Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 24
Capítulo 23 – London, London.


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Eu sei que sumi de novo, mas aqui estou eu. Agora eu prometo que vou postar com mais frequência, porque finalmente me formei aaaaaaaa Ensino Médio nunca mais, e que venha a USP 2018. Agora na teoria eu tenho que estudar para a segunda fase da FUVEST, mas na prática vou acabar me dedicando mais a escrever mesmo kkkkk
Enfim, sobre o capítulo, esse aqui eu amo de paixão, e vocês logo vão entender o principal motivo. Acho ele bem revelador sobre o passado, e é a conclusão desse arco da Rebecca. Espero que gostem do mesmo jeito que eu.
A música de hoje é em inglês, mas é brasileira, do Caetano Veloso, para ser mais exata. Recomendo darem uma olhada, ela é maravilhosa, e tem um contexto muito bacana. Aqui o link: https://www.youtube.com/watch?v=1k0bQAvlbKw
Boa leitura!



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Rebecca

 

Luto nunca é fácil. Cada pessoa lida com ele de uma forma, e ele atinge cada um de um jeito. Alguns se isolam, outros atacam as outras pessoas, outros fingem que estão bem... Bom, eu era uma mistura de todos esses.

— Nós estaremos pousando agora. Por favor, desliguem seus aparelhos eletrônicos, ajustem suas poltronas na posição vertical e apertem os cintos. – anunciou uma aeromoça, e todos obedecemos a suas ordens.

— Eu sempre fico nervoso com a aterrissagem. – afirmou meu pai, encostando as costas completamente da poltrona e colocando as mãos nos apoios para braço, demonstrando nervosismo – Sua mãe sempre segurava minha mão.

Observei-o enquanto eu abotoava o cinto de segurança, e peguei em sua mão ao terminar, sorrindo fraco na tentativa de acalmá-lo. Virei o rosto e fiquei olhando pela janela, observando a paisagem que virara um vulto rápido. Senti o frio na barriga da aterrissagem e fechei os olhos, ficando um pouco enjoada. Mastiguei o chiclete com mais força para evitar que a pressão entupisse meus ouvidos, e depois de alguns minutos, houve o leve impacto da aeronave atingindo ao chão. Soltei o ar que estava prendendo e relaxei um pouco, notando que meu pai fizera o mesmo.

— O pouso ocorreu perfeitamente. Bem-vindos ao Aeroporto Heathrow. – disse a aeromoça, e algumas pessoas aplaudiram – Mantenham-se em seus assentos, por favor. Obrigada por voarem com a British Airways.

— Nem foi tão ruim. – virei-me para meu pai, que ainda parecia um pouco em choque.

— Fale por si mesma. – retrucou, fazendo-me rir. Fechei o sorriso lentamente ao lembrar do motivo de estarmos ali, sentindo meu coração apertar mais uma vez.

Após alguns minutos aguardando, foi possível sair do avião. Passamos por toda a burocracia do aeroporto e finalmente pegamos um táxi, seguindo para a vizinhança do meu pai.

O corpo de minha mãe já havia chego algumas horas antes, e já estava sendo velado no cemitério mais próximo da casa deles. Meu pai e eu tivemos que ficar para trás para resolvermos algumas coisas, então chegaríamos um pouco atrasados no velório. No entanto, na verdade, para mim, nem era necessária uma cerimônia. Minha mãe já havia trazido muito sofrimento para mim, aquilo seria apenas uma extensão. Eu estava ali por meu pai, que realmente parecia estar dando seu máximo para fazer as pazes comigo.

Paramos em frente à casa, e meu pai tirou as malas do porta-malas enquanto eu pagava pela corrida. Ao sair do carro, dei uma boa olhada naquela fachada, sendo invadida por um milhão de lembranças. A última vez que estivera ali foi no dia que minha mãe me expulsara, e o local não tinha mudado nada.

— Faz tempo, hein? – meu pai falou, e eu assenti tristemente.

— É. – suspirei – Vamos entrar?

— Claro. – concordou e levou as malas para perto da entrada. Pegou as chaves no bolso do casaco e destrancou a porta, revelando o hall que eu conhecia como a palma da mão.

Adentrei o imóvel e me lembrei no mesmo instante de algo que minha mãe dissera em meu último dia ali: “Você não vai mais pôr os pés nessa casa enquanto eu estiver viva!”. Ri fraco de nervoso, notando a ironia do destino. Eu realmente só voltei ali depois de sua morte.

— Bem, creio eu que nada mudou desde que você foi embora, então... Sinta-se em casa. Pode usar o quarto de hóspedes, e o banheiro do corredor. – afirmou o homem, parecendo um pouco sem jeito.

— E meu antigo quarto? – questionei, um pouco desconfiada.

— Não é mais seu quarto. – respondeu, aparentemente escondendo alguma coisa.

— O que é, então? – ergui uma sobrancelha, realmente intrigada.

— É uma longa história... – começou, mas eu perdi a paciência e segui para o cômodo, abrindo a porta com força.

Dei de cara com um quarto com decoração masculina, completamente diferente do meu de alguns anos atrás. Era pintado basicamente de azul, com a roupa de cama do Homem de Ferro, com alguns livros nas prateleiras, uma coleção de bonecos de super-heróis, e pilhas e pilhas de gibis. Neguei com a cabeça e ri ironicamente, inconformada.

— Eu posso explicar... – falou meu pai, parado atrás de mim – Logo que você saiu de casa, sua mãe descobriu que estava grávida... Alguns meses depois ela deu à luz a um menino. Donald Cooper. – finalizou, respirando fundo.

