1000 Segredos escrita por Violetta


Capítulo 1
Capitulo Unico


Notas iniciais do capítulo

Olá lindinhos, como estão?
Espero que goste da historia foi feito com muito carinho e dedicação, peço desculpas pelos erros de gramatica estou sem o pacote office no PC ai complica né!
Boa Leitura!!



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     — Eu não consigo acreditar que você fez isso comigo, você era minha melhor amiga! – eu disse gritando no meio do pátio sem me importar com a quantidade de pessoas que iam parando para escutar.

— Será que a gente pode conversar em outro lugar? – ela disse fazendo cara de sonsa para o meu lado – Eu posso explicar...

— Não vou para lugar nenhum sua vadiazinha de merda...

— O que você disse? – ela perguntou alterando a voz - Com quem você pensa que está falando?

— Com você vadiazinha de merda... – eu disse sorrindo sarcástica e  apontando o dedo em riste, a raiva crescendo dentro de mim – Porque é isso que você é...

— Tretaaa...– alguém gritou no meio da multidão que havia se formado do pátio.

— Joga o milho — disse outra voz,

— Eu não sou vadia, só dei para o seu namoradinho o que você não foi capaz de dar até agora...

— Então você admite que ficou com o meu namorado Emilene? – eu disse como se já não soubesse a resposta, ela confirmou jogando os cabelos loiros para trás e sorrindo debochada  - E ainda fala na maior cara de pau? Você era minha amiga...

— Fiquei, mesmo e não me arrependo – ela disse rindo e olhando para nossa outra amiga – Vai fazer o que me bater? Como se você fosse capaz de fazer e...

E foi naquele momento que tudo escureceu e a próxima coisa que me lembro é da minha mão indo de encontro com a cara dela, eu realmente não sei o que me deu, não sei se foi o sorriso afetado ou deboche nas frases, foi o estalo do tapa que me trouxe a realidade e ela voo para cima de mim, senti as mãos dela puxando meus cabelos para baixo e eu tinha lavado e escovado ele aquela manhã o que me deixou com mais raiva ainda, encaixei um soco no maxilar dela e doeu em mim sinceramente, mas consegui o efeito desejado ela soltou meus cabelos pela força do com que a acertei, não que eu seja briguenta, sou meio estourada meu pai diz que puxei minha mãe mais na maior parte do tempo sou calma, é só não pisar no meu calo.

Um dia antes dessa briga acontecer, rolou aquilo que eles chamavam de a festa do ano, com o encerramento das aulas na academia da missão, os meninos se juntavam para arrecadar dinheiro escondido das freiras e dar uma festa daquelas, regada a muitas doses de tequila e cerveja liberada para as garotas, o tipo de festa que acontece em volta da piscina e você volta muito bêbado para casa sem entender como chegou lá.

Preferi ficar em casa colocando minhas series na Netflix em dia, naquele final de semana eu não estava no clima de festa, estava de TPM , sábado seria nosso ultimo dia de aula, preferi ficar em casa, provavelmente eu iria brigar com o David, meu namorado, por algum motivo bobo e banal, a gente vinha brigando por coisas sem sentido e eu queria evitar uma cena na frente de todos, ele foi na festa sem mim, nos confiávamos um no outro, não havia motivo para preocupação, havia? Pois é como eu estava enganada.

As duas da manhã meu telefone tocou me acordando assustada, Jessica uma das minhas melhores amiga me ligava, ela fazia isso quando eu não ia junto as festas, na maioria das vezes estava muito bêbada para chegar em casa e queria carona.

— Meu deus Jess, você sabe que horas são? – eu disse assim que atendi a chamada.

— Não importa que horas são - ela disse do outro lado da linha – Você tem que vir para cá agora...

— Você tem que vir agora para cá - escutei Lil falar ao fundo.

— Aconteceu alguma coisa com vocês? – eu perguntei me sentando na cama preocupada.

— Não eu to bem miga, e só que...

— E só que, o que criatura? Desembucha logo...

— Você pode chegar mais cedo na aula amanhã? - eu senti a apreensão na voz dela, mas eram 3 da manhã quem se importaria com apreensão?

— Jess, você está me assustando, o que aconteceu?

— Só chegue mais cedo amanhã, ok?

—Tá bom, mas o... – escutei o vácuo na linha, ela já tinha desligado.

Dormi mau pelo resto da noite, a ansiedade acabou comigo, acordei mais cedo que nos outros dias principalmente porque era sábado e eu nunca acordava cedo no sábado, tomei meu banho, coloquei meu uniforme e os sapatos novos que minha mãe fez questão de lacear antes de eu usar e sai no meu carro para escola, assim que estacionei ela entrou e se sentou no banco do carona.

— Amiga a gente precisa conversar - ela disse mantendo as mãos no colo.

— Pode falar...

— Eu vi o David ontem na festa se agarrando com uma garota – ela disse direta e sem rodeios.

— Não pode ser – eu disse confusa – Eu sei que nosso namoro não ia bem, mas traição? Com quem ele estava?

— Isso eu não posso falar...

— Jessica quem era a garota que estava com ele? – eu disse fazendo pausa entre as palavras e sentindo o sangue latejar nas têmporas.

— Amiga...

— Você sabe que eu vou descobrir mesmo que você não conte...

— Era Emilene – ela disse abaixando a cabeça envergonhada.

— Emilene? A nossa Emilene, minha amiga Emilene?

— Sim...

— Aquela piranha... – eu disse apertando as mãos no volante, e foi assim que sai sem pensar do carro querendo socar ela, socar ele, socar todo mundo, eu sabia que as coisas não iam bem há uns meses, eu fugia dele sempre que podia, dava desculpas para não sairmos juntos, eu sabia que já estava acabado, mais me trair e com uma das minhas amigas? Isso eu não podia perdoar.

