Nuvens escrita por Apolo237


Capítulo 1
Procurando as cores de seus olhos no céu nublado




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Scorpius era diferente.

Albus soube disso no instante em que pôs os olhos sobre ele no Expresso de Hogwarts. O garoto era bonito, com cabelos loiros quase alvos de tão clarinhos e olhos de um cinza melancólico, como nuvens em um dia nublado, enfeitando seu rosto pálido e ligeiramente fino. Albus gostava de dias ensolarados, mas os olhos de Scorpius o fizeram se interessar pelos dias frios em que nuvens cobriam o sol – o Potter gostava de investigar o céu em busca dos tons que compunham os olhos de seu amigo, mas ele nunca os achava, nunca completamente, porque aqueles olhos eram excepcionalmente únicos.

Ele não precisava de um "Rony" ou de uma "Hermione" quando tinha Scorpius. O sonserino era fiel por dois, com inteligência e graça, e francamente Albus ficava muito irritado com o pai por não perceber isso. Scorpius não era apenas suficiente. Ele era mais que isso.

Quem mais seguiria tão fielmente os planos malucos de Albus, quem seria tão leal a um Potter tão decepcionante? Scorpius vira um mundo onde tinha tudo, tudo o que alguém poderia querer, e ainda assim... "Você não existia" ele diria depois, explicando o porquê de ter mudado tudo outra vez. Albus fora a sua lembrança feliz quando enfrentara os dementadores. O que mais se poderia querer de um amigo?

Por isso Albus se irritava quando alguém fazia menção àqueles rumores absurdos sobre seu amigo ser filho de Voldemort. Eles não podiam ver, não conseguiam enxergar, o quão profundamente Scorpius era bom? Foi assim que Albus aprendeu a lutar, o que lhe custou bons hematomas e um nariz quebrado antes que ele pegasse o jeito, mas assim que o fez – bem, Carl Abbot ainda está no Hospital St. Mungus.

Scorpius ralhava com ele a cada vez que Albus se feria em um desses duelos, mas também era ele quem fazia os curativos mágicos com uma expressão suave no rosto e dedos cuidadosos. Para lhe ser sincera, Scorpius começava a pensar em ser curandeiro por causa dos feitiços de cura que passara a dominar quase que completamente; por aí você vê a importância disso.

E era tão interessante vê-lo estudando! Scorpius colocava uns óculos de leitura que o deixavam com aparência de mais velho, prendia uma mecha teimosa da franja para trás com uma presilha que pertencera a Astoria e se concentrava completamente nos livros, mergulhando em um mundo que o Potter nem sempre conseguia visitar. Albus podia observá-lo por horas sem ser pego: os cabelos loiros caídos sobre os olhos, estes uma confusão de cinza e nuvens nubladas, a testa ligeiramente franzida em atenção. Era intrigante.

Foi no quinto ano que Albus percebeu que os sentimentos que nutria secretamente por Scorpius não eram apenas de admiração. Tenho certa vergonha de dizer que foi bem depois dos acontecimentos com a verdadeira filha de Voldemort (ninguém suportou os "eu te disse" de Albus. Para ser justa, eles duraram um mês), quando Scorpius entrou no dormitório deles com uma expressão de medo:

— Scorp? – Albus se sobressaltou, deixando de lado um livro que estava relendo na cama – O que houve, alguém está implicando com você de novo?

— Ninguém a não ser meu cérebro estranho.

— Isso não é novidade – Albus brincou. Logo ficou sério, porém – O que foi? Você parece pálido... Mais pálido que o normal, quero dizer.

Scorpius lhe endereçou um olhar gélido. As nuvens quase pareciam lançar raios:

— Obrigado pela força, Potter – Scorpius se sentou na cama na qual o amigo estava e cruzou os braços – Tenho algo a te contar.

— Então diga.

Scorpius mordeu o lábio inferior, fino e rosado. Não olhou diretamente para Albus e isso o incomodou. Observar a movimentação das nuvens em seus olhos era o hobby favorito do mais baixo*.

— É que... é meio complicado.

— Scorpius, quer algo mais complicado do que as nossas vidas? – o Malfoy não riu. Albus cruzou os braços antes de perceber a insegurança do amigo – É algo que possa piorar o que pensam de nós?

— Sim – ele admitiu hesitante.

Albus suspirou. Como se a vida deles não fosse difícil o bastante.

— Pode falar.

Scorpius tomou fôlego. Ele parecia assustado como um animal ameaçado por um caçador. Foi então que Albus percebeu que o amigo estava com medo do que ele ia pensar – francamente, Al deveria ter percebido isso antes, mas algo assim parecia tão errado (Scorpius não podia ter medo dele, não de Albus, não da pessoa que sempre quisera protegê-lo) que ele se recusara a notar. Tentou suavizar a própria expressão:

— Não se preocupe, Scorp. Eu não vou brigar com você. Seja o que for, vamos enfrentar isso juntos, okay?

Ele pareceu mais calmo. Infelizmente, o "mais calmo" dele ainda era muito nervoso. Nuvens de tempestade se inquietavam em seus olhos.

— Então, Albus, sabe a Rosa? Não vai rolar pra mim.

Albus relaxou aliviado e riu:

— Disso eu já sabia.

— Não é só por causa disso – Scorpius respirou fundo – É que eu sou gay.

Gay. Por um instante Albus não entendeu. Essa não era uma palavra recorrente em sua rotina. Mas então a imagem de Richard Patil e Paul Lovegood andando de mãos dadas veio à sua mente e ele sentiu sua boca ficar seca, não por causa da imagem em si, mas pelas risadas e xingamentos que lembrava acompanhá-la. Na época Albus não participara dos risos, pensando que os garotos tinham o direito de gostar de quem quisessem, mas também não os defendera e de repente se sentiu culpado.

