Through the Kaleidoscope escrita por Iamamiwhoami


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Hey! Boa noite! Eu fui inspirada a escrever essa one-shot por três motivos. Dois estão listados, a música sublime de Steven Cravis e o famoso conto de Hans Christian Andersen.

E o terceiro motivo. Há uma autora nestes caminhos pela qual sou fascinada. Sua história é muito valiosa para mim, para o meu coração. Ela me contou a respeito de precisar, para o capítulo seguinte desta história, "Leveza". O empecilho era, segundo ela, não possuir leveza em si para tal.
Pensei, esperançosa... Será que eu sou capaz disso? Será que eu posso inspirar leveza nessa autora, e nessa autora como pessoa? Eu estou prestes a descobrir. Desejem-me sorte!

Que Through the Kaleidoscope, meus caros leitores, lhes inspire leveza.

Música-título: Steven Cravis - Through the Kaleidoscope. Para os que apreciam o piano solitário, por favor, peço que ouçam. Para os que não apreciam, uma inspiração para escrevê-la também foi "Everglow", do Coldplay.

Boa leitura. :)



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Como brilham as luzes de Natal pela janela embaçada. Crianças correm e divertem-se com suas bolas de neve e mini trenós, embrulhadas em lã e algodão. Bebidas quentes, abraços calorosos, verde e vermelho e as chamas das velas cintilando sobre a cera escorregadia. Os invernos ingleses podem ser rigorosos, mas os corações estão aquecidos pelas comemorações, os presentes, as ceias e cantorias.

Na loja de brinquedos “Blue Fairy”, o senhor Geppetto alegremente carrega até a mesa um prato de biscoitos direto do forno. Sua esposa, Widow, organiza os talheres sobre os guardanapos e as xícaras de chocolate-quente das crianças. A mulher suspira ao perceber que os filhos dos dois, August e Ruby, ainda estão sujos e abarrotados, brincando ao pé da lareira com os soldadinhos de chumbo recém adquiridos e feitos a mão pelo próprio Geppetto, o que encantou seus pequenos profundamente.

— Bambinos! Dio Mio! – Exclama o inventor, posicionando na mesa o peru recheado enquanto a esposa corta em pedaços generosos o bolo de frutas e serve para o marido uma dose de Brandy.

— Papai, estamos no meio da Revolução Francesa. – Ruby revira os olhos, cruzando os braços. É uma figurinha audaciosa e sem limites, apesar de seus mínimos oito anos.

— Sim, papai! – O ruivinho de sete anos, August, concorda e sorri. – Esta soldadinha é a minha predileta! Eu a chamo de Emma! – Exibe a soldadinha de uma perna só.

— Porque você não tem criatividade o suficiente em fazer um soldado irlandês que apoia os rebeldes infiltrado na polícia francesa, Gus! – Ruby ergue seu soldadinho, cujo uniforme ela própria decidiu pintar de verde e os botões, botas e chapéu, de amarelo. – Killian!

— Por que um irlandês seria escolhido para se infiltrar na nobreza da milícia francesa, Rubs? – O menino torce o nariz. – Os franceses logo reconheceriam o sotaque dele e suspeitariam de sua presença!

— Meu soldado Killian é um grande ator, Gus. – Revira os olhos novamente.

— Muito bem, já chega, caros. – Widow sorri. – Lavem-se e desçam para a ceia.  Eu e seu pai guardaremos bem os seus amigos.

— Como divertem-se esses dois...! – Geppetto ri ao vê-los empurrando-se na escada para os quartos. Agacha-se sobre o tapete e recolhe cuidadosamente os soldadinhos de brinquedo.

— Você é o pai deles e é dono de uma loja de brinquedos, meu querido. – Widow segura a caixa de madeira dos soldadinhos para o inventor posicioná-los em seus lugares. – Eles têm a quem puxar em sua paixão por brincar!

— Mas nossos pequenos brincam tanto, vita mia! – Acaricia seus braços cobertos pelo suéter amarelo. – Um dia, sinto eu, Ruby e August serão capazes de dar vida a estes brinquedos!

A mulher ri de incredulidade, deixando o marido a atiçar o fogo na lareira para buscar, pelas orelhas penduradas, seus dois encantos travessos que deveriam estar transformando a banheira em um campo de batalha naval, embora ela já tenha lhes advertido a não levar os frágeis navios de bronze de Geppetto para o banho. O que não a faz perder as estribeiras, porém, é esta alegre véspera de um dia próspero.

O que Widow, Geppetto e seus furacões em escala zero não sabem, é que há magia na Blue Fairy. Há magia ao redor, nas partículas, nas cores, nas estações, nas imperfeições de suas paredes e assoalhos. Nas perfeições de seus sorrisos e memórias, há magia. E foi a magia a força responsável por unir, naquela fria noite de inverno, dois corações. Um de madeira, oco e grave; Outro de porcelana, estridente e agudo. O coração de uma Soldadinha de Chumbo e o de uma Bailarina Espanhola.

Enquanto a família ceia na mesa, August declama poesia e Ruby arrisca no piano de cravo, apenas a neve que suavemente tinge a Inglaterra de branco do lado de fora, as chamas dançantes da lareira e o paciente relógio cuco em movimento constante assistem o desenrolar da magia na sala de estar.

Com a espingarda de ferro pesando nos ombros caídos de frustração, remexendo o chapéu aveludado nas mãos, Emma, a soldadinha de chumbo, equilibra-se em sua única perna para esticar-se na cômoda, apoiando seu corpo de madeira na haste do fino vaso de rosas para observar, no palácio que é a estante superior do outro lado da sala, cheia de flores, da bela mansão de bonecas com artigos de vidro e de Regina, a Bailarina Espanhola, a favorita do inventor da Blue Fairy. Ela sabe, conhece o “cuco” do relógio, elas se olham todos os dias na mesma hora. E como sempre, lá está Regina, a bailarina, dançando sobre a superfície espelhada da caixinha de cristal, com aqueles olhos que são tão lindos que Emma sabe serem pintados com a tinta perolada que Gepetto fabricava para seus itens mais inestimáveis. Com o vestido bordô, os cabelos em crina castanha, a pálida pele de porcelana. Regina sorri para ela, escondendo o rosto nas mãos ao ver o seu olhar apaixonado.

Um mundo as separa, Emma sabe o quão perniciosa é a travessia da cômoda para a estante, passando pelas montanhas íngremes da cadeira renascentista, pela areia movediça que é a poltrona felpuda da velha Widow, pela mesa de centro cheia de obstáculos em restos de biscoitos de baunilha e chocolate que os pequenos Ruby e August deixam cair, pelo tapete de mil cores do oriente. Todo o desafio seguro também pelo guardião das pontes, o cachorro, Pongo. Mesmo assim, Emma não tem dúvidas: Ainda atravessará todos estes tortuosos caminhos para estar perto da bailarina.