O que nos leva de volta a briga, estávamos grudadas puxando os cabelos uma da outra quando senti duas mãos me abraçarem pela cintura, me erguer do chão, enquanto as pessoas filmavam e gritavam para outras virem ver a briga, vi que alguém também tinha puxado ela e a segurava, não foi surpresa quando vi que meu namorado estava segurando ela não eu, o que eu fiz para merecer isso?

— Me larga garoto! – eu disse para o cara que estava me segurando e ele largou, não como um saco de batatas, mais delicadamente e me puxou pela mão pela multidão – Me solta, eu nem te conheço!

— Não – ele disse bruscamente e continuou me puxando, até não haver mais multidão vaiando, nem a visão da Emilene saindo chorando abraçada com meu namorado, ele caminhou calmamente, me arrastando até uns bancos que ficavam atrás do segundo bloco, geralmente usados por casais que queriam alguma privacidade em uma sessão de amassos.

— Meu deus quem é você? - eu disse olhando enquanto ele sentava no banco ao meu lado.

— Thomas – ele disse sem sorrir – Você pegou ela de jeito! O que ela te fez?

— E te interessa? – respondi de mau humor.

— Acabei de te salvar de uma suspensão, acho que mereço uma resposta...

— Ela ficou com meu namorado...

— Então foi por causa de um cara – ele disse sorrindo – Porque as garotas sempre se batem por causa dos caras, você deveria bater nele, ele que tinha um compromisso com você...

— Ela também tinha - respondi com vontade de bater nele também.

— Um compromisso como você? – ele perguntou confuso.

— Ela era minha melhor amiga – eu disse sentindo as lagrimas vindo mais segurando para não chorar, esfreguei meus olhos e respirei fundo – E não briguei por causa de um cara, meu namoro estava uma bosta, eu quase não via ele, mas ela sabia e se aproveitou disso, ela era minha amiga, se não posso confiar em minhas amigas em quem eu posso confiar?

— Realmente - ele disse colocando os pés em cima do banco e encostando as costas na parede, repeti o gesto – Mesmo assim...

— Eu não sou assim, não sou barraqueira, um pouco estressada talvez, mais ela estava se gabando de ter ficado com ele, eu não aguentei...

— Voce na precisa se explicar... – ele disse calmo e virou a cabeça para me olhar.

— E só deveria ter terminado antes, as vezes eu torcia para isso acontecer sabe, se fosse com outra garota, qualquer uma, eu só teria uma desculpa para terminar de uma vez...

— Acho que se tivesse pedido para sua amiga ela não iria se recusar – ele disse abrindo um sorriso enorme e apontando para direção do estacionamento onde a briga havia sido - Você podia ter usado ela para se livrar do seu namorado...

— É ela aceitaria numa boa – respondi sorrindo e enxugando algumas lágrimas que fugiram nas mangas do blazer – Eu preciso ir...

— Tudo bem – ele disse,  e eu virei as costas para sair pensando em ir ao banheiro lavar o rosto e refazer a maquiagem – Não espera...

— Oi? – eu disse me virando.

— Oi, tudo bem? Meu nome é Thomas... – ele disse enquanto eu ficava séria.

— Não seja engraçadinho...

— Eu não estou sendo, Senhorita pugilista – ele disse erguendo a sobrancelha – Estou sendo educado...

— Não, você está sendo engraçadinho – eu disse teimosa.

— Eu sou Thomas – ele repetiu, esperando uma resposta que não veio.

— Você já disse que é o Thomas...

— Agora é a parte em que você diz seu nome – ele disse abrindo aquele sorriso enorme, sempre que ele fazia isso mostrava os dentes caninos levemente pontiagudos, era um sorriso bonito e grande para lábios tão pequenos, acompanhei ele morder os lábios enquanto aguardava uma resposta.

— Jenny – eu disse contrariada.

— Jenny, bonito nome – ele disse e se levantou – Bom Jenny encrenca, a gente se vê por ai...

E ele se foi andando devagar com as mãos no bolso, e a bolsa marrom pendurada a tiracolo, fui até o banheiro retoquei a maquiagem e voltei para sala, eu notei as pessoas cochichando e me apontando, mais tentei não dar atenção, em menos de dez minutos fui chamada para sala da direção, sai da sala com os olhares curiosos me acompanhando, bati e entrei na sala da direção, me deparando com uma cena ridícula, David segurava a mão da Emilene enquanto ela chorava aos soluços.

— Senhorita De Silva, queira sentar por favor – a diretora disse indicando a cadeira, não olhei para eles, só travei o maxilar – Esses jovens vieram até mim dizendo que a senhorita agrediu sua colega sem motivo aparente durante o intervalo, isso é verdade?

— Bom... – eu comecei a dizer mais alguém bateu na porta.

— Entre – a diretora disse em sua voz grave, contrariada.

— Com licença Diretora Ernestine – e lá estava ele, Thomas, dei uma boa olhada nele, era mais alto que eu talvez um 1,70, magro mais não um magro feio, era magro tipo Natt Wolf fazendo cidades de papel, seus cabelos eram castanho claros e lisos mas devido ao tamanho dos fios faziam ondas nas pontas que caiam sobre a testa bagunçados, logo abaixo olhos verdes de uma tonalidade mais escura rodeado por olheiras, sua pele era branca um pouco pálida, usava o uniforme da escola, blazer azul escuro, camisa social branca, com a gravata que estava solta e a calça bege, ele tinha um ar geek, descolado e no rosto uma mistura indecifrável de sentimentos.

—Senhor McTavish peço por gentileza que se retire, estou em reunião agora, eu sei que é seu primeiro dia...

— Desculpe diretora mais eu tenho informações importantes, eu não sei porque meu querido irmão está acusando ela de ter agredido, essa garota – ele disse apontando Emilene como se fosse uma grande barata nojenta prestes a voar a qualquer instante - mais isso seria impossível porque ela passou o intervalo todo comigo...

— Com você? - David disse dando risada - Thomas inventa outra, porque ela ia perder tempo com você?

— Não é porque ela é sua namorada - ele disse dando enfase na palavra namorada - que não podemos conversar...

