Fruto do Dragão escrita por mimidelboux


Capítulo 1
ONESHOT


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, tudo bem?
Como eu disse anteriormente, novembro eu ia me dedicar mais na escrita! E eis que finalmente consegui terminar esta ONE que eu estava morrendo de amores por ♥ Comecei a escrevê-la no mês passado, depois de assistir um capítulo de Gu Family Book e de Outlander hahaha Fiquei me perguntando o que aconteceria se eu juntasse o melhor dos dois programas! ^^
Espero que gostem bastante! :)

E sobre a história anterior ("Amor Justo"), meu professor de francês disse que gostou bastante da minha história! :)



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Eu a vi pela primeira vez há um ano atrás. Gostaria de dizer que foi ao vivo, mas estaria mentindo. Estava passeando pelo centro de Tóquio, apenas andando, tentando me perder entre o mar de gente, cinza e sem emoções. O único colorido vinha dos enormes outdoors, que disputavam a atenção do meu olhar. Beba isto! Vista aquilo! O burburinho de diversos comerciais era pesaroso. Me sentei num banco que dava a volta numa fonte quadrada e fiquei observando toda aquela movimentação. Como eu tenho saudades de quando este centro comercial não era nem uma pequena vila… De quando eu podia voar pelo céu e sentir o vento fresco bater em meu rosto. De quando eu me deitava na grama alta e serpenteava por ela, fazendo o mato acariciar delicadamente toda a extensão do meu corpo.

Mas, principalmente, eu sinto falta de quando eu não precisava me preocupar em esconder a minha verdadeira forma.

Quando os humanos começaram a ficar mais agressivos, meu avô instantaneamente ordenou para que todos do clã vivessem disfarçados. E, desde então, vivemos camuflados entre os humanos. Eles nem notam a diferença. Eles nem fazem questão de olhar um para o outro, mesmo.

Eu queria voltar no tempo para os dias de glória da minha raça, da minha juventude, da liberdade incondicional e incontestável.

E foi neste momento que eu percebi uma música tocando alto e a presença de corpos parados próximos da onde eu estava sentado. “Eu preciso de uma máquina do tempo ó, eu preciso de uma máquina do tempo ó” cantava melancólicamente uma voz feminina, seguida de outra e mais outra. Levantei minha cabeça, que descansava em minhas mãos e pude ver o porquê de a maioreia das pessoas haverem parado de seguir seus caminhos.

Os cincos maiores telões da praça tocavam a mesma música, mas com vídeos diferentes. Cada um com uma garota, cantando na sua vez. Mas cada uma delas estava em um ambiente diferente das outras.

Uma tinha o cabelo num tom de azul escuro, na altura dos ombros e um pouco ondulado. Ela vestia apenas um vestido branco, dando a idéia de ser uma noiva. Ela andava por uma rua e pétalas de sakuras caíam sobre ela.

Outra estava com uma jaqueta de couro, com o cabelo castanho comprido cobrindo os ombros. Ela estava parada, com as costas contra uma parede de tijolos e olhava constantemente para o relógio no seu pulso, como se estivesse esperando por alguém.

As outras três tinham cabelos negros e compridos. A primeira estava deitada em uma cama. A segunda falava ao telefone, com os olhos marejando. E a terceira. Ah, a terceira! Seus cabelos ondulados emolduravam seu pequeno rosto. Ela estava de costas contra uma janela, que estava aberta e o vento balançava as cortinas, que iam e vinham, brincando de esconde-esconde com a cantora.

Não consegui desgrudar meus olhos do telão em que estava a última moça. Todas eram bonitas, é verdade, mas ela tinha algo que eu nunca vi. Não sei como descrever e nunca saberei.

Quando a música terminou e todas olharam em direção à população, meu coração parouo. É agora, nunca mais vou ver ela! Ela não vai ser nada mais que um momento, um microsegundo na minha vida milenar. O desespero e a tristeza encheram o meu peito. Mal sabia eu que a veria novamente, e em menos de uma semana!

Essa segunda vez em que a vi, foi ao vivo, graças aos deuses! Estava em mais uma de minhas costumeiras andanças pela cidade quando me deparei com um grupo de pessoas, ao redor de um palco e a música tristinha do clipe tocava ao fundo, numa versão instrumental. A melodia me atraiu instantaneamente para junto do grupo e lá fiquei, curisos como que iria acontecer depois.

