— Preciso me sentar... – Thalia disse, sentando-se na cama do chalé para o qual Zeus os mandou após a sinistra Mensagem de Íris que lhes apareceu. Um soluço quis subir-lhe a garganta, mas ela o conteve. Não queria desabar na frente de dois garotos. Sua respiração se acelerou, bem como seus batimentos cardíacos conforme o pavor preenchia seu corpo.

— Thalia... – Nico sussurrou, aproximando-se da garota e sentindo uma incomum vontade de ajudá-la. Ele quase podia sentir seu desespero e aquilo o incomodou profundamente. – O que houve?

A menina quase não conteve outro soluço, dessa vez mais alto. As assustadoras imagens do que fariam com ela a fizeram entrar em pânico.

— Eles... Eles vão fazer o que bem entenderem conosco, Nico... – Ela estremeceu e Nico sentou-se ao seu lado, tentando entender o que se passava pela mente da morena. E Thalia, por fim, ergueu o olhar para encará-lo nos olhos. – Nico, caçadoras não envelhecem e nem adoecem... O que acha que vão fazer comigo lá?

Não foi preciso muito tempo para que Nico compreendesse o que ela queria dizer. Leo, apoiado na porta, estava igualmente pensativo. E igualmente chocado ao perceber a que Thalia se referia.

— Thalia... – Leo começou, mas Thalia afundou o rosto nas mãos, deixando-se desabar.

— Eles... Eles vão me usar como cobaia. Vão me fazer centenas de testes. Vão me ferir sem se importar comigo... Eles vão...

— Hey... – Nico se aproximou mais, segurando sua mão. – Vai ficar tudo bem, Thalia... Eu prometo.

Thalia respirou fundo, ainda soluçando baixo. Leo saiu de onde estava e se aproximou também, vendo a tensão e o desespero nos olhos da caçadora de Ártemis.

— Relaxa, Thals... Eles não podem passar pela barreira, lembra?

Thalia ergueu o olhar, pensando no que Leo dissera. Ele tinha razão. Não havia como passar pela barreira. Mortais comuns não podiam passar. Se ela ficasse ali, ninguém os alcançaria. Nem a ela, nem a Leo e muito menos a Nico. Os três ainda estavam no chalé,  que só naquele momento notaram ser o de Zeus. A estátua do Senhor do Olimpo erguia-se, imponente e assustadora, no centro do chalé.

— Leo tem razão... – Nico concordou, acariciando a mão de Thalia sob a sua. Naquele momento, não importava a nenhum dos dois o fato de Thalia ser não só uma caçadora, mas também a tenente delas. Tudo o que importava era acalmá-la. Fazê-la sentir-se melhor. – Eles não podem passar pela barreira. Não podem vir até nós.

Thalia assentiu, ainda abalada. Tentava, em vão, conter seu desespero. Imagens horripilantes cercaram sua mente e ela sentiu seu ar falhar por um instante.

No chalé, nada se movia. Jason deveria estar com Piper, já que não se encontrava por lá. Leo estava agora encostado na parede atrás de si, pensando. Nico não saíra de perto de Thalia. Nem soltara sua mão, procurando tranquilizá-la e mostrar que tudo ficaria bem.

— Poderíamos fugir... – Leo sugeriu, fazendo com que os outros dois ali o encarassem.

— Zeus disse que, se fugíssemos das consequências, os outros semideuses teriam de pagar. – Thalia disse, lembrando-se do que seu pai dissera pouco antes de mandá-los novamente para o Acampamento. – Não podemos permitir que eles paguem por algo que não fizeram.

— Mas nós vamos pagar por algo que não fizemos. – Nico acrescentou, fazendo Thalia encará-lo por um momento e, por fim, fitar o chão.

— Não entendo... Não fizemos nada ali. Não é culpa nossa... Por que os deuses não podem nos defender? Tentar entender o que aconteceu?

— Talvez os deuses também acreditem que somos culpados. – Nico respondeu. – Deve ter sido feita uma votação e a maioria nos considerou culpados.

Thalia suspirou baixo, ainda fitando o chão.

— Não acredito que Zeus fez o que fez... Pensei que ele acreditaria que sou inocente. – Ela admitiu, contendo o soluço que lhe subiu a garganta.