E foi ai que o pandemônio reinou na sala, eu nunca soube que o David tinha um irmão que aparentava ter a mesma idade que ele, eles não se pareciam em nada David era alto 1,75 com cabelos castanhos escuros, estava bronzeado por conta dos dias que passou surfando, a única semelhança entre eles eram os olhos verdes, ele nunca tinha sequer mencionado o nome Thomas para mim, e também não sabia porque Thomas estava me ajudando talvez porque queria implicar com o irmão, só sei que entrei no jogo sem fazer perguntas.

— É verdade diretora eu estava com ele...

— Não estava não – a falsiane tinha se recuperado do ataque de choro e me acusava – Você veio para cima de mim no intervalo...

— Eu? – eu disse imitando a cara de sonsa dela - Eu jamais faria uma coisas dessas, nós somos amigas, só não entendo porque você está aqui na sala da diretora com meu namorado, me acusando de brigar com você...

— Esse garoto é seu namorado? – a diretora perguntou sem entender nada, confirmei com a cabeça – Quer saber saiam da minha sala agora antes que eu suspenda os quatro, vocês McTavish me tiram do sério há anos..

Mais do que rápido peguei minha bolsa e fui saindo da sala, quando estávamos os quatro em silêncio fora do corredor da diretoria, virei o David pelo braço para ficar de frente para mim.

— Bom querido está tudo terminado entre nós – eu disse sorrindo.

— O que? – ele respondeu me olhando como se eu fosse louca.

— Estou terminando com você, apesar que essa bosta de namoro já estava acabado há meses – eu disse fingindo estar pensativa, tirei o anel que ele tinha me dado quando fizemos dois anos juntos – Toma aqui seu anelzinho, pode dar para sua nova namorada, eu fui muito trouxa de acreditar em você - ele abriu a boca para responder e fechou novamente – E que saber, vai pro inferno David!! - E sai dramaticamente rindo de como eu tinha sido trouxa de confiar nele esse tempo todo, Thomas me seguiu em silêncio.

— Eu sempre quis dizer aquilo - eu disse virando ao notar que Thomas ainda caminhava ao meu lado.

— Você é louca! – ele riu do meu comentário e perguntou quando viu que eu estava saindo do colégio - Tá indo aonde?

— Dar uma volta, esse lugar está me deixando sem ar – eu disse - Quer vir comigo?

— E matar aula? Perder as explicações para os alunos transferidos, as matérias que serão designadas para o próximo semestre... – respondeu fazendo cara de ofendido - Mais é claro que eu vou com você...

— Então você é irmão do David? – eu disse depois de um tempo em que caminhamos em direção ao meu carro, nós entramos.

— Por parte de pai, minha mãe faleceu – e eu coloquei a mão sobre a dele.

— Eu sinto muito – eu disse, notando que a mão dele estava quente e era macia, ele apertou a minha e abriu aquele sorriso enorme, um arrepio percorreu meu corpo e como se eu tivesse levado um choque retirei a mão e disfarcei ligando o carro para sair do estacionamento.

— Aconteceu há um mês – ele disse olhando para fora – Câncer, ela lutou por anos, até que se foi, uma guerreira, a minha mãe...

— Eu sinto muito – eu repeti com o coração apertado.

— A maioria das pessoas diz isso – ele disse ríspido – Mais na verdade não sente, ninguém sabe como é perder a única pessoa que você tinha e ver sua vida virar de cabeça para baixo – observei o garoto sentado ao meu lado, era um desabafo o que ele fazia agora – Eu vim morar com meu irmão insuportável, tendo que conviver com um pai ausente, acho que ninguém pode sentir muito por mim...

— É realmente ninguém pode sentir muito por você – respondi com a voz carregada de sarcasmo – Não quando seu namorado te traiu com a sua melhor amiga, seus pais vivem te deixando de lado, te escondem as coisas, minha mãe passa mais tempo com minhas primas trigêmeas que comigo e nada absolutamente nada da certo na minha vida...

— Depois dessa é melhor eu ficar de boa no meu canto – ele disse sorrindo ironico - Você tem uma vida horrível...

— Eu odeio traição e mentira – eu ignorei a pontada de sarcasmo na voz dele – Se ele queria outra pessoa porque não terminou?

— E porque você não terminou?

— Eu não queria ficar sozinha – respondi lembrando que já estava sozinha a meses.

— Aonde estamos? – ele perguntou mudando de assunto.

Foi ai que notei que estava dirigindo para a praia, mais precisamente para o ponto onde havia um pequeno estacionamento onde casais vinham para fazer o que não podiam nas casas dos pais, o lugar era mau iluminado a noite o que facilitava os amassos noturnos, uma vez David me trouxe ali cheio de segundas intenções, deslizou as mãos por baixo da minha regata enquanto a outra mão tentou abrir o zíper do meu jeans, eu tirei as duas mãos dele de cima de mim e pedi para ele me levasse para casa “ estamos juntos há dois anos e não passamos as preliminares “ “ Só me leve para casa”, e foi ai que a coisa desandou de vez entre nós, não me sentia a vontade suficiente para transar com ele, passamos dois anos e meio juntos e a possibilidade de ter minha primeira vez com ele nem passava pela minha cabeça, “ eu só dei para ele o que você não dava” Emilene tinha razão ela deu para ele o que não dei literalmente.

— Esse não é o ponto ? – ele disse me encarando fazendo uma falsa cara de choque – Você me trouxe aqui para me agarrar e se vingar do meu irmão?

— Claro que não - eu disse rindo alto.

— Se bem que não seria má ideia – ele disse corando de leve – Mais funciona melhor a noite, quando as pessoas não podem ver...

— Larga de ser idiota – eu disse tentando afastar da minha mente, a ideia de beijar ele ali mesmo, qual seria o gosto daquela boca? Balancei a cabeça afastando a ideia – Eu venho aqui de dia porque a visão do mar batendo nas pedras me acalma...

— Realmente é uma visão da hora – ele disse saindo do carro e se sentando no capô do carro, sai e sentei ao seu lado.