Em torno de 15 minutos, o público triplicou em volta do palco. E em mais 5, a versão instrumental da música parou de tocasr e 5 garotas subiram no palco, uma atrás da outra. Ao ver a última, aquela que no vídeo estava contra a janela e a cortina esvoaçante, meu coração caiu dentro do meu peito. Ela era mais alta do que eu imaginara, e mais bonita que no vídeo.

Uma de cabelo negro começou a falar, agradecendo o público e apresentando o grupo. Atrás das garotas, o pessoal do staff corria para colocar cadeiras. A seguir, cada uma se apresentou: Gigi, a de cabelo castanho; Bada e Kara, duas das que tinham cabelos negros; Hana, a de cabelo azul, e Jessi, a última que entrara no palco e que eu não tirara os olhos dela, desde que a vi. Jessi… Talvez ela tivesse nascido no exterior…

Após Jessi acabar de se apresentar, os staffs entregaram microfones às outras membros do grupo e elas se sentaram nas cadeiras. A música começou a tocar.

*****

Mesmo vivendo num clã antigo, onde seus membros tem por volta de milhares de anos, sempre há aquele momento em que o atual chefe do clã tem de ter uma conversa muito séria sobre o futuro do clã, com o seu herdeiro.

O herdeiro, no caso, sou eu. O chefe do clã, o meu avô.

Faz algumas semanas desde que ele começou a falar sobre casamento e continuar a linhagem da família. Toda vez que nos encontramos, ele coloca sua mão sobre meu ombro e me olha com seriedade, desatando a falar dessa ou daquela jovem, “Tem apenas 500 anos, 600 anos, mas já está pronta para se casar”. Toda vez, ele cita diversos nomes femininos, algumas são minhas primas, outras trabalham para a família.

E toda vez, eu me calo, pois só consigo imaginar uma única pessoa ao meu lado.

Mas desta vez, meu avô decidiu ser mais persistente e me “sequestrou” da minha rotina diária. Ao ver o meu silêncio perante o assunto familiar, ele decidiu arranjar uma noiva para mim, por conta própria. Ele planejou este dia minuciosamente, me acordando à força às 5 da manhã, criando todo um ritual de banho e café-da-manhã.

Faz meia hora que saímos de casa. O local que meu avô combinou o meu encontrou com a minha “futura noiva” não é longe de casa, mas como meu avô detesta a idéia de andarmos de carro e todos na família detestam contestar meu avô, fomos andando. Meu amo pessoal, Kurou, nos seguia, junto com a segurança da família principal do clã. Todos estavão tensos, podia sentir uma energia negativa fluindo atrás de mim. Isso queria dizer que até os servos sabiam quem era minha noiva e que ela devia ser alguém muito importante.

Chegamos numa casa de chá, onde Kurou foi logo abrindo a porta para que meu avô e eu pudessemos entrar primeiro. A casa parecia estar cheia, pois as empregadas inham e vinham correndo, cheias de coisas nos braços. Nem percebiam a presença de meu avô, que esperava de pé, provavelmente se corroendo por dentro, pois ele gostava de ter toda a atenção para ele.

Após alguns minutos, a gerente da casa finalmente veio falar conosco, fazendo a reverência de desculpas completamente. Ela era uma senhora com cabelo grisalho, que sempre trabalhara ali. Lembro ainda de quando ela era uma menina que acompanhava a avó, a antiga gerente, para ajudá-la e aprender a cerimônia do chá.

— Mil perdões pela demora, senhor Yamazaki! - ela falava alto e claramente, mostrando o quão estava arrependida até para os nossos servos. – Hoje a casa está recebendo mais um evento importante, além do seu, meu senhor! Estamos no nosso limite!

— Deixe de bobagem, jovem! Ela já chegou? – meu avô fora direto ao ponto.

— Não, senhor, mas temos uma sala já arrumada para o senhor e seu neto esperarem pela chegada da noiva.

— Ótimo. – e com apenas esta palavra, a gerente entendeu que poderia se levantar e nos levar para a nossa sala de espera. Antes de seguí-la, meu avô se virou para os nossos quarda-costas – Vocês podem esperar aqui. Apenas o meu servo e o do meu neto devem nos acompanhar.

