Skalds & Shadows escrita por Lieh


Capítulo 1
Skalds & Shadows


Notas iniciais do capítulo

O conto é baseado em fatos históricos originários da Batalha de Bannockburn. O título é referente à canção do Blind Guardian de mesmo nome. Boa leitura!



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A flecha zuniu cravando no tronco de uma árvore. O luar banhava as folhas e a silhueta de uma jovem a meia luz treinando com o seu arco. Um vento cálido de verão sussurrou balançando as copas das árvores. Estava tudo no mais doce silêncio.

Mesmo com a calmaria, a tempestade estava próxima e Margery tinha consciência disso.

Ela tinha absoluta certeza que estava escondida naquela floresta há menos de um dia desde quando fugiu da Inglaterra sem um curso definido de ação, deixando por lá a madrasta. Margery prometeu que voltaria para ajudá-la depois que conseguisse executar o seu plano, aquilo que não saia da sua cabeça desde o dia que recebeu uma carta em segredo.

Margery tirou outra flecha de sua aljava, mirando novamente no tronco da árvore. Zum! Acertou ao lado da flecha anterior, ficando as duas lado a lado. Um tiro perfeito. Apesar de fazer muitos anos que não treinava desde quando foi levada como prisioneira para a Inglaterra, confinada em um convento, as técnicas de tiro estavam intactas.

Cansada, ela sentou-se numa pedra incrustada no solo, guardando as flechas cravadas na árvore de volta na aljava. Margery esperava ansiosamente o momento propício para agir. O céu noturno estava completamente brilhante de estrelas, o vento estava no seu curso correto vindo do leste e as águas do rio Forth - logo atrás de alguns arbustos de onde ela estava – encontrava-se calmo, correndo com águas tranquilas o seu curso.

Retirou do bolso do vestido a carta já bastante amassada. Ela sabia todas as linhas de cor, mas por algum motivo inexplicável, ela sempre relia como que quisesse comprovar os terríveis fatos narrados na missiva.

Murmurando ela releu novamente:

Scone, Perthshire 20 de Maio de 1314

Minha querida Margery:

Tu não sabes o quanto me dói escrever-te, sendo que eu poderia estar ao teu lado neste instante. Entristece-me muito mais saber que tu, minha adorada esposa Elizabeth e algumas de minhas irmãs estão prisioneiras desses bárbaros ingleses. A única coisa que me consola é que pelo menos tu e Elizabeth não foram confinadas em jaulas como suas tias – ao qual eu fiquei extremamente furioso. Edward II está se provando um rei tão cruel com seus inimigos quanto o pai – que Danú os amaldiçoem!

Depois de lamentar-me no parágrafo anterior, eu tenho a incumbência de informar-lhe tristes notícias. Esses fatos que acabaram de ocorrer causam-me uma dor sem tamanho e tenho certeza que causará dor a ti também, minha filha. Preciso lhe informar que tua irmãzinha, Ailen com seus adoráveis cinco anos, caiu em desgraça diante do inimigo: ela foi roubada em seu próprio quarto ontem à noite. A casa ficou em polvorosa quando as empregadas entraram no quarto de Ailen e não a encontraram. Eu e alguns oficiais do exército fizemos uma busca por todo o condado, entrevistando vizinhos e conhecidos, porém sem sucesso.

Hoje pela manhã, eu recebi uma carta com o selo da Coroa Inglesa. Pode imaginar a minha ira quando li as linhas cheias de arrogância do comandante das tropas da Coroa, escrevendo em nome do rei, dizendo que minha filha estava no poder do Rei da Inglaterra como forma de uma negociação entre as duas coroas.

Calúnia! Crime! Aqueles bárbaros vão usar minha filha como um objeto de negociação! Oh Margery, não gosto nem ao menos de pensar o que aqueles vis estão fazendo com a pobre Ailen! Neste momento eu glorifico por tua mãe Isabel não estar viva para ter tamanho desgosto em ver suas duas filhas reféns dos inimigos.

Eu farei com que essa carta chegue até você, nem que para isso eu preciso matar algum empregado desse maldito convento onde tu estas. Minha promessa de libertar-lhe - assim como Elizabeth e minhas irmãs - será cumprida o mais rápido possível. Peço-te que não cometa nenhum ato ao qual poderá arrepender-te depois, porque eu conheço o teu temperamento e sei que ficarás impaciente para tomar uma atitude. Não o faça, para o teu próprio bem.

