Olhe nos meus olhos escrita por Kikyo


Capítulo 4
Pessoas vazias e completas


Notas iniciais do capítulo

Então, estou amando escrever essa fic. Xandoca, acho que você que me deu um presente.
Esse cap é focado no relacionamento de Emma e Regina.
Acho que vocês perceberam uma certa rispidez no último cap ^^



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É preciso pedir desculpas, com arrependimento sincero, pois somos também aquilo que fazemos com as pessoas, aquilo que dizemos, que doamos ou não. Quem é traído, agredido, ironizado, desprezado, quem sofreu, enfim, é que se machuca dolorosamente, muitas vezes sem ao menos merecer. Isso deixa marcas, isso não some de repente de dentro de nós.

Hernani Cardoso



— Primeiro você reclamou quando eu levei a menina pra ficar algumas semanas. Agora você me fala que quer levar o menino também, e a gente nem sabe por quanto tempo. Emma, nós não somos ricas.

— Desculpa se sou só uma policial que ganha 50 mil por ano.

— Eu não quis desmerecer seu trabalho, você sabe disso.

— Agora.

Ficaram em silêncio, havia algo errado ali.  Algo foi quebrado, mas nenhuma das duas conseguia identificar os cacos, só sentiam os estilhaços. Há algumas semanas brigavam fácil, a irritação era constante por qualquer coisa. Coisas bestas. O que havia acontecido?

— Você quer falar sobre Killian ser meu novo parceiro? - Emma tentou a primeira tentativa de colar algum pedaço.

— Mesmo que me incomode, prefiro que ele fique com você, do que um novato machista que ficaria dando em cima da minha esposa o tempo todo.

Não era isso que havia quebrado, Emma pensou com pesar.— Vejo que você já falou com o Killian. - bebericou seu copo de chá, fingindo não queimar sua língua. Olhou para o copo ainda intacto na mão de Regina.

— Eu estava preocupada e liguei pra você e você não atendeu. Liguei pra ele e conversamos. Aí descobri sobre o novato que iria pra você.

Emma afiou o olhar— Você sabia que eu não estava com Killian, por que ligou logo pra ele? Não confia em mim?

Regina respirou fundo e jogou o copo cheio na lixeira, mesmo a três metros a pontaria foi impecável.

— O que ta acontecendo, Emma? Por que eu não consigo confiar em você? - Era quase um sussurro, algo que não deveria ecoar pelo corredor vazio.

Pronto.

Estava exposto uma parte das rachaduras.

— Eu nunca te traí. E isso não passa pela minha cabeça.

— Eu sei, mas... Não consigo tirar algumas cenas da minha cabeça. Cenas que eu mesma imaginei.

Os olhos castanhos estavam marejados.

— Você não vai me perder, amor - Emma abriu os braços e, vagarosa, Regina a abraçou.

— Quem pode nos garantir isso?

— Eu. - Emma apertou o abraço, queria passar confiança, queria acreditar que tudo estava bem entre elas. Mesmo sabendo que ainda havia algo errado.— Mesmo que eu não seja muita coisa pra você. - Soltou de repente, o gosto amargo do arrependimento ficou em sua boca.

Regina saiu do abraço e a olhou magoada.— Você não é muita coisa pra mim? - Sua voz estava mais magoada que seu olhar. - Desde quando você pensa isso?

— Vocês estão brigando? - Lara as olhava assustada, braços apertados em volta de sua pelúcia.

Regina limpou os olhos e se abaixou na altura da menina.— Não querida.

— Mas você está chorando. - tocou a bochecha da morena que fechou os olhos com o toque, pegando a pequena mão e a beijando.

— Às vezes algumas palavras machucam e a gente chora. Isso não quer dizer que é uma briga ou que estamos tristes, só que estamos cheios demais... então, choramos pra esvaziar um pouco.

— Não seria mais fácil tampar os ouvidos assim e não ouvir? - tampou os ouvidos com as mãos, deixando Tigra cair no chão.

Emma pegou a pelúcia, e também abaixada na mesma altura, olhou para as duas mulheres.— As vezes não dá pra evitar ouvir algumas palavras. Você tá com fome?

— Aposto que essa aqui não te deu nada que preste pra comer. - Regina apontou para a loira, que trocou um olhar cúmplice com Lara.

— Comemos sanduíche natural e suco de laranja sem açúcar. - Lara falou confiante, fazendo Emma arfar de orgulho.

