Nunca brinque com magia! escrita por Lyana Lysander


Capítulo 19
Lórien


Notas iniciais do capítulo

Espero que curtam!



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Eu via no escuro, o mago caia pelo infinito lutando contra o Balrog, e ele corajosamente o enfrentava, não dando espaço para o medo ou a dúvida. O calor escaldante da criatura não parecia afetar o mago, que continuava sua luta enquanto caia no infinito.

—Eu não vou perder. -gritava o mago enquanto lutava, e eu finalmente entendi. 

Gandalf estava vivo.

Abri os olhos, a luz do dia veio pálida do Leste. Conforme aumentava, ia sendo filtrada pelas folhas amarelas do mallorn (como eram chamadas aquele tipo de árvore), e eu tive a impressão de que os primeiros raios de sol de uma manhã fresca de verão começavam a brilhar. O céu, de um azul pálido, espiava por entre os galhos que se agitavam. 

Ele ainda me abraçava firme, e mesmo assim eu não sentia dor, pois seu toque era leve. Seus cabelos dourados brilhantes ao sol da manhã caiam por seu pescoço e ombro, parecendo um rio de ouro. Levantei a mão curiosa e sem pensar, tocando-os cuidadosamente. Eram mais lisos e sedosos do que os meus jamais seriam. E isso me fez rir. 

Levantei a cabeça um pouco e olhos azuis me esquadrinhavam curiosos, e não tive como não me sentir um pouco envergonhada, um sentimento que parecia me tomar nos últimos dias. Soltei a mecha de cabelo que ainda segurava entre mesu dedos.

—Alassë' aurë. - "Bom dia", ele murmurou parecendo ainda sonolento, me fazendo sorrir ainda mais. -Machuquei você?  

Alassë' aurë. Harya vanima aurë. - "Bom dia. Tenha uma boa manhã.  —eu gostava quando ele falava em élfico comigo, me fazia sentir especial. Não, dormi tão bem, como a dias não dormia. -comentei calma. -Sinto meu coração mais leve. -eu não poderia dizer com certeza que o velho mago estava vivo, então não compartilharia meu sonho com nenhum deles, mas algo me dizia que aquele não havia sido apenas um sonho.

—Nada poderia alegrar mais meu dia do que essa noticia. -ele se inclinou um pouco e do nada beijou minha testa.

O calor de seus lábio se espalhou por meu corpo rapidamente me dando uma sensação estranha mais confortável.

Eu não sabia o que dizer mas sorri para ele, e ele me presenteou com seu sorriso radiante mostrando-me aqueles lindos dentes.

Me afastei um pouco e ambos nos levantamos. Ainda era muito cedo mas Frodo já estava acordado, parecia que este não havia dormido a noite toda. Ele me olhou como se estivesse magoado, e rapidamente virou o rosto. Então eu fui até ele.

—Bom dia Frodo.

—Bom dia. -foi tudo que me respondeu virando o rosto novamente.

Eu iria falar algo, mas Aragorn tocou meu ombro negando, e eu fiquei sem entender. Mas logo imaginei que ele estava assim por causa do que havia acontecido com Gandalf. Então me afastei sem dizer mais nada, e fui mais a frente para observar o lugar melhor.

Olhando por uma abertura no lado Sul do flet,  vi todo o vale do Veio de Prata se estendendo como um mar de ouro fulvo, ondulando suavemente com a brisa.

Era de manhãzinha e ainda estava frio quando partimos outra vez, guiados por Haldir e seu irmão Rúmil.

Voltamos para a trilha que ainda prosseguia ao longo do lado Oeste do Veio de Prata, e por algumas milhas seguimos para o Sul. Observei que haviam grandes pegadas no chão.

—Pegadas de orcs. -Legolas respondeu antes mesmo que eu perguntasse, e o olhei intrigada. -Um grupo passou bem abaixo de nós essa madrugada.

—Você os viu? -perguntei curiosa.

—Os ouvi. -ele explicou. -Eu não preciso dormir tanto como vocês, e meus sentidos são mais aguçados. -revirei os olhos, e ele riu.

Haldir tomou uma direção diferente das pegadas, e entrou na floresta, parando na margem do rio sob as sombras.

—Há um membro de meu povo lá adiante, do outro lado da margem. -disse ele. -Embora possa passar despercebido por vocês. 

