Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 10
O Mais Procurado da Cidade


Notas iniciais do capítulo

Olá de novo, pessoal! Sem delongas, vamos para o capítulo, continuando exatamente de onde paramos!



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Caminhando de volta em direção norte, tive inevitavelmente de passar pela rua da prefeitura. Ao menos dessa vez ela estava suficientemente lotada para que eu não tivesse de me preocupar com guardas atrás de mim: mais de uma centena de cidadãos se reuniam em torno do local do incidente, enquanto os feridos eram socorridos e os soldados tentavam reestabelecer a ordem. Se eu mantivesse a cabeça baixa, nenhum guarda me avistaria no meio da comoção. Comecei a procurar por Achilles em meio à balbúrdia, embora sem êxito. Procurei-o por alguns minutos, mas nem com meus sentidos aguçados pude encontrá-lo. Ele provavelmente já havia deixado a rua, e com sorte eu o encontraria na carruagem.

A essa hora, um homem apareceu numa varanda no piso superior da prefeitura. Pelo modo com que falava com a multidão em polvorosa, julguei que fosse alguma figura política relevante. Conforme eu me afastava do local, ouvi-o lamentando o ocorrido e dizendo que os culpados seriam devidamente investigados caso a multidão se dispersasse.

Retornei ao Faneuil Hall esperando encontrar Achilles com o carro, mas tal foi minha surpresa ao ver que tanto ele quanto o carro e os cavalos haviam sumido. O velho havia me deixado?  Já havia anoitecido e eu estava sozinho em uma cidade desconhecida, sem ter onde passar a noite e com soldados atrás de minha cabeça. Não havia muita chance de sobrevivência, e meu estômago começava a roncar, como que para confirmar isso.

Tentei esperar dentro do prédio. A essa hora os mercadores do Hall também estavam confusos. Claramente haviam ouvido os tiros, e alguns deles haviam descido à rua tentando entender o que acontecera. Sentei-me nas sombras, em um banco perto da entrada do mercado, na esperança de que Achilles retornasse ao local. Permaneci lá por cerca de meia hora, vendo de longe soldados patrulhando as ruas em busca de mim. Um arauto gritava as notícias em alto e bom som a quem quer que passasse:

 — Não se sabe ao certo quem disparou o primeiro tiro no incidente na rua King, mas até agora suspeita-se de um jovem nativo com cabelo liso. As razões que o levaram a fazê-lo, no entanto, são ainda desconhecidas.

Haytham havia mesmo conseguido me fazer de bode expiatório. Aparentemente todos acreditavam de fato que eu disparara contra os guardas. Haviam até mesmo pendurado um cartaz não muito longe de onde eu estava, com uma caricatura improvisada do meu rosto e os dizeres "Procurado, vivo ou morto". Ótimo, agora qualquer cidadão poderia me reconhecer sem esforço e me denunciar aos soldados. O que aconteceria depois eu nem queria imaginar. Mantive-me discreto no banco, tentando pensar no que fazer, até ouvir uma voz masculina perto de mim:

 — Você é o garoto, não é? O...

Minha primeira reação foi levantar-me do banco e tomar uma postura defensiva; se ele pretendesse me denunciar, eu poderia me defender. No entanto, o homem, que tinha cerca de quarenta anos e um cabelo curto e arrumado, apenas estendeu as mãos. Seu semblante era sereno e parecia ter a intenção de me tranquilizar.

 — Calma, rapaz! Você é o garoto de Achilles, não? O aprendiz dele?

Ele conhecia o velho. Mesmo assim, eu não podia perder a cautela apenas com a menção de um nome conhecido. Mantive-me sério e o questionei:

 — Quem é você?

O homem sorriu e respondeu:

 — Claro, desculpe a apresentação brusca. Samuel Adams, da Câmara Representativa de Massachusetts Bay, ao seu dispor — disse, estendendo a mão para me cumprimentar. — E você deve ser Connor, certo?

Então o homem conhecia até mesmo o meu novo nome, ao qual nem eu havia me acostumado. Isso só poderia significar que Achilles falara com ele recentemente. Talvez ele fosse confiável, afinal. Assenti com a cabeça, confirmando.

 — Certo. — Adams falou, recolhendo o braço estendido. — Eu vi o que aconteceu na prefeitura. Foi uma bela bagunça, sim, mas agora Achilles me pediu para tirá-lo da cidade.

 — Como assim?

 — Bem, parece que você está sendo procurado por todo o distrito. O capitão Preston ativou metade de seu regimento à procura do suspeito “nativo e jovem”.

