Há certos detalhes sobre a minha infância que não me recordo bem, mas há uma coisa que lembro claramente – o nosso primeiro mistério. É como se observasse aquele dia através de uma lupa. A manhã parecia feita para mim, o sol radiava, contudo, a temperatura estava amena. Era o ambiente perfeito para algumas voltas de bicicleta pela rua. Eu havia acabado de aprender a andar sem as rodinhas e me sentia um adulto por aquilo. Scooby adorava correr atrás de mim pelo quarteirão, então era algo que curtíamos juntos. No entanto, nenhum dos meus planos acabou se concretizando, pois quando fui à procura de minha bicicleta, ela não estava lá. Fiquei abalado no mesmo instante. Mesmo com Scooby tentando me consolar, o sentimento de angústia não desaparecia. Uma das minhas primeiras conquistas, arrancada de mim tão repentinamente. Simplesmente não compreendia por que alguém faria aquilo.

Não pensei duas vezes antes de contar aos meus amigos. Estávamos decididos, iríamos descobrir quem era o responsável e recuperaríamos o que havia sido tomado de mim. Assim, embarcamos em nosso primeiro caso. As pistas nos levaram até o fim do mistério, até o culpado e até a minha pequenina bicicleta vermelha – que na época era gigante aos meus olhos. Foi uma experiência que deixou todos entusiasmados com o mundo da investigação. A partir daquilo, os enigmas pareciam vir até nós, apenas crianças, como se fôssemos escolhidos, e as soluções para eles pareciam se encaixar de forma tão sublime em nossas mentes, como se fôssemos especiais. Ainda que os mistérios me deixassem arrepiado de medo, eles também me faziam sentir algo que nunca consegui descrever. Porém, uma coisa aconteceu e mudou tudo.

O tempo. Foi isso que aconteceu. Crescemos e a imaginação se dissolveu em nossas cabeças, até que a cortina fantasiosa caiu completamente diante de nós. Apesar de sentir que tudo aquilo foi real, podíamos enxergar o contrário e nossos pais, em seguida, solidificaram nossos temores. Não havia bicicleta roubada, não havia mistério, nenhum deles. Tudo se devia a um pneu furado, convertido por mentes sonhadoras no melhor mistério de todos. Meu pai havia levado minha bicicleta até um mecânico. Ele havia esquecido de avisar-me, mas quando se lembrou, dedicou um tempo a nos observar e não se viu no direito de interromper a brincadeira de tal maneira. Meu velho não imaginava o quanto imergiríamos naquela fantasia e aquilo desencadeou uma série de casos que só existiam de fato em nossas cabeças. A revelação de que tudo não passara de uma ilusão da infância nos desestruturou e nos separou. Esquecer tudo isso aparentava ser a melhor opção, mas, é claro, não a mais fácil. Se distanciar das pessoas com quem construímos aquela miragem pareceu a todos um dos caminhos mais lógicos para evitar que as desilusões viessem à tona.

Entretanto, comigo a situação era mais complicada. Eu tinha o Scooby para me lembrar daquilo e não me afastaria dele nem que tivesse que conviver com o sentimento de desencanto a vida toda. E foi a decisão que tomei. Até que um dia, nas férias de verão meus pais levaram eu e minha irmã até a Geórgia. Lá, visitamos as Pedras Guias, um grande monumento feito em granito que havia sido inaugurado há quase uma década e meia. Nele estavam gravadas frases em línguas distintas, algumas modernas e outras antigas, como o guia turístico nos informava durante a contemplação. Ele também explicou a história por trás da obra diante de nós. Um homem desconhecido havia ordenado a sua construção. Nunca se soube a identidade dele, pois havia usado um pseudônimo, nem o verdadeiro motivo para o feito. Naquele instante percebi que, mesmo que tudo aquilo que passamos não tivesse sido real, haviam verdadeiros mistérios pelo mundo, casos não-resolvidos à espera de alguém com a solução. Não só alguém, mas uma equipe e, felizmente, ela estava disposta a uma reconciliação.

Assim nasceu a Mistério S/A.