Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 6
Novo Vulcano


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Capítulo 6: Novo Vulcano

 

Spock sentou-se em frente ao monitor, inseriu um código de autorização e aguardou a imagem de Sarek aparecer na tela.

― Sa-mekh.― Spock cumprimentou o pai. Sarek parecia sério, rígido e livre de qualquer emoção.

― Spock. Você queria falar comigo?

― Sim. Levarei alguém comigo para Novo Vulcano, será um hóspede em nossa casa. Se, é claro, o senhor não tiver nenhuma objeção.

― Não tenho nenhuma. Visitas são bem vindas. ― Sarek observou o filho por um momento. ―  É a mulher humana com quem tem se relacionado, Tenente Uhura?

― Não. Capitão James Kirk. Ele tem passado por alguns problemas de natureza pessoal. Sugeri alguns dias em Novo Vulcano para descanso e meditação.

― Fez o correto. Capitão Kirk será bem-vindo em nossa casa. No entanto, estarei muito atarefado, como lhe informei previamente. Acredito que não terei tempo para ser um bom anfitrião.

― Não se preocupe quanto a isso, pai. Capitão Kirk é muito compreensivo. Ele entenderá.

― Muito bem, estarei aguardando a chegada de vocês dois.

― Obrigado, pai. Vida longa e próspera.

Spock ergueu a mão no ta’al e Sarek fez o mesmo.

― Paz e vida longa, Spock.

Spock sentiu-se aliviado por Sarek ter aprovado a visita de Jim. Se Sarek não tivesse concordado, seria uma situação desagradável ter de voltar a Jim e dizer-lhe que não poderia levá-lo a Novo Vulcano. Jim tinha ficado tão animado com a ideia. Spock desviou sua atenção para o cachecol dobrado sobre a mesa ao seu lado. Ainda não tinha tido a oportunidade de devolvê-lo a Jim.

.

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Joana abraçou a cintura de Jim, ela não alcançava mais alto que isso, depois, saiu correndo com seu presente em mãos. Sentou-se sobre o tapete da sala e começou a abrir as embalagens.

― Que tipos de porcarias você deu a ela? ― McCoy fez uma careta e fez um gesto para a cozinha. Jim o seguiu.

― Não são porcarias, Magro, são doces. ― Jim puxou uma cadeira no balcão da cozinha. Leonard serviu café para os dois.

― E qual a diferença?

― Não seja um chato. Crianças adoram doces.

― As caries também.

― Você é um hipócrita, sabia Sr. McCoy. O que outros médicos diriam sobre a quantidade de álcool que você ingere?

― Muito bem, garoto, você fez o seu ponto. Mas espere até ter seus próprios filhos e poderá estragá-los como quiser.

Jim meneou a cabeça de um lado para outro, sorrindo.

― Você é tão exagerado, Leonard.

― Não é você quem vai ter que ficar com ela o tempo todo. Com todo esse açúcar correndo pelo sangue, ela vai pular pelo apartamento até depois da meia-noite.

Leonard podia resmungar o quanto quisesse, Jim sabia que ele adorava passar o máximo de tempo possível com a filha sempre que tinha a oportunidade.

― Então, como foi o jantar com o elfo?

― Não o chame assim. O jantar foi legal, pena que você não pode ficar.

― Nah... acho que não era mesmo para eu ir.

― O que quer dizer? ― Jim indagou confuso.

― Joana. ― Leonard respondeu rapidamente. ― Eu tinha que pegá-la.

― Ah.

― E sobre o que conversaram?

― Sobre naves estelares, o que mais?

Leonard girou os olhos.

― Papai me levou ao museu hoje, tio Jim. ― a menina voltou para perto dos homens, com um caramelo na boca. ― Eu vi o esqueleto de vários animais pré-históricos. Dinossauros, mamutes, baleias e...

― Espere aí, Joana ― Jim a interrompeu ―, baleias não são pré-históricas, elas existiram até a Era Pré-Dobra. Só foram extintas no final do Século XXI.

Joana olhou para o pai, como se pedisse uma confirmação de que Jim dizia a verdade. McCoy meneou a cabeça positivamente.

― Eu vi umas imagens antigas. Elas eram enormes! ― a menina abriu os braços o máximo que pôde e ficou na ponta dos pés. ― Papai vai me levar ao parque amanhã. Vamos andar de montanha-russa.