 — Isso eu percebi. Mas por que Achilles foi embora?

 — Ah, ele disse que queria aproveitar a confusão para testar se você... aprendeu o que ele lhe ensinou.

Dei um suspiro longo.

 — Ótimo — comentei, sarcástico. — Mas o que devo fazer? Já penduraram um cartaz com o meu rosto, e certamente há outros deles por aí — completei, apontando para a caricatura pregada do outro lado da rua.

Adams olhou para o cartaz e em seguida para mim. Pensou por um momento e voltou a falar:

 — Que exagero — disse, para em seguida andar até o cartaz e rasgá-lo em pedaços. — Esse desenhista nem é tão bom.

 — O que está fazendo? — perguntei, nervoso por causa do vandalismo que eu acabara de presenciar.

 — Simples, Connor: limpando o seu nome! Venha comigo.

 — O quê? Ir aonde?

 — Até a rua Hanover. Não se preocupe, ela fica apenas algumas esquinas à frente.

 — Mas... e se me reconhecerem?

 — Que não reconheçam, então. Achilles disse que te ensinou a se esconder. Então apenas seja discreto, mantenha a cabeça baixa e não teremos de nos preocupar com isso.

Eu estava prestes a retrucar quando Adams começou a andar pela praça ao lado do Faneuil. Ao ver que, naquela cidade grande e desconhecida, minha única escolha era seguir aquele homem estranho, ajeitei o chapéu para cobrir uma parte do meu rosto e segui Adams a uma distância segura. Caminhamos pela rua e em seguida por dois ou três becos estreitos, que enfim desembocaram em uma rua larga e movimentada, que, obviamente, também estava sendo monitorada pelos casacos-vermelhos. Me esforcei para olhar para o lado oposto quando um par deles passou perto de mim.

Logo, Adams levou-me a um grupo de pessoas atentas em volta de um arauto que clamava as notícias, enquanto um oficial britânico passava entre os cidadãos segurando o infame cartaz com a caricatura de meu rosto, perguntando-lhes se haviam visto o suspeito.

 — O incidente na rua King soma até o momento oito feridos e três mortos — gritava o arauto, lendo o que trazia em folhas de papel. — Entre os defuntos está um mestiço chamado Crispus Attucks, que, segundo testemunhas, era o responsável por incitar o mais do que justo protesto dos cidadãos bostonianos contra a opressão dos casacos-vermelhos. Sua morte será lamentada por nós com um pesar no coração.

 — Não creio que seja uma boa ideia pararmos aqui. — Eu cochichei a Samuel, que havia se juntado ao grupo e andava em direção ao arauto.

 — Relaxe, rapaz. Apenas aguarde.

Assim que o arauto cessou, Adams começou a falar com ele, aparentemente um conhecido. Ele acenou em minha direção e fez um sinal para que eu me aproximasse. Assim que o fiz, ele apresentou o homem:

 — Connor, quero que conheça Cyrus.

 — Então ele é...? — Cyrus sussurrou. — Esse é o atirador?

Eu estava prestes a dar uma resposta irritada quando Adams me interrompeu:

 — Calma. Cyrus está do nosso lado. Quer dizer, pelo preço certo ele estará.

Ele colocou uma bolsinha de dinheiro na mão do arauto.

 — Como recusar um pedido seu, Sam? —respondeu Cyrus. Em seguida, ele voltou-se para a multidão e gritou: — Ouçam todos! Novas informações acabam de chegar de fontes confiáveis! Parece que o homem responsável pelo tiroteio de hoje estava disfarçado. Na cena do crime foram encontrados uma peruca e um estojo de maquiagem. Testemunhas descrevem um senhor de meia-idade, pálido e com uma verruga no queixo, correndo para o Neck com um rifle em mãos.

Burburinhos começaram a ser ouvidos entre os cidadãos. O oficial, aborrecido ao ouvir isso, rasgou o cartaz que segurava, ao mesmo tempo em que Adams agradecia o arauto. Nos pusemos a caminhar pela direção por onde viéramos, e Adams disse:

 — Pronto! Agora é só esperar e em breve você estará limpo.

 — Mas aquilo não era o distrito todo. Ainda há pessoas me procurando.

 — Sim, mas boatos se espalham mais rápido que fogo em querosene. Pare para pensar, o tiroteio ocorreu há apenas uma hora! Ninguém ainda sabe ao certo o que aconteceu, e esse novo rumor servirá para confundir as pessoas enquanto você se esconde em minha casa. Mas, como ela fica longe daqui, tomaremos um caminho que nos poupará do trabalho de despistar guardas. Siga-me.

