Inlustris escrita por lau


Capítulo 5
O Unicórnio


Notas iniciais do capítulo

Eu tinha decidido postar apenas aos domingos, mas mudei de ideia. Desculpa e não desiste de mim.



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V

O UNICÓRNIO

Pois antes da amizade e do amor, a antipatia e o desprezo podem surgir, e em alguns casos definitivamente surgem.

 

 

Escape, small star.

Escape from darkness.

 Escape from fear.

And protect your heart.

 That I'll protect mine.

 

O segundo dia da nossa aventura amanheceu bem diferente do primeiro. Se antes o céu estava com um ensolarado pálido e o chão estava coberto de poças d’água por conta da chuva, agora o Sol brilhava fortemente entre as nuvens e a grama nunca foi tão verde.   

Porém, Severo Snape não tinha tempo para apreciar esses pequenos detalhes, e mesmo se tivesse não o faria. O homem tinha a sensibilidade de uma pedra. Ele já estava cansado, cansado de viajar, cansado daquela maldita busca e se perguntando por que raios Fortaleza Tempestade tinha que ser tão longe.

Ora, é um exílio, essa é a intenção.

Depois da terrível constatação na manhã seguinte, de que a estrela havia caído na caverna onde estava a Pedra Real e agora ambas estavam em posse do bruxo das trevas Grindelwald, Snape teve que pensar. Ele precisava bolar um bom plano para invadir o palacete do bruxo, já que o lugar devia estar repleto de magia negra e feitiços de proteção. Ele não tinha muitas opções, mas então se lembrou de algo, ou melhor, alguém. Alguém que poderia lhe ajudar a entrar na Fortaleza Tempestade e recuperar a Pedra Real (e não meu caro amigo, em nenhum momento o homem cogitou a ideia de resgatar a estrela, simplesmente porque aquilo não era problema dele, em sua nada empática opinião), e esse alguém não tinha outra opção que não ajudá-lo, afinal, era culpa dela que tudo aquilo estivesse acontecendo.

Portanto, em seu segundo dia de viajem, Snape parou na simpática vila de Ottery St Catchpole. Ele desceu do cavalo com uma cara amarrada e seguiu seu caminho pelas ruas com a cara mais amarrada ainda, fazendo com que ninguém lhe desejasse bom dia.

Na verdade, não creio que alguém iria se preocupar em lhe desejar bom dia nem se Severo estivesse sorrindo e saltitando. Todos em Hogwarts, do Norte ao Sul, sabiam o que tinha acontecido a duas noites atrás. Todos sabiam que uma estrela tinha caído do céu e por consequência, Grindelwald sairia de sua casa para buscá-la. Apesar de não poder entrar nas terras do Castelo ou andar livremente por vilas como Hogsmeade ou a própria Ottery, ele ainda podia sair, afinal havia muitos bruxos e bruxas no Conselho e nenhum deles se atreveu a apoiar o Rei Dumbledore quando este sugeriu exílio completo para o Supremo. Era por isso que todos no reino estavam apreensivos e tentavam não se afastar muito dos centros da cidade, todo cuidado é pouco.

Mas aparentemente havia uma pessoa que não estava tão temerosa. Depois de parar em uma taberna para molhar a garganta e descansar um pouco, Snape deixou seu cavalo em um estábulo e saiu do vilarejo, começando a seguir por um caminho de pedras acinzentadas, se afastando cada vez mais. Ele passou por um pequeno campo com flores brancas espalhadas entre a grama e quando chegou a um local onde o chão era completamente coberto por flores amarelas, a vila já estava longe o suficiente para ser apenas um borrão colorido.

Por entre as flores amarelas e as árvores que já começavam a abrir entrada para o bosque, havia duas coisas que chamaram a atenção de Snape. A primeira era o famoso Lago Negro, com sua água que era escura até mesmo de dia e seus exóticos habitantes, os sereianos. A segunda era uma casa.

A casa era tão amarela quanto às flores ao seu redor. Tinha um telhado de madeira em forma de V invertido e uma pequena escada que levava a porta de entrada. Ao redor da sacada havia vários penduricalhos e apetrechos, coisinhas minúsculas, mágicas e coloridas que o homem imaginou servirem para proteção ou algo do tipo. Um par de botas verde estava encostado na parede ao lado de diversas plantas, algumas se mexendo e outras exalando um terrível fedor. Snape reparou que todas elas estavam secas, como se não fossem regadas há dias.