— Ei, psiu! Acorde, sonhadora! –O cano da espingarda de Killian ecoa na madeira oca de suas costas. – Você deveria se juntar a nós hoje.

— Por quê? – Seus lábios pintados entortam-se para baixo. – Nenhum deles me quer por perto. Eu sou a soldadinho defeituosa de uma única perna.

— Esse não é o motivo. Sabem que você é a favorita do pequeno August, por isso gostam de implicar com você. E só não implicam comigo por ser o favorito da pequena Ruby porque acham que o fascínio dela se deve ao meu uniforme exclusivo, verde e amarelo! Tolinhos! Jamais admitirão que somos muito mais interessantes do que eles!

— Robin é o soldado mais astuto. Lancelot é o soldado mais leal. Arthur é o soldado mais altruísta. Dantés é o soldado mais corajoso. Baelfire é o soldado mais amigo. Hans é o soldado mais inteligente. Você é o soldado mais habilidoso. Eu não me encaixo entre vocês, Killian. Mesmo que tivesse as duas pernas, não me encaixaria!

— Sua... – O rapaz range os dentes e fecha os punhos. – Sua cabecinha literalmente oca! Sua lasca de porta! Resto de brasa!

— Eu não acredito que você ousou me chamar disso! – Furiosa, toma a espingarda nas mãos como se fosse real e estivessem prestes a travar uma batalha com o amigo. – Retire o que disse! Retire agora mesmo!

— Então, pare de ter pena de si mesma! – Joga a sua própria arma no chão, cruzando os braços, emburrado. – A verdade é que eu e todos os outros desejamos, secretamente, ser como você, Emma. Você é benevolente, nobre. Você, diferente de nós. Você não é, como eu, como Robin, Lancelot, Arthur, Dantés, Baelfire e Hans, um simples pedaço de madeira pintado. Você, Emma, é amável. E é por isso que eu ordeno que você pare de lamentar e olhar para cima e vá atrás da bailarina!

— O quê?! – Arregala os olhos, abrindo um bocão incrédulo de desenho animado, atordoada com a ordem. – Você escorregou das mãos de Ruby na privada e a madeira do seu cérebro estufou e apodreceu, Killian?

— Emma, eu não estou brincando. – Rosna. – Você precisa ir até ela, não pode eternamente observá-la de longe!

— Ela é uma Bailarina Espanhola de porcelana, de veludo vermelho, de olhos e lábios reluzentes! Geppetto fez seus sapatos de cristal e pintou as unhas de suas mãos com ouro derretido! Veja como ela se move! Como consome os olhares de todos! Até o fogo parece inclinar-se à dança dela!

— E ela é uma peça única, perfeitamente moldada, esculpida com delicadeza angelical e mais um monte de baboseiras que você sempre diz! – O soldado revira os olhos. – Eu vou buscar Bala-no-alvo, você vai sentar esse traseiro na sela dele e vai cavalgar até o outro lado da sala, Emma, ou vou catapultar você com a minha espingarda!

— Um dia! – Assume uma expressão apavorada. – Dê-me mais um dia! Amanhã, na noite de Natal, eu irei até ela e confessarei tudo, eu juro!

— Emma... – Bufa.

— Por favor! Sabe que Gepetto fabricou-a para presentear Widow quando comemoraram trinta anos de casamento e dentro de um mês já completarão trinta e dois! Dois anos admirando-a! O que é mais um dia observando-a para revelar meus sentimentos?

— Amanhã, então! – Concorda. – Amanhã não haverá escapatória, Emma. Ou você irá até ela, ou eu a arremessarei daqui como uma bala de canhão!

Com um suspiro, Emma assente. O amigo, apesar de tudo, tem razão. Por quanto mais ela se limitaria a observá-la, tendo-a inalcançável, habitando e rodopiando em seus sonhos mais lindos?

Após a ceia, Ruby e August adormeceram no sofá, com um bocado de embrulhos e caixas abertas de seus primeiros presentes. Geppetto tentava, há quatro natais, dar-lhes mimos mais elaborados, de cores mais vibrantes, de movimentos mais articulados. Vãs tentativas: Ruby e August mantinham seu favoritismo nos dois velhos soldadinhos de chumbo. Rindo mais uma vez ao observar essa verdade provada através dos novos brinquedos espalhados na sala e os soldadinhos em seus colos, o inventor toma os pequenos em seus braços e os leva para cama enquanto Widow cuida de guardar os preciosos prediletos na cômoda. No dia seguinte, ela sabe, Geppetto tentará impressioná-los novamente. Para Ruby, um adorável filhote de beagle, uma vez em que Pongo já não tem mais disposição para brincadeiras e prefere dormir ao pé de seu mestre e a menina é fascinada por cães. Para August, exemplares de capas personalizadas dos contos da carochinha, além de um especial em capa aveludada de Robinson Crusoé, Alice no País das Maravilhas, O Pequeno Príncipe e Tom Sawyer. August adora ler.

Adormecem as velas, escondem-se as lamparinas. A lareira é diminuta, crepitando chamas anãs. Não há mais carros nas ruas, crianças na neve ou lojas com jingles ensurdecedores. A alegria habita, agora, os sonhos de todos os cidadãos.

Emma está sentada na beira da cômoda, acariciando a crina de algodão de Bala-no-alvo, o dócil cavalo de pelúcia. Seus olhos roxos de botão brilham para ela enquanto a soldadinha observa o céu noturno estrelado, janela afora. O grande dia bate à porta e sentia-se incendiar ao pensar no que dirá à bailarina quando finalmente ver-se perto dela. Todos os outros soldadinhos descansam e, vencida a ansiedade pelo cansaço de horas de brincadeiras, ela adormece sob o dorso do corcel.

“Rodopia livre espirito, seja doce ou triste fel, sob olhares curiosos desenhando o seu papel. És tão linda e magnífica! És sublime sinfonia! A aurora da manhã que ao brilhar causa euforia! Bailarina misteriosa, qual o teu lugar no mundo? Dama da mais drástica emoção, qual o teu lugar em mim? ”  

Quá-quá-quá!

Quá-quá-quá!

Emma desperta com uma gargalhada medonha. Ergue-se de supetão, assustando Bala-no-alvo, tirando do cinto a espada de madeira cuidadosamente entalhada, confusa. É quando seus verdes olhos de tinta desbotada se arregalam e seu coração de madeira viva dispara.