Nós deixamos os seguranças na recepção da casa de chá e seguimos a gerente, adentrando o interior da casa. Um jardim interno se abriu perante nossos olhos, onde duas camêras enormes estavam postas num canto, junto com vários outros equipamentos e a equipe de gravação de filme. Uma das camêras, que estava sendo usada, apontava para uma garota de vestido azul claro e cabelo preto comprido preso num meio rabo de cavalo. Ela, estava embaixo de uma árvore de cerejeira, e ela interagia com o resto do jardim, enquanto um homem a dirigia e sugeria ações entre seus gritos.

Ao chegar mais perto, seguindo meu avô e a gerente pelo corredor externo, pude ver melhor o rosto da moça e a reconheci imediatamente. Não tinha como não ser ela, o seu rosto angelical era o mesmo. Ela parecia ter amadurecido um pouco, desde à última vez que a vi. Por um momento rápido, ela desviou seu olhar das flores que cheirava e nossos olhos se encontraram. Me enrubeci rápidamente e, tentando disfarçar minha minha reação de tudo e todos, entrei na porta que a gerente havia aberto, seguindo meu avô, enquanto a essa se desculpava mais uma vez com ele. Enquanto me sentava, aproveitei para dar uma última espiada no lado de fora do quarto. A jovem havia se juntado com mais quatro meninas de cabelos negros e compridos, que estavam sentadas em banquinhos de madeira, atrás das câmeras. Uma delas vestia um vestido da mesma cor que o pequeno anjo que caíra do céu, outras duas combinavam com um par de vestidos vermelhos e uma terceira vestia um verde.

Enquanto os nossos servos se sentavam, a gerente se desculpava mais uma vez pela situação.

— Não estou entendendo… o que está acontecendo lá fora que é tão importante a ponto de atrapalhar a minha visita? – Meu avô era um poço de delicadeza.

— Senhor… - era visivel no rosto da gerente, que ela não sabia por onde começar a explicar o que era tudo aquilo. Tente-se se imaginar tentando explicar o que é uma televisão para uma pessoa do século XVIII. Era assim que nos sentiamos quando tinhamos que explicar uma novidade para o chefe do clã.

— Avô… você gosta tanto de assistir televisão, né? – eu tentei intervir à favor da gerente.

— E o que isso tem a ver? – ele respondeu rapidamente para mim. Com o canto do olho, via a gerente fechando a porta da sala com delicadeza, saindo de fininho.

— É assim que eles gravam as coisas para depois passar na televisão!

— Gravam? O que eu vejo na televisão não está passando ao vivo? – o orgulho de meu avô parecia ter sido ferido. Pude ouvir os nossos servos segurando o riso. Eu tinha que manter a calma.

— Sim e não, vô…

— Menino você não faz sentido! – ele me interrompeu.

— Vô, me deixe terminar de falar… A maioria das coisas que passam na televisão são gravadas antes de irem ao ar, mas tem situações especiais em que eles gravam algo ao vivo, como numa notícia urgente no jornal!

— Como pode! – meu avô parecia ultrajado com toda aquela coisa de tecnologia.

Mas não voltamos a falar mais, pois uma empregada chegou com todo o equipamento para a cerimônia de chá, que a gerente deve ter mandado trazer. Enquanto ela preparava o chá com toda a calma do mundo e nós assistiamos, me deixei levar pela visão de cedo, do meu querido anjo. Senti minhas bochechas queimarem ao lembrar que nossos olhares se cruzaram, mesmo que por um segundo. Olhei ao redor, mas todos estavam concentrados, observando a moça preparar o chá. O rosto da jovem voltou a encher minha mente, junto com minhas memórias passadas de sua presença. Eu lembrei que ela tinha um nome. Um nome diferente. Um nome exótico. Um nome que começava com a letra jota. Vasculhei pelas memórias do show que eu havia presenciado há um ano. Ela havia se apresentado junto com as outras integrantes. Talvez eu pudesse perguntar para Kurou, ele era bem mais novo do que eu, devia conhecê-las.

— Senhor Ryuunosuke! – pude ouvir Kurou me chamar, baixinho. Olhei para ele e ele apontava para o chão com o olhar. Olhei na direção que ele mostrava e vi o copo de chá em minha frente.