Arregalando os olhos em preocupação, o homem bateu na porta ansiosamente. Ele bateu de novo e de novo e mais uma vez, e na quinta tentativa Severo empurrou a madeira com força fazendo ela se abrir.

“Maldição...” A casa estava praticamente vazia. Ele esperava ver bolas de cristal, plantas, almofadas e todas essas tralhas mágicas que feiticeiros e bruxos gostam. Mas as paredes estavam lisas, havia apenas alguns móveis cobertos com lençóis e um ou outro objeto decorativo jogado pelo chão, quebrado.

Severo foi até a cozinha e depois subiu as escadas, pisando o mais devagar que podia. Os degraus rangeram sob seus pés e ele prendeu a respiração ao entrar no único quarto da casa, porém este se encontrava como todo o resto: meio vazio e empoeirado, completamente abandonado.

Ele bufou alto, amaldiçoando tudo e todos. Podia estar em suas masmorras naquele exato momento, estudando e sem ter que olhar para nada sequer remotamente humano, mas não, ele estava ali, na casa abandonada de uma charlatã estranha em busca de alguma ajuda para invadir a casa do bruxo das trevas mais poderoso do reino, que comia corações de estrelas. Tudo isso por causa de uma profecia que falava sobre amor. Só ele via o quão estranho tudo aquilo era?

Severo se sentou na cama coberta por um pano roxo cheio de arabescos dourados e olhou em volta, parando seus olhos na cômoda verde água cheia de penas, pergaminhos e potes. Em um dos potes havia pedrinhas com desenhos feitos de tinta preta encima e o homem sabia exatamente o que aquilo era.

Ele apanhou as cinco pedrinhas (agora que olhava melhor e as sentia sob sua mão, pode reparar que não eram pedras, mas sim madeira esculpida e pintada) e fechou os dedos ao redor delas, não acreditando no que estava prestes a fazer.

“A Pedra Real está na Fortaleza Tempestade?”

Ele balançou a mão fechada por alguns segundos e então a abriu, jogando as runas no ar e observando enquanto elas rodopiavam algumas vezes até cair na palma de sua mão novamente. Dessa vez ele não fechou os dedos, e olhou assombrado para as peças que estavam todas com o lado liso virado para cima.

“Grindelwald está com a Pedra Real?”

Mais uma vez, ele lançou as runas no ar e mais uma vez elas caíram com o lado liso virado para cima. O homem bufou e girou os olhos, murmurando um “charlatã” baixinho, indignado com sua falta de sorte.

“Eu sou um especialista em poções?” As pedrinhas dessa vez caíram com o lado desenhado para cima e Snape arregalou os olhos. Ele repetiu o processo mais duas vezes, uma vez perguntando se era casado e a outra perguntando se tinha nascido no reino de Hogwarts, ambas às vezes as pedras acertaram.

“Sou leal a Dumbledore?”

Dessa vez, Snape prendeu a respiração enquanto via as runas no ar. Todos nós temos nossas dúvidas, principalmente quando se trata de nós mesmos, e até Severo Snape tinha o direito de duvidar do seu caráter. Mas quando as pedrinhas caíram com o desenho para cima, ele teve certeza de que elas funcionavam.

Ainda não acreditando que estava fazendo aquilo, Snape segurou as runas com as duas mãos e respirou fundo. Ao ir até Ottery St Catchpole ele tinha uma única intenção: achar Cassandra Trelawney e obrigar a mulher a ajudá-lo. Ele sabia que Grindelwald transformava pessoas em animais para usá-los em rituais de adivinhação, então tudo que Cassandra tinha que fazer era transformá-lo em algum animal (algo que voasse um morcego talvez) e assim ele iria se deixar ser pego pelo bruxo, e quando estivesse dentro da mansão se transformaria em humano de novo, pegaria a Pedra Real e fugiria em sua forma animal de volta para o Castelo.

Mas como a mulher não estava ali, ele tinha que recorrer a feitiçarias estúpidas que ouviu algum membro do Conselho citar alguma vez.