Regina balançou a cabeça e revirou os olhos para a frase feita. - Sabia que não gosto de mentiras e que mentir é feio?

— Tomamos chocolate com marshmallow! - Lara falou rápido, puxando Tigra das mãos de Emma e abraçando a pelúcia.

— Mentir não é bom. - Emma falou murcha diante do olhar de Regina. Se irritava em como, às vezes, a morena a tratava como mais um dos seus filhos.

— Vamos comprar algo saudável pra você e para seu irmão. Então,  você me leva pra conhecer ele, ta bem? - levantou e deu a mão a Lara que olhou para Emma.

— E Emma não ganha comida saudável?

 Regina olhou para sua esposa e estendeu uma mão— É claro que ganha. - Tentou sorrir.

 


***

 

Emma abraçou Regina por trás. Ambas em pé aguardando no corredor.

— Estamos em público, Emma.

— Eu quero abraçar minha esposa ao menos uma vez em público. Mesmo que seja no corredor de um hospital público às 11 da noite. Não está confortável?

— Seu abraço sempre é confortável. - se acolheu nos braços da esposa.

— Então, por que você pede tão pouco por ele?

— Porque abraços não devem ser pedidos. Devem ser doados.

O médico se aproximou e as duas se soltaram. Dr. Rupert explicou que Nicolas recebeu alta há uma semana, mas não havia vaga disponível em casas de apoio e era necessário uma ordem judicial para um orfanato.

— Vou ligar pro Edward. Ele deve resolver esse problema. - Regina falou, o médico trocou o peso dos pés, ansioso ou cansado?

— Então, vocês vão levar o garoto? Realmente precisamos daquele leito.

Emma e Regina se entreolharam. Algo estava errado entre elas, seria esse o momento certo de levar mais uma criança para um lar ameaçando trincar?

Ambas olharam para os dois irmãos, dois pares de olhos azuis ansiosos por uma resposta.


— Se for o receio das contas médicas, elas podem ser divididas e... O governo deve ajudar com um pouco. — O médico insistiu, bolsas de olheiras demonstravam o cansaço de não iniciar uma discussão. Era sua ultima tentativa

Emma tocou a mão de Regina, entrelaçaram os dedos, era a resposta silenciosa.

O médico sorriu quando Regina meneou a cabeça positiva e Lara deu um pulo de sua cadeira, abraçando o irmão.



***

 

Os dois carros foram estacionados devagar, já passava da meia noite, e as mulheres não queriam acordar os filhos.

 

Em silêncio entraram na casa, Emma ajudou o novo hóspede com o banho e Regina preparou uma cama improvisada no sofá, ao lado do sofá de Lara.



— Desculpa não ter muito pra oferecer, Nico.

 

— O que isso quer dizer? - Regina reparou melhor o garoto, poderia ter 13 anos, mas sua cara era de bem menos.

 

— Quer dizer que você vai dormir no sofá. - sorriu sem graça— Não temos um quarto disponível.

— Eu sei a parte do quarto. O que não entendi é porque você tá se desculpando. Porque, tipo, essa é sua casa. Você já deu muito mais que merecemos.

— Você se contenta com pouco, rapaz. - Arrumou um travesseiro no canto do sofá.

— E isso é ruim? Ao menos não causa decepção e, sei lá. Tô tão acostumado com pessoas vazias que quando vejo alguém completo assim, fico envergonhado de aceitar até o pouco.

Regina sentou no sofá. Aquela frase era complexa e profunda demais para não se dar um tempo de reflexão.
— Agora é minha vez. O que você quer dizer com pessoas vazias e completas?

Nicholas sorriu— Na casa do meu padrasto batia muitas pessoas desesperadas por coisas que não faziam nada bem. E minha mãe falava que eram pessoas vazias. Precisam tanto se preencher que aceitam coisas "nacivas" pra continuarem existindo.

— E viver e existir tem muita diferença.

— Pessoas completas sabem essa diferença - O rapaz sorriu e tentou tirar a blusa. Regina o ajudou, com extremo cuidado com o braço engessado, enquanto pensava sobre a mãe daqueles irmãos. Uma pessoa que ensina isso aos filhos, pela lógica, seria alguém sábio. Não resistiu perguntar:
— Sua mãe criou dois seres muito inteligentes, como acabou com um traficante? Não dá pra entender.

— Talvez ela também era uma pessoa vazia.

