Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 8
Sexto Sentido


Notas iniciais do capítulo

Saudações de novo, pessoal! :) Hoje damos uma breve olhada no treinamento de Ratonhnhaké:ton pra se tornar um Assassino. Boa leitura!



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Aquele havia sido um dos meus primeiros contatos com os colonos europeus, e é desnecessário dizer o quanto Charles Lee e seus amigos fizeram deste um encontro nem um pouco agradável. Eu pretendia continuar a narrar o episódio, mas a mera lembrança do que ocorreu mais tarde... É demais para mim. As lágrimas me impedem de prosseguir. Um dia reunirei coragem o suficiente para retomar os acontecimentos que tiraram minha mãe de mim. Mas não agora.

De volta ao meu aprendizado com Achilles, o treinamento que ele me deu não ocorreu tão prontamente quanto eu pensara. Para ser um Assassino completo eu precisaria estar em completa condição física e aprimorar muito as minhas técnicas de luta e furtividade, mas Achilles fez questão de adiar tais aulas práticas o máximo que pôde. Ele afirmou diversas vezes que eu precisaria primeiro entender os ideais pelos quais a Irmandade havia lutado ao longo dos séculos, antes de pegar em qualquer arma para lutar. Ele me presenteou com uma extensa enciclopédia detalhando a origem da Irmandade e sua história ao longo de seis séculos, escrita por um lendário Mestre Assassino britânico. O velho ordenou-me que eu lesse tudo, não importando quanto tempo fosse necessário.

E assim foi feito. Os séculos de História foram condensados em poucas semanas. À noite, antes de dormir, eu lia capítulos inteiros, sobre diversas divisões da Irmandade e seus respectivos líderes. E, à tarde do dia seguinte, Achilles revisava os capítulos comigo, explicando-os com mais detalhes. Ele me levou à biblioteca que havia no segundo piso da mansão, repleta de livros escritos por diversos pensadores, e recomendou algumas leituras para complementar os meus conhecimentos sobre a Irmandade. Muitos dos autores das obras que li eram Assassinos importantes, como Nicolau Maquiavel, mas na lista estavam até mesmo alguns notáveis Cavaleiros Templários, como Thomas Hobbes. “Conheça seu inimigo”, Achilles dizia.

 — Livros são portadores de conhecimento, e o conhecimento é a arma mais perigosa que uma pessoa pode empunhar. — O velho me disse certa vez. — A Irmandade reconhece o potencial que o conhecimento nos traz quando está em total atividade, e por isso o Credo foi criado. Com o objetivo de guiar as pessoas para que possam usar suas mentes em seu favor, sem deixar que inimigos da liberdade a reprimam.

Nada é verdade; tudo é permitido”. Este era o Credo dos Assassinos, resumindo todo o pensamento da Irmandade. Com “Nada é verdade”, deve-se entender que não existe certo ou errado. O mundo é repleto de mistérios e conflitos, e nessas condições nenhum homem pode possivelmente ser dono da verdade. Quando homens professam e impõem suas ideologias, é disso que precisamos nos lembrar, pois não devemos acreditar em tudo que nos é dito; não há uma verdade absoluta acima de todas as outras. “Tudo é permitido”, adicionalmente, é um incentivo à liberdade, mas também à cautela: as pessoas não devem reprimir, negar ou ter vergonha de expressar aquilo em que realmente acreditam. Deve haver liberdade de pensamento e religião para todos, além de igualdade entre homens e mulheres, independentemente de suas origens ou crenças; mantendo sempre, no entanto, a consciência de que a verdade em que se acredita não é a única possível. Agora que paro pra pensar nisso, vejo que o Credo de fato antecipou a excitação que tomou conta do mundo na segunda metade deste século.

Ao longo dos meses seguintes, aprendi a história da Irmandade, desde a sua criação por Hassan-i Sabbah na Pérsia do século XI, passando pela expansão para a Europa por meio dos irmãos Niccolò e Maffeo Polo, e até as esporádicas expedições da Irmandade Britânica para as Américas. A palavra “Precursores” era mencionada diversas vezes. Quando perguntei a Achilles seu significado, ele apenas respondeu que isso era parte de outro livro que eu ainda não precisaria ler. Não contestei tal decisão.

Ao fim da enciclopédia, Achilles prosseguiu em me apresentar a história contemporânea das diferentes divisões da Irmandade e, em especial, a dele próprio: a Irmandade Colonial, como ele me contara antes, havia sido quase inteiramente exterminada enquanto Achilles era o seu Mentor. Nisso, ele fez questão de rechaçar a biografia dos seus inimigos Templários, em especial o Grão-Mestre, Haytham Kenway. Um homem frio, cruel, calculista e corrupto. Prestei atenção em especial quando ele falava a respeito de Charles Lee, o desprezável homem que estivera por trás da morte de minha mãe, tantos anos antes.

Descobri que a baía onde estávamos, a Fazenda Davenport, era propriedade de Achilles há décadas, desde sua chegada nas colônias britânicas. A propriedade já havia sido não apenas o quartel-general da Irmandade, como também uma comunidade próspera comandada por Assassinos, onde viviam mais de cem pessoas.