— Ah, então é por isso que vocês não se importaram de ir atrás de mim... Vocês já tinham um substituto. – rebati, sarcasticamente – E você passou todos esses meses comigo, e simplesmente se esqueceu de mencionar que eu tenho um irmão mais novo? Que incrível, não? – fingi uma cara de impressionada – E onde essa criança esteve durante essas férias de vocês? Ou ele descobriu que é gay e vocês o chutaram de casa?

— Ele estuda em um colégio interno somente para meninos. Nós preferimos poupá-lo do sofrimento de ver a mãe piorando a cada dia em casa. – respondeu, deixando-me ainda mais inconformada.

— Então para mim vocês não tiveram a capacidade de pagar uma escola particular, e para ele vocês pagam um colégio interno? Legal, queria saber de onde veio todo esse dinheiro! Viajando para Seattle, pagando colégio para o menino, a casa de repouso para minha mãe...

— Nós vendemos a casa. Terei que me mudar para Deus sabe onde dentro de uma semana, pois chegamos a estourar o prazo de mudarmo-nos. – afirmou, cada vez piorando mais a situação para mim.

— Inacreditável. – neguei com a cabeça e dei as costas para ele, seguindo em direção à saída.

— Onde você vai? – questionou, indo atrás de mim.

— Você nunca pareceu se importar, continue assim agora. – revidei, deixando a casa de vez.

Caminhei pelas ruas rapidamente, ainda um pouco perdida. Acabei chegando numa estação de metrô, então desci as escadas até os trens e comprei um bilhete para a estação Westminster. Ao sair do veículo, segui para cima. Aquele clima de Londres me trazia uma grande nostalgia. Eu podia gostar de Seattle, mas meu coração pertencia àquela cidade britânica.

Quando saí da estação, já pude dar de cara com o Big Ben, que se encontrava ali em frente. Sorri largo ao ver o monumento histórico, e ao olhar para o lado, avistei a London Eye, maravilhosa roda gigante. Aquilo não mudara em nada, e eu me senti um pouco melhor por estar ali.

Segui pela Ponte Westminster, até chegar no McDonald’s da London Eye. Sentei-me num banco, e fiquei observando o Big Ben. Novas memórias atingiram-me, de quando estava sentada naquele mesmo local, ainda mais perdida do que estava naquele dia.

 

Londres, 2000.

Encontrava-me sentada num banco, encarando a torre do relógio mais famoso do mundo. Contudo, minha mente não estava exatamente ali.

Depois que minha mãe me expulsara de casa, peguei o máximo de coisas que consegui e segui para a estação de metrô. Decidi ir para o lugar que mais conhecia depois do bairro em que eu morava, que era aquele ponto da cidade, o mais movimentado, talvez. Então sentei-me naquele banco, na tentativa de bolar um plano para seguir a partir daquele momento. Mas não estava sendo muito útil.

Meus pensamentos foram interrompidos por uma voz que veio de alguém sentado ao meu lado, que eu nem tinha percebido estar ali.

— Perdida? – questionou a pessoa, fazendo-me dar um pulo de susto e virar-me bruscamente, visualizando um senhor barbudo, de seus cinquenta e poucos anos.

— Não. – respondi como um ato reflexo, com medo das intenções dele – Vá embora, ou eu vou começar a gritar. – ameacei, afastando-me dele.

— Hey, eu não quero te machucar. – afirmou, colocando as mãos para cima – É só que você parece um pouco... abandonada. – olhou para as roupas emboladas em meu colo.

— Eu sei me virar. – retruquei, abraçando mais minhas coisas, tentando escondê-las.

— Eu tenho uma espécie de “abrigo” para jovens como você, que não têm para onde ir. Eu sei que parece ser uma armadilha para te sequestrar ou sei lá o que, mas você tem que confiar em mim. Creio que você não tem muitas opções, então por que não dar uma chance? – disse, e eu fiquei ainda mais desconfiada.

— Até parece que eu vou cair nessa. Saia de perto de mim, seu velho tarado. – franzi o cenho, afastando-me ainda mais.

— Okay, se não quiser minha ajuda, tudo bem... Mas o convite está aberto ainda. Eu venho aqui todos os dias, se quiser dar uma chance algum dia, sabe onde me encontrar. – deu de ombros e levantou-se, seguindo para a escada que ligava aquele ponto com a rua.

Olhei em volta, e o sol já estava bem baixo. Assim como em Seattle, em Londres o anoitecer é tarde, normalmente depois das 21:00. Então o fato de o sol estar praticamente completamente baixo, significava que já estava tarde, e eu confirmei isso olhando no grande relógio, que marcava 21:15. Para quem não tinha rumo, aquilo trazia um grande desespero, então comecei a realmente considerar a proposta do idoso, que caminhava lentamente. Num ato reflexo, levantei-me segurando minha tralha e corri até ele, parando ao seu lado.

— Se você for um estuprador, prepare-se para apanhar igual um saco de pancadas. – falei, andando junto com ele.

— Estou com a mente tranquila. – sorriu, e seguimos uma parte do caminho em silêncio – Então, qual é a sua história? – perguntou finalmente.

— Não quero falar sobre isso. – rebati, fechando a cara.

— Tudo bem, mas eu vou querer saber eventualmente. Só quando você estiver pronta, okay? – disse, e eu assenti, sorrindo fraco. Aquele homem já estava me conquistando, e eu me senti um pouco segura com ele.