― Não se anime tanto com a história da montanha-russa. ― McCoy a interrompeu. ―Talvez você não tenha altura suficiente.

― Mas eu já tenho dez anos. ― Joana colocou as mãos na cintura, cheia de convicção, empertigando o corpo para parecer mais alta. Leonard afagou o topo da cabeça dela.

― Mas continua pequenininha como uma boneca, e é assim que tem de ser.

Joana inflou as bochechas.

― Papai é um resmungão. Ele só está com medo de andar na montanha-russa.

― Não é medo ― Leonard se explicou, fingindo indignação. ― Fico enjoado. Uma coisa horrível!

― Depois vamos viajar. ― Joana continuou, animada com sua lista de coisas para fazer com o pai. ― A gente vai passar o natal na Geórgia, na casa da tia Ann. Quer vir com a gente para a Geórgia, tio Jim?

Kirk olhou para a menina surpreso com o convite repentino. A menina tinha um humor tão agradável, que nem parecia filha do McCoy e seu mau humor crônico; Jim sorriu ao pensar nisso. Mas não havia dúvidas, os olhos, o nariz e o cabelo de Joana eram idênticos aos do Leonard.

― Venha. ― Leonard reforçou o convite da filha. ― Para espairecer um pouco. ― McCoy observou Joana se afastar para sua caixa de doces novamente. ―A Frota Estelar não vai liberar o Peter antes de Janeiro. Ficar aqui sozinho só vai te deixar mais triste. Vai estar com muito tempo livre para remoer coisas ruins e isso não é bom.

― Não estou triste. ― Jim rebateu.

― Você e o duende são iguaizinhos nessa história de “não sinto isso”, “não sinto aquilo”, “estou bem”. Balela! Eu te conheço, James Kirk, não vou deixar você sozinho em San Francisco pra se afundar em algum bar estranho e perigoso de esquina.

― Que imagem você faz de mim. ― Jim reclamou, mas sorria ao mesmo tempo. ― Eu não faço mais esse tipo de coisa.

― Vamos para Geórgia. Vai ser legal. Você só vai ter que aturar um monte de McCoys juntos.

Jim riu alto.

― Obrigado, mas já tenho planos. Não se preocupe comigo; divirta-se com sua filha.

― E que planos seriam esses? Já falei que virar a noite em um bar não é saudável.

― Quem falou em bar? Você está supondo mal a meu respeito novamente.

― Muito bem. Quem é a garota bonita dessa vez?

― Jesus, Leonard, não... Não tem garota nenhuma, ok? Spock me convidou para ir com ele a Novo Vulcano.

Leonard olhou-o surpreso. A caneca de café parando a meio caminho da boca.

―  Spock? Realmente?

― Sim. ― Jim tomou um gole de seu café, enquanto Leonard retrocedia a própria caneca para o balcão. Os olhos atentos ainda sobre Jim.

― Tem certeza de que você não entendeu errado ou... sei lá.

― Não. Eu confirmei com ele. Também fiquei surpreso com o convite, ele veio com isso do nada depois do jantar. Acho que ele está mudando. Sendo mais amigável e sociável, quero dizer. Mais próximo. Ele é sempre tão fechado e distante. Isso é bom, não é?

Leonard deu de ombros.

― Pode ser. ― Os dois tomaram mais um gole de café em silêncio. ― E você vai.

Não era uma pergunta.

― Obviamente. ― Jim confirmou.

― Humm...

Jim olhou para o amigo não entendendo a atitude.

― O quê? Qual o problema?

― Nenhum, na verdade.

― Você está com inveja porque Spock me convidou e não a você.

― O quê? Eu? Com inveja de passar o natal com um bando de elfos verdes e estoicos em um planeta deserto e quente como o inferno? Com certeza, Jimbo. Vai sonhando.

― Então está com inveja porque vou passar o natal com Spock e não com você.

― Nem todos os planetas giram em torno de você, Kirk. Não fique tão cheio de si.

Os dois sorriram. McCoy se levantou.

― Aonde você vai?

― Pegar algumas doses de composto Tri-ox para você tomar quando estiver em Novo Vulcano.

― Não precisa.

― Precisa sim. A atmosfera lá é diferente. O Tri-ox vai te ajudar a respirar e a se movimentar melhor. ―McCoy sumiu dentro do quarto.

― Olha, a sua filha se chama Joana e não Jim. ― Jim falou alto, e Joana levantou a cabeça ao ouvir seu nome pronunciado.