Do outro lado da sala, na estante, dá-se um pesadelo. Diante da caixa da bailarina, com seus quase quarenta centímetros, está o duende. O duende é, na Blue Fairy, uma criatura peculiar. Geppetto o criou quando ainda era um aprendiz, nomeando-o de Rumplestiltskin. É uma grande peça de juntas de madeira e corpo de pano, cuja tinta o faz parecer um réptil, assim como a pintura dos olhos. Os sapatos pontiagudos e o colete esfarrapado dão-lhe um ar ameaçador, além de unhas escuras e afiadas e dentes pontudos como lanças. O duende com ninguém fala e ninguém fala ao duende. É solitário e amargurado por ter sido praticamente abandonado por seu inventor, esquecido no baú no canto da sala. O que faz ele ali com ela? Emma desespera-se e, devido ao silêncio da noite, consegue ouvir.

— Quem é você?! O que quer?! – Encolhe-se a bailarina espanhola em sua caixa.

— Você, você, tudo é culpa sua! – Ele aponta, gesticula e resmunga. – O mestre entregou sua alma para planejar fabricar você e se esqueceu do seu velho Rumple! O velho Rumple está úmido e mofado, sozinho e maltrapilho!

— Fique longe de mim! – Ela se afasta, assustada. – Ou eu chamarei e eles virão, todos da casa acordarão!

— Como ousa, insolente?! – Rumplestiltskin a agarra pela cintura com sua grande mão de garra escamosa, chacoalhando-a enfurecido. – Pensa que sua melodia agridoce tem força o suficiente para acordá-los?!

— Solte-me! – A bailarina o enfrenta, esmurrando a mão que a fere. – Solte-me ou minha salvadora o esmagará como mosca!

— Sua? Você não tem nada, menininha! – A sacode novamente. – Você vive sozinha na caixa espelhada, não profira mentiras a este duende!

— Emma! Emma! Emma! – Ela grita. – Emma, me ajude! – Suplica.

O pequenino mundo do grande coração de Emma emudece. Regina sabe quem ela é. Regina a conhece com seu fundo olhar e chama de sua salvadora. Mas Emma não consegue se mover ou proferir um único som.

— Cale-se, cale-se! – Ordena o duende.

— Não! Emma vem me salvar! O que vejo nos olhos dela diz que ela vem me salvar!

— Você vem comigo! – Ecoa sua voz esganiçada. – Eu a aprisionarei e o mestre logo a esquecerá! Você e sua música atormentadora desaparecerão para sempre!

A gargalhada horrenda do duende e os apelos desesperados de Regina ecoam, diminuem e somem. Emma, boquiaberta, perde o equilíbrio da única perna, tombando sobre o tampo a cômoda e tentando, em vão, gritar. A caixa espelhada está vazia. A Bailarina Espanhola fora seqüestrada pelo Duende amargurado.

— Emma! Ei, Emma! – Saltando da caixa, Killian aproxima-se com a espingarda nas mãos, apontando para todos os lados, seguido dos outros soldadinhos alertas.

— Eu sou uma cabeça oca! Uma lasca de porta! Um resto de brasa, Killian! – Fragilizada, amaldiçoa-se.

— Não, não... – Ajoelha-se diante dela, tocando seus ombros. – Perdoe-me por tê-la chamado assim, eu estava nervoso. O que é que aconteceu?

— Ele a levou! O duende esquecido do baú! Rumplestiltskin a levou! Eu deveria ter ido até ela quando você me ameaçou mais cedo! Com mil passos de botas de trovão!

— A culpa não é sua, soldada, coragem! – Ergue-se e a puxa para cima, fazendo-a segurar a espingarda.

— Eu vou salvá-la. Traga Bala-no-alvo, Killian. Partirei imediatamente!

Killian não perdeu tempo em correr até a caixa de pelúcias para buscar o fiel companheiro selado. Assim que os deixa, porém, todos os outros soldados de chumbo explodem em gargalhadas zombeteiras.

— Emma, a soldadinha de uma perna só, atravessará a casa em busca de um ligeiro duende que tem o quíntuplo do seu tamanho! – Hans abraça o próprio corpo, tombando de tanto rir.

— Olhem para mim! – Robin equilibra-se e começa a pular com a perna direita. – Acalme-se, donzela, eu vou salvá-la!

— Se ela usar a espingarda como bengala, será difícil lutar! – Baelfire acrescenta.

— Isto se ela se mantiver firme na sela do cavalo! Imagine só, caindo para o lado no primeiro trote! – Exclama Lancelot.

— Talvez vença de Rumplestiltskin o fazendo rir! Arrancando-lhe piedade! – Arthur pontua.

— Escutem aqui... – Killian tenciona reprová-los enquanto se aproxima com Bala-no-alvo.

— Já chega! – Emma o interrompe bruscamente. – Qual é o problema de vocês? – Dá um salto preciso para perto dos soldados surpreendidos. – Acham que eu me importo com seus deboches? Acham que me atingem com suas palavras? Ao fogo ardente da lareira todos vocês! Zombem o quanto quiserem, eu não me importo. Eu só me importo com ela, com Regina, importa-me apenas salvá-la! E eu iria ao socorro dela mesmo que não tivesse nenhuma perna e nenhum dos braços!

Os soldados, retraídos, se calam. Emma joga a espingarda nos ombros e salta até Killian, que sustenta um reluzente sorriso para os envergonhados colegas.

— Ruby deveria colocar você para a polícia secreta francesa, não eu! – Killian beija sua testa, ajustando o chapéu. – Que surpresa! Acabou com eles! Agora estão mais para calços de porta do que soldados! Palitos de dente enrugados!

Emma não responde. Suspira somente. Seus pensamentos estão distantes, flutuando ao redor de uma Bailarina assustada que clama incessantemente pelo seu nome.

— Emma... – Baelfire, o soldado amigo, aproxima-se encabuladamente. – Perdoe-nos. Nós desejamos que você encontre sua Bailarina Espanhola.

— E se algo der errado... – Dantés, o soldado corajoso, o acompanha. – Alerte e iremos armados ao seu auxílio. É uma promessa!

Robin, o soldado astuto; e Lancelot, o soldado leal; carregam um apontador de lápis consigo. Lancelot toma a espada de Emma de seu cinto e se junta a Robin para girarem-na no apontador até pontiaguda e ferina estar.

— Uma boa espada para uma boa luta. – Robin sorri ao entregá-la.

— Dantés está certo. Nós estaremos aqui. – Lancelot bate continência.

— Leve isto com você. – Hans, o soldado inteligente, entrega-lhe, inesperadamente, um punhado de pimenta em pó. – Roubei da cozinha para defender-me daquele cão de pelúcia de três cabeças, Cérbero, que estava tentando roer nossos chapéus durante a noite. Pode ser muito útil. E leve também isto. – Estende um pedaço minúsculo de giz de cera verde. – Sabe que nossos olhos são frágeis, talvez você precise redesenhá-los.