Haldir emitiu um chamado semelhante ao piar baixo de um pássaro, e de uma moita de árvores jovens saiu um elfo, vestido de cinza, mas com o capuz jogado para trás, Seu cabelo reluzia como ouro ao sol matinal, assim como o de Legolas. Haldir, com muita destreza, jogou por sobre a água um rolo de corda cinza, e o elfo apanhou a ponta e a prendeu em volta de uma árvore perto da margem.

—O Celebrant já é uma correnteza forte aqui, como podem ver. -disse Haldir. -E nesse ponto corre rápido e já está fundo, e sua água é muito fria. Não entramos nele aqui tão ao Norte, a não ser que seja necessário. Mas nestes dias de vigilância, não construímos pontes. É assim que atravessamos! Sigam-me! -amarrou sua ponta da corda numa outra árvore, e então correu lépido por ela, sobre o rio, de uma margem até a outra, como se estivesse numa estrada.

—Eu consigo andar nesse caminho. -disse Legolas. -Mas os outros não têm essa habilidade. Será que terão de nadar? E alguns deles estão feridos.

—Não! -disse Haldir. -Temos outras duas cordas. Vamos amarrá-las acima da outra, uma na altura dos ombros, e outra na altura da cintura. Segurando nelas esses forasteiros podem atravessar, com cuidado.

Quando essa frágil ponte havia sido feita, nós atravessamos o rio, alguns com cautela e devagar, outros com mais facilidade. Dos hobbits, Pippin acabou se mostrando o melhor, pois ele pisava com confiança e andava na corda com rapidez, segurando com apenas uma das mãos: mas ele mantinha os olhos na margem à sua frente e não olhava para baixo. Sam foi sem levantar os pés, agarrado à corda e olhando para a água clara e ondulada, como se fosse um abismo nas montanhas. Eu tive medo no começo, mas logo depois acabei me divertindo, e a travessia se tornou mais fácil. Boromir ficou preocupado por causa do peso, mas as cordas Elficas não cederam em nenhum momento, então tanto ele quanto Aragorn atravessaram tranquilos e Gimli murmurava o que me pareciam ser maldições enquanto atravessava.

—Vivendo e aprendendo! Como costumava dizer meu velho pai. Apesar de ele se referir à jardinagem, e não a ficar empoleirado como um pássaro, ou tentar andar como uma aranha. Nem mesmo meu tio Andy jamais fez uma façanha como essa! -comentou um Sam animado quando atravessou.

Quando finalmente todos estávamos reunidos na outra margem do Veio de Prata, os elfos desamarraram as cordas e enrolaram duas delas. Rúmil, que tinha ficado do outro lado, retirou a última, pendurou-a no ombro e com um aceno de mão foi embora, provavelmente de volta para ficar vigiando.

—Agora, amigos. -disse Haldir. -Vocês entraram no Naith de Lórien, ou o Gomo, como vocês diriam, pois esta é a região que se estende no formato de uma ponta de lança entre o Veio de Prata e o Grande Anduin. Não permitimos que estranhos espionem os segredos do Naith. Na verdade, a poucos se permite que coloquem os pés aqui.

—Como combinamos, vou vendar os olhos do anão. Os outros podem andar livremente até que cheguemos mais perto de nossas moradias, em Egladil, no Ângulo entre os dois rios.

Gimli não gostou nem um pouco disso. E eu também não.

—O acordo foi feito sem minha permissão. -disse ele. -Não vou andar com os olhos vendados, como um mendigo ou um prisioneiro. Não sou nenhum espião. Meu povo nunca teve contato com qualquer um dos servidores do Inimigo. Do mesmo modo, nunca fizemos mal algum aos elfos. Eu não estou mais propenso a traí-los do que Legolas, ou qualquer um de meus companheiros.

—Eu não entendo, também não sabia desse acordo. -olhei para Legolas e Frodo um pouco revoltada, pois isso era claramente uma discriminação.

—Não duvido do que está dizendo. -disse Haldir a Gimli. -Mas esta é nossa lei. Não sou o dono das leis, e não posso ignorá-las. Já fiz muito permitindo que vocês colocassem os pés no Celebrante.

—Vou caminhar livremente. -disse ele. -Ou então volto e procuro minha própria terra, onde todos sabem que sou um anão de palavra, mesmo que possa sucumbir em meio às regiões desertas.