― Cale-se! ― Leonard gritou do quarto. ― Eu sou o seu médico, droga!

.

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Jim e Spock tinham tomado a mesma nave de transporte para Novo Vulcano. Eles não trocaram muitas palavras durante todo o percurso, o que fez Jim começar a se perguntar se tinha sido uma boa ideia concordar com o convite. No entanto, mesmo sem conversarem muito, Jim não sentia Spock fechado ou desconfortável com sua presença, isso devia ser um bom sinal. Jim se permitiu relaxar e até conseguiu dormir em sua cadeira, o que foi realmente surpreendente. Ele nem se sentia tão cansado, nem estava com sono, ainda assim, ele conseguiu cair num sono tranqüilo.

Jim acordou com um toque em seu ombro. Spock estava olhando para ele. Jim piscou um pouco confuso, a visão nublada, e endireitou-se na cadeira.

― Nós chegamos. ― Spock informou. Jim olhou pela janela da nave de transporte o planeta marrom avermelhado cada vez mais próximo. Olhando assim, do Espaço, Novo Vulcano se assemelhava as imagens que Jim tinha visto do planeta Vulcano; assemelhava-se, mas não era realmente Vulcano.

Os dois foram recebidos por Sarek na plataforma de desembarque e pegaram um hovercarro. Jim estava surpreso com tudo o que os vulcanos já tinham construído na colônia em tão pouco tempo. Eram tantos edifícios, casas, monumentos, ruas, veículos e construções grandiosas com uma arquitetura peculiar e moderna, que ninguém poderia dizer que há pouco mais de quatro anos, aquele planeta era literalmente um deserto.

 Observando a beleza da colônia vulcana, Jim se pegou pensando em como o planeta Vulcano deveria ter sido incrível. Era realmente uma pena que Jim não tivesse tido a chance de conhecê-lo antes de ser destruído por Nero. Pensando nisso, Jim virou-se para observar Spock; o vulcano também observava a paisagem em movimento. Jim se perguntava como Spock se sentia naquele momento, se estar em Novo Vulcano o fazia se sentir em casa ou se o fazia triste pela lembrança do planeta perdido.

Spock virou-se para Jim, como se sentisse os olhos observadores sobre si mesmo. Jim deu-lhe seu melhor sorriso; Spock não esboçou reação alguma.

― Os vulcanos fizeram um trabalho maravilhoso de reconstrução aqui. ― Jim comentou.

― De fato. ― Spock e Sarek responderam em uníssono.

― Diga “Jinx!”, Spock ― Jim tocou o braço do amigo brevemente.

― Por qual razão eu faria isso? ― Spock ergueu uma sobrancelha.

― Esqueça. É uma brincadeira boba da Terra.

― Se é boba, por que você queria que eu falasse?

― Outra hora te explico.

― Ilógico.

Jim sorriu, mas se controlou mais ao perceber que Sarek os observava pelo retrovisor.

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― Este será o seu quarto. Programei os controles de temperatura para ficar iguais ao que você usava em sua cabine. Há roupas de cama e toalhas sobressalentes naquele armário, caso precise. Você pode guardar suas coisas lá também. Naquela porta fica o seu banheiro; há um chuveiro sônico e um chuveiro comum, que você pode ajustar a temperatura da água.

Jim seguia Spock de perto, enquanto o vulcano lhe apresentava as acomodações. Jim sentou-se sobre a cama, viu Spock se afastar para a porta onde ficava o banheiro e voltar com um frasco na mão.

― Quero que use isto ― Spock aproximou-se da cama e entregou o frasco para Jim, tendo o cuidado de não tocar-lhe os dedos. Jim levantou os olhos para Spock.

― O que é isto? ― Jim olhou para o frasco. Tinha um rótulo, mas estava escrito na língua vulcana.

― Filtro solar. Aconselho aplicar em seu corpo todos os dias, mesmo que não planeje deixar a casa. Sua fisiologia não está adaptada para suportar a alta radiação solar daqui, portanto sugiro que use sempre um protetor e mantenha-se hidratado. Estou certo em supor que o Doutor lhe deu algum hypospray?

― Sim. Tenho um monte de composto Tri-ox na mala.

― Seria sábio usar um agora. Percebi uma alteração na sua respiração. Vou deixá-lo para que possa descansar. Se precisar de qualquer coisa, me avise.

― Certo.