— Ainda bem que as férias começam amanhã, eu não teria cara para ir a escola segunda - eu disse observando as ondas do mar quebrando ao longe.

— Você não vai a festa hoje à noite?

— Ah, não... É a casa do David – respondi lembrando que os dois iam se agarrar por lá - Melhor não...

— É a minha casa também e suas amigas vão estar lá, você é veterana, esta convidada – ele disse sério justificando cada uma das frases que dizia - É a minha casa, eu recebo quem eu quiser...

— Não acho que seja uma boa ideia – falei me lembrando da briga.

— Pois eu, acho que é uma ótima ideia – E ele passou o braço pelos meu ombros e me puxou para perto - Nos somos amigos agora...

Senti a proximidade do corpo dele do meu, meu coração deu um salto de leve dentro do peito, ficamos ali em silencio observando o mar infinito, depois de um longo tempo ele cortou o silencio.

— A gente tem que voltar antes das 15:00 - ele disse meio hipnotizado pelo sol e o mar.

— Se eu pudesse não voltava - respondi cansada.

— A gente pode dar uma volta na praia amanhã - ele disse me olhando e desceu do capo e entrou no carro - Talvez pegar umas ondas...

— Eu não sei surfar - eu disse dando de ombros e pulando do capo do carro, entrei em seguida.

— Não acredito que uma garota linda como você, não sabe surfar! - ele ria empolgado - Eu posso te ensinar, talvez você leve alguns caldos, na verdade você vai levar vários mais...

— A gente mau se conhece e você já sabe que eu vou cair - respondi rindo e saindo do estacionamento - Eu vivo caindo mesmo, sou o desastre em pessoa, estamos realmente atrasados faltam dez minutos para o discurso da Diretora Ernestine...

— Pega um atalho, vira na próxima a esquerda...

Virei na rua indicada, enquanto ele trocava as musicas do rádio, notei que uma estranha conexão crescia entre nós, ele era gente boa, bonito e tinha um sorriso destruidor, nos trocamos um olhar e ele sorriu para mim mostrando os caninos pontiagudos, me lembrou um vampiro desses filmes adolescentes, não como Edward Cullen em crepúsculo, mais muito melhor do jeito dele mesmo, eu sorri de volta e foi nesse milésimo de segundo que tudo aconteceu, primeiro um clarão que cegou meu olhos soltei o volante para cobrir o rosto com os braços no instinto de me proteger, depois a batida e o impacto, senti meu coração acelerar e a gravidade da situação me abateu, uma segunda batida e o carro girou rapidamente, senti minha cabeça bater contra o vidro e depois só havia a escuridão.

Acordei me sentindo tonta e com náuseas, minha cabeça girava, abri os olhos devagar escutando um estranho "bip" ao meu lado, o teto era tão diferente do que eu estava acostumada a encarar todos os dias pela manhã, que especie de sonho louco era aquele?

Notei que minha mãe estava sentada em uma poltrona ao meu lado, assim que ela notou que eu estava acordada saiu do quarto apressada, Thomas surgiu logo depois que ela sela, ainda vestia o uniforme da escola.

— Oi - eu disse para ele - Onde eu estou?

— Em um hospital - ele disse sério colocando as mãos no bolso pensativo - Esta se sentindo bem?

— Meio tonta - eu disse fechando os olhos manter eles abertos me causava náuseas.

— Sua mãe foi chamar o médico...

— Porque eu estou aqui? - eu disse ainda com os olhos fechados, mais consciente que mais pessoas entravam no quarto.

— Você não se lembra? - ele disse - O acidente...

— Filha com quem você está falando? - abri os olhos, minha mãe me encarava preocupada.

— Com o Thomas mãe - respondi.

— Filha - ela disse com uma expressão assustada e surpresa no rosto - O Thomas faleceu no acidente...

 

   Não houve funeral, o carro explodiu assim que os paramédicos me tiraram do carro, alguns juravam que não havia outra pessoa dentro do carro, outros diziam que tinha sim alguém mais já estava sem vida quando o socorro chegou, haviam aqueles que disseram que o corpo caiu no mar durante a explosão, mas nenhum corpo havia sido encontrado, nenhum mínimo indício que Thomas estava comigo, somente seus pertences foram encontrados entre os escombros queimados do meu carro e isso me causou pesadelos enquanto estava no hospital, os clarões, a batida e um grito não saiam da minha mente, talvez o grito fosse meu, eu não conseguia lembrar aconteceu tão rápido, eu acordava suada e com lágrimas escorrendo pelo rosto, as vezes no escuro do quarto, eu desejava que Thomas estivesse ali para eu pedir desculpa, e quando eu fechava os olhos e desejava a presença dele, as lágrimas corriam molhando o travesseiro, mais de uma vez senti alguém enxugando elas suavemente, eu abria os olhos e não havia nada só minha mãe dormindo de mau jeito na poltrona ao lado da cama, uma cerimônia foi feita, a Cee Cee madrasta dele andava pela casa carregando a mesma foto que estava na moldura em homenagem a ele na porta de entrada, uma pequena foto em uma mão e a taça de vinho na outra, minha mãe me contou mais tarde que ela era muito apegada ao Thomas desde que ele era bebê, ela conhecia a mãe dele que teve uma pequena aventura amorosa durante o termino deles antes do casamento da minha mãe, as duas levaram tudo em uma boa, eu não sei se eu teria tanto sangue de barata, mais Cee Cee amava Thomas como se tivesse saído de seu próprio ventre, histórias sobre ele foram contadas e eu tive vontade de ter feito parte delas, ele foi realmente um cara legal, desses que resgata animais feridos e ajuda os outros sem pedir nada em troca, no meio de uma dessas historias notei David se aproximando sorrateiro de um jeito meio furtivo, ele vinha tentando me cercar desde que eu havia chegado, levantei da poltrona que eu estava instalada e me arrastei devagar pela casa, notei que Thomas esteve por ali o tempo todo eu que não havia notado, havia fotos dele espalhadas pela casa, desde a infância até a adolescência, uma linha do tempo interrompida por um motorista apressado que não respeitou a placa de PARE, o motorista imprudente também faleceu no acidente, caminhei entre as pessoas sem conversar com ninguém, foi aí que notei que a foto que Cee Cee estava carregando estava caída no chão ao pé da escada, peguei ela e coloquei no meu bolso, abaixo da foto estavam as palavras que cortaram meu coração “Em memória de Thomas J. McTavish”.