Enquanto cobria o novo hóspede, refletiu sobre sua vida. Ela tinha tudo que uma pessoa precisa para ser feliz, por que então estava complicando as coisas? O que mais ela queria? Ela era uma pessoa completa, certo?

— Obrigado - Nico falou e abriu um sorriso, por algum motivo Regina gostava de ver aquele garoto sorrir, trazia paz.

— Não por isso.

— Não tô falando da ajuda com a coberta, tô falando por ter nos aceitado aqui, mesmo sendo por pouco tempo. É uma trégua com a insegurança, aqui temos paz. Sei que vamos trazer problemas e despesas, mas... Se eu puder fazer algo... Posso fazer qualquer coisa pra ajudar nesse tempo.

Gratidão.

Era gratidão genuína que Regina via naqueles olhos azuis. Havia tanto que ela podia aprender com aquele garoto.

— Você já está fazendo.

Tanto que ela já tinha aprendido com ele.

Voltou para seu quarto e tomou um banho. Esperou paciente por Emma colocar Lara para dormir no sofá, e depois tomar seu banho.


— Oi - Emma saiu incerta do banheiro. Incerta se Regina a queria na cama.

— Oi. Estava te esperando pra dormir. Vem cá esquentar meus pezinhos.

Emma sorriu. - É sempre ao contrário. Parece que eu tenho um freezer em cada final da perna. - Deitou na cama e Regina se aproximou, abraçando-a.

— Obrigada Emma. Obrigada por me amar, por me entender e principalmente por não desistir de mim.

— Ei, tá tudo bem? - Virou na cama encarando a esposa que tinha os olhos marejados.

— Sei que às vezes exijo muito e até implico, mas não é porque acho você pouco. É porque tenho medo de ser pouco pra você e você ir embora.  Eu não quero te perder.

— Já falei que você não vai, amor.  - abraçou a esposa mais forte— Tô aqui e ninguém me tira.

— Eu tenho tudo pra ser feliz, Emma. E é isso que me assusta. Eu tenho tudo. Ninguém nunca me deu tudo antes.

— E nem te deu agora, foi você que conquistou, amor. Me conquistar só foi a metade do caminho pra felicidade.-  Ambas riram. Como era gostoso ficar assim, abraçada com Regina, corações no mesmo ritmo.

— Pelo que me lembro foi você que penou pra me conquistar. - a morena falou satisfeita.

— Nossa! Como foi difícil, mesmo. Esse é meu lema, sabe? "Se conquistei Regina, posso fazer qualquer coisa." - Falou orgulhosa. - Acredita que ainda guardo aquele papel com seu número de telefone errado que você me deu?

— Eu não te suportava naquela época. Você e sua alegria irritante me davam raiva.

— A melhor parte era que você, exatamente você, era o motivo daquela alegria. - beijou a bochecha da morena que corou— Eu quase engolia minhas orelhas quando te via. E ficava lá, toda idiota te rodeando.

— Adorava sua idiotice. Me fazia rir.

— Você ria muito das minhas piadas.

— Eu não ria das suas piadas, ria de você. Minha idiota. - Selou os lábios sorridentes da loira.

— Eu sei. Inventava piadas na hora, por isso era tão ruim. - beijou os lábios da esposa, da SUA esposa.— Te amo, preguicinha.

Regina gargalhou com o apelido do começo  do namoro. - Tantos anos que você não me chama assim.

— Deixei de fazer muitas coisas, não vou deixar mais. Não quero que você fique insegura ou pense que gosto menos de você. Eu te amo.

Regina a beijou com vontade— Também te amo, miss Swan. - Relembrou o modo como chamava a “irritante alegre”

Sim. Emma havia acertado! Finalmente o que foi quebrado se colou. Como um simples gesto de roubar um marshmallow e assistir dois irmãos se protegendo pode mudar tanto sua vida? Ela estava feliz, era isso que importava.

— Não podemos fazer amor, Emma. - Regina a parou a mão da esposa que adentrara sua blusa do pijama.— Está silencioso demais aqui. Nossos filhos podem nos ouvir.

— Acho que eles já tem idade pra saber que fazemos sexo. - Emma riu.

— Ainda são crianças pra mim.

— Amanhã, no intervalo do almoço você não me escapa. - Beijou Regina mais uma vez. - Ah, mas não me escapa mesmo.


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Notas finais do capítulo

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