Like a Rolling Stone escrita por MrsSong


Capítulo 2
Extraordinary Girl




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— Então é isso. Acabou. - disse para o apartamento vazio. - Hora de voltar para casa.

Numa piada, bati meus calcanhares juntos. Assim como Dorothy, meus sapatos também eram vermelho-rubi.

Eu tinha mudado muito desde que comecei minha carreira de modelo: meus cabelos naturalmente escuros foram tingidos de vários tons de loiro ao longo da minha carreira, porque decidiram que eu parecia uma estrela do rock com o cabelo loiro.

Mas ali estava eu. No início da minha vida adulta, decidindo que aquele mundo não ia ser mais o meu, não queria ser a Giane que era fotografada e parecia uma rockstar e não sabia se queria ser completamente a Giane que era a moleca da Casa Verde.

Eu meio que era essa Giane-moleca como modelo ou o estilo de rainha do rock nunca teria pegado, eu acho.

Posso dizer que eu não queria ser mais uma versão da Jean Shrimpton, então decidi concluir todos os meus contratos pendentes e voltar para casa. Como uma Dorothy no final de O Mágico de Oz que percebe que o mundo cheio de maravilhas e coisas brilhantes não eram melhores que uma fazenda do Kansas.

 

Pisar de vez na minha casa da infância foi como tomar sopa num dia frio em que tudo dá errado, por assim dizer. Mesmo que meu pai recebesse uma quantia de dinheiro mensalmente para que ele pudesse aproveitar e só se divertir, ele nunca quis se mudar da nossa casinha num bairro em que todos os nossos amigos moravam. Qual a lógica de irmos para um bairro mais caro quando todos nossos amigos estavam naquelas ruas?

— Giane? - Bento me encarou por longos segundos antes de me abraçar forte. Ele não me via desde minha última visita que foi na São Paulo Fashion Week e mesmo assim eu não tive muito tempo para socializar, foi passar para ver todo mundo e correr para o desfile. - Quanto tempo vai ficar agora?

— O quanto a Casa Verde aguentar. Cansei de brincar de modelo. - Ri como se nunca tivesse rido nos últimos 6 anos. - Agora eu serei somente sua amiga de infância, que tal?

— Você largou a carreira? Cansou de ser it girl, é? - ele brincou.

— O meu Corinthians caiu por causa dessa carreira, eu tenho que apoiar meu Coringão! - fiz piada porque não sabia explicar o porquê de desistir.

Fui uma daquelas pessoas do mundo da moda que deu sorte, sabe? Soube me impor e tive sorte de que minha marra passasse por charme por gente que poderia me defender. Assim, enquanto muitas meninas são destruídas pelo sistema, eu fui vitoriosa.

Se uma menina me perguntasse hoje se eu a recomendaria ser modelo, eu diria para ela não fazer tudo o que pedirem a ela e tomar cuidado com tudo e todos. Acho que eu não me deixaria ser modelo!

 

O primeiro passo para se dissociar da Giane que eu fui e a Giane que eu queria ser foi me livrar daquele cabelo loiro e longo. Fui cortando ele curtíssimo até todo aquele loiro platinado ir embora.

Foi libertador ver o mais próximo do que eu era de verdade quando eu mesma cortei meu cabelo e me encarei sem um pingo de maquiagem. Aquilo era eu e não haviam mais máscaras. Giane de Sousa e só.

Como eu queria, eu acho.

Essa Giane trabalhava todos os dias na floricultura que entrou de sócia. Essa Giane usava somente jeans e regatas e se divertia na terra e com os amigos. Era tão bom saber que não haveria ninguém para julgar nada em mim, que ali eu era o suficiente para todos ao meu redor.

Tinha me esquecido que para algumas pessoas não é bem assim que a banda toca. Tinha me esquecido da minha querida melhor amiga Amora.

Ela não me procurou, obviamente. Para quê faria isso se o que ela mais queria era eu longe do mundo dela para não ter que se lembrar de quando era pobre e não tinha sapatos?

 

Acho que foi o destino que quis que ela e o Bento se reencontrassem no flashmob que organizamos contra o empreendimento da Bluma Lancaster. Se não foi o destino, alguma entidade diabólica, porque bastou uma troca de olhares e eu tive que reencontrar minha queridinha.

— Me disseram que você teve um problema com drogas e mutilações e estava na rehab, querida. Agora eu acho que era melhor que você estivesse. - foi a primeira coisa que ela me disse ao me encontrar na Acácia Amarela. Bento não estava por perto para ouvir quão doce era Amorinha.

— Não, querida, isso foi o que disseram de você, mas não te culpo. A quantidade de diurético que você anda tomando para se manter em forma está te afetando das maneiras erradas. - E isso foi o que o Bento ouviu da nossa conversa e foi defender a Amora.

Eu não sei se ele se fazia de idiota ou se era tão manipulável por ela mesmo após tantos anos sem dar notícia. Talvez ele tenha se prendido na inocência da infância.

Mas não éramos mais crianças, infelizmente.

E, assim como na minha adolescência, o retorno de Amora trouxe todos os glamourosos de São Paulo de volta para minha vida.

Como foi que Michael Corleone disse?

Quando eu penso que estou fora, eles me puxam de volta?

 

— Fabinho! - Malu pulou nos meus braços como se eu tivesse ido à guerra e voltado quando eu tinha sumido por alguns meses e mantido contato.