Nico, assim como a caçadora, suspirou baixo, levando a mão às suas costas.

— Deite um pouco... – Sugeriu. – Eu prometo que vai ficar tudo bem.

Thalia finalmente ergueu o olhar, encarando o filho de Hades por um longo momento antes de assentir levemente e aconchegar-se na cama em que estava sentada, fechando os olhos e relaxando profundamente. Assim que o silêncio se instalou ali, Nico ergueu o olhar para encarar Leo.

— Está preocupado. – O filho de Hefesto notou. Nico o encarou por um longo tempo. Depois suspirou baixo, assentindo.

— Você viu como ela estava assustada, Leo... Eu nunca vi Thalia assim – Comentou. – Não desejo isso para ninguém. Mesmo uma caçadora de Ártemis. Eu sei o que farão conosco lá. E sei que com ela será pior.

Leo suspirou, concordando. As engrenagens em sua mente não paravam de girar, tentando formar um plano que os tirasse daquela encrenca. Porém não havia como evitar perdas em nenhum dos planos. Pensou até mesmo em se oferecer como único culpado, mas sabia (ou pelo menos imaginava) que os outros dois não concordariam. E muito menos aqueles que vinham atrás deles. Imaginou o que lhes aconteceria. Seriam mortos? Passariam o resto de seus dias como cobaias de testes? Seriam usados como armas? Nenhuma daquelas opções lhe parecia agradável. Ele só desejava acordar em sua cama como se nada houvesse acontecido. Ele aceitara essa missão porque precisava pensar em qualquer coisa que não fosse seu término com Calipso, por mais que os dois tivessem concordado com isso, o filho de Hefesto admitia para si mesmo que seria um tanto quanto complicado esquecê-la por completo.

Algo funcionou: ele não estava mais pensando em seu término com Calipso.

Porém, agora pensava em como finalizaria seus dias de vida: como uma simples cobaia ou como uma arma do governo.

Os três passaram um longo momento ali dentro, imersos em seus próprios pensamentos enquanto tentavam se distrair com outras coisas. Já estava escurecendo quando Thalia abriu os olhos, bocejando baixo em seguida. Por mais que ainda estivesse apavorada, dormir foi uma ótima ideia para se sentir um pouco mais calma.

— Oi. – Ouviu a voz de Nico. Ela suspirou baixo, lembrando-se de como ficaram excessivamente próximos, mas procurou colocar um pequeno sorriso no rosto, afinal: ele a havia ajudado, mesmo não gostando de Ártemis e suas seguidoras. E seria incrivelmente rude da parte dela não tratá-lo bem depois de todo o apoio que recebeu nos poucos minutos em que se permitiu desabar.

— Oi – Respondeu com um meio sorriso. – Obrigada, a propósito.

O Di Angelo sorriu levemente.

— Não precisa me agradecer – Tranquilizou-a. Os três ficaram em silêncio por um momento, até que Thalia viu, pela janela de seu chalé, vários campistas caminharem até a colina, causando um tumulto. A confusão de vozes não permitiu que ela identificasse o motivo, mas seu coração acelerado e o suor frio que descia pelo seu rosto já denunciavam que ele tinha certa ideia do que encontraria lá fora.

Nico levantou-se primeiro, caminhando até a porta. A mão próxima ao cabo da espada de ferro estígio embainhada. Leo saiu logo depois e Thalia, não querendo ficar sozinha naquele momento, seguiu os três para fora, vendo seu temor se concretizar: no topo da colina, do outro lado da barreira, uma equipe de homens armados se encontrava. E ela reconheceu, à frente do grupo, o rapaz que aparecera na mensagem de Íris.

Ela estremeceu, mas respirou fundo. Principalmente quando Nico segurou levemente sua mão. Eles não podem passar. Eles não podem passar. Eles não podem passar.

E, talvez, o temor não tenha sido apenas de sua parte quando o rapaz tomou a dianteira, dando o primeiro passo e passando pela barreira sem nenhum problema. Foi o momento perfeito para que ela entrasse em desespero. Nico mal teve tempo de dizer algo, pois a menina soltara sua mão e dera as costas, já começando a correr. O desespero falara mais alto do que qualquer outra parte de seu corpo. E ela iria correr até a floresta quando um tiro alto ecoou, assustando todos os outros campistas. Ela ouviu um zunido alto quando algo passou a centímetros do seu rosto. Depois congelou onde estava, soluçando baixo de medo.

