“Mentirosa”

Estava sentada no sofá de casa encarando o celular, eu não sabia quem tinha me mandado essa maldita mensagem já que ela foi enviada em modo restrito, mas tinha quase certeza que havia sido a Aline, provavelmente ela descobriu que eu menti sobre o Jace ser o Sebastian e agora já deveria estar contando pras meninas.

Suspirei e joguei minha cabeça pra trás de modo que passei a encarar o teto. Eu sabia que isso ia acontecer em algum momento eu só não queria que fosse agora, estava tentando achar um jeito de contar pras meninas, mas no fundo eu sabia que não existia um jeito certo porque não importa de que maneira a historia fosse contada, elas ficariam chateadas comigo de qualquer forma.

—O que aconteceu? Por que você está triste? –Olhei pelo canto do olho pro meu irmão e apenas levantei o celular, ele tirou o aparelho das minhas mãos e leu a mensagem, logo em seguida se jogou ao meu lado e se pôs a encarar o teto também, ficamos alguns minutos em silencio até que eu o ouvi suspirar. –Clary nós dois sabíamos que isso aconteceria, mas quem quer que tenha sido a pessoa que te mandou essa mensagem, talvez ela ainda não tenha contado pras meninas, talvez você ainda tenha uma chance. –Permiti que aquelas palavras entrassem em meu coração, eu sabia que a merda já estava feita, mas talvez eu ainda tivesse uma chance de ser honesta antes de tudo explodir. –Tomara Simon, mas de qualquer forma você sabe que elas vão ficar chateadas comigo, provavelmente nunca mais vão olhar na minha cara.

Meu irmão olhou pra mim e me puxou pro seu colo, ele parecia nervoso e com medo de falar, mas por fim respirou fundo e olhou no fundo dos meus olhos.

—Clary, eu não posso dizer que não vou ficar aliviado se elas pararem de falar com você. Por muito tempo eu fiquei calado, porque achei que você perceberia, mas elas fizeram você entrar em um complexo de inferioridade tão grande que você passou a não enxergar um palmo na sua frente, é lógico que a culpa não é toda delas, isso vem da criação que os nossos pais nos deram. –Encarei Simon totalmente confusa, ignorando a parte do meu cérebro que dizia saber do que ele estava falando. –Acho que não entendi Simon. –Ele me olhou e deu um sorriso triste. –Acho que você entendeu sim, só não quer admitir. Você é minha irmã e eu amo você, te conheço melhor que qualquer um e por isso eu posso te dizer com total certeza que você não é essa garota, você nunca foi fútil Clary, você não é essa menina que esconde de todos que gosta de ler, que esconde de todos que tem problemas de visão e usa lentes pra disfarçar, que apaga uma foto da rede social se ela não tiver um monte de curtidas, que é a mais popular da escola, que fica quieta quando vê as amigas julgando e humilhando outras pessoas por serem quem elas são, por muito tempo eu olhei pra você e vi uma garota estranha que definitivamente não podia ser minha irmã.

Eu estava boquiaberta, eu sabia que ele tinha razão em tudo isso, mas enquanto ninguém dissesse em voz alta eu podia continuar fingindo que não era uma completa mentira.

—Você tá dizendo que não me conhece mais? –Ele sorriu e me apertou contra ele. –Não, eu estou dizendo que não conhecia essa garota, você era essa garota até semana passada Clary, mas de alguma forma você tá voltando a ser a minha irmã e acredito que isso tem a ver com os seus novos amigos. –Pensei em Jace, em Alec e em Isabelle. Sim, eu era apaixonada pelo loiro, havia me encantado por Alec ontem e apesar das provocações gostava verdadeiramente da Isabelle, quando eu estava com eles eu me sentia normal, sem travas na língua ou impedimentos que me fizessem omitir as coisas que eu realmente gostava. –Eu sei disso Simon, mas eu não quero pensar nisso, se eu continuar pensando eu vou ter que assumir que por todos esses anos eu fui uma completa mentira, eu só não queria perder minhas amigas. –Simon se levantou do sofá e se ajoelhou na minha frente. –Você não é uma mentira Clary, você nunca teve problemas com mentiras, tirando os últimos acontecimentos é claro, mas você sempre teve problemas em ser omissa, esse é o grande x da questão maninha, você omitiu quem era de verdade pra poder ficar perto delas, mas você deveria parar pra pensar, se elas fossem realmente suas amigas, elas te amariam do jeito que você é e você não precisaria esconder nada, por todos esses anos você viveu numa aparente felicidade, mas eu sei que quando você ficava sozinha no quarto você via que não era realmente feliz. Talvez tudo tenha começado do jeito errado, com todas essas mentiras e tudo mais só que a vida escreve certo por linhas tortas, talvez toda essa situação esteja servindo pra te mostrar que nem todo mundo serve pra ficar do nosso lado.

Dizendo isso ele se levantou e me deu um beijo na testa, em seguida saiu de casa provavelmente pra encontrar algum amigo.