Peguei o copo, segurando-o com as minhas duas mãos e tomei um gole do chá quente. Tinha um gosto azedo, mas que chá não tem? Olhando para o reflexo do teto no chá, um desespero começou a crescer dentro do meu peito. Eu me lembrei por que estava ali, tomando chá. O verdadeiro motivo para eu ter tido o tão inesperado encontro com ela. Era mais que uma coincidência. Era o destino batendo na minha porta. Você veio para se casar, certo? Então porque não ela? Você não precisa e nem vai aceitar a tal “noiva” que seu avô encontrou para você. Você sempre soube que era esse anjo, logo ali no jardim, com quem você gostaria de ficar para sempre. Para o todo sempre.

Eu precisava dar um jeito para conseguir fazer tudo dar certo. Dei uma espiada com o canto do olho para Kurou e ele, percebendo que meu olhar, se aproximou um pouco e, quase como um respiro, ele me perguntou baixinho se tinha algo de errado comigo. Eu abri minha boca para responder e na mesma hora a gerente abriu a porta da nossa sala, anunciando que a noiva havia chegado e se instalado no outro quarto e que já poderiamos ir nos encontrar com ela.

Eu tinha que pensar rápido.

— Kurou, preciso que você me faça um favor.

*****

Minha “noiva” era bonita, mas para mim ela não se comparava a beleza no jardim. A família dela se apresentou, eram tengus e a noiva era a filha mais velha do chefe do clã atual deles. E se seguiu uma lenga-lenga sobre como ela tinha sido criada devidamente e treinada para ser casada com um líder. Deixei uma olhada para o meu avô escapar e ele, que já estava me encarando, para ver como eu reageria, apenas me olhou feio. Ele já estava um bravo pois Kurou teve que sair rapidamente, alegando que era alérgico a um dos ingredientes do chá que tomamos na sala anterior.

Voltei a olhar para a “noiva” e percebi que seu olhos desviavam dos meus. Não que eu me importasse muito, mas como primeiros filhos de nossas respectivas famílias e na situação em que nos encontravamos, olhar para o olho do outro era o mínimo de educação que tinhamos que sustentar entre nós.

Meu avô começou então, a apresentar a família e a me apresentar, dizendo coisas desnescessárias e que não eram totalmente verdade sobre mim. Eu sabia que precisaria agir logo, pois uma vez que ele terminasse de falar, teria que interagir com a “noiva”. Claro que o meu avô e os pais da dela conversariam entre si, mas eles estariam constantemente observando nossas ações e como nos relacionávamos neste preimeiro encontro. Era um teste para saberem se nós teriamos alguma química.

Meu avô estavas prestes a acabar de falar, quando ouvimos uma barulheira vindo do lado de fora da sala. Meu avô ignorou o barulho e continuou a falar, mas não foi o mesmo para o resto dos que estavam na sala. O servo de meu avô e os do clã de tengus foram checar o que havia acontecido, talvez fosse o chá que iriam nos servir quando meu avô terminasse seu discurso. Mas não era. A barulheira só continuava, com as pessoas gritando do lado de fora, no jardim. Por fim, meu avô parou de falar, pois percebeu que mais ninguém dentro da sala prestava atenção nele. Todos queriamos ver um pouco do que estava acontecendo.

Aparentemente um galho caiu da cerejeira caiu em cima de um dos spots de luz, que caiu no chão, quase atingindo uma das meninas de vestido. O spot de luz, que estava muito quente, explodiu e uma parte do jardim começou a pegar fogo. Os homens da equipe da produção tentavam apagar o fogo pisando nele, enquanto uma das moças da produção voltava com algumas empregadas da casa de chá, carregando baldes. As integrantes do grupo se agruparam num canto e tentavam sair do local apressadamente, mas era tanta gente embolada no meio que elas tinham dificuldade de atravessar o mar de pessoas e equipamentos.

Eis a minha chance! Meu pequeno anjo era a última da fila das cantoras e estava um pouco atrás das demais. Ela se separou das demais e entrou numa porta que provavelmente dava para a cozinha da casa de chá. Ninguém pareceu perceber.

Eu corri o mais rápido que pude, zunindo porta à fora e invisível à olho nu, de tão rápido que eu era. Era arriscado com o meu avô ali, mas eu tinha de tentar. Era a minha única chance. Segui para a porta em que a jovem entrara e me deparei com um beco. Tive que parar abruptamente de correr, ou bateria de cara na parede do muro vizinho. Ouvi alguém tossir e ao me virar, vi a jovem segurando os joelhos, quase tossindo os pulmões para fora. Me aproximei devagar e coloquei uma das mãos sobre seu ombro. Ela tomou um susto e se virou rapidamente para ver quem era. Os olhos super arregalados.