Arthur, o soldado altruísta, desenrola nas mãos uma corda.

— Desceremos você e Bala-no-alvo. Assim terá uma vantagem e mais tempo!

Killian, o soldado habilidoso a abraça.

— Vá em paz, cara soldada. – Sussurra. – Você me chamar de habilidoso, mas nós sabemos quem tiraria de letra uma batalha entre nós dois. Não duvide de si. Eu acredito em você.

Emma, com toda sua benevolência, sorri para os soldados de chumbo, perdoando-os, grata. Arma-se da espada e da espingarda e, em um pulo só, sobe na sela do animal de pano, deixando-os com os nós da corda de segurança. Em uma força tarefa, os soldadinhos apoiam-se nas ondulações e imperfeições da madeira da cômoda, descendo-a juntos, lentamente. Ela estremece sobre o cavalo, segurando as rédeas com firmeza.

Não há dúvidas, não há receio. Pode não ser tão astuta quanto Robin, tão leal quanto Lancelot, tão altruísta quanto Arthur, tão corajosa quanto Dantés, tão amiga quanto Baelfire, tão inteligente quanto Hans e tão habilidosa quanto Killian, mas Emma tem um coração. Um coração de madeira grande demais, que encontra dentro de si toda a astúcia, lealdade, altruísmo, coragem, amizade, inteligência e habilidade necessárias para partir na perniciosa missão de resgate à sua adorada Bailarina Espanhola.

De repente, é desperta de seus pensamentos. A corda se parte e soldadinha e cavalo de pelúcia quedam-se contra o duro assoalho.

PLOFT!

No quarto, Widow senta-se de olhos arregalados, tomando a lamparina do criado-mudo e olhando ao redor.

— Querido... – Sacode o ombro do marido adormecido. – Querido, acorde! – Mais uma vez, impaciente. – Geppetto!

— Sim, minha querida? – Sonolento, sussurra.

— Ouviu isso? Há barulho na casa, tenho certeza que ouvi! Será Pongo tentando subir no fogão a lenha novamente? Ou nossos pequenos fora da cama, assaltando a despensa? O que aprontam?!

— Calma, calma, meu amor. – O velho se vira e deita a cabeça em seu colo, ainda de olhos fechados, bocejando. – Meu bem, pode ter sido lá fora, as noites estão agitadas nesta época. Volte a dormir, sim?

— Vamos, homem! E se for algum delinqüente?

Geppetto suspira, puxando-a pela cintura e fazendo-a deitar novamente, a beija três vezes: Uma na testa, uma nos lábios e uma nas costas da mão, voltando a aconchegar-se encolhido nos lençóis.

— É o Papai Noel. Amanhã o bolo de chocolate com nozes terá desaparecido e a sala estará recheada de presentes. Por hora, voltemos a sonhar.

Com uma imprecação, derretida pelos carinhos do esposo, Widow volta a adormecer.

Emma geme de dor com o corpo sob o cavalo de algodão, mirando a cômoda para deparar-se com seis cabeças de chapéu, seis soldadinhos de chumbo com expressões assustadas e culpadas ao mesmo tempo, seis sorrisinhos embaraçados.

— Perdão...! – Killian une as mãos ao redor da boca para um grito sussurrado.

Ela acena, tentando descontraí-los com um sorriso. Novamente está sob o dorso de Bala-no-alvo e avança pela escuridão da sala, atônita com os montes turvos que a cercam. Uma vez pego um atalho pela corda, evita a cadeira renascentista e a poltrona felpuda, mas não pode escapar da mesa de centro e do tapete oriental. Um é uma ponte de nacos gigantescos de biscoito e o outro é uma densa floresta colorida, atordoante.

A mesa, seu primeiro obstáculo, é travada com a ajuda de Bala-no-alvo, que salta os biscoitos com maestria e graça, relinchando de alegria a cada cavalgar. Por um instante a própria Emma diverte-se com sua alegria, afastando o terror de ver o duende assombroso machucando os braços delicados de sua Bailarina.

No tapete oriental de mil cores, porém, as cerdas os cobrem, exceto pelo chapéu de Emma, que parece flutuar na imensidão aveludada. Com a ponta da baioneta, tenta abrir caminho para o animal, embora as cores a confundam e estonteiem.

Assustando-se, tromba em alguma coisa. Bala-no-alvo relincha e ergue as patas dianteiras, derrubando-a. Ela salta para pôr-se de pé, capturando o chapéu antes que caísse, confusa.

— Desculpe, desculpe! – Uma voz grave e suave lamenta. – Eu não queria machucar você!

A voz vem de um boneco de madeira o dobro do seu tamanho. É belo, a madeira é clara, as roupas são brilhantes, a espada reluz o alumínio e os olhos pintados de azul são da mesma tinta dos olhos Regina, sua Bailarina Espanhola. Um príncipe! Só poderia ser um príncipe. Tem semblante inocente e entristecido, além de lhe faltar as duas pernas e um braço. Emma percebe, analisando-o na profusão de cores ao redor, que as pernas estão esmagadas e o braço ao lado, solto, em pedaços.

— Você está bem?! – Desespera-se. – Eu fiz isso a você?! Perdoa-me, perdoa-me, eu não o vi!

— Não se preocupe, você não fez nada. – Sorri ao vê-la intacta. – Eu já estava assim, estou assim há muito tempo. Você é Emma, a soldadinha de chumbo do menino, o pequeno August. Eu sou o Príncipe Charming, mas você pode me chamar de David.

— Eu sabia que você só podia ser um príncipe. – Ajoelha-se ao lado do rapaz. – O que aconteceu com você?

— Oh, soldada, isso foi há muito tempo. – Esmorece. – Eu estava na prateleira de vidro com minha princesa, mas vim parar aqui há sete anos, quanto August nasceu. Geppetto estava consertando um dos meus botões quando Widow sentiu as contrações e, apressado, deixou-me cair para ajudá-la. Fui pisoteado em seu desespero pela vinda do pequeno e esquecido aqui, sozinho.

— Há sete anos Widow não lava ou limpa este tapete? – Ela franze os fios de tinta de suas sobrancelhas.

— Tive esperança de que o faria em breve, mas você está certa. Há sete anos estou aqui.

Emma mira a prateleira de vidro logo acima da estante de itens frágeis e vê, num canto, caída, uma boneca com um longo vestido branco e cabelos escuros, pálida como o príncipe.

— A sua princesa! É ela, não é? – Aponta para cima e à esquerda, afastando as cerdas coloridas para que o príncipe a visse.