As palavras do meu irmão tinham sido um balde de água fria na minha cabeça, ele estava certo em cada palavrinha, eu sempre me senti dessa forma, mas pensava ser o único jeito de ter as minhas amigas perto de mim e fazer alguns sacrifícios em nome da amizade era o certo, não era? Mas então por que sempre era eu a fazer os tais sacrifícios? Eu nunca as vi tentarem mudar por mim eu que me adaptei ao jeito delas, mas eu não me importava porque gostava das meninas do jeitinho que elas eram. As palavras do meu irmão me deram muito que pensar: e se no meio dessa historia toda eu era a única a ter sentimentos verdadeiros? Elas não pareciam gostar da maioria das coisas que eu gostava e sempre achavam chato quanto eu tentava de alguma forma faze-las conhecer o “mundo da Clary”.

De repente um estalo apareceu na minha cabeça e eu me levantei com tudo do sofá, foi aí que eu percebi a verdade que estava na minha cara o tempo todo, elas não gostavam de mim, elas gostavam da pessoa que elas achavam que eu era. Mas acontece que eu não era essa pessoa e eu não ia mais fingir ser.

Me senti cansada depois de tudo isso, havia sido um longo dia e constatar que minhas amigas não eram realmente amigas tirou o resto de força que me sobrara. Subi pro quarto a passos lentos e simplesmente caí na cama, não queria comer e nem fazer nada, eu só precisava dormir. Tenho plena consciência de que ainda nem eram sete da noite, mas eu tinha a impressão que dormiria até amanhã. Adormeci com um único pensamento.

“Amanhã as coisas serão diferentes.”

...

Eu realmente estava esgotada mentalmente, falei que dormiria muito e estava certa, acordei hoje de manhã com o toque do despertador. Me levantei num pulo e corri para o banheiro, eu me sentia totalmente descansada.

Tomei um bom banho e me arrumei rapidamente, estava sentada em frente ao espelho encarando as minhas lentes de contato, nós parecíamos travar uma batalha, mas eu estava disposta a vencer. As peguei rapidamente e fui em direção ao banheiro, joguei aquelas gracinhas dentro do vaso e dei descarga, voltei ao meu quarto sorridente e peguei na terceira gaveta da minha escrivaninha os meus óculos, eles eram enormes, daqueles bem nerds sabe? Eu os amava.

Coloquei os meus óculos e me senti pronta pra esse dia, desci as escadas rapidamente e vi que Simon já estava se despedindo dos meus pais.

—Ei, eu já ia subir pra te dar tchau. –Sorri pra ele e o abracei.

—Clary querida, onde estão as suas lentes? Aconteceu alguma coisa com elas? –Como sempre minha mãe foi a primeira a reparar, ela não achava óculos de grau visualmente bonitos, por isso quando eu disse que queria usar lentes ela ficou radiante. Eu apenas dei de ombros. –Pode-se dizer que sim. –Ela pareceu preocupada. –Pode deixar querida, eu vou ligar na ótica e pedir lentes novas pra você.

—Mãe, não precisa.

—Como assim? Se suas lentes estragaram você precisa de lentes novas. –Ela parecia indignada comigo, não consegui evitar e comecei a rir. –Elas não estragaram mãe, eu as joguei na privada e dei descarga, gosto mais dos meus óculos.

Depois disso saí rapidamente de casa deixando uma mãe perplexa pra trás e um irmão que me olhava com uma expressão que dizia claramente “bom trabalho maninha”.

Entrei no carro da Maia e vi pelo canto do olho que ela me encarava com uma expressão confusa, provavelmente por causa dos óculos, apenas cruzei os braços numa postura que dizia claramente “te desafio a falar algo pra mim” e acho que ela entendeu o recado, pois apenas me deu bom dia e arrancou com o carro. Fizemos o caminho em silencio e ao chegarmos à escola, constatei que somente Emma nos esperava, talvez eu tivesse dado a sorte de Aline ter faltado hoje, outra coisa que constatei foi que as duas me tratavam normalmente, então provavelmente Aline ainda não tinha contado nada pra elas, se é que tinha sido a vaca mesmo que me mandou aquela mensagem, eu ainda tinha uma chance de consertar as coisas.

Nos separamos e cada uma foi pra sua aula, eu havia avisado que precisava falar com elas na hora do intervalo e as duas concordaram. A aula se passou rapidamente e isso era uma merda, quando você tinha algo legal pra fazer o tempo se arrastava, mas quando você queria que ele desacelerasse ele parecia andar mais depressa só pra contrariar, eu queria falar a verdade pra elas, mas estava nervosa, sentimentos não somem de uma hora pra outra, eu não sou um robô, não tenho um botão pra isso e mesmo sabendo que elas nunca gostaram verdadeiramente de mim eu não podia simplesmente dizer que não gostava delas, eu as amava, afinal por muito tempo eu as tive como irmãs.

Quando dei por mim o sinal pro intervalo estava tocando e assim que saí da sala reparei todos os olhares em mim, eu era umas das garotas mais populares da escola e sabia que iria virar comentário, a cada corredor em que eu passava escutava burburinhos do tipo “ela usa óculos?”, “nossa como ela ficou estranha” e “será que agora ela vai andar com os nerds?”. Não vou mentir e dizer que não me senti desconfortável, as coisas não mudam de uma hora pra outra, eu decidi mudar e ser quem eu era de verdade, mas ainda sim era difícil ouvir esse tipo de comentário, tinha que segurar a vontade de sair correndo  e me esconder no banheiro.