—Você não pode voltar. -disse Haldir com rispidez. -Agora que chegou até aqui, precisa ser levado à presença do Senhor e da Senhora. Eles devem julgá-lo, retê-lo aqui ou permitir que parta, conforme quiserem. Você não pode atravessar os rios outra vez, pois lá atrás agora estão sentinelas secretas, pelas quais não poderá passar. Seria morto antes mesmo que as visse.

—Malditos anões com sua teimosia! -disse Legolas.

Eu entrei na frente de Gimli e olhei magoada para Legolas, depois fitei Haldir.

—Antes de machucarem mestre Gimli terão de me machucar, pois todos nessa comitiva partilhamos o mesmo destino desde que saímos de Valfenda. E em momento algum nossas raças nos impediu de nos ajudarmos, e não deveria ser agora que deveria mudar. -olhei para Legolas que abaixou levemente a cabeça.

—Calma! -disse Aragorn. -Se ainda sou líder desta Comitiva, vocês devem fazer o que eu determinar. É difícil para o anão ser discriminado desta maneira, e Aura tem razão, devemos partilhar o mesmo destino enquanto resolvermos ficar juntos. Assim todos nós vamos com os olhos vendados, até mesmo Legolas. Será melhor assim, apesar de nossa viagem ficar monótona e demorada.

Gimli riu de repente.

—Vamos parecer um bando de bobos alegres! Haldir vai nos levar numa coleira, como vários mendigos cegos seguindo um cachorro? Mas fico satisfeito se apenas Legolas dividir essa cegueira comigo.

—Sou um elfo e parente do povo daqui. -disse Legolas, ficando por sua vez furioso.

—Então vamos gritar: "Malditos elfos com sua teimosia!" -disse fazendo o elfo ficar vermelho, e eu não sabia dizer se era de vergonha ou raiva, enquanto isso, os outros riram. -Mas nós devemos partilhar tudo da mesma maneira. Venha, cubra nossos olhos, senhor Haldir!

Fui a frente e ele cuidadosamente me vendou, e Gimli entrou em uma discussão com ele sobre possíveis indenizações para quedas ou esfolamentos, mas o elfo nos prometeu que conduziria-nos como todo o cuidado.

Legolas ainda reclamou triste por um tempo, mas não fez objeção em ser vendado. E em um dado momento eles começaram a falar sobre as sombras que se aproximavam, e o mal que esta trazia.

E foi conversando sobre essas coisas, que seguimos em fila e lentamente pelas trilhas na floresta, e fomos conduzidos por Haldir, enquanto o outro elfo andava atrás. Eu sentia o chão sob seus pés macio e plano, e depois de um tempo passamos a caminhar com mais liberdade, sem aquele medo de cair ou de me machucar.

—Parece que estou brincando. -falei rindo.

—Uma brincadeira muito estranha se quer saber. -murmurou um Sam perdido.

—Sério? Sinto meus sentidos mais aguçados agora, e é engraçado imaginar aquilo que piso e toco, sem falar no aroma maravilhoso desse ar da floresta. -comentei apaixonada fazendo Aragorn rir. -Posso ainda sentir o cheiro das árvores e da grama. Ouço vários tons diferentes no farfalhar das folhas acima, e acredito ouvir também o rio murmurando na distância à minha direita, e claro, as vozes límpidas e frágeis dos pássaros no céu. Sinto também o sol a me bater no rosto e nas mãos quando passo através de uma clareira.

—Parece que ela realmente está se divertindo. -Aragorn comentou rindo.

—É uma criança mesmo. -Pippin comentou.

—Pippin meu bom amigo, isso é quase um insulto vindo de você. -todos passaram a rir, e mesmo Legolas e Frodo que pareciam os mais cabisbaixos ali, riram.

Atravessamos a outra margem do Veio de Prata. E desde o momento em que pisara ali, eu fui tomada por uma sensação estranha, que ia se intensificando à medida que entrava no Naith: parecia que eu tinha atravessado uma ponte do tempo e atingido um canto dos Dias Antigos, e estava agora andando num mundo que não existia mais. Em Valfenda, havia lembranças de coisas antigas, mas em Lórien as coisas antigas ainda existiam no mundo real. Era como se a maldade havia sido vista ou ouvida ali, conhecia-se a tristeza, os elfos temiam e desconfiavam do mundo lá fora, os lobos uivavam nas fronteiras da floresta, mas sobre a terra de Lórien não pairava sombra alguma.