― Vou ajudar meu pai com a refeição. Quando estiver pronto, virei chamá-lo.

Spock se dirigiu para a porta.

― Spock, espere. ― Jim se aproximou e tocou o braço de Spock. Spock olhou para a mão de Jim, mas não se afastou. De qualquer forma, Jim encerrou o contato; ele não queria causar desconforto ao vulcano. ― Obrigado.

― Pelo que exatamente, Jim?

― Por me convidar para sua casa.

― Agradecimentos são desnecessários. Mas devo dizer que estou satisfeito por você ter aceito o convite.

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Spock terminou sua meditação e saiu de seu quarto para pegar um copo de água. Ele olhou para a porta do quarto de Jim quando seguiu pelo corredor mal iluminado. Mais adiante, Spock percebeu que a porta que levava ao jardim estava aberta. Ele não precisava ir até lá para saber quem estava no jardim, mesmo assim ele foi.

Spock parou no limiar, observando a figura de Jim no cenário noturno de Novo Vulcano. O jovem capitão estava sentado em um banco rodeado por flores e plantas, em sua maioria, terráqueas; o rosto tristonho iluminado pela lua alienígena.

Depois de observar o humano em segredo por algum tempo, Spock achou correto fazer sua presença ser percebida.

― Suas acomodações não estavam confortáveis o suficiente? ― Spock tinha certeza de que esta não era a razão da insônia de Jim Kirk, mas concluiu que seria a maneira mais segura de começar uma conversa. Jim virou-se rapidamente, primeiro, surpreso com a presença de Spock, depois, sorrindo quando o vulcano se aproximou. Spock parou ao lado do banco, as mãos entrelaçadas nas costas, a postura perfeitamente reta. Spock olhou para a lua de Novo Vulcano, mas ainda sentia os olhos de Jim sobre si.

― Meu quarto está perfeito. Estou apenas sem sono. ― Jim falou depois de um momento. A voz dele estava tranqüila e baixa, mansa. ― E você? Por que está acordado a esta hora?

― Eu estava meditando. ― Jim afastou-se para o lado no banco, dando espaço para que Spock sentasse. ― Além disso... ― e então, os dois disseram em uníssono ―, vulcanos não precisam de tanto sono quanto humanos.

― Jinx! ― Jim exclamou imediatamente em seguida. Spock arqueou a sobrancelha.

― A brincadeira terráquea novamente?

― Sim.

― Vai me fornecer uma explicação sobre o que se trata?

― Quando duas pessoas dizem a mesma coisa ao mesmo tempo, o primeiro que disser “jinx” obriga o outro a ficar em silêncio até que alguém o chame pelo seu nome. Entendeu?

― Falho em compreender o objetivo prático desse jogo.

Jim riu ao perceber que Spock estava realmente fazendo algum esforço em compreender como funcionava a coisa toda.

― Não há nenhum. É um jogo bobo de criança.

― Se é de criança, por que insiste em jogarmos isso?

― Por que é divertido provocar você com coisas ilógicas, meu amigo vulcano.

― Estou vendo.

― Você não fica realmente aborrecido, certo? ― Jim empurrou levemente Spock com o ombro. O vulcano não demonstrou qualquer reação, tampouco respondeu. Percebendo a face em branco de Spock, Jim reforçou sua pergunta. ― Certo?

Spock continuou em silêncio, evitando olhar para Jim. O humano começou a ficar preocupado; teria Spock se aborrecido por tão pouco? Jim já havia feito provocações mais pesadas antes, mas sempre tomando o cuidado de não parecer agressivo ou desrespeitoso. Spock nunca pareceu se ofender. Jim tinha certeza, quase certeza, de ver diversão nos olhos castanhos do vulcano; mas Jim não podia ter certeza disso agora, Spock não estava olhando para ele e estava escuro o suficiente para que Jim não conseguisse enxergar com total nitidez.

― Você fica? ― Jim segurou o ombro de Spock, na esperança de que o vulcano o encarasse. ― Spock?

Quando Spock olhou para ele, Jim viu; apesar do escuro fazer os olhos de Spock parecer negros, Jim viu; havia diversão naquele olhar, e o canto dos lábios de Spock tinha a pequena insinuação de um sorriso.

― Você não tinha dito o meu nome, portanto eu não podia falar. Você disse que era assim que funcionava o jogo.

Jim soltou o ar, aliviado. Ele estava incrédulo e feliz com a brincadeira um tanto, porque não dizer, malvada do amigo.