— Sim! – Suspira e exibe um triste sorriso. – Snow White não é linda? Minha amada! Como eu gostaria de estar com ela novamente! Como Widow poderia limpar este maldito tapete, meu túmulo! Você já amou, Emma? Você sabe como me sinto?

Involuntariamente, pensa em Regina. Regina repleta de medo e esperança de ser por ela salva.

— Eu vou ajudá-lo. – Determina.

— Encontrará um meio de Widow limpar este tapete? – Ilumina-se. – Você faria isso por mim?

Emma o ergue com dificuldade, arrastando-o até Bala-no-alvo. O coloca deitado horizontalmente na sela do cavalo, usando dos restos da corda para prendê-lo ali.

— Meu amigo Bala-no-alvo pode levá-lo até ela! – Sorri. – Ele será cuidadoso.

— Não, não, soldadinha! – Tenta se mover, sem sucesso. – Não posso deixá-la sem seu companheiro nestas estradas tortuosas! Daremos outro jeito!

— É noite de Natal, Prínci... É noite da véspera de Natal, David! – Toca-lhe o rosto gentilmente. – Ninguém deve passá-la sozinho. Bala-no-alvo é obediente e sabe escalar com suas longas patas como nenhum outro brinquedo com mãos que eu conheço! Por favor, aceite. Estou fazendo isso porque sei exatamente o que é desejar estar perto da amada.

— Obrigado, Emma, obrigado! – Sorri genuinamente. – Você me devolveu a vida!

Despede-se do Príncipe com um abraço apertado, contente de coração ao ver a alegria estampada em seus olhos azuis. Passa a caminhar sozinha, arduamente atravessando o tapete oriental de mil cores, crente com todo o seu ser de que chegará até Regina com ou sem Bala-no-alvo. Um ato de bondade está acima de suas próprias necessidades.

A espada afiada por Robin e Arthur é sua salvação ao alcançar à estante. Fincando a ponta fina na madeira, escala duramente cada centímetro, empenhada em sua missão. Parece levar um século até chegar ao topo e, quando o faz, esbugalha os olhos de encanto. O tampo da estante de itens frágeis, além de caríssimos, é forrado com uma toalha aveludada de arabescos, fina e cheirosa. A mansão de bonecas de vidro é maior do que imaginava, é majestosa. As flores são tão belas e ternas que Emma teme tocar-lhes as pétalas. Saltando cuidadosamente, a paisagem é a mais agradável que já vira, exceto pelo fato de que não havia ali sua Bailarina Espanhola para abrilhantar e aquecer seu coração.

Na beira, Emma bate contra a própria testa, aflita. Não há pegadas, não há sinal do Duende. Para onde fora? Deveria ter pensado a respeito antes de deixar à cômoda! Agora não faz a menor ideia do que fazer, nem para onde ir.

— Ei. Ei, você. – Uma voz acanhada e sutil a chama.

Emma a busca na escuridão aplacada pelo fraco fogo da lareira no centro da sala, olhando para baixo, para os lados e, finalmente, para cima. Sobre sua cabeça, pendurada por um fino fio em um gancho na parede, uma marionete. Tem os braços caídos de frustração, óculos redondos de ferro, cabelos de crina alaranjada e usa roupas cor de ferrugem, tanto o colete e a camisa quanto as calças e sapatos. E o triplo de seu tamanho.  

— Saudações... – Emma pigarreia.

— Você está procurando pela Bailarina Espanhola, não é? – Sussurra lá de cima. – O duende mau a levou consigo, eu vi.

— Regina... – Suspira. – Sim, eu estou. Eu sou Emma.

— Muito prazer, Emma. Eu sou Archie. Está vendo o cabideiro?

Esticando-se na ponta, Emma percebe o cabideiro pregado na parede, perto de ambos, estendendo-se por ela até o cômodo seguinte.

— O que tem o cabideiro? – Coça a nuca, perdida.

— Siga por ele e você chegará à biblioteca. É lá que Rumplestiltskin está com a Bailarina Espanhola.

— Obrigada, Archie! - Emma sorri abertamente, aliviada com a informação.

— Boa sorte, Emma.

Preparando-se para saltar e agarrar o primeiro gancho do cabide, porém, detém-se. Observa mais uma vez a marionete, que ainda a encara. Vê seus olhos amendoados tão tristes e sozinhos, que não resiste em perguntar.

— Você está preso, não está? Por quê?

— Oh, não se incomode. – Sorri. – Estou aqui desde o último Dia das Crianças.

— Mas... Por quê? – Mina sua curiosidade.

— Eu costumava conversar muito com os itens de vidro da mansão. Sabia que elas são fadas de vidro? Elas são. Éramos bons amigos. No último Dia das Crianças, uma das fadas de vidro estava muito próxima à beira e o vento forte da janela aberta a derrubou. Lamentamos muito, mas Widow e Geppetto concordaram que se devia à falta de espaço na estante. Desde então, repouso aqui.

— Você está sozinho! Ninguém deve ficar sozinho!

— Está tudo bem, Emma. Não fique aqui ouvindo minhas lamúrias. Salve a Bailarina Espanhola antes que o dia amanheça. Eu ficarei bem. – Sorri.

Mas seu sorriso é triste. Emma reconhece.

— Talvez eu possa... – Tateia o próprio corpo. A mão cobre sua espada. – Sim! Eu posso cortar o fio, eu consigo! Você sofrerá uma pequena queda, mas eu consigo!

— Acha que é possível?! – Entusiasmado, agita-se. – Estão tão só aqui! Como eu adoraria ver minhas amigas, Blue, Tinkerbell, Astrid...!

— Fique parado! – Pede. – Eu consigo!

Emma respira fundo, ciente de que perderá a espada. Ainda tem a espingarda e prefere improvisar com ela a deixar a pobre marionete mais um segundo sequer ali, sozinha. Archie a contempla com um sorriso esperançoso e, inclinando-se em sua única perna, Emma morde os lábios em concentração e lança a lâmina de madeira contra a parede. A espada, como imaginava, fica presa na pedra.

PLOFT!

No quarto de castelos, lobos, corcéis e florestas pintados em aquarela nas paredes, com as camas unidas e roupas espalhadas no chão com os brinquedos, August desperta assustado.

— Ruby! – Chama pela irmã. – Ruby, eu ouvi alguma coisa! Você ouviu?

— Sim, ouvi. – Vira-se para encará-lo. – Mas está tarde, Gus. Volte a dormir, deve ter sido o vento.

— Mas e se for o papai colocando nossos brinquedos na árvore? – Sorri. – Podemos descobrir mais cedo o que ganharemos!

— Sempre esperamos o dia clarear, Gus. – Suspira. – Mamãe nos deporta se transformarmos a sala em um campo de batalha antes da hora.