Envie as minhas ternas lembranças e carinho para minha querida Elizabeth.

Com carinho,

Rei Robert Bruce

Escócia

Margery guardou novamente a carta no bolso, suspirando. A noite já estava alta e a madrugada estava chegando. Era chegada a hora, o momento que tanto aguardou – ainda sim não podia evitar sentir um frio no estômago ao imaginar não conseguir resgatar a irmã do acampamento inglês, situado na outra margem do rio Forth.

Ela repreendeu-se por sentir medo, pois como era jovem criada no seio de um povo guerreiro, o medo não deve fazer parte de sua vida. Jamais! Além disso, sua família possui uma ancestralidade antiga e honrada, possuindo sangue dos Tuatha Dé Danann, um povo consagrado e mágico da deusa Danú, que sempre foi muito cultuada. Além disso, a família Bruce também tem laços sanguíneos com os Ulaid - um antigo povo guerreio que possuiu muitos heróis em suas lendas.

Mesmo com um sangue guerreiro correndo em suas veias, Margery se achava muito indefesa e não forte o suficiente para enfrentar algum soldado inglês caso fosse necessário. Ela tinha somente o seu arco e sua inteligência, o que já são considerados grandes armas.

Assim, ela preparou-se para contornar a margem do rio para chegar ao outro lado, mas ouviu um ruído na noite que não fazia parte daquele cenário natural. O ruído aumentou transformando-se em um barulho ensurdecedor de galopes que se aproximavam cada vez mais de onde ela estava.

Apressadamente, ela se escondeu atrás das ramagens a esquerda, tomando uma posição onde seria difícil ser vista pelos soldados que se aproximavam da margem do rio. A primeira coisa que Margery concluiu era que poderiam ser soldados ingleses, o que significava que ela deveria sair dali o mais rápido possível. Caminhou cautelosamente entre as ramagens e a árvores, nunca ficando em algum lugar muito descampado, porém foi obrigada a recuar ao ouvir outro som alto e ensurdecer vindo da outra margem do rio. De onde estava Margery não podia ver absolutamente nada do que estava acontecendo a sua volta, por isso escalou uma árvore ficando pendurando no galho mais alto.

Assim ela vislumbrou tudo o que ela menos esperava.

Do outro lado da margem do rio Forth, um exército em formação marchava. Eram tantos que Margery ficou assombrada. Eram mais ou menos vinte e cinco mil homens entre cavalaria e arqueiros. A frente vinha um homem montado num belo cavalo preto, usando um capacete de penacho vermelho. A jovem princesa escocesa não demorou em reconhecer o reio Edward II à frente de seu exército.

Aquilo só poderia significar uma coisa: eles estavam marchando para Scone para pegar o seu pai desprevenido.

— Covardes! – ela murmurou em desgosto. Margery não conseguiria correr a tempo até a casa de seu pai e avisar sobre o ataque, porque aquele era o momento propício para invadir o acampamento inimigo e salvar a irmã. Todavia ela temia por eu pai.

Ao olhar atrás de si, ela viu mais um exército se aproximando pela margem contrária dos ingleses, com números muito inferiores ao dos inimigos em cavalaria e arquearia. Mas marchavam com glória e Margery não precisou olhar mais para saber que era o exército de seu pai aproximando-se.

Até então ela nunca teve aquele sentimento de orgulho característico dos guerreiros. No entanto, ver os seus conterrâneos tão determinados, despertou esse sentimento na princesa, impulsionando-a a cumprir seu dever para com o seu país. Margery não tinha ainda visto o pai, mas ela sabia que ele estaria lá e só havia um motivo para aquela batalha que se aproximava: Ailen.

Então vou garantir que seja rápida para esses bárbaros, pensou ela com um sorriso zombeteiro.

Desceu da árvore e passou a correr sem se preocupar em ser vista, o que não demorou muito a acontecer, pois ela dopou um soldado do lado inglês a pé, que fazia inspeção do terreno. Margery não pensou duas vezes: com uma agilidade que só ela possuía, tirou da aljava uma flecha, armou-a no arco e atirou contra o soldado, acertando em cheio na testa deste.

Continuou a correr sabendo que ela foi o estopim para iniciar a batalha, porque logo se ouviram gritos das duas margens, cavalos galopando freneticamente, espadas se raspando furiosamente e flechas cortando o céu nas duas direções.