 — Mas você... subornou o homem! Isso é errado.

 — Ora, você tem alguma ideia melhor?

 — Por que nós não apenas falamos com alguém e explicamos minha inocência?

 — Você não pode estar falando sério...

 — Mas estou. Nós só fizemos anular uma mentira usando outra. Palavras escritas no papel e aceitas por todos como a verdade, sem nenhum questionamento.

 — Foram eles que puseram a sua cabeça a prêmio, está lembrado? Eu apenas te ajudei a contornar a situação.

 — Tem de haver um outro jeito. Algo mais honesto.

 — Além de passar as próximas noites na cadeia, esperando julgamento? Bem, se encontrá-lo, me avise. Mas, até lá, nos viramos com o que há disponível.

Nesse momento, ele entrou por um dos becos laterais. Senti-me mal por ter reclamado.

 — Desculpe-me. Não quis soar ingrato.

 — Está tudo bem. Eu era igual a você quando tinha sua idade. Com o tempo, você vai amadurecer seus pensamentos e perceber que infelizmente nem sempre podemos contar apenas com a ética.

 — E se eu não o fizer? E se eu me recusar a pensar assim?

 — Então, creio que acabará morto.

Então, Adams parou em frente a uma portinhola que havia no solo, encostada à parede de uma casa. Ele tirou um molho de chaves do bolso do jaleco, encontrou a desejada e destrancou a porta. Quando ele a abriu, uma escada levava para baixo da terra.

 — Uau. O que é isso?

Ele se abaixou, e pegou do primeiro degrau da escada uma lanterna e alguns fósforos.

 — Isso, caro amigo — disse, enquanto acendia a lanterna —, é um dos túneis subterrâneos de Boston. A sociedade maçônica tem uma rede inteira deles embaixo da cidade. São bem úteis quando rapidez e discrição são necessárias. É meio sombrio lá embaixo, mas não se preocupe, eu sei o caminho.

E descemos pela escada, com Sam na frente. Os túneis eram escuros, e a lanterna era necessária para enxergar qualquer coisa à frente. O ambiente era quente, úmido, malcheiroso e habitado por ratos. Apesar disso, prossegui atrás de meu novo parceiro, que se guiava por um mapa. Após cerca de quarenta minutos virando por túneis sujos, Adams quebrou o silêncio.

 — Estamos quase chegando lá.

 — Que bom.

 — Você parece preocupado, rapaz. O que houve?

Suspirei e respondi:

 — Não me sinto bem sendo acusado de algo que não fiz. É tão... frustrante.

 — Não fique assim, Connor, você não tem o que temer. O Governador Hutchinson prometeu um julgamento justo. Eu mesmo troquei uma palavra com ele antes de ir encontrar você, e o trabalho começará ainda nessa madrugada. Eu entendo de leis: se você realmente não fez nada, não haverá nenhuma prova ou testemunha contra você, e no fim você seria considerado inocente. O problema é que, dada a cor de sua pele, bem... não posso garantir nada por parte da “justiça”. Mas mesmo que fôssemos limpar seu nome, isso tomaria de nós um tempo que não temos, e Achilles deixou bem claro que quer que você saia da cidade o quanto antes possível.

 — Entendo. Mas... afinal, de onde você conhece Achilles?

 — Resumindo a longa história, eu o conheci não muito depois de me tornar coletor de impostos. As minhas taxas camaradas me fizeram popular entre os cidadãos, e foi então que Achilles veio me procurar. Disse que precisava de contatos na cidade que pudessem fornecer informações, e etcétera e tal. Eu falei diversas vezes com Achilles e os seus sócios, mas ele sempre mantinha um mistério no trabalho dele. Eu não ligava: ele ajudou financeiramente o parlamento municipal, e em troca eu o ajudei com informações sobre membros da alta sociedade e sobre o movimento das nossas tropas. No entanto, mais ou menos no fim da Guerra, ele sumiu. Nunca mais ouvi falar da sociedade dele... Quando ele veio falar comigo hoje mais cedo, fiquei surpreso que ainda esteja vivo! — Adams completou, rindo.

 — Compreendo. Mas o que você faz hoje em dia?

 — Membro e escriturário da Câmara Representativa de Massachusetts Bay, com muito orgulho. O que significa que eu sou um dos responsáveis por regular a legislação local, e por garantir que os direitos da população sejam cumpridos. Ou ao menos tentar garantir, já que nossos direitos vêm sendo totalmente negligenciados pela Grã-Bretanha nos últimos anos.