Durante todo aquele dia, continuamos marchando, até que sentimos a noite fresca chegar, e ouvimos o vento do crepúsculo sussurrando por entre as muitas folhas. Então paramos para dormir sem medo sobre o chão, pois nossos guias não nos permitiram desvendar os olhos, e assim nós não podíamos subir nas árvores.

Naquela noite Legolas não estava ao meu lado, e por algum motivo eu não consegui dormir bem. Eu podia jurar sentir algum incomodo vindo da minha direita, onde eu sabia que Frodo dormia, era como se eu sentisse o Anel brigando com o poder daquele maravilhoso lugar. Então acabei levantando sem ter noção de quanto tempo faltava para o amanhecer, pois eu sabia que ainda era noite pela friagem da madrugada.

—Precisa de alguma coisa senhorita? -ouvi Haldir se dirigir a mim.

—Água por favor. -ele me deu um cantil e me ajudou a segura-ló. -Obrigada. -bebi e o devolvi a ele.

—Pode dormir tranquila, está segura aqui, e ainda falta algumas horas para o amanhecer. -fiz que não. 

—Não é insegurança que me impede de dormir aqui. -expliquei. -Sinto-me tão protegida quanto em Valfenda. Mas o sono já me foi, e se não for incômodo poderia lhe fazer-lhes companhia, prometo não incomodar.

—Sua companhia jamais seria um incomodo, venha, sente-se perto de nós, podemos conversar baixo para não acordar os outros. -fiquei animada, e me deixei ser guiada por ele até uma árvore onde me sentei, e ele me deu um cobertor para o frio que fazia.

—Obrigada. -agradeci. 

Eles foram muito amigáveis comigo, me contando sobre sua cidade e seus trabalhos. Explicaram-me que sabiam sobre mim desde o momento em que tentei salvar Frodo no Topo do Vento. -"Todos aqueles com ouvidos a ouviram clamar por seu amigo". -falaram. -"Mas nunca imaginamos que a conheceríamos aqui, muito menos dessa forma. A ultima notícia que chegou, foi que a senhorita foi tomada como aluna pelo Mestre Elrond, então imagine nossa surpresa quando o jovem Legolas nos contou que a moça que viajava com ele era a senhorita." -eu ri, realmente estar ali era uma loucura.

Ficamos conversando por um longo tempo, e logo percebi que Haldir era uma ótima companhia, pois em nenhum momento deixou-nos cair no silencio, e me tratou como uma convidada em sua casa.

Quando todos acordaram, tomamos um rápido café e prosseguimos, mas de repente escutei o som de muitas vozes ao redor.

Um grupo de elfos tinha se aproximado em silêncio: estavam correndo em direção às fronteiras do Norte para protegê-la contra qualquer ataque de Moria, e traziam notícias, das quais Haldir reportou algumas. Os orcs saqueadores dos quais eu vi as pegadas tinham sido derrotados e quase todos destruídos, o restante deles tinha fugido para o Oeste na direção das montanhas, e estavam sendo perseguidos. Uma criatura estranha também tinha sido vista, correndo com as costas arqueadas e com as mãos perto do chão, como um animal e apesar disso sem ter a aparência de um animal. Tinha conseguido escapar, e os elfos não atiraram nela por não saberem se era boa ou má, e a criatura tinha desaparecido pelo Veio de Prata em direção ao Sul.

—Além disso. -disse Haldir. -Eles me trazem uma mensagem do Senhor e da Senhora dos Galadhrim. Todos podem andar livremente, até mesmo o anão Gimli. Parece que a Senhora sabe quem e o que é cada membro da Comitiva. Talvez novas mensagens tenham chegado de Valfenda.

Haldir retirou primeiro a venda dos olhos de Gimli.

—Minhas desculpas! -disse ele, e eu ouvi quando ele fez uma reverência. -Olhe-nos agora com olhos de amigo! Olhe e se alegre, pois é o primeiro anão que pode enxergar as árvores do Naith de Lórien, desde os dias de Durin!