“Ostende mihi quod volo.” Severo sussurrou e chacoalhou as mãos, de olho fechados, pedindo aos deuses que aquela porcaria funcionasse.

Quando abriu os olhos, Severo Snape sorriu, sabendo exatamente para onde devia ir.

 

//////

 

Se você olhar atentamente, verá diversos detalhes em um bosque e uma floresta, além das árvores e dos animais e das flores. Existem marcas ali, seja do tempo, seja de pessoas ou criaturas que passaram por lá ou por magia, afinal, mágica é algo que sempre deixa uma marca.

Mas no momento as únicas marcas existentes naquela floresta eram de pegadas. Três pares de pegadas humanas que, por alguma razão, pareciam dar voltas e mais voltas em si mesma.

“Ei.”

Os três andavam em fileira. Na frente, um homem alto e forte com aparência severa e uma expressão irritada no rosto de traços marcantes. Ele segurava o que parecia ser um grande galho e apoiava o dito cujo na terra enquanto caminhava.

“Onde estamos?”

O segundo homem, que na verdade não passava de um menino, tinha cabelos loiros que agora brilhavam sob a luz do Sol e cantarolava uma canção baixinho enquanto observava tudo com olhos cinzas tranquilos. O último na fila era um tanto peculiar, pois usava uma túnica prateada que ia até os calcanhares e tinha seus pulsos atados com uma corda que era segurada firmemente pelo loiro.

Com licença.”

 Abraxas Malfoy estava propositalmente ignorando Tom. Ele chegou à conclusão de que a estrela era absurdamente irritante e arrogante, e esperava que as outras estrelas não fossem assim também. Desde que levantaram, a única coisa que o outro fazia era reclamar e Malfoy já estava querendo chegar logo em Dover para se livrar o mais rápido possível daquele corpo celeste insuportável.

Tom também não parecia nada disposto a ser gentil com ele. A estrela era minimamente educada com Dolohov, que se tivesse falado mais de dez palavras após levantarem já seria muito, e continuava trombando em Abraxas de propósito, fazendo comentários ácidos e lhe chamando de todos os tipos de nomes imagináveis. Nenhum deles bom.

“Ótimo, finja que não estou aqui, mas quero deixar claro que estamos perdidos.” Tom disse, olhando Abraxas com os olhos semicerrados.

“Não estamos perdidos, acho que Dolohov sabe o caminho.”

Antonin, que por estar mais a frente dos outros dois não ouvia as trocas de farpas, apenas lançou um olhar atento a sua volta. Ele nunca ia para Fortaleza Tempestade por aquele caminho, sempre ia pela trilha que estivera com o humano antes de toda confusão com a vela, e agora se sentia levemente temeroso com a ideia de estarem perdidos. Não podia falhar. Ficou três anos tentando salvar sua irmã das garras daquele monstro e agora tinha uma oportunidade de ouro. Ele não podia falhar com Tatiana novamente.

“Ah, é claro. Você acha que Dolohov sabe o caminho, claro, me sinto bem melhor agora.”

“Não estou muito preocupado em fazer você se sentir melhor.” Disse Abraxas, pulando uma pedra coberta de musgo e quase escorregando ali. Tom soltou uma exclamação irritada e se aproximou do garoto, movimento que não passou despercebido por Antonin e o bruxo desacelerou o passo, pronto para separar as duas crianças caso elas resolvessem brigar.

“Eu percebi que você não está preocupado, afinal, me sequestrou e agora me trata como uma mercadoria!” Abraxas olhou o outro ultrajado.

“Sua estrela ingrata, eu não te sequestrei, nós salvamos você!”

“De quê, exatamente?” Tom rolou os olhos e se afastou um pouco de Malfoy enquanto Dolohov olhava a estrela atentamente. Ele havia gostado do garoto, na noite passada Tom lhe contara tudo que tinha passado até ali enquanto Abraxas juntava lenha. Ele era educado e até mesmo debochado, e o fato de uma estrela ter personalidade era algo realmente intrigante. Ele não falara nada sobre Grindelwald ou sobre a maldição, e o bruxo não sabia se o menino não tinha consciência de sua situação ou tinha e estava assustado demais para falar.