Também ririam assim de Scorpius. Como se os rumores não fossem suficientes. Albus sentiu uma grande raiva o possuir quando lembrou-se dos rostos zombeteiros. Ele se levantou rapidamente e segurou as mãos do amigo:

— Não se preocupe, Scorp! Eu vou acabar com qualquer um que tente te ofender por causa disso!

— Você não vê, Albus? – Malfoy disse melancólico – Eles vão falar de você também.

Al hesitou. Mas, afinal, qual seria a diferença? Já falavam dele mesmo. Quem se importava?

Scorpius, aparentemente.

— Tudo bem se você não quiser mais ser meu amigo – ele disse cabisbaixo – Eu entendo.

— Scorpius, eu passei por cima de você ser filho do inimigo de escola do meu pai, de pertencer a uma família de ex-Comensais da Morte, dos rumores sobre ser supostamente filho de Voldemort e, o pior, ser nerd – Albus falou impaciente – Você ser gay não muda nada. Eu continuo sendo seu melhor amigo.

Scorpius lhe deu um olhar agradecido. As nuvens clarearam:

— Obrigado.

— Mas tipo, como é que funciona? – Albus indagou curioso.

— O quê?

— Ser gay. Tipo, você vê os garotos como...

— Francamente, Albus – Scorpius sacudiu a cabeça em reprovação, embora estivesse rindo – É... Normal, eu acho. Percebi que eu noto demais os garotos... O jeito de andar ou falar, ou o sorriso. Como você nota as meninas. Eu vejo os garotos.

Ver as pessoas. Parece um bom jeito de definir.

Foi provavelmente ali que ele percebeu sua percepção, se é que se pode dizer assim. Ele começou a notar que olhava demais para Scorpius. Passava longos períodos analisando a forma como seus lábios se entreabriam quando ele sussurrava um trecho do que estava lendo, ou tentando definir o tom de seus olhos, ou observando as sombras que seus longos cílios faziam no rosto pálido. Era belo.

Sem dúvidas pode-se dizer que ele via Scorpius, entendia a sua música. Mas demorou muito tempo antes que Albus admitisse sua atração por aqueles olhos cinzentos, e mais tempo ainda até que ele percebesse o que isso significava.

Era um tanto óbvio que ele não era gay. Albus tinha uma saudável atração por mulheres, muito obrigado. Mas era inegável que ele também via Scorpius.

Albus pesquisou na internet trouxa (com Harry como pai e o sr. Weasley como avô, meio que ele não tivera escolha sobre conhecer um pouco da cultura não-mágica), já que não havia tantas informações no meio bruxo. Foi assim que ele descobriu o que era.

Não disse nada ao pai – a relação entre os dois era muito recente, frágil, e ele não queria correr o risco de arruiná-la. Em segredo, conversou com a mãe. Gina se mostrou compreensiva. Antes mesmo que Albus explicasse como chegara àquela conclusão, ela sorriu e disse com uma piscadela: "você deveria contar logo ao pequeno Scorpius, não acha? Ele gostaria de saber". Albus enrubesceu.

Quando retornou à Hogwarts, esperou apenas até ficar sozinho com Scorpius para respirar fundo e dizer:

— Preciso conversar contigo.

Nem sequer percebeu o olhar temeroso no rosto do amigo. O puxou para a primeira sala vazia e empurrou-o de leve para uma cadeira, ignorando a surpresa do outro e se pondo na sua frente, cruzando os braços.

Os olhos cinza estavam tempestuosos:

— O que houve, Albus? – o Malfoy perguntou assustado.

— Lembra de quando você me disse que é gay?

— Rezo pelo dia em que vou esquecer. O que foi?

— Eu descobri que... Tá, eu não sou gay.

— Eu suspeitava – Scorpius respondeu.

— Me deixa terminar! – ele reclamou. Tomou fôlego – Eu não sou gay... mas sou bi. Quero dizer, eu vejo tanto meninos quanto meninas. E que... Eu vejo você.

Scorpius pestanejou. Os seus grandes olhos cinzentos se arregalaram. Por um instante, Albus temeu ter ido longe demais. Mas então o Malfoy sorriu – um sorriso grande e honesto, dissipando todas as nuvens que o escondiam – e disse:

— Albus, quem você acha que eu via?

Ele também sorriu. E, sem mais hesitação, sem mais nuvens e meias-verdades, segurou a cintura e o ombro de Scorpius para puxá-lo para si. Um beijo aconteceu.

Os lábios de Scorpius eram macios e finos, com o gosto dos sapos de chocolate que comeram no trem. Albus sentiu o outro estremecer junto a si quando o pressionou contra a parede, uma mão meio investigando meio acariciando os cabelos lisos. Era uma sensação nova e estranhamente agradável, a daquele corpo esguio junto ao seu. O calor dos lábios e da boca, a língua macia investigando a sua, um gosto de céu nublado.

Uma felicidade quase insuportável se propagou dentro dele, tomando-o de dentro para fora, aquecendo desde o tutano dos seus ossos até a ponta de seus dedos. E se eram um Malfoy e um Potter, qual era o problema? E se eram ambos do mesmo sexo, quem se importava?

Por que Scorpius era diferente, porque Albus era diferente, porque os dois eram únicos um para o outro.

E por que agora os dias nublados eram os seus favoritos.


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Notas finais do capítulo

*Eu tenho esse headcanon de que o Scorpius é mais alto. Afinal, tanto o pai do Albus quanto seu avô eram baixos, e Gina também não é exatamente alta. Genética é relevante nesses casos (acreditem em mim, eu tenho quinze anos e um e cinquenta e três de altura por causa dos meus pais. Porcaria de DNA).



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