― Você é um piadista, Sr. Spock.

― Certamente não sou.

― Você me pegou, cara ― Jim sorria. ― Parabéns por isso. Mas não me assuste assim novamente.

― Entendido.

Eles ficaram em silêncio por um momento, e os olhos de Jim se desviaram para a vestimenta que Spock usava. Era um tipo de roupão bem comprido, em um azul Royal que parecia magnífico sob a luz da lua. O tecido parecia ser bem pesado, e Jim não fazia ideia de como Spock não estava suando horrores sob aquilo; todo o roupão era bordado. Era uma peça realmente muito elegante e provavelmente muito cara, algo que Jim não estava acostumado a ver Spock usar. Até onde se lembrava, foram raras as ocasiões em que Jim vira Spock usar algo diferente do uniforme azul de Ciências ou o uniforme preto padrão da Frota Estelar, e nada era como a peça que ele estava usando agora.

― Hey, Spock, que coisa bonita é essa que você está usando? ― Spock viu Jim apontar para sua roupa. ―Posso tocar?

Spock considerou por um instante o pedido incomum. Não tão incomum, na verdade; os anos ao lado de Jim mostrou a Spock que Jim era um ser tátil, mais do que qualquer outro humano que ele conhecia. Uma característica que foi incômoda no começo, em seus primeiros meses de trabalho juntos na Enterprise; mas, agora, Spock não se incomodava mais com os toques ocasionais de Jim, pelo contrário.

Spock assentiu e ergueu o braço para Jim. Jim deslizou a mão sobre o tecido do antebraço de Spock. Apesar de grosso, o tecido era muito macio e agradável ao toque. Jim estava verdadeiramente admirado com os desenhos e símbolos vulcanos bordados ao redor da manga. Jim olhou mais de perto, traçando a saliência dos desenhos com a ponta dos dedos, tomando o cuidado de não tocar na pele da mão de Spock. Satisfeito, soltou o braço do vulcano.

― É uma peça admirável, Spock.

― Foi um presente da minha mãe. Ela me presenteou com isso quando fui designado Oficial de Ciências sob o comando do então Capitão Pike. Na época, eu disse a ela que não era necessário dar-me algo tão extravagante, mas ela insistiu que eu aceitasse. Evidentemente, jamais tive a oportunidade de usar isto na Enterprise, uma vez que possuímos uniforme e vestimenta extra padrão. Mas eu sempre o usei quando a visitava em Vulcano. Essa atitude parecia agradar-lhe.

Spock percebeu que Jim ainda tinha um semblante alegre, mas o sorriso era diferente de todos os que ele já tinha dado desde que Spock chegara. Era um sorriso caloroso, terno; um calor agradável que Spock pôde sentir apesar de seus escudos estarem levantados, algo semelhante ao que Spock costumava sentir emanar de sua mãe. Sentindo-se confortável o suficiente, Spock deixou seus escudos mentais caírem, só um pouquinho.

Jim achava adorável Spock querer agradar a mãe. O fato de Spock estar usando aquela roupa de dormir naquela noite, quando sua mãe já não estava para vê-lo usando, só mostrava que Spock sentia a falta dela. De repente, Jim sentiu um sentimento muito forte de saudade. Saudade de Amanda Graysson, apesar de jamais tê-la conhecido.

― Ela que bordou? ― Jim perguntou, sentindo um nó se formar em sua garganta. A estranha falta de Amanda, se misturava com uma repentina falta de sua própria mãe, Winona, e de seu irmão, Sam, a quem ele jamais voltaria a ver.

Spock balançou a cabeça positivamente.

― Ela tinha grande habilidade para trabalhos manuais. Este jardim, por exemplo, é uma réplica, feita por meu pai, do jardim que tínhamos em nossa casa em Vulcano; minha mãe que plantou e cultivou cada espécime presente lá. ― Jim olhou em volta as plantas iluminadas pela fraca luz da lua, compreendendo porque elas pareciam tão terráqueas. Era porque elas de fato eram da Terra. ― Na minha infância, passávamos mais tempo no jardim do que em qualquer outra parte da casa; acho que ela gostava de lá porque a fazia lembrar da Terra. Lembro-me dela sentada em um banco como este, lendo histórias infantis terráqueas para mim; eu ficava sentado aos seus pés ao lado do meu sehlat, I-Chaya.