Seguimos quietos até nosso destino, que acabou sendo um pouco longe de onde estávamos inicialmente. Era um barracão abandonado, bem afastado do centro. Ao adentrarmos, pude ver várias crianças de todas as idades, até mais velhos do que eu. Alguns brincavam, outros apenas estavam deitados em alguns sacos de dormir, e havia um grupo que tocava e cantava alguma música que eu reconheci ser dos Beatles. Fiquei impressionada com lugar, sentindo um pouco de esperança brotar em meu coração.

— Temos uma novata. Deem as boas-vindas para a... – anunciou, e virou-se para mim, provavelmente notando que não sabia meu nome.

— Rebecca. – respondi sem pensar. Esse era um nome que eu sempre gostei, e que dizia que daria a minha filha. Como naquele momento ter uma filha parecia algo impossível, decidi me autobatizar daquela forma.

— E eu sou o Wizard. – apresentou-se, sorrindo simpático – Deixe-me explicar como as coisas funcionam aqui. – começou, adentrando o barracão, e eu apenas o segui – Todos vão à escola todos os dias, faltam apenas quando estão realmente doentes. Depois da escola, cada um vai para um local, dar um jeito de ganhar algum dinheiro. A maioria aqui canta e toca, outros realmente conseguiram um emprego. Mas é estritamente proibido ganhar dinheiro de forma ilícita. Vender drogas, roubar, contrabando de qualquer coisa, prostituição, tudo completamente proibido, okay? Não é porque não temos uma casa como a maioria das pessoas, que temos que ser desonestos. – explicou, sendo muito sério nessa parte – O café da manhã é servido às 6:00, feito por um grupo a cada semana. O almoço cada um se vira, normalmente é na escola, e a janta é providenciada pelo mesmo grupo do café da manhã. 75% do dinheiro diário deve ser entregue a mim, que administro com a ajuda dos mais velhos. Os outros 25% podem ser utilizados de acordo com seu interesse, lembrando que aquela regra de coisas ilícitas se aplica ao consumo também. – continuou, andando pelo meio dos sacos de dormir – E você pode dormir naquele saco ali, que está sobrando. – apontou para um saco verde. Memorizei sua localização e assenti, prestando atenção em tudo – Esse é seu armário. – mostrou-me uma porta em um armário gigante, e entregou-me a chave – Só existe uma cópia dessa chave, então se você perder, o problema é seu. Agora uma pergunta, o que você sabe fazer?

— Ah, eu sou boa em biologia, matemática, física... – dei de ombros, sem saber se era isso que ele queria saber.

— Não, não... Essas coisas não nos ajudam a ganhar dinheiro aqui. Você sabe fazer alguma coisa que nos traga lucro, como tocar um instrumento, cantar...? – negou com a cabeça, erguendo uma sobrancelha.

— Eu toco o piano. – afirmei, sorrindo fraco – Canto um pouco também... Mas estou disposta a aprender o que for preciso, para fazer parte do grupo. – concordei com a cabeça, realmente interessada.

— Vou pedir para te ensinarem a tocar violão, que é um instrumento mais fácil de carregar para cima e para baixo, sem contar que é mais barato. Enquanto isso, você vai na estação de trem todos os dias. Lá tem um piano público, você vai tocá-lo e cantar para tentarmos ganhar uns trocados. – assentiu e olhou em volta – Acho que é isso. Qualquer dúvida, meu escritório é ali em cima. – apontou para o mezanino – Divirta-se. – sorriu e deixou-me sozinha.

Dei mais uma olhada na área, e vi várias pessoas olhando-me e cochichando. Destranquei a porta do armário e enfiei todas as minhas coisas lá, sem me importar muito com organizá-las. Não era muito espaçoso, então não poderia ter mais do que aquilo de pertences, senão não caberia. Virei-me novamente e suspirei. Talvez eu tinha encontrado um novo lar.

—-

Estávamos na estação de trem. Wizard convocara vários moradores para irem assistir minha primeira “apresentação” no piano público, e eu estava quase surtando por dentro. Olhei em volta e vi que o lugar estava lotado, então virei-me para o senhor que assentiu como se me encorajasse a ir. Sequei as mãos na calça e sentei-me no banco do instrumento, respirando fundo antes de começar.

Dei os primeiros acordes de uma música que eu particularmente gostava muito. E realmente expressava o que eu sentia naquele momento. Além disso, era uma escolha arriscada, pois a maioria esperaria que eu tocasse algum clássico, como The Beatles. Mas não. Eu estava tocando “London, London” de Caetano Veloso. Sim, nem era um cantor britânico, e sim um brasileiro. No entanto, aquela foi uma das primeiras melodias que eu aprendera a tocar no piano.

I'm wandering round and round, nowhere to go… I'm lonely in London, London is lovely so…— cantei os primeiros versos, um pouco insegura em relação à minha voz. Olhei em volta e notei que algumas pessoas se aproximavam conforme eu avançava na música, o que me deixou mais confiante. Sorri leve e relaxei um pouco, deixando-me levar pela melodia – While my eyes go looking for flying saucers in the
sky… Yes, my eyes go looking for flying saucers in the sky.
— finalizei, abrindo mais o sorriso ao ouvir os aplausos.

Levantei-me do piano e me curvei em sinal de agradecimento, e o pessoal do abrigo aproximou-se de mim.

— Muito bem... Arrecadou pouco, mas você é talentosa. – afirmou um rapaz, provavelmente o mais velho da turma.

— Com licença. – disse uma moça, com um sorriso largo estampado no rosto – Meu nome é Camila, e eu sou brasileira... Meu grupo e eu gostamos muito de sua performance, foi uma ótima homenagem. Gostaríamos de te ajudar com alguns trocados... – continuou, entregando-me algumas moedas, misturadas com notas – Mandou bem.