Margery acelerou o máximo que suas pernas aguentavam, tendo a sorte de encontrar o cavalo do soldado que matara amarrado a um tronco de árvore. Soltou o cavalo rapidamente e montou, galopando em fúria descontrolada para o lado inimigo.

Com surpresa, ela viu no céu pedras enormes sendo arremessadas por catapultas inglesas acertando vários arqueiros escoceses. Era um fato que os ingleses estavam evitando ao máximo trazer o conflito muito próximo do rio e do solo pantanoso – o que era exatamente esse o plano do rei escocês.

Margery foi interceptada por soldados ingleses cada vez que se aproximava mais do exército, ao qual eles não tinham nenhuma chance de luta. Porém, ela não teve sorte de acertar um soldado com a flecha assim que este entrou no seu campo de visão. Por isso, ele aproximou-se com o cavalo, girando a espada na direção dela. Margery atirou flechas no cavalo do soldado, assustando o animal e fazendo-o derrubar o cavaleiro diretamente no rio, tamanha a violência de coices.

O exército escocês estava tendo sucesso em pressionar a cavalaria inglesa a se aproximar mais da margem do rio. Havia batalha nos dois lados - esquerdo e direito. À frente da margem, os arqueiros de ambas as forças travam sua própria guerra, com a adição de catapultas – o que era a desvantagem esmagadora dos escoceses.

Enquanto corria com o cavalo, Margery ouviu ao longe a voz de seu pai gritando ordens para os soldados. O cavalo estava muito próximo da margem do rio Forth, o que era um perigo a mais já que estava infestada de soldados dos dois lados. Na loucura, era difícil distinguir quem era amigo e quem era inimigo, por isso ela temia matar algum soldado do exército de seu pai enquanto estava ali, praticamente em um dos pontos centrais do conflito.

Na margem principal do rio, muitos soldados ingleses arriscaram atravessar o rio – alguns com o cavalo, outros a nado – porém foi um erro, já que rio Forth era mais fundo do que imaginavam e muitos não sabiam nadar. Havia um espetáculo de corpos voando das duas margens laterais e caindo no rio, espichando água e banhando-a de sangue.

Margery estava a ponto de conseguir sair do centro do conflito quando que desgraçadamente, uma flecha passou raspando o seu ombro, cortando o tecido do vestido e causando uma dor aguda. Ao mesmo tempo, o cavalo onde estava montada foi acertando por uma lança na parte traseira, fazendo o animal cair em desespero levando a garota junto. Ela rolou nas folhas que formavam um pequeno barranco, caindo próxima das águas do rio. O soldado que havia derrubado o cavalo aproximou-se, com uma lança em uma mão e a espada na outra, com o sangue nos olhos.

Só havia uma coisa que poderia salvá-la: ela correu diretamente para as águas escuras do rio, caindo em sua profundidade.

A princesa sentiu seu corpo afundar e se ela não fosse uma exímia nadadora, já teria se afogado. Reunindo suas últimas forças, ela tentou nadar para a superfície. Porém, o soldado a seguiu, puxando-a pelo pé com uma mão, enquanto a outra segurava a espada.

Margery chutou-o diretamente na cara, fazendo com que o soldado a soltasse por alguns instantes ao qual ela tentou voltar para a superfície, já que estava ficando sem ar. Todavia o guerreiro avançava com a espada diretamente para a cabeça da princesa que continuava submersa. Ela desviou rapidamente, pegando o pulso do homem e girando-o pelo lado contrário. Bolhas saíram da boca do soldado e uma expressão de dor apossou de seu rosto.

Aproveitando o momento de descuido, Margery tomou-lhe a espada e num golpe rápido, decepou-lhe a cabeça. Os dois membros flutuaram na água em uma visão macabra.

Ela nadou para a superfície, respirando e expirando o ar com força. O sangue do soldado escorria próxima de si, juntando-se a de tantos outros que faziam daquele rio a sua própria cova.

Com um esforço hercúleo, ela saiu do rio, passando a correr novamente, arranhando-se e caindo muitas vezes, pois já estava nas últimas forças e as roupas pesavam, dificultando a corrida.

Finalmente ela saiu do outro lado da margem, chegando para no lado inglês. A escuridão lhe foi propícia para não ser vista - apesar de ter sido obrigada a usar o arco algumas vezes. Logo ela deixou o exército inimigo para trás, encontrando uma floresta silenciosa, onde só se ouvia os barulhos da batalha a alguns metros dali. Não percebeu que estava sendo seguida.