“Você estava com o tornozelo machucado e Dolohov te ajudou.”

“Eu sei, por isso agradeci Dolohov. Se dependesse de você, incompetente como é eu já teria perdido a perna inteira!”

“Escuta aqui seu bastardo...”.

“Vocês querem parar com isso?” Antonin rolou os olhos, cansado. “Se conheceram a poucas horas e não pararam de brigar desde então. Seria patético se não fosse irritante.”

Os dois se calaram, aparentemente envergonhados e o bruxo apontou para duas montanhas que podiam ser vistas bem ao longe, e dali eram apenas contornos pontiagudos e azulados marcando o céu. “Nós temos que chegar ali.”

“Mas e a Muralha?” Abraxas perguntou. Ele soltou a corda que segurava para prender Tom, mas se manteve perto o suficiente para alcançá-lo. Antonin tinha medo que o humano reparasse que o caminho era na direção contrária, mas ele era distraído e ficava a maior parte do tempo discutindo com a estrela, o que o bruxo permitia, pois assim nenhum deles iria reparar para onde estava indo.

“Lá existe um atalho, uma espécie de túnel que irá nos levar até a Muralha. Da onde estamos é mais fácil e mais rápido ir assim do que... dar a volta.”

“Oh, entendi, então nós podemos... O que você está fazendo?”

Antonin olhou para Abraxas e viu o loiro com o cenho franzido e as mãos na cintura. Ele olhou para o tronco de uma árvore, onde agora Tom se sentava. A estrela encarou os outros dois com uma expressão quase inocente, sorrindo brandamente.

Malfoy ergueu as sobrancelhas para Dolohov, esperando algum tipo de apoio e o bruxo foi até Tom, se ajoelhando ao lado dele.

“Está tudo bem?”

“Estrelas,” Tom falou baixinho, aproveitando da distância de Malfoy para relaxar seu semblante e seu tom de voz. “Não ficam acordadas até tão tarde. De dia nós nos recolhemos, eu realmente preciso descansar.”

Antonin suspirou e se sentou ao lado de Tom lentamente, afinal também estava cansado. Durante todos aqueles anos em que procurou por todos os cantos do reino possíveis coisas (ou pessoas) preciosas o suficiente para trocar por Tanya, ele se perguntou diversas vezes se era uma pessoa ruim. Às vezes dizia que não, que qualquer um faria qualquer coisa por aqueles que ama, até mesmo condenar outras pessoas inocentes, mas as vezes ele se sentia um monstro. Só que não podia lutar contra Grindelwald, ele era o bruxo das trevas mais poderoso do mundo, simplesmente não podia ter a audácia de pensar que ganharia. Não é?

“Como foi, quando você caiu do céu?” O bruxo perguntou, vendo como Abraxas desistiu de ficar em pé esperando por eles e agora estava sentado um pouco longe, mexendo em algumas plantas e cutucando ali e aqui na terra úmida.

“Foi... Estranho.” Tom murmurou com uma expressão vazia. “Eu tinha acabado de despertar, mal tinha aberto os olhos quando um clarão iluminou todo o céu. Esse tipo de coisa não existe no espaço. Todos meus irmãos e irmãs começaram a gritar e eu senti uma força sobrenatural de tão forte me puxando... Quando me dei conta, já estava aqui.”

Antonin ficou em silêncio, digerindo a informação. Sua mente devia estar como a nossa agora, imaginando uma estrela despertando, brilhante, e sendo arrastada por uma força invisível como um raio caindo na terra. De repente sentiu algo incômodo no fundo do estômago, como um pressentimento ou uma angústia.

“Você deve estar assustado,” A estrela não parecia estar, na verdade. Desde o momento em que se conheceram até agora Tom não havia demonstrado nenhum sinal de ansiedade ou medo. Aquilo era interessante. “Não se preocupe, vamos dar um jeito nisso logo.”

“Por que não posso simplesmente usar a Vela da Babilônia agora? Você não a quer, nem aquele imbecil.” Tom fez uma careta ao apontar Abraxas, que agora parecia muito interessado em uma borboleta meio azulada que pousou em seus dedos.

“Porque o imbecil ali teria um infarto caso perdesse a aposta.” Antonin rolou os olhos e riu fraco, mas Tom estava sério. “Como eu disse, não se preocupe, em alguns dias você estará em casa novamente.”