Jim franziu a testa.

― O que é um sehlat?

― É um animal nativo de Vulcano. São grandes, com duas presas proeminentes de 15 centímetros. Eles têm pelos grossos e macios. Crianças vulcanas costumavam ganhar um sehlat de estimação para aprender disciplina, nenhuma criança vulcana esquecia de alimentar seu sehlat nas horas certas, e também para proteção; apesar de serem dóceis a maior parte do tempo, os sehlats são extremamente protetores de seus donos. Se alguém fizesse um movimento errado para seu dono, o sehlat provavelmente arrancar-lhe-ia o braço.

― Nossa! Seu sehlat, I-, I-Ch...

― I-Chaya.

― I-Chaya ainda estava com sua família quando Vulcano foi...

― Não. I-Chay morreu quando eu era ainda menino. ― Jim tinha certeza que viu a testa de Spock se enrugar por um segundo, mas logo o vulcano voltou a esboçar a face limpa de emoção. ― Ele morreu me protegendo de um le-matya faminto, que me atacou quando eu estava nas montanhas sozinho.

Jim decidiu não perguntar o que era um le-matya, já que ele ainda estava tentando visualizar como seria um sehlat. Também não perguntou o que Spock estava fazendo sozinhos nas montanhas, apesar de ter ficado curioso.

― Eu sinto muito.

― Nada foi sua culpa para desculpar-se, Jim.

― Quero dizer que estou triste por você o ter perdido.

― Foi há muito tempo. I-Chaya já tinha uma idade avançada, afinal, tinha pertencido a meu pai. Acredito que ele morreu com honra. Sua morte não foi sem propósito, aprendi uma importante lição naquele dia. Serei eternamente grato pelo sacrifício dele.

― E eu também, meu amigo. ― Spock arqueou uma sobrancelha, mas Jim não conseguiu saber se de surpresa ou de confusão. ― Se não fosse por I-Chaya, você teria morrido ainda criança e eu jamais teria te conhecido.

― Isso seria tão ruim?

― É claro, Spock. Você é meu melhor amigo.

― Fui levado a crer que o Doutor McCoy é seu melhor amigo.

― Também. Mas Leonard é um tipo diferente de amigo.

― Especifique― Spock parecia confuso.

― Um dia te explico. ― Jim tentava conter um sorriso. Spock parecia contrariado, mas não disse nada.

Jim suspirou e olhou para as constelações desconhecidas. A brisa era quente, um quente agradável, diferente do calor forte que sentira durante o dia.

― Você sente muita falta de Vulcano, não é?

Spock ficou em silêncio por um longo momento. Jim até chegou a pensar que dessa vez sim, ele tinha ido longe demais, tinha atingido um nervo. Mas finalmente Spock falou.

― Somos uma espécie muito ligada ao nosso planeta natal, de maneiras que eu não poderia explicar completamente. Nenhum humano poderia entender, já que são, por natureza, uma espécie exploradora e facilmente adaptável. Meu homólogo fez um ótimo trabalho em encontrar um planeta com condições ambientais mais semelhantes possíveis aos de Vulcano para abrigar a espécie vulcana. Estou certo de que não há um planeta mais adequado para estabelecer a colônia vulcana do que aqui. E tudo o que meu povo já fez neste lugar, ajuda a tornar este planeta alienígena mais parecido com Vulcano. Mas parecido com a nossa casa original.

Spock tomou outro momento de silêncio observando na escuridão o contorno de construções e casas vizinhas. Depois, ele olhou para o céu, fitando a lua muito semelhante a Lua do planeta Terra. Ele continuou:

― Infelizmente, tudo neste planeta parece nos lembrar que este não é o nosso lar de fato. Essa verdade grita em meus sentidos sempre que sinto o clima menos quente e mais úmido do que costumava ser em Vulcano. Sempre que olho para o céu diurno e vejo apenas um sol, quando deveria haver dois. Sempre que olho para o céu noturno, como este, e vejo uma lua onde não deveria haver nenhuma. Tudo isso me faz lembrar que, embora pareça, aqui não é o nosso lar.

― Talvez seja algum dia... talvez não. ― Jim deu de ombros; não significava que ele não se importava, significava que ele não sabia como lidar com aquela situação. O que era a perda de um irmão diante da perda de um planeta inteiro? Mesmo depois de tanto tempo, Jim sabia que aquela ferida ainda estava aberta no peito de Spock, por mais que Spock parecesse ter superado. ― Mas para as próximas gerações que virão, com certeza será um lar. Porque aqui será a casa que eles conhecerão. Eles poderão criar seus laços com este Novo Vulcano.