Não foi difícil encontrar o acampamento inimigo, já que ainda saía fumaça das fogueiras. As barracas estavam montadas em uma clareia, com poucos soldados de guarda. Havia uma barraca maior onde havia dois soldados.

— Ailen – Margery murmurou.

Escondida e com as forças renovadas ao imaginar libertando sua irmã, a princesa preparou o arco e atirou em um soldado que montava guarda da barraca e rapidamente no outro, para que ele não soasse o alarme. Ninguém viu os seus movimentos, a não ser o cavaleiro que a observava e a seguia.

Com o caminho livre, Margery correu para barraca arrastando os corpos para a escuridão das árvores. Entrou na e seus joelhos fraquejaram.

Lá estava Ailen, uma bela garotinha de rosto alvo e cabelos loiros. Estava deitada numa espécie de altar de pedra, com as mãos cruzadas sob o peito. Quase imóvel, se não fosse a respiração descompassada.

— Oh Ailen!

Margery correu tomando a cabeça da irmã em seus braços. Ailen estava muito pálida. Os cílios tremeram quando ela abriu os olhos.

— Margery, tu vieste – a garota sussurrou.

— Eu vim, eu não ia abandoná-la. O que fizeram a ti, minha irmã?

A voz de Margery estava sufocada pelo choro inevitável que se aproximava.

— Onde está o papai? Quero vê-lo, antes...

Um homem entrou na barraca fitando a cena que se passava. Os barulhos de espadas tilintavam do lado fora, quando o rei Robert também entrou na barraca. Margery trocou um olhar cheio de significado com o pai, os dois com a mesma expressão de tristeza e raiva estampada em seus rostos. O rei possuía muitos arranhões no rosto e suas mãos estavam muito ensanguentadas, assim como o homem ao seu lado. Margery nunca tinha visto aquele rapaz antes.

— Papai – Ailen sussurrou com um sorriso dócil.

— O que fizeram a ti, minha querida? – o rei Robert aproximou-se ficando ao lado da filha mais velha que ainda segurava a irmã nos braços.

— Não sei. Eu apenas estou fraca demais e não consigo me levantar. Tenho medo de dormir.

Ailen tossiu, confirmando todos os temores dos presentes.

— Veneno – sentenciou o rapaz desconhecido – Eles devem ter dado veneno para ela tomar, quando ficou claro que haveria uma batalha, Vossas Majestades.

— Que Danú os amaldiçoem! – gritou Margery – Como eles foram capazes de ferir uma criança inocente?! Que caiam em desgraça para sempre!

Ela deixou-se chorar, beijando os cabelos da irmã, enquanto o rei abraçava as duas filhas, com uma faca transpassando o seu coração de pai. Ailen se mantinha calma e completamente serena, acariciando ora o rosto do pai, ora o da irmã, os dois debulhados em lágrimas.

— Margery?

— Sim, minha querida Ailen?

— Canta para mim uma canção de ninar? Eu estou com medo.

Margery engoliu em seco com os olhos marejados, enquanto fitava a irmã e o pai. Ela acenou, pigarreando. Com a voz trêmula e rouca, ela cantou. A canção seguia o ritmo de antigas baladas escocesas, como o embalo das ondas do mar e do curso dos rios – rios de alegria, de vitória, de sangue.

Margery não tirava os olhos da irmã enquanto estava cantando. Ailen estava completamente imóvel, com os olhos abertos e com um lindo sorriso estampado no seu rostinho angelical. Com as mãos trêmulas, o rei Robert fechou os olhos da menina, que nunca mais se abriram para ver a luz do sol.

Pai e filha choraram pela garotinha, enquanto o rapaz ficava distante, de cabeça baixa. Os dois rezaram suas preces a Danú para acolher a alma de Ailen e dar-lhe descanso e alegria. A morte de Ailen era um gosto amargo para todo aquele conflito que no fim fora em vão.

O rei Robert afastou-se do corpo da filha com uma expressão indecifrável no rosto. Aproximou-se do homem que ainda tinha um rosto de garoto, sendo ele um dos seus líderes de combate e sussurrou-lhe algumas palavras. O homem estava a ponto de sair, quando o rei desferiu:

— Creio que vós não se conheceis. Margery, este é Walter Stewart. Minha filha – o rei virou-se para o rapaz – Tu já conheces.

A voz do rei estava impassível, com um leve tom de censura quando se dirigiu a o jovem Walter. Ele corou, embaraçado.