Quando por minha vez tive os olhos desvendados, olhei para cima e rapidamente perdi o fôlego. Estávamos parados num espaço aberto. À esquerda ficava um grande monte, coberto por um gramado tão verde como a primavera dos Dias Antigos. Sobre ele, como uma coroa dupla, cresciam dois círculos de árvores. As de fora tinham troncos brancos como a neve, não tinham folhas e mesmo assim eram belas na sua nudez elegante, as de dentro eram pés de mallorn muito altos, ainda adornados por um dourado claro. Bem no meio dos galhos de uma árvore alta que se erguia no centro de todas reluzia um flet branco. Ao pé das árvores, e por toda a volta das colinas verdes, o gramado estava salpicado de pequenas flores douradas, com formato de estrelas. Entre estas, pendendo de caules frágeis, havia outras flores, brancas ou de um verde muito claro: brilhavam como uma névoa sobre a rica tonalidade da grama. Acima de tudo o céu estava azul, e o sol da tarde batia na colina e lançava sombras compridas e verdes embaixo das árvores.

—Vejam! Vocês estão em Cerin Amroth. -disse Haldir. -Este é o coração do reino antigo, como era outrora. 

Os outros se jogaram sobre a relva cheirosa, mas eu continuei de pé por uns momentos, ainda pasma e admirada. Eu tinha a impressão de ter atravessado uma janela alta que dava para um mundo desaparecido. Havia uma luz sobre esse mundo que não podia ser descrita na minha língua. Tudo o que via parecia harmonioso, mas as formas pareciam novas, como se tivessem sido concebidas e desenhadas no momento em que lhe tiraram a minha venda dos olhos, e ao mesmo tempo antigas, como se tivessem existido desde sempre. Eu não vi cores diferentes das que conhecia, dourado e branco e azul e verde, mas eram novas e pungentes, como se naquele mesmo momento eu as tivesse percebido pela primeira vez, dando-lhes nomes novos e maravilhosos.

Naquela região, no inverno, ninguém podia sentir saudade do verão ou da primavera. Não se podia ver qualquer defeito ou doença ou deformidade em cada uma das coisas que cresciam sobre a terra. 

Passamos muito tempo ali admirados, e aproveitando aquele maravilhoso lugar, e o sol já seescondia por trás das montanhas, e as sombras se aprofundavam na floresta, quando partimos novamente.

O caminho que trilhávamos agora atravessava conjuntos de árvores onde a escuridão já havia se instalado. A noite surgia por detrás das árvores quando andávamos, e os elfos descobriram suas lamparinas prateadas.

De repente chegamos a um espaço aberto outra vez, e nos vimos sob um claro céu noturno, salpicado pelas primeiras estrelas. Havia um trecho amplo e sem árvores adiante, formando um grande círculo com descidas que se estendiam de ambos os lados. Além desse espaço, vimos um fosso profundo, perdido na sombra suave, mas a grama sobre sua borda era verde, como se ainda brilhasse em memória do sol que já se fora. Mais adiante, do lado oposto, erguia-se a uma enorme altura uma muralha verde circundando uma colina verde coberta de pés de mallorn, mais altos do que quaisquer outros que nós tínhamos visto naquela região. Não se podia adivinhar sua altura, mas erguiam-se no crepúsculo como torres vivas. Nas numerosas camadas de galhos e por entre as folhas que sempre se agitavam, brilhavam incontáveis luzes, verdes, douradas e prateadas.

Haldir voltou-se para nós e disse:

—Bem-vindos a Caras Galadhon! Esta é a cidade dos Galadhrim, onde moram o Senhor Celeborn e Galadriel, a Senhora de Lórien. Mas não podemos entrar por aqui, pois os portões não se abrem para o Norte. Devemos dar a volta chegando pelo lado Sul, e o caminho não é curto, pois a cidade é grande.

Havia uma estrada pavimentada com pedras brancas percorrendo a borda externa do fosso. Por ali fomos na direção Oeste, com a cidade sempre subindo como uma nuvem verde à esquerda, e à medida que a noite ia chegando, muitas outras luzes se acenderam, até que toda a colina pareceu estar incendiada de estrelas.

Finalmente chegamos a uma ponte branca, e atravessando-a nos deparamos com os grandes portões da cidade, que abriam-se para o Sudoeste, e ficavam entre as extremidades da muralha, que ali se encontravam, eram resistentes e altos, munidos de muitas lamparinas.