Durante a infância e adolescência fomos o apoio um do outro. Malu crescendo com aquela mãe maluca dela e eu sem nem saber se a minha estava viva já era motivo forte para nos apoiarmos; além disso, nosso pai acabava viajando muito a trabalho e nem sempre ele podia carregar os filhos.

— Para onde o senhor fugiu dessa vez? - Malu insistiu, batendo no meu braço enquanto me olhava como se procurasse algum machucado.

— Quem disse que fugi? Estive no meu quarto nessa casa todo o tempo! Espera, fui expulso de casa pela Bárbara e o meu quarto agora é o closet da it-filha! - debochei.

— Agora sério, Fabinho! - Malu era mais nova que eu, mas tão mais madura que eu que chegava a ser assustador.

A desculpa dela era que alguém tinha que ser a mãe naquela casa e qualquer entidade superior sabia que a Bárbara não tinha essa capacidade.

— Eu fugi até o nosso pai. - ela me olhou desconfiada. - Sério, trabalhei como assistente do assistente de produção do novo filme de Plínio Campana. Pode olhar os créditos, estará lá em letras minúsculas: “Fábio Campana – garoto do café”.

— Dessa vez é verdade, querida. - nosso pai confirmou e foi devidamente abraçado e verificado por minha irmã. - Mas vamos pôr “Fábio Campana – rapaz das bebidas” mais profissional.

Logo a sala da casa da Malu estava cheia dos meus irmãos emprestados. Todos querendo saber tudo e falando um por cima do outro.

Aquilo era paz.

Pelo menos até a viúva-negra que deu errado aparecer. Ao que parecia, ela estava viúva e ia aproveitar ao máximo esse infortúnio.

Tinha pena dos filhos dela.

 

— E então a Amora decidiu aceitar o pedido do Maurício? - perguntei, deitado na cama com a minha irmã que me contava tudo o que tinha ocorrido desde a última vez que eu estive ali.

Malu preferia manter tanto Bárbara quanto Amora de fora de seus e-mails para garantir que eles sempre fossem bons para se ler.

— Sim, casamento do ano da sociedade paulista. - Malu respondeu revirando os olhos. Como um homem podia ter a Malu na vida dele e preferia a Amora era uma coisa que eu nunca entendi.

— Que tal a gente fugir? Pegamos Luz, Kevin e Dorothy e vamos ser feliz em, sei lá, Kosovo! - sugeri e Malu riu da minha ideia idiota.

— E a Emília?

— Levamos ela também!

Ela se virou para mim e, apesar dos olhos tristes, havia um sorriso em seus lábios.

— Senti sua falta, sabia?

— Claro que sentiu! Sem eu na sua vida você fica cercada de criança e gente maluca. Mas, sério, o que ele vê nela?

— Você me diz. - Malu soltou sem pensar e eu enrijeci na cama como se eu tivesse virado pedra. Não gostava de pensar nisso.

— É diferente, Malu. Eu sou seu irmão, não posso me apaixonar por você.

Ela mudou de assunto para me salvar dos meus próprios pensamentos.

 

Estava deitado no sofá do apartamento do meu pai quase cochilando com a televisão ligada quando Malu entrou e assustou. Seus olhos brilhavam.

— Desembucha.

— Eu conheci uma pessoa para o meu projeto da pós, sabe? Um rapaz daquele lar em que a Amora foi adotada pela Bárbara. - Ela sorria de orelha a orelha.

— E? - perguntei já desconfiando de sua resposta.

— Eu estou encantada? - ela parecia confusa, mas passou os próximos minutos falando do tal Bento. - É sério, eu nunca conheci uma pessoa com quem eu estivesse em tamanha sintonia.

— Sempre romântica. - debochei e ela bateu no meu braço.

— Você fala isso porque nunca encontrou ninguém com quem se identificasse logo de cara, seu chato!

— Você quem pensa. - sussurrei, sabendo que ela ouviria, mas torcendo para que não ouvisse. Eu não tinha conversado com ela que um dos gatilhos que eu tive para voltar para casa era a minha Jean Shrimpton.

Minha… Era engraçado pensar naquela mulher como minha, então eu decidia que o momento foi todo meu e tudo nele me pertencia, inclusive a mulher.

— Conta. Agora. - Malu ordenou.

— Não tem nada para contar, encontrei uma pessoa uma vez, conversamos e eu me senti ligado a ela naqueles momentos. Dois estranhos conversando sobre nada e sobre o que não podemos conversar com as outras pessoas. - expliquei dando de ombros.

— Isso parece enredo de filme do pai. - ela comentou e eu revirei os olhos. Eram assuntos banais e, ao imaginar uma cena com o que dissemos um para o outro naquele banco, só parecia um recorte sem sentido de um diálogo confuso.

— Vou transcrever a minha conversa com a Jean e entregar para o pai se te deixa feliz. - debochei e ela riu.

— Jean e Fábio? Fábio e Jean? - ela testou os nomes - Parece faltar alguma coisa.

— Falta. Falta “Malu Irritante” no final, que tal? - disse brincando e ela me mostrou a língua de maneira bem infantil.

 

— Não quero saber, você vai comigo! Eu não vou me tornar alvo da Bárbara sozinha, Fabinho!


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Notas finais do capítulo

Extraordinary Girl é o título de uma música do Green Day.



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