― Eu espero que sim, Jim. Seu argumento tem lógica. ― Spock olhou para o perfil de Jim, sentado ao seu lado. Spock sabia que Jim estava triste, ele podia sentir, embora Jim fingisse estar bem. ― Poderia me responder algo, Jim? Porque insiste em me fazer falar sobre meus próprios infortúnios e em me fornecer conforto emocional quando claramente é você que mais precisa disso no momento?

Jim se moveu no banco um pouco desconfortável.

― É a minha maneira de lidar com meus problemas, Spock. Eu os empurro para um canto e tento ajudar outros como posso.

Spock já tinha percebido essa tendência em Jim, e era algo que nem ele, nem o bom Doutor aprovava completamente.

― Além disso, eu realmente me preocupo com você, Spock. Eu tenho uma ideia da dor que você sentiu. Na verdade, eu meio que compartilhei isso com você. Não exatamente com você, com o outro Spock. Ele me disse que a transferência emocional foi um resultado da fusão. Acho que ele estava muito abalado para manter os, como você chama? Os escudos mentais? ― Como estava olhando para os próprios pés, Jim não viu a expressão de desagrado de Spock ao saber que Jim tinha compartilhado uma fusão mental com o outro Spock. ― Eu senti um pouquinho do que os vulcanos sentiram naquele dia. E mesmo esse pouquinho foi devastador para mim. Então... acho que posso dizer que te entendo.

Jim abraçou o próprio corpo. Spock observou o gesto ilógico e desviou os olhos.

― Ele não deveria ter fundido com você em um estado emocional tão instável, poderia ter causado danos irreversíveis a sua mente.

― Mas não causou. Não o culpe. Se ele não tivesse feito o que fez, não teríamos chegado a tempo de deter Nero. Embora... Não sei se é por causa da mistura de mentes que tive com ele, ou por causa de minha própria recente perda, mas desde que cheguei aqui, tenho sentido essa sensação de nostalgia, de saudade, de perda... Sinto como se eu devesse ter conhecido sua mãe e Vulcano. Eu gostaria de ter os conhecido. Gostaria mesmo.

Spock observou o humano com atenção. Jim olhava para longe, tentando visualizar um planeta que ele nunca chegou a conhecer e jamais conheceria. Um lugar onde Spock jamais poderia levar Jim. A não ser que... Uma ideia veio a mente de Spock e ela pareceu muito razoável.

― Eu posso te mostrar.

― Como? ― Spock ergueu a mão e Jim compreendeu. ― Uma fusão mental?!

Spock se refreou ao ver o espanto nos olhos de Jim. Ficou até um pouco... ressentido diante da reação de Jim.

― Eu sei... não devia ter sugerido tal coisa. Peço desculpas.

Spock tentou colocar uma distância entre eles, mas Jim o interrompeu.

― Não. Não estou recusando. Só estou... surpreso. É a primeira vez que você oferece. Eu gostaria, realmente. Se estiver tudo bem pra você.

Spock assentiu e Jim sentou-se de lado no banco, para ficar de frente para Spock. Spock fez o mesmo e aproximou-se mais de Jim. Jim prendeu a respiração com a proximidade.

― Não tenha medo, não vou machucar você. ― Spock o tranquilizou.

― Eu sei que não.

Spock tocou o rosto de Jim com a ponta dos dedos, fixando-os nos pontos psi.

― Minha mente para sua mente... ― Spock fitava os olhos intensamente azuis de Jim. ― Nossas mentes em uma só...

Jim fechou os olhos.

Ele sentiu uma agradável sensação de calor tomar sua mente e se espalhar por seu corpo. Jim sentiu que não estava sozinho, ele podia sentir a mente de Spock na sua; era estranho, mas não um estranho ruim.

Jim perdeu a consciência do ambiente ao redor, e sentiu como se estivesse entrando em um sonho. O cenário foi se formando, um jardim muito semelhante ao que eles estavam, havia dois sóis queimando no céu de tons alaranjados. Jim estava em Vulcano. Ele estava em uma memória de Spock. Jim viu uma mulher humana muito bonita sentada em um banco de pedra lendo Alice no País das Maravilhas, Amanda Graysson.