Haldir bateu e falou, o que fez com que os portões se abrissem sem qualquer ruído, mas eu juro que não vi nenhum sinal de guardas. Entramos em seguida e os portões se fecharam atrás de nós. Estávamos numa alameda funda entre as extremidades da muralha, e avançamos rapidamente por ela entrando na Cidade das Árvores. Não vimos ninguém, nem escutamos o som de nenhum passo nos caminhos, mas havia muitas vozes enchendo o ar ao redor e acima de nós. Mais acima, na colina, pudemos escutar vozes cantando, que pareciam cair sobre as folhas como uma chuva suave.

Continuamos por muitos caminhos, e subimos muitas escadas, até que chegamos às partes altas e vimos adiante, em meio a um vasto gramado, uma fonte tremeluzindo. Estava iluminada por lamparinas prateadas penduradas aos galhos das árvores, e caía sobre um vaso de prata, do qual jorrava água cristalina.

No lado Sul do gramado subia a maior de todas as árvores, a copa lisa e grande reluzia como uma seda cinzenta. O tronco se erguia imponente até que os primeiros galhos, bem em cima, abriam seus enormes braços sob nuvens de folhas sombreadas. Ao lado ficava uma grande escada branca, e na base três elfos estavam sentados. Pularam de pé logo que nos viram se aproximando, e eu vi que eram altos e estavam vestindo malhas metálicas cinzentas, e de seus ombros pendiam mantos longos e brancos.

—Aqui moram Celeborn e Galadriel. -disse Haldir. -É o desejo deles que vocês subam para que possam conversar.

Um dos Guardas Élficos tocou então uma nota límpida numa pequena corneta, ao que uma outra respondeu em três toques que vinham lá de cima.

—Vou primeiro. -disse Haldir. -Deixem que Frodo e Aura venham em seguida, e com eles Legolas. Os outros podem nos seguir na ordem em que desejarem. É uma longa subida para os que não estão acostumados com este tipo de escada, mas podem descansar durante a escalada.

Ao subir lentamente, passei por vários flets: alguns de um lado, outros na posição oposta, e outros ainda colocados na copa da árvore, de modo que a escada passava por todos eles. Numa grande altura acima do solo, me deparei com um grande talan, semelhante ao convés de um grande navio. Sobre ele estava construída uma casa, tão grande que quase poderia ser utilizada como salão para os homens no chão. Frodo entrou atrás de Haldir, e eu em seguida, e vi num cômodo de formato oval, no meio do qual crescia o tronco do grande mallorn, nesse ponto se afilando em direção a coroa, e mesmo assim formando um pilar bem largo.

O cômodo estava repleto de uma luz suave, as paredes eram verdes e prateadas, o teto era dourado. Muitos elfos estavam sentados ali. Em duas cadeiras, sob a copa da árvore e com um ramo vivo à guisa de dossel, estavam sentados, lado a lado, Celeborn e Galadriel. Levantaram-se para cumprimentar os convidados, como fazem os elfos, mesmo aqueles tidos como reis poderosos. Eram muito altos, a Senhora não menos que o Senhor, eram belos e austeros.

Usavam trajes completamente brancos, os cabelos da Senhora eram de um dourado profundo, e os do Senhor Celeborn eram longos e prateados, mas não se via nenhum sinal de idade naqueles rostos, a não ser que estivesse na profundeza dos olhares, que eram agudos como lanças sob a luz das estrelas, e apesar disso profundos: os poços de profundas recordações.

Haldir conduziu Frodo e a mim à presença deles, e o Senhor deu-nos boas-vindas em sua própria língua. A Senhora Galadriel não disse uma palavra, mas ficou observando longamente o rosto rosto de Frodo e logo fez o mesmo comigo.

—Sente-se agora perto de mim, Frodo do Condado! -disse Celeborn, e virando-se para mim falou. -Sente-se aqui também jovem Aura, aquela que carrega consigo a luz e a esperança. -e eu sentei na cadeira indicada pelo rei elfo. -Quando todos tiverem chegado conversaremos juntos.

Cumprimentou cada um dos meus companheiros com cortesia, chamando-os pelo nome quando entravam.

—Bem-vindo, filho de Thranduil! Muito raramente meus parentes viajam até aqui, vindos do Norte.