 — Como assim?

Adams em seguida fitou-me sob a luz bruxuleante da lanterna, visivelmente mais austero.

 — Se há um motivo para a Coroa ter mandado seus cidadãos para colonizar estas terras, esse motivo é o comércio. Mas as leis que eles andam impondo tornam o comércio quase impossível. As tarifas Townshend colocaram uma quantidade absurda de impostos sobre as costas do povo americano. Mas o Parlamento em Londres insiste que esse dinheiro a mais que pagamos é usado para o nosso próprio bem.

 — E não é?

 — Nem um pouco. É usado para aumentar os salários dos nossos governadores e juízes, e assegurar que eles continuem marionetes da Coroa. O fato de que somos proibidos de comercializar com outras nações, como a Holanda, já era ruim o suficiente. Agora ainda tínhamos que pagar impostos para beneficiar políticos esnobes? Tenho orgulho de dizer que fui um dos líderes do boicote. Cada cidadão americano trabalha duro para conseguir seu dinheiro, e não aceitaremos entregar esse dinheiro à Grã-Bretanha se não recebermos nenhum benefício. Acho que o Parlamento não entende que a lógica da economia é a reciprocidade. Ambos os lados deveriam sair ganhando. No entanto não quisemos essas leis e tampouco quisemos a Guerra dos Sete Anos. Você vê, Connor? Como poderíamos ficar calados com essa situação? Claro que nos revoltamos. E, em troca, o que o rei faz? Manda seus soldados para cá para nos conter. Já faz dois anos que os lagostas patrulham nossas cidades, agindo como se fossem donos do lugar. E agora temos esse incidente que vimos algumas horas atrás... Lamentável.

 — Uau. Entendo sua raiva — consenti; afinal, ter sua terra natal invadida por povos estrangeiros de além-mar não era um conceito estranho para mim.

 — É claro. A Grã-Bretanha parece esquecer que nós colonos somos cidadãos livres.

Nisso, chegamos a uma câmara mais aberta, mas igualmente escura. A lanterna permitia ver uma escada, levando de volta à superfície. Em poucos minutos, chegamos à casa de Adams. Após eu ter me acomodado no quarto vago que havia lá, ele me disse que teria que sair.

 — O tiroteio de hoje será um ponto decisivo nas relações entre as colônias e a Metrópole daqui para a frente. Portanto, devo sair por algum tempo. Fique à vontade, Connor! Eu e meus colegas da Câmara teremos muito a discutir.

 — Entendo. Muito obrigado pela ajuda.

 — O prazer foi meu.

Mais tarde jantei, junto aos filhos de Adams, que eram alguns anos mais velhos do que eu, e à sua esposa, Elizabeth Wells. A comida estava boa, mas algo me deixou com o estômago um pouco embrulhado. Quem havia servido a comida não fora nenhum deles. A janta fora servida por Surry, uma mulher negra. Elizabeth e Sam insistiam que ela era apenas uma empregada, mas estava bem claro o que ela realmente era: uma escrava. Era ela quem fazia a mesa, limpava a casa e arrumava as camas, enquanto a família Adams permanecia ociosa. Uma imensa ironia: “nós colonos somos cidadãos livres”, dizia Samuel. Aparentemente, alguns mais livres do que outros.


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Notas finais do capítulo

(Conversinha semanal)
Semana passada eu disse que tinha voltado a jogar AC3. Pois bem, ontem, depois de mais de 17 horas, eu zerei mais uma vez. É oficial, esse é um dos meus jogos favoritos. E eu sempre acho que conheço ele de cabo a rabo, mas cada vez que eu volto a jogar descubro uma coisa nova. Dessa vez eu joguei sem pressa, fazendo todas as side missions mais interessantes e administrando de perto os lucros da Fazenda. Devo dizer que a experiência foi muito boa, principalmente nas missões da Fazenda. É uma pena que a missão final esteja bloqueada depois de outras 30, porque se você joga essa missão dentro da cronologia, ela dá um tom bem diferente às sequências finais da campanha.
A história do Desmond também fica bem mais interessante se você se atentar às conversas entre ele e o resto da equipe.
Enfim, eu não consigo expressar o quabto eu gosto desse jogo, apesar das suas falhas. É um ótimo desfecho pro arco do Desmond, e também uma ótima abertura pro arco das Américas.
Mas, bem, agora vou em frente, né. Os próximos jogos são a trilogia naval: Black Flag, Freedom Cry e Rogue! :D



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