Tom se levantou e caminhou alguns passos, antes de se virar e encará-lo com os olhos baixos. Dolohov não ficava agarrado à corda como o humano fazia, simplesmente porque sabia que Tom não iria fugir. Ele podia não ser medroso e podia observar o mundo a centenas de anos, mas estar ali era completamente diferente de olhar de longe.

“Você disse que não preciso me preocupar, mas tenho motivos para me preocupar.” Ele sabia. Quando a estrela falou aquilo com aquela entonação, Dolohov soube que ele sabia sobre Grindelwald e a maldição. Tom suspirou e voltou a se sentar do seu lado. “Fora que não gostei muito daqui.”

“Ora, por quê?”

“É barulhento.” Tom riu. “Para você nem tanto, afinal está acostumado com a ideia de que existe o barulho, aposto que até gosta de alguns, não é?”

“Bom, sim. O barulho da chuva batendo na janela e dos cascos dos cavalos. Tem também o som que alguns instrumentos fazem, mas isso já não é barulho,” Antonin riu. “É música.”

Tom franziu o cenho. “Música?”

“Sim, é... A organização temporal de sons e silêncios, chamados pausas. Esses sons são harmoniosos e melódicos, podem ser altos ou baixos, suaves ou fortes e seguem um ritmo que é agradável aos ouvidos.” Dolohov assobiou uma melodia que sua mãe sempre cantava para ele e Tanya dormirem quando eram crianças. “Viu só? Isso é uma melodia.”

“Mas você estava falando sobre música.”

“Ah, são quase a mesma coisa.” Dolohov disse. “A diferença é que músicas podem ter letras, quando você encaixa palavras ao ritmo e as canta, e também podem ser tocadas. Os instrumentos musicais fazem isso, nós os tocamos.”

“Você toca algum?”

“Sim, a maioria das pessoas aprende a tocar algum instrumento,” Abraxas agora olhava para os dois atentamente e Antonin franziu o cenho, dando de ombros para o loiro quando este indicou a estrela com a cabeça. “O instrumento que toco é feito de madeira e tem cordas bem esticadas sobre o seu tampo, com um buraco redondo no centro. Quando você toca as cordas da maneira correta, o som bate no fundo do buraco e volta.”

“Deve ser bonito,” Tom disse. Ele não sorriu nem demonstrou alguma melhora no ânimo durante toda a conversa, mas parecia genuinamente interessado. “Espere só até eu contar aos meus irmãos e irmãs sobre essa tal de música.”

“É realmente bonito.” O homem concordou. “Irmãs e irmãos?”

Tom soltou uma risada e indicou o céu, como se ele pudesse ver algo ali que o outro não via.

“Não somos todos irmãos, não de verdade. Mas ao mesmo tempo somos, entende?”

“Sim, entendo.”

“Você tem irmãos?”

De novo, Antonin sentiu aquela angústia no fundo de seu estômago, o corroendo por dentro como um parasita.

“Não.”

“Ei!”

Eles olharam para Abraxas, que finalmente resolveu se aproximar e tinha uma expressão irritada no rosto bonito. Tom fez sua melhor expressão de descaso enquanto o loiro se agachava ao lado deles.

“Será que podemos continuar?”

“Não,” Tom respondeu empinando o nariz. “Preciso descansar.”

“E eu preciso ir para Dover, veja só que coisa!” Disse o garoto com a voz despejando sarcasmo, o que aparentemente irritou Tom bastante, já que aquela expressão indignada estava no rosto dele de novo.

“Seus pais não lhe deram educação? Ou eles deram e você não tem a capacidade de usá-la? Eu não ficaria surpreso, você não parece ter muitas habilidades além de ser irritante.”

Abraxas se levantou, rolando os olhos para o outro. “Olha só quem fala.”

“Vamos achar algo para comer, Malfoy, já é quase meio-dia.” Disse Antonin se levantando também. “Enquanto isso Tom descansa.”

Abraxas concordou de forma meio relutante, mas ele estava faminto de qualquer forma. Pegou a corda que estava jogada do chão ao lado do local onde Dolohov estivera sentado e a amarrou em um galho, dando um nó de marinheiro enquanto ouvia a estrela bufar a cada volta que a corda dava.