— Eu realmente peço minhas desculpas a Vossa Majestade por não avisá-lo imediatamente da presença de sua filha no campo de batalha. – começou Walter - O senhor compreende que não haveria tempo o suficiente e como eu vi que a princesa Margery estava vindo para cá, resolvei garantir-lhe a segurança. Eu realmente peço perdão pela minha impertinência.

— Tudo bem, meu caro Walter. Espero que isso não se repita, apesar de eu estar curioso em saber como tu reconheceste que Margery era minha filha.

Dessa vez, Walter corou mais ainda, quase sussurrando:

— Nunca vi nenhuma moça com tamanha destreza no arco, senhor.

O rei sorriu fracamente. Margery estava completamente alheia à conversa dos dois homens.

A madrugada já estava no seu auge, com a batalha chegando ao seu fim. O rei Robert só conseguiu chegar até a barraca de sua filha depois que milhares de soldados ingleses caíram nas armadilhas dos pântanos ou morreram afogados no rio Forth. A natureza trabalhou a favor dos escoceses, deixando muitas baixas no exército inglês, que foi obrigado a recuar quando viram que não tinha mais chances de vencer um pequeno exército com um pouco menos de nove mil homens, com o resto considerável dos vinte e cinco mil do lado da Inglaterra.

Os ingleses recuaram e fugiram, sobrando apenas o grito de vitória dos escoceses. A noite parecia não ter fim.

Na manhã que nascia, após a batalha da noite anterior, bem cedo, todos os soldados sobreviventes – sem mencionar aqueles que foram até a Inglaterra resgatar a esposa e as irmãs do rei logo após o conflito – se reuniram no acampamento escocês para o funeral de Ailen Bruce. A floresta estava em total silêncio e nem mesmo os pássaros cantavam, com todos ao redor do corpo de Ailen. Vieram pessoas de outros cantos e lugares da Escócia, dentre eles muitos bardos e poetas que anos mais tarde, narrariam aqueles fatos para muitas gerações.

O rei aproximou-se do corpo de Ailen – que continuava no mesmo altar de pedra onde foi encontrada – pegando uma das mãos de menina que estavam cruzadas no peito, depositando uma faca de prata com um cabo de couro. Em seguida tirou um cordão do pescoço que pendurava um belo medalhão de ouro com um rubi cravado no centro da esfera e enrolou nas mãozinhas pálidas de Ailen como uma corda.

O silêncio só foi quebrado apenas pelo entoar das vozes de alguns bardos que passaram a cantar:

Oh doce Ailen, filha de Danú

Ninguém terá doçura como tu

Nem sorriso tão belo

Escondida na noite

Sua jornada eles contemplaram

E quanto nós, oh Vida!

Resta apenas a tristeza

De sua partida.

Os pássaros passaram a cantar, as árvores balançavam suas copas e o sol se ergueu calidamente no céu em uma dança sincronizada.

O rei Robert aproximou-se tomando a palavra esforçando-se para manter a voz e a postura neutra de qualquer emoção.

— Uma nova era começa para todos nós, caros amigos. – começou o rei - Depois de tantos anos, finalmente seremos livres do domínio tirano da Inglaterra. Vós todos serão recompensados por sua bravura e determinação. Não haverá comemorações até passado o luto de minha adorada filha, a grande perda de nosso povo. Nossa vitória foi conquistada pelo sangue, agora devemos conquistar a paz. Que Danú nos abençoe para o novo tempo de paz e prosperidade. Que os Tuathan Dé Danann e os Ulaid brilhem com nossa glória!

O silêncio perdurou após o discurso do rei, enquanto as sombras se afastavam definitivamente da floresta, dando espaço para a luz. Margery e o rei Robert encontravam conforto um no outro, enquanto o corpo de Ailen era banhado pela luz do sol, brilhando como milhares de estrelas. O sol subiu mais ainda em seu caminho tomando como parte de si o brilho da única joia que descansava diante do mundo. O vento de verão voltou novamente – quente e adocicado pelos botões que floresciam e ansiavam beber daquela música, daquele brilho que cercava o momento. Vozes murmuravam canções e uma delas era possível distinguir:

...O amanhã nos levará embora

Longe do lar

Ninguém jamais saberá o nosso nome

Uma lágrima escorreu do rosto de Margery que fez par com a lágrima do rosto de seu pai ao verem aquele dia despontar com tristeza e glória para a Escócia.

Um novo mundo se inciava. 


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