― Essa história não tem lógica alguma.

Jim virou-se ao ouvir a voz em protesto. Um pequeno Spock, talvez uns sete ou oito anos, olhava para o livro que a mãe segurava com uma visível expressão de confusão e incredulidade. Spock estava recostado em um animal imenso; parecia um urso pardo com presas enormes. Provavelmente este era I-Chaya.

― É uma história nonsense, querido. Não é para ter lógica.

― É absurda!

― É exatamente o que nonsense significa ― Amanda riu.

Spock ergueu uma sobrancelha, e Jim riu ao perceber que mesmo criança Spock já fazia isso.

― Bem... se te incomoda, podemos deixa-lo de lado e voltar aos nossos estudos sobre os poemas gólicos da Era Pré-Surak.

O pequeno Spock considerou por um momento.

― Não. Agora que a senhora começou, acredito que o lógico seria continuar e saber se Alice consegue voltar para casa.

― Sim, muito lógico ― Amanda sorriu e continuou a leitura. Ela parecia se divertir com a personalidade do filho tanto quanto Jim se divertia. Jim estava admirado com ela, e teve a certeza de que os dois se dariam muito bem se tivessem tido a oportunidade de se conhecer.

Jim sentiu uma mão em seu ombro e virou-se para encarar Spock, o adulto. A imagem se desfez e Spock mostrou a Jim outros lugares; o deserto de Vulcano, o Monte Seleya, ShiKahr, a cidade natal de Spock, uma escola vulcana com várias crianças, a Academia de Ciência de Vulcano e seus magistrados... Jim não sabia como ele sabia o que era cada lugar que Spock lhe mostrava, talvez Spock estivesse lhe dando essa informação por telepatia.

Depois de uma quantidade considerável de tempo, Spock deixou a mente de Jim. Pela primeira vez desde que chegou a Novo Vulcano, Jim sentiu frio.

Eles se entreolharam por um momento, sem nada dizer. Jim foi o primeiro a quebrar o silêncio.

― Obrigado, Spock... por me mostrar isso.

Spock demorou para dar uma resposta. Ele parecia disperso. Talvez, rever aquelas memórias com a mãe e Vulcano tenha abalado seu controle emocional, Jim pensou.

― Agradecimentos são desnecessários. ― Spock disse finalmente.

Após mais alguns momentos de silêncio, Jim se espreguiçou e pôs-se de pé.

― Vamos para cama? ― Jim apontou para porta com a cabeça. As mãos nos bolsos da calça.

Spock olhou para Jim com olhos arregalados e confusos.

― Perdão?

― Já ficamos um bom tempo acordados, não acha? Por mais que eu esteja amando a nossa conversa aqui, nós precisamos de um pouco de sono; temos um dia atarefado pela manhã. É melhor irmos dormir.

― Sábia decisão, Jim. ― Spock se levantou, reassumindo sua postura perfeita, e seguiu Jim de volta para dentro da casa.

― Sabe, Spock, acho que você falou mais comigo esta noite do que em um ano inteiro na Enterprise.

― Tenho certeza de que o seu cálculo está incorreto, Jim. Visto que trabalhamos juntos diariamente na Enterprise ou em missões em terra, e compartilhamos diversas de nossas horas livres, é lógico que o número de nossas conversas excedam ao desta noite.

Jim sorriu.

― Conversas entre um capitão e seu Primeiro Oficial não são a mesma coisa que uma conversa homem a homem.

― Homem a vulcano, você quer dizer.

― Você me entendeu, Spock.

― É claro que sim, Jim.

Jim sorriu e Spock esboçou o seu equivalente vulcano a um sorriso.

Jim parou em frente a porta do quarto de hospedes, temporariamente seu.

― Huh... ― ele tentou começar alguma coisa, mas não conseguiu pensar em nada. Nada que fosse realmente prudente ser dito.

― Boa noite, Jim ― Spock resolveu a questão.                           

― Boa noite, Spock.

Ambos entraram em seus próprios quartos ao mesmo tempo. Ao repousar a cabeça no travesseiro, Spock teve a certeza de que ainda podia sentir a sensação fantasma do toque da mente de Jim na sua. Talvez não tenha sido a decisão mais sábia fazer uma fusão mental com Jim. Mas Spock não podia negar, a experiência fora...

― Fascinante!


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Notas finais do capítulo

Capítulo 7: Selek de Vulcano e Peter Kirk



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