— Oh... Obrigada! – agradeci, meio sem jeito, e peguei o dinheiro, sorrindo.

— Nós agradecemos sua ajuda. – falou Wizard, e a mulher assentiu, voltando a se juntar a seu grupo de, provavelmente, turistas – Gostei dessa ideia. Os visitantes estão cheios da grana, e adoram ver seu país homenageado lá fora. Procure sempre cantar músicas estrangeiras, então. – o homem coçou o queixo, aparentemente satisfeito.

Naquele momento, eu senti-me realmente feliz. Eu fazia parte de alguma coisa, estava inclusa em uma turma. E eles pareciam que iriam me aceitar como eu era. Talvez eu tivesse realmente encontrado outro lar.

 

Londres, 2011.

Minhas memórias foram interrompidas pelo som incessável de chegadas de mensagens no meu celular. Tirei-o do bolso do casaco e li na própria tela de bloqueio o que diziam.

Pai: Liz? Onde você está?

Pai: Eu sinto muito.

Pai: Atenda o telefone, por favor.

Pai: O enterro vai ser em uma hora. Se você vier agora, poderá despedir-se de sua mãe a tempo.

Pai: Diga-me pelo menos se está bem.

Suspirei, sem saber se queria mesmo ir àquele velório. Vê-la deitada num cachão antes de ser enterrada, não mudaria toda a merda que acontecera no passado. Não resolveria as pendências, e muito menos a faria aceitar-me do jeito que era.

Eu: Não precisa me esperar para o enterro.

Enviei a mensagem e bloqueei o celular, enfiando-o de volta no bolso. Respirei fundo e fechei os olhos, relaxando a mente um pouco. De repente, veio-me pela primeira vez uma pergunta: como estaria o abrigo? Abri os olhos repentinamente, e em poucos instantes eu estava de pé, seguindo para a estação de metrô novamente. Peguei a linha que me deixaria mais próxima do local, e segui o resto do caminho a pé.

Parei em frente o barracão abandonado, que agora parecia ainda mais velho. Senti grande emoção invadir-me, e suspirei antes de adentrar o local. Estava praticamente vazio, devido ao horário de aulas. Na verdade, apenas três crianças encontravam-se lá dentro, sendo uma delas uma garota, de mais ou menos uns 17 anos.

— Posso ajudar? – perguntou uma menina menor, de uns 12 anos, encarando-me desconfiada.

— Olá, eu procuro o Wizard. Ele está? – sorri simpática, tentando ganhar a confiança da garota.

— Quem é você? – questionou um menino, cruzando os braços, provavelmente tentando me intimidar, mas seu tamanho infantil não o estava ajudando.

— Meu nome é Rebecca Cooper, eu vivi aqui na adolescência. – apresentei-me – Estou de passagem na cidade, e queria ver o Wizard.

— Deixem-na entrar. – ordenou a jovem mais velha, aproximando-se – O que você gostaria de tratar com ele?

— Só queria revê-lo... Pôr o papo em dia. – dei de ombros.

— Ele está doente. – intrometeu-se o garoto, e a moça que conversava comigo olhou-o feio.

— Sério?! O que ele tem? – indaguei, preocupando-me.

— Ninguém sabe... E nós não podemos leva-lo num hospital, ele é procurado pela polícia... – respondeu a menina, parecendo desgostosa – Se importa de vir aqui comigo?

— Claro. – segui com ela em direção às escadas que levavam ao mezanino.

— Eu e o outro menino mais velho estamos realmente preocupados com ele. Achamos que dessa vez ele não se recupera. – disse, tristemente.

— Deixe-me vê-lo. Eu sou médica. – pedi, e a mesma riu-se.

— Tem certeza que morou aqui na adolescência? – perguntou com uma pitada de ironia.

— É claro que sim... Esse abrigo me transformou na pessoa que eu sou hoje. Você deveria acreditar em si mesma, um dia, você vai estar assim como eu, voltando aqui de visita, depois de construir um futuro brilhante para si mesma. – sorri fraco, tentando encorajá-la.

— Claro... – ironizou, negando de leve com a cabeça – Vamos ver se você encontra uma solução. – afirmou, acompanhando-me escada acima – Desculpa incomodar, Wizard. Mas tem alguém aqui que quer vê-lo.

— Por favor, não me diga que é da polícia... – o homem, que estava deitado numa cama velha de solteiro, falou com dificuldade, e ao virar o rosto para nós e me ver, fechou a cara – Saia.

— Okay... – a menina deu de ombros, e virou as costas.

— Não você. Ela. – apontou para mim, fazendo-me suspirar.

— Wizard, eu... – tentei falar, mas ele cortou-me.

— Pensei que tivesse sido bem claro quando disse que não a queria aqui. – retrucou, destilando raiva na voz – Depois de tudo o que você fez...

 

Londres, 2001.

Estava em meu último ano do colégio, e tinha um sonho definido: faculdade de medicina. Logo de início, teria que fazer o pre-med, e queria fazê-lo nos Estados Unidos. Contudo, para isso, eu precisava de dinheiro, e as maneiras de Wizard de consegui-lo estavam sendo muito difíceis. Então, procurei minhas próprias formas de ganhar.

Adentrei o barracão sorrateiramente, fazendo o mínimo de barulho possível. Eram 4:00 da manhã, e se eu fosse pega chegando naquele horário, seria trucidada. Caminhei silenciosamente até meu saco de dormir, mas, ao abri-lo, senti que tinha alguém já deitado nele. Arregalei os olhos, sem saber o que fazer, até que descobri quem era.