   Nós saímos do hospital direto para a casa dos McTavish e saindo de lá fomos direto para casa, quebrei a perna no acidente e tive várias escoriações espalhados pelo corpo, meu pai era o médico de plantão naquela tarde, depois de vários exames e a fratura que foi caracterizada com “Undisplaced”, me deram alta para me recuperar em casa, foi meu pai que me trouxe para casa e me ajudou a subir a escada, a subida parecia longa com o gesso, em dias normais eu subia pulando os degraus de dois em dois, parei na porta do meu quarto, era bom estar em casa.

— Precisa de ajuda? - Meu pai perguntou com aquele olhar de médico examinando a paciente.

— Estou bem pai, não se preocupe, acho que a mamãe precisa mais de você que eu  - ele sorriu e foi em direção ao quarto.

Minha mãe dormiu no hospital em todos os dias que fiquei por lá, a aparência dela estava terrível hoje antes de eu ganhar alta, motivo que meu pai mandou ela para casa dormir um pouco, abri a porta do quarto e entrei com dificuldade, quebrar a perna dói, nos primeiros dias a dor era insuportável, agora assim que os analgésicos deixavam de fazer efeito, a dor voltava e piorava, por isso eu me arrastava devagar evitando o contato com o chão, pulei para dentro do quarto e fechei a porta, foi quando eu vi ele, sentado como se nada tivesse acontecido na minha cama folheando um dos livros da minha estante.

— Aí meu deus - eu disse arregalando os olhos e congelando, levei um tremendo susto, imagina você acabou de vir da cerimônia fúnebre do cara e quando chega, lá estava ele sentado na sua cama como se nada tivesse acontecido, afundei a foto que estava no meu bolso o mais fundo possível.

— Essa história nem faz sentido - ele disse apontando para o livro, eu fiquei ali apoiada no trinco da porta chocada - Como os alienígenas iriam tomar o planeta sem ninguém perceber, não faz sentido…

— Thomas? - eu ainda estava agarrada no trinco em um ângulo esquisito, a perna estava meio erguida e eu me apoiava totalmente na direita, aquilo doía para cacete, acho que minha expressão de perplexidade com dor confundiu ele, que se levantou e passou o braço pela minha cintura, joguei todo meu peso em cima dele, o gesto aliviou a pressão que estava sentindo na perna esquerda, mas continuei chocada com a presença dele ali.

— E aí, como você está? - ele largou o livro em cima da cama e  cruzou os braços e ficou me olhando mordendo o lábio.

— Hã? - falei, ciente que eu devia parecer muito idiota agora, encarando ele com a boca entreaberta, só que era impossível acreditar, ele estava mesmo ali.

— Porque você está me olhando assim? - Thomas perguntou e foi se sentar no meu banco da janela - Dói ? - ele disse indicando a perna com a cabeça.

— Você não está… - eu comecei, ignorando a pergunta sobre a perna, tentando encontrar minha voz que se tinha perdido em algum lugar, mais ele entendeu a pergunta antes mesmo de eu terminar.

— Morto? - Thomas soltou um longo suspiro e confirmou com a cabeça - Eu percebi assim que os paramédicos chegaram, tentei falar com eles, mas ninguém me escutava, foi meio frustrante…

— E você não devia, tipo seguir em frente?

— Seguir em frente? - perguntou erguendo as sobrancelhas frustrado, ele levantou e começou a mexer em meus livros de novo - Onde exatamente é em frente?

— Não sei, você não deveria ir para a luz? - aquilo era muito estranho, eu estava conversando com um cara morto no meu quarto, meus pais me convenceram que eu havia alucinado a conversa com ele no hospital, mas o cara estava ali, tinha acabado de pegar outro livro e foi se sentar no banco da janela, ele abriu em uma pagina e deixou o livro aberto sobre o colo, e ergueu a cabeça me encarando com aqueles olhos verdes enormes, aquilo era um sonho, só podia ser, fechei os olhos e me belisquei - Aí!!

— O que você está fazendo? - eu escutei passos rápidos e o barulho do livro caindo no chão, agora ele estava do meu lado em pé e segurou minha mão com força - Não acha que você já tem machucados suficiente pelo corpo?

— Estou tão destruída assim? - ele soltou minha mão e sentou na cama, fazendo o colchão balançar.

—  Você não tem se olhado no espelho?

— Não - eu disse lembrando que minha mãe tinha escondido eles de mim.

— Então continue se mantendo longe deles!

— Nossa eu devo estar horrível mesmo para você falar assim - eu disse querendo me levantar e ir até o espelho do banheiro, o do meu quarto não estava ali e só agora eu tinha notado a falta dele.

— Não se preocupe, hematomas não são permanentes - ele disse ficando em silencio em seguida.

— O que você ainda está fazendo aqui? - perguntei quebrando o silencio.

— Eu não sei - respondeu depois de um tempo pensativo - Achei que você pudesse me ajudar, disseram para procurar a mediadora...

— E aonde ela está?  - perguntei porque até aquele momento eu não sabia quem era essa mediadora e foi ai que ele jogo o balde de água fria em mim.

— Jenny, você é a mediadora... - Isso aí, ele me disse assim, como se eu sempre soubesse dessa informação e tinha esquecido porque  estava meio sequelada por causa do acidente

— Se eu fosse a mediadora, eu saberia - eu disse rindo da situação.

— Eu falei sério - ele me disse me encarando magoado.