— Está tudo bem… - eu disse, passando minha outra mão sobre os olhos dela, que pesaram, fazendo-a cair no sono.

*****

A viagem foi tranquila e a minha jovem amada tinha o peso de uma pluma, quando a segurei entre minhas garras, para não cair durante o vôo.

Ao chegarmos no local combinado com Kurou, uma clareira com um pequeno lago, deitei a moça com cuidado em uma cama improvisada que meu servo fizera e fui lavar o meu rosto. Meus músculos pulsavam sobre a ma minha pele, a viagem pode ter sido fácil, mas ela consumiu muito da minha energia.

Acabei entrando demai na água, até a altura da cintura. O dia estava quente e mergulhar minhas mãos na água fria e levá-la ao meu rosto era refrescante. Levava cada vez mais água para a minha cabeça, até molhar completamente o meu cabelo. Estava perdido. Digo, eu fiz algo que nenhum outro membro do meu clã e da minha raça fizera: eu quebrei as regras.

Olhando para o meu reflexo ondulante na água, tentei pensar no que fazer a partir de agora, mas nada vinha em mente. Meus olhos pesavam, estava exausto. Não imaginara que viajar no tempo era tão cansativo assim. Podia sentir meu corpo inteiro tremer, meus músculos tendo espasmos atrás de espasmos. Queria me sentar, me deitar e dormir por séculos. Mas ter feito a viagem fez meu coração bombear a adrenalina por todo o meu corpo e meu cérebro estava mais alerta do que nunca. Meus sentidos estavam todos aguçados, podia ouvir, podia sentir todos os movimentos daquela clareira. Podia sentir dois corpos atrás de mim, um mais fraco e outro mais forte. Podia ouvir a conversa dos dois, uma foz mais fina parecia perdida e indignada. Eu sabia quem era quem ali. Eu sabia quem iria vir falar comigo naquele exato momento. E por isso, eu me virei e encarei os dois.

— AH! – a pequena moça, toda descabelada, com seu vestido azul todo amassado, com as marcas das minhas garras. Ela arregalara os olhos e sua expressão era de certo nojo. – VOCÊ! VOCÊ FEZ ISTO COMIGO! VOCÊ É O RESPONSÁVEL POR ISSO!

Não consegui fazer nada. Apenas fiquei calado, um pouco chocado, um pouco com vergonha. Não sei porquê, talvez por causa que ela estava na minha frente, talvez por causa que eu a raptei e, admito, isto não é lá a coisa mais inteligente a se fazer na vida, ainda mais com a mulher que você ama.

— EXIJO QUE VOCÊ ME LEVE DE VOLTA! AGORA! – sua feição havia mudado. Agora ela estava transborandando de raiva, e podia ver isto apenas pelo seus olhos, que lacrimejavam, mas estavam firmes em mim.

Continuei quieto. Não sabia por onde devia começar a explicar a história. Se eu contasse que estava apaixonado por ela e que havia roubado-a de todos que ela conhecia, a situação iria piorar. Ela não acreditaria e poderia fazer um chilique maior do que já estava fazendo.

— EU NÃO ESTOU PARA BRINCADEIRAS! – sua voz estava mais dura do que nunca. Ficar calado só piorou as coisas. – ME LEVE AGORA DE VOLTA PARA A CASA DE CHÁ! TENHO UM TRABALHO PARA TERMINAR!

Eu queria poder falar, mas até o músculo do meu maxilar doía. Vendo que eu não iria respondê-la, ela começou a andar em direção à única saída da clareira. Eu não podia deixá-la ir e descobrir sozinha que todo aquele Japão que ela conhecia não existia mais. Corri para alcançá-la, lutando mentalmente contra toda a dor do meu corpo. Cada passo que dava era como se tivessem enfiado uma adaga no meu torso, que se movimentava e piorava o ferimento a cada respirada que eu dava. Mas eu consegui alcançá-la, segurar seu fino pulso e puxá-la para perto de mim.

— Você está na casa de chá. – eu sussurei em seu ouvido, entre arfadas. Tirei o meu corpo da frente da visão dela, para que ela pudesse apreciar a beleza natural que um dia seria destruída pelos humanos.