— Boa noite, Rebecca. – cumprimentou a voz masculina, que eu reconheci de cara por ser Wizard – Para o mezanino, já. – ordenou, com a voz ríspida, e já soube que estava encrencada elevado a mil, então engoli em seco e o segui, sem dizer uma palavra. Ao chegarmos na sala, o mesmo ficou um tempo de costas para mim, e meu coração estava quase rasgando meu peito.

— Eu posso explicar... – comecei, mas o homem cortou-me.

— Como você pôde?! – berrou, finalmente virando-se para mim, possesso de raiva – Depois de tudo que fiz por você, como foi capaz de trair a regra principal do abrigo? – olhou-me acusadoramente.

— É que eu precisava de dinheiro... – senti algumas lágrimas começarem a escorrer em meu rosto.

— E você acha que só a bonitinha aí precisa de dinheiro? Todo mundo aqui precisa, Rebecca. Mas nós somos pessoas de bem. Ganhamos dinheiro honestamente. Não como... – suspirou, fechando os olhos – Minhas meninas não são prostitutas. Eu as ensinei melhor do que isso.

— Eu tive que juntar dinheiro rápido, porque o ano escolar está acabando e eu não tinha um tostão para me mudar. Você sempre nos encoraja a lutar pelos nossos sonhos... – tentei me explicar, mas o mesmo continuou negando com a cabeça.

— Eu nunca disse para você desistir do seu sonho. Eu disse que iríamos dar um jeito. Mas você teve que meter os pés pelas mãos! – retrucou, e passou as mãos pelos cabelos, nervoso – Vender o corpo, Rebecca? Eu realmente achei que você fosse melhor que isso. – bufou – Você sabe o que acontece agora. Eu não posso tolerar esse tipo de comportamento nesse abrigo.

— Você está me expulsando? – indaguei, olhando-o com o rosto molhado.

— Sim. Pegue suas coisas. Eu não quero te ver nunca mais, Rebecca. – respondeu, cruzando os braços, e sem olhar para meu rosto.

— Quer saber? – rebati, perdendo a paciência – Nesses poucos meses que eu passei me prostituindo, eu já ganhei dinheiro o suficiente para me mudar. Eu sou cara, sabia? – provoquei, rindo ironicamente – Eu não preciso mais disso aqui. Agora eu vou para a América, vou me tornar a melhor médica que aquele país já viu, e você vai ouvir falar de mim, na TV, no rádio, no jornal... Mas eu nunca mais vou ouvir de vocês. Em alguns anos, eu sequer vou me lembrar desse lugar. – falei, na tentativa de sair por cima – Até nunca mais. – finalizei, dando as costas para ele e descendo as escadas rapidamente.

Corri até meu armário e esvaziei-o com velocidade, ignorando todas as perguntas de quem havia acordado com a agitação. Deixei a chave na porta do armário e saí dali, deixando todo mundo falando sozinho. Ao ganhar a rua, veio-me aquele sentimento novamente: eu estava sozinha de novo. Abandonada e sem rumo. Talvez meu destino era viver assim eternamente.

Comecei a caminhar sem rumo em meio à escuridão da madrugada. Era hora de recomeçar outra vez.

 

Londres, 2011.

— Eu vim aqui para ajudar. Eu sou médica. – afirmei, tentando convencê-lo.

— Não foi você que disse que depois que virasse médica, não ia sequer lembrar-se de nós? – questionou, rindo fraco e ironicamente – Eu não preciso da sua ajuda.

— Deixe-a ajudar, Wizard. O senhor sabe que não vai durar muito se continuar assim. E nós precisamos de você... O abrigo não existe sem você. – disse a garota, praticamente implorando.

— Considere isso como minha forma de me redimir. – falei, suspirando.

O homem ficou em silêncio por um tempo, até que respirou fundo e gemeu, parecendo finalmente ceder. Intercalou olhares entre nós duas, ainda pensativo.

— Okay. – concordou, e nós duas abrimos um sorriso.

— Pode ter certeza que fez a escolha certa, Wizard. – assenti – Agora diga-me, quais têm sido os sintomas? – perguntei, mas a hora que ele abriu a boca para responder, começou a tossir incontrolavelmente.

— Ele tem tido febre, dificuldade em respirar, essa tosse carregada, fraqueza... – respondeu a jovem, e eu concordei com a cabeça, já preocupada com o que seria.

— Wizard, você sente dor quando respira fundo? – indaguei, e o mesmo fez um “joia” com a mão.

— Eu precisaria de exames mais detalhados, mas, pelos sintomas, tenho medo de ser uma pneumonia... – falei, tristemente.

— E nós não podemos recorrer ao hospital. Como vamos trata-lo? – questionou a menina, franzindo o cenho.

— Vou tentar fazer umas ligações. Com licença. – afirmei e desci as escadas, procurando o número de Claire no celular enquanto saía do barracão.

Lembrei-me que desde o beijo, não tinha mais falado diretamente com Claire. Eu havia feito aquilo no impulso, não estava pensando direito naquele momento, afinal minha cabeça estava lotada de coisas. Sem contar que eu estava com raiva dela, o que me deu ainda mais vontade de beijá-la. Sei que não tem muito sentido, mas foi o que aconteceu.

Observei sua foto por um segundo, antes de apertar para iniciar a ligação. Esperei-a atender, nervosa ao pensar em como seria a conversa.

Alô?— atendeu, e eu sorri fraco ao ouvir sua voz.

— Oi, Claire. Sou eu, Rebecca. – cumprimentei, e amaldiçoei-me internamente por ter dito aquilo. É claro que ela sabia que era eu! – Eu tenho um problema aqui, e precisava da sua ajuda.