Havia também outro patrimônio: um grande navio chamado Aquila, líder da frota dos Assassinos, que já havia dominado os mares do norte, mas que agora estava quebrado, encalhado e abandonado na baía desde uma batalha perdida contra os Templários. Insisiti ao velho que nós dois deveríamos fazer algo para revitalizar a Fazenda e o Aquila e trazê-los a sua antiga glória, mas ele não me deu ouvidos. Disse que o sonho já estava morto. Se eu quisesse fazer algo a respeito, deveria eu mesmo treinar e lutar para que isso acontecesse.

Mas em certo momento ao passar dos meses, Achilles enfim ganhou uma certa confiança e permitiu que eu mostrasse minhas habilidades físicas. Ele me observava conforme eu saía aos bosques da propriedade para caçar, mesmo no frio do inverno de Dezembro. Analisou o quanto eu já havia aprendido com Saksa:ri e o quanto mais eu ainda precisaria aprender para me tornar um Assassino de verdade. Levou um tempo até que ele admitisse, com relutância:

 — Você pode ter potencial, garoto.

Ele disse isso em um dia em que voltei à mansão após perseguir e matar duas raposas na floresta. Conforme eu subia a pequena escadaria, estranhei o comentário: em quatro meses convivendo com Achilles, eu não estava acostumado a receber elogios. Sermões e repreensões eram muito mais frequentes.

 — Eu tenho? — respondi, curioso.

 — Não, eu disse que você pode ter. Não se precipite, moleque.

 — E o que te faz pensar isso?

O velho arqueou as sobrancelhas e se apoiou na bengala conforme íamos para dentro da mansão, em direção à cozinha.

 — Você deve ter visto na enciclopédia de Reuge menções a um certo... sentido. É um poder estranho, em que uma pessoa aumenta vertiginosamente sua consciência do ambiente, e todos os seus sentidos se aguçam. Ver de longe, sentir o aroma deixado por pessoas e animais, sentir um golpe de um inimigo às suas costas antes mesmo que ele o ataque. Esse é o tipo de coisa que os Assassinos costumam chamar de “sentido aquilino”.

Eu ouvi a explicação enquanto esfolava as raposas na mesa da cozinha. Aquilo de que Achilles falava não me era estranho. Na época eu não tinha certeza, mas eu já havia presenciado esse sentido mais de uma vez. Assenti ao velho.

 — E o que você quer dizer? — perguntei.

 — Todas as pessoas do mundo têm a capacidade de despertar esse sentido em si. Nós, Assassinos, temos métodos para fazer uma pessoa conseguir manuseá-lo, assim como algumas filosofias do Extremo Oriente também usam e abusam dele. Eu já ensinei alguns alunos a usarem esse sexto sentido a seu favor, assim como meu Mentor nas Bahamas me ensinou o mesmo quando eu era jovem. — Ele fez uma pausa e sentou-se em uma cadeira lentamente. — Algumas pessoas, no entanto, são especiais. Para elas, o sentido aquilino é uma coisa natural, tão fácil quanto abrir e fechar os olhos. Meu Mentor, por exemplo, era uma dessas pessoas. Essa aptidão especial geralmente vem de sangue; no caso, ele herdara o sentido de seu pai. Foram poucos os homens que eu conheci que possuíam tal habilidade. E convenhamos, garoto, eu já tive a chance de ver o modo como você caça. Você rastreia os animais com excelência, não importando a distância a que eles estejam. Sua mira com o arco é precisa. Garoto, estou começando a crer que você pode ser um dos poucos com talento natural para o sentido aquilino.

Aquilo me deixou surpreso, e de certa forma lisonjeado.

 — Muito obrigado, Achilles. — Dirigi meu olhar ao colar em meu pescoço. — Se eu realmente tiver isso, você acha que eu herdei essa habilidade... de minha mãe?

 — Creio que não. Sei reconhecer quando uma pessoa domina ou não o sentido aquilino. Sua mãe era uma mulher muito forte e habilidosa, mas ela não era uma dessas pessoas. Tudo que ela tinha vinha do treinamento e aprimoramento de seus sentidos normais ao longo dos anos.

 — Vem do meu pai, então? Seja ele quem for...

Achilles me observou pensativo, como alguém que parecia montar as peças de um quebra-cabeça. Ele continuou falando enquanto analisava meu rosto.

 — Sim, é provável. Seja quem for. — Ele permaneceu me fitando por alguns segundos, até enfim se levantar. — Bem, mas que seja. Quero que você prepare suas coisas para a viagem de amanhã.

 — Como? Viagem?

 — Sim, garoto. — Achilles apontou a bengala em direção a um buraco na parede, que há algumas semanas havia exposto o seu interior oco, com um ninho de ratos. — Você não já comentou várias vezes que esta casa deveria ser reformada? Pois bem. Amanhã iremos pegar a carruagem e ir para Boston comprar materiais que sirvam para botar ordem na mansão. Talvez seja melhor fazer isso logo, antes que aquele candelabro velho caia na cabeça de um de nós.

 — Mas... tem certeza? Sempre ouvi dizer que é um lugar muito grande...

 — Eu te treinei nos últimos quatro meses, não treinei? Você sabe se virar sozinho. Poderá sobreviver à cidade grande.


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Notas finais do capítulo

E por hoje é só. Muito obrigado por lerem, espero que estejam gostando. Não fiquem tímidos de comentar o que acharam e até mais! :)
Na próxima semana: Uma Viagem a Boston!



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