Ela ficou estupefata, hesitando por um momento, antes de se virar e me empurrar para o chão, e correndo de volta para a cama improvisada que Kurou havia montado. Ele, que até aquele momento só nos observara, me deu um olhar de desaprovação e foi acalmá-la. Jogado no chão, com as palmas das minhas mãos ardendo, pude ver o como ela se sentia muito mais confortável falando com o meu servo. Lágrimas corriam pelo seu rosto, como o orvalho por uma folha. Seus olhos, marejando, olhavam para Kurou com um brilho a mais. E quando ela ocasionalmente olhava para mim, qualquer brilho que havia antes era perdido.

Ela me detestava.

E eu me detestava, por ter sido tão insensível com ela. Por ter sido tão egoísta com todos.

Meu peito doía mais do que nunca. A decepção amorosa e a dor do músculo cansado era demais para mim. Juntando minhas últimas forças, me levantei, lavei minhas mãos, raladas e sujas de terra, e caminhei para o outro lado do lago, onde me pus a dormir numa enorme pedra chata que lá havia. A última coisa que vi antes de cair no sono era o corpo dos dois do outro lado do lago, sentados, conversando sobre algo que eu nunca irei saber.

*****

Não sei quanto tempo se passou, depois que acordei, com Kurou choacoalhando meus ombros. Ele parecia tenso demais para ser algo bom. Podia ver seus lábios chamando pelo meu nome, mesmo com a visão meio turva. Era noite e a lua cheia iluminava muito bem seus traços.

— Ryuu, acorde! Acorde! – e eu me levantei, com certa dificuldade e com alguns membros doídos da posição em que tinha dormido. – O seu avô está aqui! Ele sabe que você está aqui!

— É o quê?! - ainda estava meio grogue de sono, por isso não conseguia acreditar no que Kurou me dizia. – Mas como? Sério?

— Ryuu, um dragão branco passou voando por cima da clareira, não faz nem 15 minutos! Eu tenho certeza de que era seu avô, mesmo fazendo tanto tempo desde à última vez que o vi em sua forma original!

— 15 minutos? – minha garganta estava seca, não conseguia engolir minha própria saliva.

— Sim! Na hora, eu apaguei a fogueira que havia feito para a senhorita Chaewon se aquecer e mandei ela entrar numa caverna que tem à beira do lago, lá na outra margem!

— Desculpe… Chae-quem? – um nome irreconhecível apareceu na conversa.

— Chaewon! Desde então ela está se escondendo lá e eu tenho tentado vir falar com o senhor sem que o Dragão Branco me veja lá de cima! Por favor, você tem que fazer alguma coisa!

Eu ainda podia sentir pontadas aqui e ali pelo meu corpo. E ainda estava tonto de sono e confuso, tentando saber quem era aquela tal de Chaewon que aparecera na conversa. Mas considerando que não teria que viajar no tempo outra vez, pelo menos por um tempo, me livrar da forma humana não seria tão problemático. Me levantei de fato, me preparando para começar a me livrar das amarras que me fazia ficar ainda com a minha forma humana, mas Kurou não me deixou chegar no meio:

— Senhor, faça isso lá fora. Daqui, Chaewon pode ver sua transformação!

Nem pensei duas vezes e o obedeci. Saí cambaleando da clareira, me segurando aonde podia. A andança fez com que o meu sangue percorresse por todo meu corpo, me acordando por inteiro, e pude me focar com mais facilidade para poder me transformar.

Não é difícil se liberar da forma humana, há até uma sensação de libertação, como se eu estivesse tirando um sapato apertado depois de um longo dia caminhando. O diferente é que, por passar tanto tempo na forma humana, a sensações que obtenho na minha forma original nunca são nostálgicas, são sempre novas e diferentes. Você pode ver como qualquer dragão ama sair da sua forma humana, pois sempre nos jogamos para cima, voando até a atmosfera começar a rarear e nosso bafo começar a aparecer. É uma sensação deliciosa e que muitos consideram indescritível.

Mas assim que me joguei para cima, assim que pude sentir o ar passar por entre meus cabelos e acariciar minhas escamas, levei um grande baque na barriga e fui levado para baixo por alguém com uma força brutalmente maior que a minha. Podemos dizer que estou em desvantagem, por já estar fraco da viagem no tempo e não ter descansado tempo suficiente, por isso esse alguém parece ser muito mais forte do que eu.