— Mas... Eu quero brincar! Vamos brincar, irmã, por favor!

— Gus... – Impaciente, o abraça na cama e o faz aquietar-se. – Se prometer voltar a dormir agora, eu prometo que amanhã roubarei aqueles bombons de licor que papai não nos deixa comer. Uma caixa só para nós. Trato feito?

Ele sorri travessamente e a abraça, fechando os olhos.

— Trato feito!

Emma, com sua pouca força, ajuda Archie, a marionete, a ficar de pé. Archie está tão feliz que a toma em um rodopio, abraçando-a firmemente, agradecendo. Emma sorri. Alegra-se em saber que Archie não será mais sozinho, mesmo que talvez por poucas horas. O boneco a ergue com as mãos até o gancho do cabide, um último auxílio antes que ela passe a impulsionar o corpo repetidamente, saltando de gancho em gancho na direção da biblioteca. Prossegue sozinha, crente com todo o seu ser de que chegará até Regina com ou sem sua espada. Um ato de bondade está acima de suas próprias necessidades.

Gancho por gancho, Emma sente-se perder as forças a cada salto. Mas não pode desistir, nunca desistiria dela. Com todo o furor apaixonado que guarda dentro de si, finalmente chega à biblioteca da casa. Se a visão da estante a deslumbrou, não encontra a palavra ideal para descrever o que sente ali. É pequena, mas lhe parece um quarto de sonhos e de mundos distintos. Abarrotada de livros do chão ao teto, de várias cores e tamanhos, empilhados, lado a lado, jogados, espalhados por toda a sala. Há duas poltronas aconchegantes, uma pequenina lareira e um globo terrestre em uma base reluzente de bronze. Há também estranhos objetos, objetos que Emma nunca vira, provavelmente trazido dos antiquários que Geppetto freqüentava, dos quais trazia mil e uma bugigangas.

— Regina... – Ela sussurra. Uma tentativa. Não há sinal do duende ou da bailarina.

Não há motivo para suspiros e temores. Intrépida, Emma a encontrará a todo custo, até que todas as cores vibrantes de seu uniforme desbotem, até que a sola de madeira de suas botas gaste e perca a última perna que lhe resta, até que seu corpo se transforme em brasa, até a última pena de seu chapéu esfarele.

Passa a escalar as prateleiras, afastar os livros, empurrando-os com toda a força que é capaz, salta os espaços, embrenha-se nas fileiras ocultas, de ponta a ponta buscando-a, sussurrando-lhe seu nome. Quando faz um salto arriscado da prateleira direita para a pedra da lareira, estremece: Rumplestiltskin está adormecido em uma das poltronas, tranquilamente.

Emma respira fundo. Se o duende está ali, Regina também estará.

Saltando para as prateleiras à esquerda, onde Geppetto guarda as mais estranhas invenções, mais uma tentativa.

— Regina...!

Um som! Um som sussurrado entre a pilha de bugigangas.

— Regina! Sou eu, Regina!

— Emma...?

O coração da soldadinha de chumbo dispara. É ela! Sim, com sua voz grave, rouca e melodiosa! Regina, a Bailarina Espanhola!

— Regina! – Sorri. – Onde você está? Eu não a vejo...!

Ela segue o som, perdida entre tantas cores e brilhos nos objetos, arrastando-os, desempilhando-os.

— Aqui! No caleidoscópio!

Emma depara-se com o grande tubo de vidro. O quádruplo de seu tamanho. Fechadura dourada. Não é transparente, mas o vidro apresenta milhares de cores e, através dela, a silhueta de Regina. O brinquedo óptico que Geppetto não permite Ruby e August de tocarem. Mil cores, mil espelhos.

— Eu te encontrei... – Emma toca o vidro, atônita e aliviada.

— Eu estava te esperando. Sabia que viria. – A mão de porcelana toca o outro lado. – Emma, eu quero ir embora. Isto machuca.

E deveria machucá-la. As cores dançando espelhadas, confundindo-a, perturbando-a.

— Vim para salvá-la. Preciso encontrar a chave. Eu prometo que vamos sair daqui o mais depressa possível. – Sussurra incapaz de abandonar o sorriso.

— Eu quero ir para a cômoda com você... Não me leve para a estante novamente! Os outros brinquedos não falam muito comigo. – Diminuta, encolhe-se dentro do caleidoscópio, abraçando o próprio corpo, sussurrando entristecida. – Acham que Geppetto os menospreza diante de mim. Eu não me importo. Eu não quero ser o item mais bonito da loja. Mas.... Às vezes eu gostaria de ter com quem conversar... Todos acham que sou arrogante e egocêntrica.

— E eu acho que você é linda. – Abobada, a soldadinho apoia as mãos no vidro como se pudesse ficar mais próxima. – Desde que Geppetto começou fabricá-la eu soube que nunca mais quereria olhar para nada, nem para ninguém.

— Eu... – Corada, esconde o rosto nas mãos, como sempre, mesmo sabendo que Emma não pode vê-la com clareza.

— E não se incomode com os outros mesquinhos e julgadores... Os soldadinhos, exceto por aquele verde e amarelo, o Killian, também não falam comigo. Acham que eu não devo fazer parte do Batalhão porque não posso lutar com uma perna só.

— Isso não é justo! – Expressa toda sua mágoa em um bico que faz Emma derreter e implorar consigo poder vê-la. – Você atravessou tudo isso para chegar aqui e fez tudo sozinha!

— Eu os compreendo. E eu tinha um motivo para essa jornada. Eu tinha que te salvar. E eu tinha que estar perto de você. Eu não posso mais sair de perto de você, Regina.

— Emma... – Sussurra, chocando a testa e ambas as mãos no espelho do lado de dentro.

— Sim? – Imita seu gesto, como se pudessem unir as frontes.

— Eu quero sair. Eu quero tocar você...

— A chave! – Recorda-se. – Espere, eu prometo que vou achar! Deve estar em algum lugar por aqui!

Emma tropeça com a única perna nos objetos, desastrada, arrancando um riso adorável da bailarina. Tem tanta pressa de encontrar a chave e tomá-la nos braços, que sequer percebe a sombra que se projeta na prateleira.

— Emma! Cuidado! – Mas Regina percebe. E a alerta.

— Procurando isto aqui, soldadinha perneta? – O duende sorri monstruosamente, balançando a chave nos dedos tortos.

— Você! – Emma se vira com a espingarda nas mãos, furiosa. – Solte-a imediatamente!