—Bem-vindo, Aragorn, filho de Arathorn! -disse ele. -Somam-se trinta e oito anos do mundo lá fora desde que esteve nesta terra, e esses anos pesam muito para você. Mas o fim está próximo, seja bom seja ruim. Enquanto estiver aqui, coloque de lado o fardo que carrega!

—Bem-vindo, Gimli, filho de Glóin! Realmente faz muito tempo que vimos alguém do povo de Durin em Caras Galadhon. Mas hoje quebramos nossa antiga lei. Que isso possa ser um sinal de que, embora o mundo esteja escuro atualmente, melhores dias estão próximos, e de que a amizade entre nossos povos será renovada. -Gimli fez uma grande reverência.

Quando todos os convidados estavam sentados diante de sua cadeira, o Senhor olhou-nos de novo.

—Aqui estão nove. -disse ele. -Dez deveriam ter partido: assim diziam as mensagens. Mas talvez tenha havido alguma mudança nos planos, sobre a qual não ouvimos. Elrond está distante, e a escuridão se adensa entre nós, durante todo este ano as sombras tem voltado a crescer. -ele olhou profundamente para mim, me lembrando do que eu havia feito no Topo dos Ventos.

—Não, não houve nenhuma mudança nos planos. -disse a Senhora Galadriel, falando pela primeira vez. Tinha uma voz límpida e musical, mas mais grave do que o habitual para uma mulher. -Gandalf, o Cinzento, partiu com a Comitiva, mas não passou as fronteiras desta terra. Agora, contem-nos onde está, pois eu desejava muito conversar com ele outra vez. Mas não posso vê-lo de longe, a não ser que entre nos limites de Lothlórien: uma grande névoa o envolve, e os caminhos de seus pés e de sua mente estão ocultos para mim.

—Infelizmente! -disse Aragorn. -Gandalf, o Cinzento, caiu na sombra, permaneceu em Moria e não conseguiu escapar.

Ao ouvir essas palavras, todos os elfos no salão choraram de dor e surpresa.

—Essa é uma péssima notícia. A pior que já foi anunciada aqui em longos anos repletos de acontecimentos tristes. -voltou-se para Haldir. - Por que nada me foi contado antes? -perguntou ele na língua dos elfos.

—Nós não conversamos com Haldir sobre nossos feitos e propósitos. -explicou Legolas. -Primeiro porque estávamos cansados e o perigo estava muito próximo, e depois nós quase esquecemos nossa dor por um tempo, percorrendo felizes os belos caminhos de Lórien.

—Apesar disso, nosso sofrimento é grande, e nossa perda não pode ser reparada. -disse Frodo. -Gandalf era nosso guia, e nos conduziu através de Moria. Quando nossa fuga parecia impossível, ele nos salvou, e sucumbiu.

—Conte-nos agora a história inteira. -pediu Celeborn.

Aragorn contou então tudo o que tinha acontecido na passagem de Caradhras e nos dias que se seguiram, falou também de Balin e seu livro, e da luta na Câmara de Mazarbul, e do fogo, e da ponte estreita, e da chegada do Terror.

—Parecia um mal do Mundo Antigo, que eu nunca tinha visto antes. -disse Aragorn. -Era ao mesmo tempo uma sombra e uma chama, forte e terrível.

—Era um balrog de Morgoth. -disse Legolas. -A mais mortal das maldições que afligem os elfos, com exceção daquele que está na Torre Escura.

—De fato, eu vi sobre a ponte aquele que assombra nossos piores sonhos. Eu vi a Ruína de Durin. -disse Gimli em voz baixa, com os olhos cheios de terror.

—Isso é muito triste! -disse Celeborn. -Há muito tempo já temíamos que existisse um terror adormecido sob Caradhras. Mas se eu soubesse que os anões tinham acordado esse mal em Moria outra vez, teria proibido que você passasse pela fronteira do Norte, você e todos os que o acompanham. E se isso fosse possível, talvez se pudesse dizer que Gandalf, no último momento da sabedoria caiu na loucura, entrando sem necessidade nas entranhas de Moria.