— Se a mocinha der mais um passo, eu atiro outra vez. – O rapaz dissera. – E eu não vou errar.

Thalia ofegou, estremecia mais do que tudo. Não queria que a levassem. Não queria ser ferida. Ser praticamente torturada. Ela ainda estava ali, congelada e apavorada. Ela ouviu passos e, em seguida, Nico a puxou para perto e, em seguida, a abraçou com força, tentando ajudá-la. Ela não admitiu, mas precisava muito daquilo. Era visível. Tão visível que suas caçadoras não fizeram nem um único movimento contra o filho de Hades.

— Vai ficar tudo bem... – Sussurrou antes de colocar-se em sua frente. Ouviu mais passos e Leo se aproximou, também à frente dela.

— O que diabos está havendo aqui?! – A voz, já irritada, de Clarisse La Rue se fez ouvir. O suposto líder da equipe voltou os olhos escuros para ela.

— Meu nome é Daniel, líder dessa operação. E estamos levando esses três, acusados de derrubarem a Névoa – Disse sem hesitar.

— Isso é um absurdo! – Uma das caçadoras protestou, tomando a dianteira, mas Thalia teve de relaxar por completo para conseguir virar-se para a garota. Por mais que não houvessem dito, ela sabia que campistas e caçadoras inocentes poderiam se ferir caso algo acontecesse. Ela olhou ao redor e seu coração falhou uma batida ao ver Jason em desespero. Não queria que seu irmão a visse naquela situação. Mas sabia que, se ele não soubesse por que a estavam levando, iria atrás dela. E ela não queria vê-lo ferido por sua culpa.

— Liz... – Chamou, se dirigindo à caçadora que tentara protestar. – Não faça nada. – Ela suspirou baixo, contendo um soluço ao retirar sua tiara prateada e estendê-la para Liz. – Cuide das meninas.

Liz, a princípio, negou. Os olhos levemente marejados. Mas, ao olhar nos olhos azuis, profundamente entristecidos e assustados, de sua tenente, não pôde negar o pedido. E pegou a tiara, soluçando baixo. Daniel se manteve de pé, encarando-a impassível. Percebendo naquele instante que tudo estava desandando, Nico procurou Quíron com o olhar, mas o centauro apenas suspirou tristemente.

— Desculpem crianças... – Dissera. – Não poderei ajudá-los dessa vez.

Nico engoliu em seco, sentindo ânsia. Queria gritar. Queria tirar Thalia e Leo daquele lugar pelas sombras, mas não podia fazê-lo. Sabia que aqueles campistas ali poderiam se machucar. Ele nem queria imaginar o que aqueles homens poderiam fazer para conseguir uma pista de sua localização. Imaginou se Will estava vendo o que estava acontecendo, mas não quis se arriscar a buscar o melhor amigo com o olhar, ou provavelmente entraria em desespero.

Leo conteve a vontade de entrar em combustão e queimar todos ali com seu desespero. Nem queria imaginar o que fariam com ele. Por um momento, lembrou-se de sua tia, chamando-o de “diablo”, e imaginou se ela pensaria que ele estava tendo o que merecia se soubesse o que estava prestes a acontecer. Ele olhou ao redor, vendo que Jason não estava desesperado apenas pela sua irmã, mas pelos três ali. Ele queria pedir para que Piper o tirasse de lá, mas a filha de Afrodite estava igualmente abalada. Imaginou o que poderia acontecer se Festus tentasse interferir e agradeceu mentalmente o fato de seu dragão de bronze estar no Bunker, sem sequer imaginar o que se passava com seu dono.

— Vocês virão por bem ou por mal. Podem decidir. – A voz de alerta de Daniel fez com que os três ali estremecessem.