Aconteceu alguma coisa com seu pai? Ou com o corpo da sua mãe? Como você está?— interrogou, lembrando-me do real motivo pelo o qual eu estava em Londres, que eu havia esquecido por um instante.

— Não, não é nada disso. – neguei com a cabeça, como se ela pudesse ver – É que eu encontrei um conhecido aqui, e ele está com sintomas de pneumonia... Mas eu precisava leva-lo a um hospital para ter certeza, e cuidar direito dele. – expliquei, andando de um lado para o outro.

E qual é o problema com isso? Leve-o ao hospital!— falou, e eu pude imaginá-la dando de ombros.

— O problema é que esse meu conhecido, é procurado pela polícia. – afirmei, preparando-me para o questionamento.

Qual é o seu problema?! Você deve entrega-lo, então!— exclamou, e eu revirei os olhos.

— Não é assim também, Claire. É uma longa história. Ele me ajudou muito na adolescência, logo que fui expulsa de casa. Se não fosse por ele, eu nunca teria conseguido me acertar e estudar medicina. Eu devo muito a ele. E ficaria muito feliz se você me ajudasse. – retruquei, torcendo para ela ceder.

E o que você espera que eu faça?— perguntou, e pude ouvir seu suspiro.

— Será que ninguém aí tem algum contato aqui em Londres, para liberar uns exames para nós por baixo dos panos?

Não faço ideia.

— Com quem você está trabalhando hoje?

Altman.

— Perfeito! Ela conhece gente de todo canto do mundo! Pergunte a ela, por favorzinho!

O que não faço por você?— disse com voz de tédio, e imaginei que ela revirava os olhos.

— Muito obrigada! Amo você! – agradeci, e só depois reparei que, dada às circunstâncias, minha última frase poderia deixa-la sem graça.

Eu te ligo de volta.— disse e desligou, fazendo-me suspirar. Quando eu voltasse, teria que encarar uma conversa dura com Claire, e tinha medo do que daria.

Voltei até o mezanino, e encontrei Wizard sozinho, ainda deitado na cama.

— Minha amiga de Seattle vai tentar arrumar alguém que tenha contatos aqui, para te colocarmos num hospital, às escondidas. – afirmei e o homem assentiu. Ficamos em silêncio por um tempo, até que eu quebrei-o, pois estava me deixando irritada – Onde a garota se meteu? – perguntei, sorrindo debochada.

— Ela foi fazer um chá. – respondeu, seco – Ela realmente me lembra você. Cabeça dura, mas determinada. Só precisa acreditar um pouco mais em si mesma. – disse, finalmente olhando para mim.

— Quer dizer que teremos mais uma médica saída do abrigo? – indaguei, sorrindo orgulhosa.

— Só espero que ela não se prostitua para isso. – provocou, fazendo-me fechar o sorriso.

Ficamos quietos por mais um bom tempo, até que o toque do meu celular ecoou pelo local, e eu o atendi logo no segundo toque, após ver que era Claire.

— Conseguiu alguma coisa? – questionei, quase não me aguentando de curiosidade.

Vou passar para a Dra. Altman.— disse, e eu assenti.

Bom dia, Rebecca. Meus pêsames pela sua mãe.— cumprimentou a mulher.

— Obrigada, Dra. Altman. – agradeci tristemente.

Só uma pergunta antes de continuarmos, esse seu conhecido está sendo procurado pela polícia por qual motivo?— indagou, parecendo desconfiada.

— Ele não pagou umas contas há alguns anos. – respondi, colocando as mãos na cintura, impaciente.

É bom ser só isso mesmo, Rebecca. Saiba que eu estou fazendo isso somente porque você está passando por um momento difícil, mas não é do meu feitio.

— E eu agradeço, Dra. Altman. Agora vamos ao que interessa? – falei, querendo encurtar o assunto.

Claro. Eu conheço uma traumatologista que trabalha no Hospital de Sta. Mary. Eu já liguei para ela, e ela concordou em recebe-los. Ela disse que estará esperando na entrada das ambulâncias com uma equipe.— explicou, fazendo-me abrir um enorme sorriso – Cuidado, Rebecca. Espero que esteja fazendo a coisa certa.

— Você não vai se arrepender, Dra. Altman. Muitíssimo obrigada! – agradeci, animada.

Não tem por onde. Agora vá salvar uma vida.— disse e terminou a ligação.

— Vamos para o Hospital de Sta. Mary. Você acha que consegue descer para pegarmos um táxi? – virei-me para Wizard.

— Sim. – respondeu, e eu concordei com a cabeça.

— Ajudem-me a levar o Wizard aí para baixo, por favor! – pedi às crianças lá embaixo, e os três subiram – Você, peça um táxi, por favor. – falei à menininha mais nova, que pegou meu celular e voltou ao andar de baixo.

—-

O táxi parou na entrada de ambulâncias, e eu paguei o motorista rapidamente, enquanto a menina mais velha ajudava Wizard a sair do carro. Juntei-me a ela para apoiá-lo, e logo alguns enfermeiros vieram de encontro conosco, oferecendo uma cadeira de rodas.

— Vocês são os amigos de Teddy Altman? – perguntou uma mulher ruiva, que não me parecia estranha.

— Sim, Dra. Rebecca Cooper. – apresentei-me, estendendo a mão como cumprimento.

— Dra. Zoe Taylor. – apertou minha mão, e minha ficha finalmente caiu: aquela era Zoe, minha primeira namorada, a que me fez ser expulsa de casa.