Rumplestiltskin destranca o caleidoscópio e agarra novamente o frágil corpo da bailarina, gargalhando. Quá-quá-quá! Quá-quá-quá!  Emma nunca sentira raiva em toda a sua existência. Esta é a primeira vez. Que sentimento desagradável, pensa. Que terrível sentir-se colérica, inclinada a atacar, a ferir. Não quer essa emoção, a dispensa! Quer as zombarias dos soldadinhos, a cumplicidade de Killian, a graça das fadas de vidro, a amabilidade do Príncipe Charming, o entusiasmo sincero de Archie. Quer brincar nas mãos de Ruby e August. Quer cair doente de amor pelo encanto que Regina lhe causa. Mas não isto. Não este ódio que parece doer dentro de si.

— E o que você vai fazer?! – Rosna. – Atirar em mim com essa espingarda de papel, soldadinha perneta! Acho que eu deveria destruí-la de uma vez por todas! Veja essa porcelana, ela é tão frágil! Posso facilmente parti-la em milhares de pedacinhos!

E o sentimento desgostoso explode no peito de Emma. Do delicado bolsinho de sua farda, toma o punhado do pó de pimenta e, sem hesitar, o atira com toda a sua força e destreza para cima, nos olhos do duende. Rumplestiltskin grunhe ao sentir corroer o pano, soltando bruscamente a bailarina no ar, caindo sobre os objetos frágeis com as mãos no rosto.

Emma a segura. Ela cai em seus braços e imediatamente agarra seu pescoço, afundando-se nela. A delicada e lisa porcelana contra a áspera e imperfeita madeira. Com uma perna só, Emma acolhe o seu mundo inteiro. Ela, pequenina soldadinha de chumbo, sente-se engrandecer como nunca antes sentiu. Como nunca mais sentirá se não por ela, Regina, a Bailarina Espanhola.

— Desde que Geppetto usou a tinta perolada para pintar meus olhos e eles se encontraram com os seus, eu desejo tocar você. Eu desejo estar nos seus braços, Emma.

Tudo para Emma é, agora, deslumbre. O veludo vermelho de seu vestido, a frieza branca da porcelana, a doçura de sua voz grave, o aperto necessitado de seu corpo contra o dela.

A química já estudou a reação de um contato tão intenso entre madeira e porcelana?

— Vocês, suas insolentes! – Rumplestiltskin está de pé, recuperado, com o pano dos olhos quase retorcido. Está furioso. Está violento. Está vingativo. – Agora vocês irão pagar!

Emma a coloca sobre a prateleira, tomando novamente a espingarda.

— Fique atrás de mim, Regina. E fuja assim que ele me atacar.

— Não! – Regina a contorna e a abraça, escondendo o rosto em seu peito. – Não vou deixá-la, demorei muito para estar com você!

— Fique longe dela, vilão mentecapto! – Emma rosna, enlaçando-a com os braços, largando a espingarda. Sabe que não pode enfrentá-lo. Não há mais pó de pimenta, não há espada, não há cavalo, não há corda.

— Vou esmagá-las por tentarem derrotar-me! – Replica com os dentes expostos, aproximando-se com os punhos fechados.

Emma a abraça como se fosse uma cúpula, um escudo. Como se pudesse protegê-la. Se tivesse sua espada, atiraria no duende. Se tivesse sua corda, tentaria capturá-lo e derrubá-lo. Se tivesse Bala-no-alvo, já estariam longe dali.

Contudo, Emma não se arrepende. Deixar a corda e o cavalo salvou David e o levou para junto de sua princesa. Usar a espada libertou Archie e permitiu que a marionete confraternizasse com as fadas de vidro na mansão de bonecas. Estes dois atos trouxeram alegria a alguém e foram realizados de coração.

Sim, seu coração é a parte mais valiosa de si, seu coração, que agora pertence à Regina, fez o que fez por não suportar colocar-se à frente de todos. Confiou que salvaria Regina sem a corda, o cavalo e a espada. E salvou. Regina sabe que a salvou, essa confirmação está ali, diante dela, com toda a sua alma, apertando-a. A Bailarina Espanhola ergue o rosto e, com um sorriso compreensivo, beija seu queixo de madeira. Se a química não estudou, de fato, essa reação, porcelana e madeira, saberia exatamente o efeito deste encontro através do estremecimento da única perna de Emma. Do sorriso involuntário que parece querer fugir de seu rosto e voar. Do calor que se espalha em seu corpo como um incêndio florestal.

— Para trás, vilão! – Uma voz ecoa.

Emma observa quando um livro acerta o nariz do duende e o faz cambalear para trás. Virando-se bruscamente, sem soltar Regina de seus braços, seus olhos arregalam-se. E seu coração, seu valioso coração, uma vez mais, enche-se de luz.

A voz é de Killian. Archie atirou o livro. Killian, Archie, a princesa Snow White, o Príncipe Charming na sela de Bala-no-alvo, as fadas de vidro ao lado da marionete, os soldadinhos de chumbo, Robin, Lancelot, Arthur, Dantés, Baelfire e Hans, com suas espadas afiadas. Todos ali sorrateiramente atravessaram a casa silenciosa até a biblioteca e vieram salvá-la.

Se Emma chorar, prejudicará sua estrutura de madeira?

— Afaste-se delas! – David ordena.

Os soldadinhos não perdem tempo. Avançam contra Rumplestiltskin, que estarrecido assiste ao desenrolar da estranha cena. Sempre vira Emma sozinha ou com Killian, jamais imaginando que ela pudesse ter tantos amigos.

Robin, o astuto, atira flechas feitas com palitos de dente nas coxas do duende.

Lancelot, o leal, lhe dá cobertura atirando flechas nos braços do duende.

Arthur, o altruísta, pula direto no pescoço do duende.

Dantés, o corajoso, aventura-se no corpo do duende e golpeando-o com a espada.

Baelfire, o amigo, ampara a soldadinha e a bailarina assustadas.

Hans, o inteligente, usa uma corda para prender as pernas do duende.

Killian, o habilidoso, salta para dar com os dois pés no peito do duende.

Snow White, Archie e David atiram mais livros e objetos que encontram.

PLOFT!

Rumplestiltskin cai desastrosamente da prateleira, estatelando-se no assoalho, sequer capaz de exclamar sua dor e derrota. Sob uma montanha de coisas pesadas, ferido pelos soldados, perde a consciência.

— Nós conseguimos! – Killian comemora. – Conseguimos, Emma!

Emma toma alguns segundos para compreender e abrir um largo sorriso. Regina a solta quando os soldadinhos correm em sua direção e amontoam-se em cima dela, rindo, rindo com o coração, a alegria ímpar invadindo-os sem pedir permissão. Juntos e somente unidos derrotaram um vilão ardiloso. Emma nunca esteve tão feliz. Ela salta em sua única perna e rodopia como pode com Regina em seus braços, musicada pelos aplausos de todos.