Nico olhou para os outros dois e respirou fundo, dando o primeiro passo. Leo conteve o desespero e foi logo atrás do Di Angelo. Thalia soluçou baixo, olhando uma última vez para seu irmão e para as outras caçadoras, depois, assim como Nico, respirou fundo, seguindo os dois até a equipe de homens armados e impassíveis. Ela travou por um momento, mas Nico recuou levemente e segurou sua mão, tentando tranquilizá-la enquanto saíam do Acampamento Meio-Sangue, deixando para trás inúmeros campistas confusos, assustados e profundamente furiosos.

O caminho até uma espécie de avião, claramente militar, não foi tão longo. Porém já haviam se afastado da colina o suficiente para que nenhum deles pudesse ver nem mesmo Peleu enroscado ao redor do pinheiro. Estavam no mais absoluto silêncio. Tão silenciosos que Thalia se assustou quando Nico a soltou e, subitamente, socou o maxilar do soldado próximo aos dois. Os outros homens se mobilizaram contra o filho de Hades e Leo, percebendo o que Nico estava fazendo, foi ao seu auxílio.

— Thalia! – O Di Angelo gritou enquanto afastava mais um dos homens, curvando-se para frente ao receber um soco no abdômen. – Corra! – Thalia não conseguiu sair do lugar, de olhos arregalados ao ver o que Nico estava fazendo. Ela imaginou se ele não estaria louco. Poderiam fazer com ele algo muito pior do que já estavam prestes a fazer. – CORRA!

A segunda vez que ele gritou a assustou, mas ela fez o que ele dissera, mesmo quando Daniel o golpeou com força usando a arma e Nico tombou, inconsciente. Leo ainda tentava se manter de pé, mas sabia que, assim como Nico, não teria chance. Tudo o que podiam fazer era ganhar tempo para Thalia. Então o filho de Hefesto foi rapidamente subjugado. Thalia já havia começado a se afastar.

— Eu não faria isso! – Ela ouviu a voz de alerta de Daniel e virou-se, vendo que ele tinha nas mãos agora uma pistola. E o cano da arma estava perigosamente próximo à cabeça de Nico, inconsciente sobre a grama. – Ele é completamente dispensável, para a sua informação. Já você, minha cara, não pode fugir. Você é a nossa prioridade... Tenho total liberdade para matar os outros dois se for preciso.

Ela estremeceu, congelada no lugar e vendo a situação de Nico. Lembrou-se de quando Bianca morrera e conteve um soluço. Não seria culpada pela morte de mais um Di Angelo. De forma alguma. Principalmente depois do que Nico fez por ela, mesmo que (pelo menos era o que ela acreditava) a odiasse.

— É só dar alguns passos à frente... – Um segundo homem falou. – E nenhum dos dois se machuca.

Ela engoliu em seco, fitando Nico novamente. Poderia correr e sabia disso. Mas também sabia que Daniel não hesitaria em atirar em Nico. Não hesitaria em matá-lo. Como ele mesmo dissera, para aqueles homens, Nico era dispensável.

Não... Pensou. Não poderia permitir que o matassem. Não carregaria mais nenhuma morte nos ombros. De onde estava, mesmo semiconsciente, Leo podia ver que Thalia não correria.

E Daniel também notou isso, pois guardou a arma e caminhou até a caçadora, segurando-a sem a menor delicadeza e, assim como fizera a Leo e Nico, algemando-a antes de levá-la até o avião. Dois homens ergueram Nico, entrando antes de Daniel. E Thalia fitou, preocupada, enquanto carregavam o filho de Hades até assentos mais afastados.

Sentindo dor de cabeça, Leo desistiu de tentar se manter consciente e cedeu à dor, fechando os olhos levemente. Thalia engoliu em seco ao vê-lo e, por um instante, congelou no lugar. Daniel resmungou, como se esperasse que ela fizesse aquilo. Depois puxou algo do bolso e Thalia mal teve tempo de se afastar ao sentir algo pinicar em seu pescoço. Aos poucos, sentiu um extremo cansaço e suas pálpebras começaram a pesar.

A caçadora fitou, uma última vez, os dois garotos do lado de dentro do transporte antes de tombar para frente, sendo contida por Daniel, que a ergueu sem dificuldades e caminhou para dentro do avião, que decolou assim que suas portas se fecharam, levando os três semideuses para um lugar bem longe dali.