— Você não se lembra de mim? – questionei, ainda sem soltar sua mão – Elizabeth... Fui expulsa de casa... – ergui as sobrancelhas, torcendo para que ela se lembrasse.

— Oh meu Deus! É claro que sim! Liz! – sorriu largo, puxando-me para um abraço – Quanto tempo!

— É, desde aquele dia na minha casa né, porque você nunca mais olhou na minha cara depois daquilo. – falei, com meus braços em volta de seu corpo.

— Sobre isso... – começou a falar, mas foi interrompida pela garota do abrigo.

— Eu sinto muito atrapalhar o que parece ser um reencontro, mas o Wizard está realmente passando mal. – disse educadamente, deixando-me um pouco sem graça.

— É claro, vamos logo com isso. – concordei com a cabeça e segui com a ruiva para dentro do hospital.

— Quais são os sintomas? – perguntou, enquanto caminhávamos para dentro.

— Febre, dificuldade em respirar, tosse carregada, fraqueza, dor ao respirar fundo. – respondi – Pelo o que observei, pode ser uma pneumonia.

— Você está certa. Vamos leva-lo para um quarto, e vou pedir alguns exames. – assentiu, e continuamos em silêncio até chegarmos em um quarto. Os enfermeiros deitaram-no na cama, e começaram o processo de internação.

— Você pode cobrar tudo de mim depois, okay? – afirmei, já imaginando como aquele hospital deveria ser caro. O equipamento era tão de ponta quanto o Seattle Grace Mercy West, e as instalações eram luxuosas.

— O que é isso, estou fazendo apenas um favor para minha amiga de muitos anos. Será tudo de graça. – negou com a cabeça e sorriu. Imitei seu gesto e voltei a observá-los – Okay, agora eu vou checar algumas coisas no senhor, tudo bem? – aproximou-se de Wizard, que apenas concordou com a cabeça – Abra a boca e diga “a”. – instruiu, e o mesmo o fez, um pouco relutante – Agora, vou checar suas orelhas e seu nariz. – pegou a lanterninha e olhou dentro das partes ditas – Respire fundo para mim. – pediu, segurando o estetoscópio em seu peitoral – Realmente, me parece muito com uma pneumonia. – virou-se para mim e depois para os enfermeiros – Façam um exame de sangue e mandem-no para o Raio-X, e me bipem assim que estiver pronto. Sejam o mais discretos possível. – ordenou, e os jovens assentiram, movendo-se – Siga-me. – chamou-me, e eu segui-a até o corredor.

Caminhamos até o refeitório do hospital, que mais parecia uma praça de alimentação de shopping. Compramos um café cada uma e nos sentamos em uma mesa, e eu observava tudo atentamente, impressionada com a arquitetura impecável do lugar.

— Então, por onde esteve todos esses anos? – indagou, olhando-me curiosa.

— Bom, depois que fui expulsa de casa, eu fui parar no abrigo para crianças sem teto daquele senhor que trouxe aqui hoje. Continuei indo na mesma escola, tanto que tentei te procurar algumas vezes, mas você simplesmente me ignorou. Então juntei dinheiro e me mudei para os Estados Unidos, onde me formei em medicina, e hoje em dia trabalho no Seattle Grace Mercy West, um dos melhores hospitais do país. – expliquei, nem me importando em fingir modéstia – E você?

— Eu sinto muito por ter ignorado você aquela época... É que eu era uma menina mimada, e você sabe que sua imagem ficou bem destruída depois de tudo o que aconteceu... – suspirou, aparentemente sem graça – Mas eu mudei muito desde então. Eu me formei em medicina, e decidi me desafiar um pouco, então me alistei. Foi lá que conheci Teddy. O exército me mudou muito, sabe... Fez-me ver um lado totalmente diferente do mundo, da medicina, de tudo. Eu recomendo. – sorriu.

— Parece realmente interessante. – concordei com a cabeça e dei um gole em meu café. Ficamos em silêncio por mais um tempo, até que ela quebrou-o.

— Está solteira? – perguntou com uma pontada de malícia, e eu ri fraco.

— É, mais ou menos. – respondi, lembrando-me de Roger. Nós ainda saíamos de vez em quando, e eu até gostava dele, mas era complicado. Eu não conseguia vê-lo da mesma forma, depois do coma de Claire.

— Talvez nós pudéssemos tomar uma depois do meu expediente... Relembrar os velhos tempos. O que diz? – sorriu maliciosa.

— Parece ótimo. – assenti, lançando-a um “olhar 43”.

Nosso momento foi interrompido pelo som de seu bipe, e a mesma olhou o aparelho, confirmando o que já esperava.

— O Raio-X está pronto. – afirmou – Vamos? – levantou-se, levando seu copo de café consigo.

— Vamos. – também levantei-me, seguindo com ela de volta ao quarto.

— Cadê? – perguntou adentrando o cômodo, e um enfermeiro entregou-lhe a chapa. A mulher colocou no quadro de luz, e ficou observando-o enquanto bebia o café – O que você acha, Liz? – questionou, e eu aproximei-me também, observando a imagem.

— Definitivamente pneumonia. – afirmei, suspirando.

— Está certa. Vamos começar o tratamento imediatamente, com Azitromicina. Vamos mantê-lo em observação por uma semana. – disse, e os enfermeiros assentiram – Sempre que ele passar mal por qualquer coisa, pode trazê-lo aqui e me procurar. – virou-se para a menina do abrigo, que também concordou com a cabeça.

— Muito obrigada, Zoe. – agradeci, sorridente.

— Não tem por onde. Vou deixá-los à vontade. Até mais tarde. – acenou e deu uma piscadinha discreta para mim, deixando o quarto.