“Isso é absolutamente desnecessário.”

“Eu chamo de precaução, Theo.” Abraxas deu uma piscadela para a estrela enquanto ele e Dolohov se distanciavam. Pode ouvir o outro exclamar “Tom, meu nome é Tom!” e riu divertido. Claro que sabia o nome da estrela, mas era impagável vê-la toda irritada por conta disso.

Abraxas e Antonin já estavam bem longe quando Tom abriu seus olhos novamente. O garoto bocejou e olhou ao redor, seus olhos azuis arregalados até ele se lembrar onde estava e porquê. Ele suspirou fraco e olhou o céu. Já deviam ser duas horas da tarde e o garoto se sentia bem mais descansado.

Tom ouviu um movimento na mata que o fez paralisar. O som ficava mais alto a cada instante e parecia algo duro batendo contra o chão, e Tom não pode deixar de lembrar-se da sua conversa com Dolohov mais cedo, sobre música e ritmos e pausas. Mas ao contrário do que sentira durante a conversa, aquele som lhe trazia preocupação e várias imagens do que podia acontecer se formaram em sua mente de uma vez.

“Abraxas?” O garoto perguntou alto. “Antonin?” Mas ninguém respondeu e ele se levantou, sentindo a corda raspar seu pulso o impedindo de ir muito longe.

"Abraxas, isso não tem graça!” Tom ouviu sua própria voz sair trêmula e se odiou por isso. “Pare de brincadeira, não tem graça Abraxas!”

No instante seguinte, todo o medo se esvaiu tão rápido quanto chegou. Do meio dos arbustos e galhos, surgiu um animal. Tom já tinha visto seres como aquele algumas vezes. Era um unicórnio. Um lindo unicórnio grande e de um branco tão claro que era quase tão brilhante quanto à neve.

O garoto sorriu quando o animal se aproximou. O unicórnio o cheirou por um momento, antes de abaixar a cabeça para que ele afagasse. A estrela o fez, sorrindo enquanto via como a criatura parecia apreciar o carinho.

“Olá, você está perdido?" Ele não fazia ideia se unicórnios andavam em bandos ou sozinhos e sabia que  não receberia uma resposta, mas estava se sentindo tão sozinho perdido naquele mundo verde e barulhento. Se sentia tão enclausurado naquela terra limitada e tão irritado com aquele humano que se permitiu falar com um ser mágico, por mais estranho que aquilo fosse.

Agora, o que aconteceu a seguir, foi mais estranho ainda. Como se pudesse ouvir seus pensamentos melancólicos, o unicórnio alcançou a corda com o chifre e a cortou. Tom arregalou os olhos quando viu  o animal agachar ate ficar na sua altura.

“V-você quer que eu suba?”

Podia ser apenas impressão, mas Tom tinha certeza que o unicórnio acenou com a cabeça. Sem pensar, o garoto montou a criatura e se segurou em sua crina prateada com força quando este se levantou novamente e começou a caminhar, para bem longe dali.

Alguns minutos mais tarde, quando Dolohov e Abraxas voltaram com os braços carregados de frutas e cogumelos, a única coisa que eles encontraram foi à corda arrebentada amarrada ao tronco, sem sinal nenhum da estrela. Os dois sentiram um medo crescente dentro de si enquanto procuravam Tom na floresta. Dolohov porque não podia perder aquela oportunidade e Abraxas... Bom, eu poderia dizer que era por conta de sua aposta, mas sinto que não estaria sendo completamente sincero.


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Notas finais do capítulo

Eu tenho uma pergunta. Vocês gostam dessa dinâmica do Tommy com o Brax? Porque todas as fics que já li deles (br e estrangeiras) o Abraxas não tem essa personalidade e é... um pouco diferente a forma como eles interagem. Mas eu gosto muito do plot de Stardust onde Yvaine e Tristan não se gostam logo de cara e ficam tretando, e quis manter isso, mas não dava para manter caso um dos personagens fosse todo 'vamos nos amar e ser feliz' enfim, me digam o que acham disso e espero que tenham gostado ♥

Ostende mihi quod volo / Mostre-me o que eu quero.



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