 

Nico sentiu todo seu corpo estremecer de uma vez só com os lábios quentes dela contra os seus. As mãos vindo em sua nuca, afagando-lhe deliciosamente conforme se encostavam. O gosto de sangue invadiu seu paladar assim que sentia a língua dela em seu lábio inferior, cedendo ao pedido de passagem e levando a sua própria para encontrar no meio do caminho. 

Tudo fez sentido, aquele sentimento que Nico queria tanto entender e precisava dela para isso, o borbulhar em seu estômago, o desespero pelo simples fato de a perder. 

Suas mãos foram para a cintura dela, se entregando àquele beijo, ela estava viva, nada mais importava, ele tinha plena noção disso.

— Mas por que, diabos, a porta tá caída? Nico… OPA! — No entanto, Nico foi obrigado a se afastar as pressas ao ouvir a voz grossa de seu pai. 

— Eu falei pra você não entrar. — Bianca constatou um pouco atrás do pai, sentindo as bochechas doerem de rir da reação de seu superior.

Thalia rosnou para Hades em sinal de descontentamento e as luzes começaram a se agitar, fazendo com que o vampiro arregalasse os olhos e recuasse um passo.

— Ok, o que tá acontecendo? — Hades questionou com um mal pressentimento, de certa forma, aquele rosto era conhecido. 

— Thalia, está tudo bem, é o meu pai. Ele não vai te machucar. — Sussurrou, aproveitando o fato de ela ainda estar em seus braços.

— Thalia? — Hades ergueu uma sobrancelha, a voz se tornando baixa e séria. — Thalia, tipo, Thalia Grace? 

— Ah, merda… — Bianca murmurou baixinho, sendo telespectadora. 

— Thalia Grace, filha de Zeus Grace e Beryl… Grace? — O vampiro mais velho sentiu seus joelhos falharem por um segundos, abaixando-se para que ficasse na mesma altura que eles. 

— Como me conhece? — Thalia questionou, seu cérebro começando organizar melhor as coisas que aconteciam à sua volta. 

Em um relâmpago, sua mente voltou a clarear e ela sufocou um grito em sua garganta ao reconhecer o homem de seu sonho bem ali, na sua frente.

— Grace… — Nico arregalou os olhos e se afastou de uma vez, fazendo com que a garota tombasse a cabeça para o lado sem entender. — Meu deus, eu te conheço. Foi por isso que eu não te… 

Se interrompeu. Não era bom falar de matar ela naquele calor do momento não é mesmo?

— Eu não tô entendendo. — Thalia murmurou, levando a mão para as têmporas e se levantando meio trêmula. 

Hades se colocou a frente, levantando-se também e, gentilmente, a puxou para um abraço no qual a fez arregalar os olhos, mas se sentiu estranhamente confortável. 

— Thalia, eu… — O vampiro mais velho começou a dizer, porém foi interrompido por um estrondo que fez todos os presentes ali se abaixarem, colocando-se em uma posição de defesa. 

Segundos depois, Leo passou pela porta. 

— Fodeo, os lobos entraram!