— Talvez eu tenha sido um pouco injusto com você. – falou Wizard, e eu virei-me para olhá-lo.

— Eu entendo o seu lado... Olha, eu não vou me desculpar pelo o que fiz. Eu não me envergonho do passado, porque se não tivesse feito o que fiz, talvez nunca chegaria onde estou hoje. Estou vivendo meu sonho. Mas eu realmente gostaria de deixar as coisas certas com você, porque eu te amo, Wizard. Você contribuiu muito para a pessoa que sou hoje. – desabafei, dando de ombros para não parecer tão emotiva.

— Venha aqui. – chamou-me, e eu abracei-o, sentindo meu coração aquecer-se. Enquanto algumas coisas se entortam, outras finalmente se acertam.

—-

Estava sentada no balcão de um pub, enquanto apreciava uma bela caneca de cerveja. Zoe estava ao meu lado, tomando uma dose de whisky. Ambas estávamos quietas, curtindo o som da música que tocava ao fundo.

— E então, você está morando em Seattle, certo? – indagou, quebrando o silêncio.

— Sim. – assenti, sorrindo fraco.

— E o que a trouxe aqui em Londres? Veio visitar a mamãe? – ironizou, rindo-se.

— Na verdade, ela faleceu. Ontem à tarde. Ela tinha Alzheimer, e foi se tratar com um médico que trabalha no mesmo hospital que eu... Mas não deu certo, e ela acabou morrendo. Eu vim acompanhar meu pai no enterro, mas nem fui. – afirmei, sorrindo tristemente e dando de ombros no final, bebendo bastante da minha cerveja.

— Eu sinto muito... – disse, parecendo arrependida do que disse – Quer sair daqui? – perguntou sugestivamente, e eu sorri maliciosamente.

— Achei que não ia chamar nunca. – rimos fraco, e viramos nossas bebidas em um só gole.

Pagamos nossos pedidos e deixamos o bar. Ela chamou um táxi que passava, e enquanto ele parava, agarrei-a para um beijo, sentindo uma certa nostalgia. Aquilo era como andar de bicicleta. Ao nos afastarmos, caímos na gargalhada novamente, ambas já alcoolizadas. Adentramos o carro e seguimos para o endereço do apartamento dela, iniciando nossas atividades no próprio banco de trás.

—-

O dia amanheceu, e, depois de tomar café com Zoe, decidi dar uma passada no cemitério antes de voltar para Seattle.

Procurei pelos túmulos sem lápide, até que encontrei um com uma plaquinha escrito “Gale Cooper”, e uma foto recente de minha mãe, com o Big Ben atrás. Pousei um buquê de flores que havia comprado sobre a grama, e fiquei encarando por um tempo. Infelizmente, no final das contas, ela se foi e nós nunca realmente fizemos as pazes. Mas eu acho que é assim mesmo que a vida funciona. Nem sempre temos finais exatamente felizes.

— Elizabeth? – uma voz surgiu atrás de mim, e virei-me bruscamente para ver quem era. Avistei meu pai e um garotinho de seus 10 anos ao seu lado, segurando flores.

— Mas já? – questionei, olhando para as flores.

— Será assim por um bom tempo, agora. – disse, e eu assenti tristemente. Ficamos em silêncio por alguns instantes, até que ele mesmo quebrou-o – Esse é Donald, seu irmão. – apontou para o menino.

— Hey, amigão. – sorri fraco e acenei – Belas flores, foi você que escolheu?

— Sim. – respondeu, timidamente.

— Legal. – falei, e o silêncio voltou a reinar. Foi quando aceitei que eu realmente não pertencia mais ali. Eles eram uma família formada já, e mesmo sendo difícil, eles sobreviveriam juntos. E eu não fazia parte daquela família, e não tinha o que eu pudesse fazer para mudar aquilo – Acho que já vou indo. Minhas malas ainda estão na sua casa, né?

— Sim. Mas você já vai voltar para Seattle? Achei que tinha tirado 5 dias. – perguntou, franzindo o cenho.

— Eu tirei, mas já vou voltar. Quero ir para casa. E outra, eu sou mais útil lá. – dei de ombros.

— As chaves continuam no mesmo esconderijo de sempre. – afirmou, e eu abri um sorriso.

— Okay. – aproximei-me dele e abracei-o – Tchau, pai.

— Tchau, filha. – despediu-se, apertando-me contra si.

— Tchau, campeão. – estendi a mão para o garoto bater, e ele assim o fez, sem dizer uma palavra.

Afastei-me dali, seguindo em direção à saída. Antes de perde-los de vista, virei-me para observa-los. Meu pai estava agachado, e meu irmão estava escorado nele, ambos aparentemente conversando com o túmulo. Suspirei um pouco melancólica e dei as costas, continuando meu caminho até a saída.

O luto traz à tona coisas que as pessoas nunca imaginavam que tinham dentro de si. Algumas até surtam. Mas ele pode ser usado de forma boa. Pode ser canalizado em algo bom. Pode ser utilizado para ajudar outras pessoas, ou até mesmo ajudar a própria pessoa que está sofrendo.


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Notas finais do capítulo

E aí gente, o que acharam? Tivemos algumas revelações aí, hein! E agora a Rebecca vai finalmente poder seguir em frente sobre o abandono dos pais.
Lembrando que sexta-feira (15/12) é meu aniversário, e sabe qual seria meu melhor presente? Exatamente, alguns comentários na história! Então se você lê mesmo, fala o que está achando por favoooor! Não precisa ser só elogios, mas interajam comigo, please.
Vejo vocês nos comentários. Beijos!



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