— Sério? Vá para luz Thomas... - respondi, chacoalhando as mãos como se a qualquer momento uma luz surgiria para levar ele, nada aconteceu, Thomas revirou os olhos e desapareceu.

Uma hora tinha se passado, eu estava ali cutucando meu gesso perdida nos pensamentos, aquilo coçava exatamente nos lugares que eu não conseguia alcançar, quando uma segunda visita sobrenatural me brindou naquela noite.

O cara apareceu no meio do meu quarto, tinha um expressão horrível no rosto, assassina e vingativa, estava vestido smoking, passeio completo com direito a flor na lapela e tudo mais, ficou ali parado, me encarando insatisfeito, eu não tive tempo de perguntar quem ele era ou o que queria porque ele pulou sobre mim e colocou as duas mãos no meu pescoço, tentando me sufocar, o peso dele sobre mim fez minha perna doer terrivelmente, a dor invadiu tudo, o ar fugiu dos meus pulmões, olhei em volta tentando achar qualquer coisa que pudesse acertá-lo, mas eu não iria conseguir ser rápida o bastante e foi então que eu fiz o que qualquer pessoa sensata faria ao ser sufocada por um fantasma assassino, gritei pela minha mãe.

  Ela entrou feito um furacão no quarto, arrancou o cara de cima de mim e jogou de lado, estava furiosa, deu um soco nele, que ele revidou, os dois travavam uma luta corpo a corpo, mas ele não era páreo para ela, ele notou isso e deu uma chave de pescoço nela, conseguindo imobiliza-la, levantei da cama esquecendo a dor da perna e peguei meu abajur, sem pensar bati com ele na cabeça do cara, o abajur se estraçalhou, e ele cambaleou com o impacto dando o tempo necessário para minha mãe conseguiu se soltar e acertar um belo soco na cara dele.

— Essa vaca bateu no meu carro! - ele disse com a voz pastosa, colocou a mão sobre o nariz quebrado que sangrava e desapareceu.

 

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  — Então você está me dizendo que eu sou uma, como é mesmo Mediadora? - eu disse sem acreditar no que eles diziam, nós estávamos na sala, reunião familiar, eu, meu Pai Jesse e minha mãe Suzannah…

— Isso pequeña, você é uma Mediadora - meu pai disse calmo, esse era o estilo dele poucas coisas tiram ele do sério.

— Então vocês dois são mediadores - apontei para os dois e fiquei com o dedo apontado para o meu pai  - e você era um fantasma e minha mãe trouxe seu corpo do passado que se fundiu com a alma que estava no presente - minha cabeça estava dando um nó, massageei minhas têmporas com os dedos indicadores - Isso é loucura!

— Eu falei que não era hora de falar para ela, mi amor - meu pai disse se levantando do sofá - Nós nem sabemos se ela tem mesmo esse Dom!

— Jesse pelo amor, eu já te disse, ela viu o cara que atacou no quarto - minha mãe disse se levantando e indo até ele - Ela já tem idade suficiente para saber o que eu sou, o que nós somos…

— Aquele cara ontem era um fantasma? - perguntei afundando no sofá, olhei minha perna coberta pelo gesso, eu sei que minhas perguntas soam infantis, mas só estava acreditando naquilo porque tinha sido atacada por um fantasma e vinha sendo visitada por outro, mas esse segundo era segredo.

— Sim, ele era um fantasma.

— Então eu sou uma mediadora como vocês? - eu disse me levantando mancando enquanto os dois se sentavam exaustos lado a lado - Eu já nasci condenada ao inferno com direito a danação eterna e tudo mais?

— Nombre de Dios Suzannah - meu pai disse encarando minha mãe - ela é tão parecida com você quando tinha essa idade - eles trocaram um olhar apaixonada e enjoativo, que acabou num beijo.

— Hei, eu ainda estou aqui... - eu disse olhando para o outro lado - Quem eu procuro para fazer a devolução do contrato de mediação?

— Acredite filha eu já tentei - ela disse sorrindo, eu realmente era teimosa e explosiva igual a ela, nisso meu pai tinha razão - Mas não consegui me livrar dessa mer… -  minha mãe ia dizendo, mas meu pai interrompeu ela.

— Suzannah...

— Digo Dom - ela concluiu e eu dei risada, muita coisa mudou nesses anos mas minha mãe continua usando seu estoque de palavrão sempre que se sente frustrada.

— Nós vamos conversar com o Padre Dominic, para ele vir até aqui e falar com você, pequeña - ele disse me lançando um sorriso tranquilizador.

— Sério Jesse, o padre Dom?

— Mãe eu já te falei o quanto soa esquisito quando você chama o padre Dominic de Padre Dom?

— Isso ela puxou de você - ela disse olhando para o meu pai e ele revirou os olhos,

— E até quando vocês pretendiam esconder essa informação de mim?

— Seu eu pudesse até o fim da vida - minha mãe respondeu, eles estavam abraçados - Esse, é ... dom, me impediu de ter uma vida social, eu não queria que você passasse o mesmo…

— Mais eu nunca vi nenhum fantasma por aqui…

— Nós tratamos de mandá-los pará além dessa vida antes de você notar a presença deles…

— E como vocês sabiam que eu era igual a vocês ?

— Na verdade não sabíamos, não até agora– respondeu Jesse.

— Eu tinha esperanças que você não nascesse mediadora - minha mãe disse, senti a culpa na voz dela.

— Tudo bem mãe - eu disse me sentando no meio dos dois - Eu vou ficar bem - na verdade eu disse aquilo só pará acalmar ela porque naquele momento eu não tinha certeza de nada.

— Nós vamos dar uma saída, você vai ficar bem?

— Eu não posso ir muito longe com essa perna quebrada - minha perna doeu assim que lembrei da minha dificuldade de locomoção mais quatro semanas e eu poderia tirar o gesso, teria que fazer fisioterapia por um mês, mas não ligava desde que pudesse me livrar daquele incômodo - Aonde vocês vão? Algum negócio mediador, agora nós seremos a super família mediadora? Uma tríplice sobrenatural combatendo os fantasmas do mal?