Cheguei ao refeitório rapidamente e ele já estava cheio então tive que ouvir mais burburinhos e risadinhas, me dirigi calmamente a nossa mesa e vi que as meninas estavam acompanhadas do time de futebol e das lideres de torcida, eles riam e apontavam discretamente pra outra mesa, onde Isabelle estava sentada com alguns outros garotos, meu Deus será que eles não iriam deixar a garota em paz? Me aproximei da mesa e encarei as meninas.

—Garotas, lembram que eu disse que precisava falar com vocês?

—Ah é Clary, não tem como ser hoje à tarde? É que a gente tá comendo aqui com o pessoal.

—Não Emma, hoje à tarde a gente marcou de ir ao salão fazer a cauterização no cabelo lembra? Clary amanha sem falta a gente conversa sobre o que você quiser tá? Agora senta aqui com a gente que o seu lugar está te esperando.

—É Clary, deixa os assuntos chatos pra depois, vamos nos divertir agora, aqui é a mesa dos reis. Mas é claro gatinha que você tem que tirar os óculos né, você é a nossa rainha e não combina com você esse visual estranho–Todos deram risada e meu sangue ferveu. Ai que comentário lindo, tinha que vir do idiota do Trevor, ele era o capitão do time de futebol.

—Reis? Eu só estou vendo um babaca que se acha no direito de rir das pessoas e se você não gostou do meu visual coração eu sinto muito, mas não me arrumei pra você. –Todos na mesa se calaram imediatamente, eu apenas ergui a cabeça e caminhei em direção à mesa da Isabelle que me olhava curiosa, de repente percebi o silencio no refeitório e vi que todos haviam visto a minha “pequena” discussão. Respirei fundo e quando cheguei ao lado da mesa dela quilibrando a minha bandeja a encarei timidamente.

—Será que eu posso sentar com vocês?

Isabelle não disse nada, apenas se afastou e meu deu espaço pra sentar do seu lado, eu ainda percebia o silencio do resto do refeitório, mas decidi ignorar.

—Bom ruiva, esses são Mike, Julie, Willian e Chelsea. Pessoal acho que vocês todos já conhecem a ruiva aqui né? –O comentário dela pareceu quebrar a tensão e todos começaram a rir e me cumprimentar, logo engatamos uma conversa divertida e vi pelo canto do olho que Isabelle as vezes me lançava um olhar de descrença e logo depois sorria, percebi que os amigos da morena eram muito legais e a conversa naquela mesa girava em torno de filmes, séries, músicas e outras coisas divertidas, eles não pareciam querer perder tempo falando mal dos outros como o pessoal da “minha mesa” gostava de fazer. Eu me senti bem ali, eles foram gentis comigo.

Assim que o intervalo acabou e os alunos começaram a se dissipar, resolvi me levantar e ir pra minha aula de biologia, Isabelle foi junto comigo alegando que a sua próxima aula era geometria e que as salas ficavam uma ao lado da outra. Percebi pelo canto do olho Emma e Maia me encarando totalmente incrédulas, mas apenas dei de ombros, elas queriam conversar amanhã então amanhã eu esclareceria tudo com elas, pelo menos tinha mais um dia pra me preparar.  Caminhamos em silencio e pela primeira vez eu não sentia hostilidade vindo da morena, tudo bem que ontem ela não me tratou mal, mais ainda parecia meio reticente comigo.

Chegamos à porta da sala dela e eu me despedi e comecei a caminhar.

—Ruiva. –Me virei pra trás. –Se você quer saber, achei que você ficou mais bonita de óculos e a proposito se você quiser, pode me chamar de Izzy. –Então ela sorriu e entrou na sala, eu me virei e continuei o meu caminho, mas dessa vez também tinha um sorriso no rosto, parecia que finalmente eu estava conquistando a confiança da irmã do Jace.

Entrei silenciosamente na sala quando vi que o professor já estava lá e fui pro meu lugar, passados alguns minutos senti o meu celular vibrando, olhei disfarçadamente e vi que o professor estava ocupado escrevendo a matéria no quadro, então decidi ver do que se tratava.

“Um passarinho me contou que você está usando óculos e que ficou mais bonita ainda, confesso que estou surpreso não imaginei que você pudesse ficar mais bonita do que já é.”

Mal tinha acabado de ler a mensagem e vi que outra já chegava.

“Te pego as oito hoje ok? Vou te levar na melhor pizzaria de todas.”

Sorri bobamente pro celular, chegava a ser ridículo a forma como o meu coração disparava com simples mensagens dele, Jace realmente conseguia me tirar dos eixos. Ele disse que eu sou bonita e eu sei que isso não é nada demais, mas levando em conta o jeito que ele vem me tratando meu coração se permitiu ter esperanças de que talvez ele sinta algo por mim.