Recompensa. Este momento é, para Emma, recompensa.

— O que faremos com ele? – Robin interrompe a calorosa troca de sorrisos. – Deveríamos atirá-lo ao fogo!

— Acho que devemos colocá-lo no fundo do baú e deixá-lo lá para o resto de seus dias. – David opina, olhando com reprovação o corpo inerte de pano do duende.

Emma, abraçada a Regina como se nunca mais pudesse separar-se dela, simplesmente sorri.

— Não. Eu tenho uma ideia melhor.

 

Defina-me um milagre.

 

Ecoam os sinos do dia de Natal. Bom dia, bom dia! Felicitações, meus amigos! Abençoada seja esta e todas as outras manhãs! Ruby e August lambuzam-se de bolo enquanto Widow e Geppetto dançam romanticamente na sala de estar sob a melodia da caixinha de música. A Bailarina Espanhola baila vigorosamente pela superfície espelhada e o próprio ar ao redor da casa de brinquedos é leve, é paz.

— Meu querido... – Widow tem lágrimas nos olhos. – Hoje a canção e a dança da minha bailarina parecem tão mais belas!

— É o espírito do Natal, minha amada Widow! – Geppetto beija-lhe a testa.

— O que Emma está fazendo aqui? – Aponta para a soldadinha colocada sentada na ponta da caixinha de música. – August está deixando os brinquedos fora do lugar?

— Não, mamãe! – O pequeno corre até a sala com chocolate nos cantos da boca, enrolando-se em seu cachecol. – Eu não sei por que, mas Emma estava aí quando acordei. Podemos deixá-la aí?

— Bambino, não seria melhor deixá-la com seus amigos soldados? – Geppetto sorri de sua inocência.

— Eu... – August olha para os lados, sussurrando. – Papai, eu acho que a Emma gosta da bailarina da mamãe. Por favor, deixe-a ficar...?

— Está bem, está bem. – Widow assente. – Chame sua irmã, estamos atrasados para o coral dos órfãos! Hoje temos uma surpresa para vocês!

— O que é, mamãe? – Ruby aproxima-se com um guardanapo, limpando os lábios doces do irmão caçula.

— Lembram-se da pequena que conhecemos em nossa última visita ao orfanato? Aquela ruivinha, Zelena...

— Aquela que fez Ruby suspirar por dias e dias? – August delata.

— Gus, seu dedo duro!

— A namoradinha da Ruby, namoradinha da Ruby! – O pequenino gargalha.

— Sim, a namoradinha da Ruby! – Widow pisca para o menino. – Conversamos com aquela artista plástica que vive solitária na mansão do centro, Cora Mills, a que encomendou com seu pai as marionetes para o show do orfanato. Adivinhem só...

— A Senhora Mills vai adotar Zelena?! – Ruby ilumina-se.

— Sim, pequena! – Geppetto a toma nos braços, saltitando. – Vamos contar a novidade?!

— Vamos! Por favor! – A menina ri.

— Papai, espera... Tem uma caixa aqui na árvore. Está escrito o seu nome. – August aponta para o pinheiro enfeitado ao lado da lareira.

— Para mim? – Geppetto impressiona-se. O inventor de brinquedos nunca recebia presentes, apenas os fabricava.

O velho homem ajoelha-se no chão com os curiosos filhos ao lado, sob o atento e intrigado olhar da esposa. E seus olhos, pela primeira vez diante da família, enchem-se de lágrimas. Lágrimas trêmulas de uma alegria sem par.

— Rumple... – Ele sussurra. – Rumplestiltskin... O meu duende... Um dos meus primeiros brinquedos fabricados...

— Que brinquedo legal, papai! – Ruby exclama.

— Como ele foi...? – Widow franze as sobrancelhas. Mas Widow também sorri.

O choro escorre no rosto de Geppetto quando abraça o grande duende de pano e madeira, com cheiro de guardado e furos no tecido irreconhecíveis por ele.

— Rumple! – Gargalha. – O meu Rumple! Como pude me esquecer deste brinquedo?! Ele foi meu amigo, minha amada Widow, meus amados filhos, foi um dos meus melhores amigos! Perdoe este velho, Rumple, meu amigo! Perdoe-me! Eu nunca mais irei esquecê-lo, eu prometo!

— Papai, podemos levá-lo conosco? – August toca os cabeços de crina crespa do boneco.

— É claro! – O coloca sentado no pescoço do filho, que segura as pernas do brinquedo, carregando-o para fora. – Este é o melhor de todos os nossos natais!

Gepetto entrelaça os dedos nos da esposa e a família tranca a casa, caminhando alegremente para o orfanato. Ainda dobram os sinos, ainda há cumprimentos amáveis, vermelho e verde e neve por toda parte. Crianças novamente em seus mini trenós, presentes trocados, velas, danças, música.

O silêncio na sala de estar é substituído pela cantoria de Archie, sapateando para as fadas de vidro. Substituído pelos suspiros de Snow White e Charming, reclusos, deitados lado a lado, felizes por reencontrarem-se. Substituído pelo batalhão de soldados de chumbo cumprimentando os novos brinquedos da casa enquanto Killian bravamente acaricia o focinho do curioso e agitado filhote de beagle, o presente de Ruby, tentando evitar que o pequenino o lamba e o engula em sua euforia.

Emma ainda olha para a porta da sala. Ela não precisa de nada para saber como Rumplestiltskin, o duende vilão, está feliz. Sentada na caixa espelhada, balançando sua perna, suspira de alegria. Regina ajoelha-se em suas costas e a abraça, beijando suavemente seu rosto, sussurrando apaixonada.

— Minha heroína. – E desliza para seu colo, segura em seus braços. – Minha salvadora.

Benevolência. Amar quem nos ama não é, necessariamente, benevolência. Socorrer quem nos socorre não é, necessariamente, benevolência. Porque amar quem nos ama e socorrer quem nos socorre é simplesmente fácil. É fácil amar quem nos faz bem, que nos dá alento. O desafio é amar, socorrer, dar a mão, dar perspectiva, expectativa, oportunidade, a quem vive em amargura ou quem nos fere de algum modo. É tão, mas tão simples ser bondoso com as pessoas que nos são boas.

Nenhuma dor é irrisória.

E o desafio de amar, de ajudar alguém na escuridão, é um desafio que não pode ser vencido de outra forma que não seja com o próprio amor.

Pois amor gera amor.

E amor gera plenitude.

É o que Emma, a soldadinha de chumbo, nos braços de Regina, a Bailarina Espanhola, cercada de amor, sente finalmente naquela manhã gelada de Natal.

Plenitude. 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Nos vemos, como sempre, em breve. À vocês, eu desejo... Plenitude!