— Não vamos demorar - eles ignoram minha deixa - temos uma coisa para fazer e depois vamos até o Adam - meu pai disse vindo até mim e me dando um beijo na testa

— Estou com celular qualquer coisa manda mensagem - Suzannah disse - Eu preciso ver como Cee Cee esta, não fique vendo tv até muito tarde…

— Ué? Voces falaram que não iam demorar - eu disse fingindo uma falsa confusão, eles me ignoraram  de novo e saíram abraçados e rindo, escutei quando meu pai disse para ela “é sério Suzannah, ela é muito parecida com você quando tinha essa idade, nem tem como alguém dizer que foi trocada na maternidade, ela é muito você” eu já tinha escutado isso antes, chega até ser chato, pela quantidade de vezes que já escutei, e nessas horas sei como Harry Potter se sentia quando repetiam que ele tinha os olhos de sua mãe.

   Meus pais eram uma graça juntos, boa parte dos pais dos meus amigos estavam divorciados ou nem casaram, mas eles estavam longe disso, eles eram firmes como uma rocha, nada abalava, talvez um dia eu tivesse a sorte de viver um amor assim, não que eu procurasse por isso, eu não estou em busca de um amor ou algo assim, mesmo com David esse negócio de amor não rolava, muitas vezes eu me questionava porque continuava com ele, eu gostei dele, não tínhamos nada em comum, eu gostava do perfume dele e o cara era um gato e beijava bem, mas eu sabia que não gostava dele daquele jeito especial, dei meu primeiro beijo nele há dois anos, ele foi o único cara que beijei e desde então todos os beijos eram normais, eu não via fogos de artifícios, nem sentia meu corpo queimar, era só um beijo.

     Me levantei mancando e peguei as muletas, fui até a janela e observei o céu ficando nublado, um vento fraco balançava as folhas das árvores que cercavam a casa, lembrei que subir a escada era difícil sem ajuda, parei no pé da escada encarando a longa subida, logo no primeiro degrau cambaleei e quase cai de costas, se não fosse pelas duas mãos que me seguraram.

— Essa foi por pouco - ele disse me ajudando a ficar em pé.

— Aí meu deus Thomas, será que dá para você parar de aparecer assim - eu disse sentindo meu coração acelerar e sabendo que aquela aceleração repentina não tinha nada a ver com o susto que eu fingi ter tomado.

— E o que você quer que eu faça ? - ele disse passando minha mão sobre seu ombro e me apoiando escada a cima.

— Sei lá, chacoalha umas correntes, os fantasmas não fazem isso? Você deve aprender isso no curso de como ser um fantasma avançado, não? - eu achei que ele ia me largar ali mesmo pela expressão no rosto dele, mas continuou sustentando meu peso até o quarto.

— Não é assim que as coisas funcionam - ele vinha me dando essa resposta sempre que eu perguntava o que ele fazia quando não estava por aqui - e nem adianta vir com seus questionários, eu já disse que não posso falar…

— Você é um estraga prazeres - respondi e ele me largou em cima da cama de mau jeito, dessa vez igual um saco de batatas, por sorte meu quarto ficava perto da escada, era o mesmo que foi da minha mãe quando era adolescente, ela ficou com o quarto que foi um dia dos pais dela, que dava o dobro desse no tamanho, sem falar no banheiro que tinha hidromassagem.

— Você podia começar agradecendo…

— Muito obrigada pela gentileza - respondi irônica sentindo a perna latejar.

— Por nada - ele disse indo se sentar no banco da janela saliente, ficou me observando massagear a parte que não estava engessada na perna - Tomou seu remédio?

— Não, eu fico com sono toda vez que tomo essa coisa - respondi sem olhar para ele.

— Mas tem que tomar, se não você não vai melhorar…

— Credo falando assim você parece meu pai - observei ele abrindo minha gaveta pegando remédio, a mesma gaveta que eu havia guardado a foto dele, enfiei o mais fundo possível para que não fosse achada.

— Então eles contaram ?

— Que eu sou uma mediadora? - e me ajeitei na cama, Thomas me entregou o remédio junto com um copo de água e ajeitou o travesseiro que eu coloquei embaixo do meu pé - Minha mãe me disse que eu fui feita naquele banco ali da janela, ela engravidou na primeira vez deles, que sorte não?

— Não mude de assunto - Me mexi incomodada e ele se sentou ao lado do meu pé, e ficou me encarando com os olhos verdes, era incrível como eles não tinham perdido a cor mesmo com sua nova condição  - O que eles disseram?

— Que meu pai é um demônio dos infernos e minha mãe a mediadora - eu disse sorrindo sarcástica - eu sou a cria demônio deles…

— Você nunca fala sério? - Ele se levantou fazendo a cama chacoalhar, senti uma pontada na perna - Então você é uma mediadora, me disseram para procurar uma…

— Procurar uma para que? - eu disse curiosa.

— Me diga você, você é a mediadora…

— Eu nem sei o que isso significa - abaixei a cabeça envergonhada - Eu sinto muito por tudo isso, se tivesse algo que eu pudesse fazer - abaixei a cabeça envergonhada, secretamente eu vinha me culpando pela morte dele, senti a mão levantando meu queixo e com o dedo polegar ele enxugou uma lágrima que desceu pelo meu rosto.

— Não sinta, eu estou morto e nada pode mudar isso…

— Mas eu queria… - eu disse levantando meus olhos, mas ele já tinha ido, a sensação do toque ainda estava no meu rosto.

    Eu não havia contado a minha mãe que voltei a ver ele depois do incidente no hospital, primeiro eu achei que era alucinação por conta da quantidade de analgésicos que estavam me dando, mas quando voltei para casa ontem a noite e dei de cara com ele sentado na minha cama folheando um livro e vestindo o uniforme da Academia Católica Junipero Serra, notei que alguma coisa estava muito errada e depois que um fantasma assassino tentou me sufocar conclui que nada estava certo.