—Dizer isso seria realmente precipitado. -disse Galadriel gravemente. -Nenhum dos feitos de Gandalf foi desnecessário em toda sua vida. Aqueles que o seguiam não sabiam o que passava pela sua cabeça e não podem prestar contas de seus propósitos. Mas o que quer que tenha acontecido com o guia, seus seguidores não têm culpa. Não se arrependa de ter dado boas-vindas ao anão. Se nosso povo estivesse exilado longe de Lothlórien há muito tempo, quem dos Galadhrim, até mesmo Celeborn o Sábio, passando perto daqui, não desejaria rever seu antigo lar, mesmo que este tivesse se tornado um covil de dragões? -ela falou sabiamente. -Além do mais, eles traziam consigo a jovem que carrega o mais puro poder, até mesmo em meio a nós, isso é um milagre, que em tempos como esse nos trás esperança novamente nos homens. -eu fiquei envergonhada com seu olhar, mas logo sorri. -Escuras são as águas do Kheled-zâram, e frias são as nascentes do Kibil-nâla, e belos eram os salões cheios de pilares de Khazad-dôm nos Dias Antigos, antes que poderosos reis caíssem no seio da rocha. -ela olhou agora para Gimli, que estava carrancudo e triste, e sorriu. E o anão, ouvindo os nomes ditos em sua própria língua antiga, levantou os olhos encontrando os dela, e tive a impressão de que ele olhou de repente para o coração de um inimigo e ali viu amor e compreensão. A admiração cobriu seu rosto, e então sorriu para ela.

Levantou-se desajeitadamente e fez uma reverência ao modo dos anões:

—Apesar disso, mais bela ainda é a terra de Lórien, e a Senhora Galadriel está acima de todas as jóias que existem sobre a terra!

Fez-se silêncio. Finalmente Celeborn falou de novo.

—Eu não sabia que sua situação era tão delicada. -disse ele. -Que Gimli esqueça as palavras precipitadas: falei com o coração confuso. Farei o que puder para ajudá-los ,a cada um de acordo com suas necessidades e desejos, mas especialmente àquele entre os pequenos que carrega o fardo, e aquela que trás esperança.

—Sua demanda é conhecida por nós. -disse Galadriel, olhando para Frodo. -Mas não conversaremos sobre ela mais abertamente neste local. Mesmo assim, talvez o fato de terem vindo até aqui procurando ajuda não terá sido em vão, e fica claro agora que esses eram os próprios propósitos de Gandalf pois o Senhor dos Galadhrim é considerado o mais sábio de todos os elfos da Terra-média, capaz de dar presentes acima do poder dos mais poderosos reis. -ela fitou-nos. -Não vou lhes dar conselho, dizendo "façam isto", "façam aquilo". Pois não é fazendo ou planejando, nem escolhendo entre um ou outro caminho, que posso ser de ajuda. Posso ajudá-los sabendo o que aconteceu e acontece e, em parte, o que vai acontecer, Mas vou lhes dizer isto: sua Demanda está sobre o fio de uma faca. Desviem só um pouco do caminho, e nada dará certo, para a ruína de todos. Mas a esperança ainda permanece, enquanto toda a Comitiva for sincera.

E com essas palavras ela segurou com seu olhar Frodo, e em silêncio ficou olhando e perscrutando cada um dos homens, um após o outro. Nenhum, a não ser Legolas e Aragorn, pôde suportar o olhar da Senhora por muito tempo. Sam corou rapidamente e baixou a cabeça. Mas no fim foi a minha vez, e quando ela assim o fez eu pude escutar sua voz na minha cabeça, e só então eu percebi que aquela era a voz de meus sonhos.

—Sua alma está límpida e intocada pelo mal. E seu coração continua puro e corajoso, mas um coração apaixonado pode fraquejar. E isso pode mudar o rumo dessa guerra. -ela então virou atentamente para mim. -Vai chegar a hora em que vocês terão de se separar, mas lembre-se do que eu digo criança, um elfo por toda a sua vida só pode à uma pessoa amar.

Finalmente a Senhora Galadriel me liberou de seus olhos e sorriu.

—Podem ir agora! -disse Celeborn. -Vocês estão exaustos com tanta tristeza e de tanto caminharem. Mesmo que sua Demanda não nos interessasse muito, vocês teriam refúgio nesta Cidade, até que estivessem curados e reconfortados. Agora devem descansar, e vamos evitar de falar, por um tempo, da estrada que os espera.

E assim saímos dali, com o coração mais calmo e tranquilo, sabendo que enquanto estivéssemos ali estaríamos protegidos.

 


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