    Antes de sair minha mãe encheu a casa de sal, nas janelas, entradas das portas ,em tudo, eles me deram um prévia do Dom magnífico da mediação na noite passada e nossa reunião familiar foi marcada para hoje, eu cheguei a questionar o que ela estava fazendo.

— Mãe porque está enchendo a casa de sal? - perguntei erguendo as sobrancelhas.

— Isso afasta os maus espíritos - respondeu, sorrindo e foi para outro cômodo da casa.

 Se afasta os maus espíritos, como será que ela explicaria o fato do Thomas está andando solto pela casa, existe uma falha no sistema de segurança do sal ou ele não é ruim o suficiente para ser espantado, vai saber, andei me arrastando pelo quarto, inquieta,  mantendo um taco de beisebol por perto, a gente nunca sabe quando um certo fantasma assassino pode aparecer, não que eu fosse medrosa, é só que é melhor prevenir que remediar, já fazia uma hora que meus pais tinham saido e Thomas sumiu de vez, devia estar flertando com alguma fantasma sexy no limbo, o cara fantasma não havia voltado, talvez o sal funcionasse no caso dele, meu telefone tocou às oito e meia e pulei até ele xingando.

— Maldição - eu disse quando tirei o telefone do gancho.

— Liguei em uma hora ruim - disse a voz masculina do outro lado da linha.

— Se tratando de você, David, sempre vai ser uma hora ruim…

— Eu só queria saber como você estava - a voz tremeu, imaginei ele estalando os dedos enquanto falava no telefone, ele sempre fazia isso quando ficava nervoso.

— E não podia me mandar uma mensagem no whatsapp?

— Você me bloqueou…

— Escrevesse na minha linha do tempo, no face então…

— Jenny, você me excluiu…

— Não se esqueça do bloqueio - eu disse ironizando a situação, eu realmente vinha inviabilizado a comunicação dele comigo o máximo possível - Será que você vai parar de encher? - a linha ficou em silêncio.

— Eu preciso te ver…

— Porque não vai ver sua nova namorada?

— O lance com ela foi só de uma noite, é de você que eu gosto, você sabe disso não sabe? Quando eu soube do acidente e fiquei sabendo que podia te perder, meu mundo caiu, meu irmão morreu Jenny, eu não quero te perder também...

— Você já me perdeu - eu disse tentando encerrar o assunto e ignorando a pontada que senti no coração quando ele usou a morte do Thomas ao seu favor como se fosse algo banal.

— Será que um dia você vai me perdoar?

— Será que um dia você vai deixar de ser babaca? - eu perguntei, o silêncio surgiu novamente na linha  - Nós dois sabemos que a resposta para as duas perguntas é não … - e eu desliguei.

David ficou de plantão no hospital quando meu estado ainda era grave, eu sei que em qualquer outra situação a atitude dele seria linda, mas o irmão dele tinha acabado de falecer, ele deveria ficar com a família, fazer companhia para o pai e mãe ao invés disso estava no hospital, passando mensagens em seu novo Iphone, ele me mandou várias mensagens depois que eu pedi para minha mãe mandar ele para casa, ignorei todas, como ele podia ser tão idiota de pensar que era só me ligar ou mandar mensagens pedindo desculpas que me teria de volta? Quem ele pensa que é? Pulei até a cama, me apoiando nos móveis sempre que eu cambaleava.

— Uma hora você fica craque nesses pulos - Thomas havia voltado.

— Uma ajudinha cairia bem agora - eu disse quase caindo agarrada na cômoda.

— Ta ficando mal acostumada - ele disse me levando até a cama e saindo de perto assim que me ajeitei - Estava de papo com meu irmãozinho no telefone?

— Eu não estava de papo com seu irmão, ele que me ligou, aquele idiota quem ele pensa que é? - cruzei os braços e comecei a resmungar, notei que ele estava me olhando sem sorrir, desde que havia ressurgido, não houve sequer um momento em que vi o sorriso dele, eu já começava a sentir falta dele - Aonde você estava ?

— Fui até minha casa, é meio deprimente ficar por lá na verdade, meu pai só chora e minha madrasta está tomando calmantes a cada uma hora, vi quando seus pais chegaram e resolvi dar uma passada para ver como estão as coisas...

   Imaginei a senhora McTavish que era amiga desde o colégio de minha mãe, abalada pela morte do enteado, eu conhecia eles desde que nasci, motivo que estranhei não saber a existência do Thomas até ele surgir em um dia no colégio e morrer no mesmo dia, olhei para ele com a expressão chateada no rosto, devia ser o inferno olhar sua vida deixada para trás, todo mundo seguindo em frente e só você ali inexistente para todos, mas não para mim, eu era a mediadora, para mim ele estava bem vivo por baixo da camisa social com alguns botões abertos, eu podia sentir a presença dele, eu podia tocar nele mas não podia pensar nele desse jeito, eu era a ex do irmão dele, não havia componentes amorosos na nossa estranha amizade, eu tinha que descobrir como ser a mediadora, ele tinha que descobrir como ir dessa para melhor...

— No que você está pensando ? - ele quis saber, cortando meu devaneio.

— Em nada - respondi tentando disfarçar, senti meu rosto queimar.

— Se nada significa, meu irmão, você é muito idiota...

— Você não tem mais nada o que fazer, não, tipo assombrar umas casas, entortar talheres, bater as panelas - olhei para o outro lado do quarto - Vai procurar o que fazer...

— Sabe que você tem razão? Se você quer voltar com o cara que te traiu, quem sou eu para criticar? Você faz o que quiser da sua vida… -  ele fez uma carranca enorme digna de assustar qualquer criancinha e arremessei o travesseiro em sua direção, mas ele desviou, praguejei e xinguei, porque agora eu teria que levantar para pegar o travesseiro de volta, escutei o barulho do carro dos meus pais, me arrastei até a janela em tempo de ver os faróis do carro sendo apagados, eles tinham chegado e Thomas havia desaparecido.

 


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Notas finais do capítulo




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