Fui forçado a bater com as costas na terra, e alguém me segurava muito bem para que eu não pudesse fugir, mas eu me debatia sem parar. Queria sentir o ar, não ficar grudado ao chão. Um grande rugido me fez parar. Era um rugido irreconhecível. Era o rugido de meu avô. Sentia seu bafo quente sobre o meu focinho, ouvia suas cordas vocais ronronarem raivosamente, via seus dentes à mostra e seus claros olhos azuis ardendo sobre mim, me dissecando, me desaprovando, me ameaçando.

— EU O AMALDIÇOO!!! – a voz rouca de meu avô inundou minha mente, me dando dor de cabeça. – SUA CRIANÇA INGRATA E INCONSEQUENTE!!!

Suas garras apertavam o meu pescoço, eu voltei a debater, conforme ia perdendo o ar.

— EU O AMALDIÇOO E AMALDIÇOO A TERRA EM QUE AGORA DORME SOBRE! AMALDIÇOO O SEU FUTURO E O DA MULHER QUE ROUBOU DOS HUMANOS!!! QUE VOCÊS FIQUEM PRESOS UM AO OUTRO PELA ETERNIDADE!!!

Eu já estava tonto quando ele me soltou, sendo que não havia entendido metade das coisas que ele falara. Engoli o ar, desesparado por encher meus pulmões com oxigênio e levá-lo ao meu cérebro. O resultado de toda essa pressa foi uma dor descomunhal dentro de meu peito, como se meus pulmões quisessem explodir dentro da minha caixa toráxica.

Não conseguia me erguer e voar, então voltei rastejando para a clareira. Meu pescoço queimava aonde as garras de meu avô haviam me agarrado. A terra raspava pela minha barriga e uma vez e outra eu trombava em alguma pedra no caminho. Minha visão ainda estava turva, mas a claridade da lua cheia me permitia ver o mínimo de caminho à minha frente.

Passei serpenteando plea margem do lago, me enrolando na pedra aonde havia dormido antes. O clima esta fresco e apenas os grilos, as cigarras e as corujas cantavam para as estrelas.

Nas horas seguintes – ou seriam dias? Estava muito cansado, com o corpo doído e só conseguia pensar em dormir para descansar e me recuperar -, eu despertava apenas para comer, com a ajuda de Kurou. Contei à ele o que acontecera no encontro com meu avô, questionando como ele tinha me achado tão facilmente. Toda vez que Kurou vinha cuidar de mim, conversávamos sobre o assunto. Ele também em contava sobre como a nossa jovem “hóspede” estava, diante de nossa situação. Mas não posso mentir que eu percebia que, diante da minha situação, ela parecia muito mais aberta, e logo começou a se aproximar de mim.

No começo ela só me olhava, do outro lado do lago, com curiosidade e com certo medo. Eu percebi que ela não me reconhecia e não a culpava por tal. Minha forma original não tem nada a ver com minha forma humana. Sou um dragão rosa, talvez ela se atraísse por mim por causa da cor, talvez por eu ser um ser místico, mesmo. Nunca saberei ao certo.

Um dia, enquanto Kurou fazia um assado de veado para eu comer, vi ela mexendo com algumas flores, ela parecia criar alguma coisa, parecia brincar com elas. Uns dias mais tarde, senti ela se aproximar de mim, enquanto eu dormia. Não acordei até ela estar bem perto de mim, sabia que a assustaria. Ao abrir um pouco um dos meus olhos, vi que ela tinha uma grande coroa de flores em suas mãos. Eu levantei um dos meus dedos da pata dianteira, e ela se virou rapidamente, olhando nos meus olhos. Podia ver o medo no fundo de suas pupilas, e tentei tranquilizá-la: bufei sobre seu rosto e virei minha cabeça para o outro lado. Podia sentir minhas bochechas esquentarem, enquanto ela colocava a grande coroa de flores no dedo que eu havia levantado.

Mas o que eu não estava esperando, era que ela se aproximou de minha juba e me acariciou. Sua pequena mão passando pelo meu couro cabeludo, me acariciando, fazia o topo da minha cabeça formigar de uma forma gostosa. Nunca haviam me acariciado daquele jeito. Era algo novo e bom.

Depois daquele dia, ela sempre vinha sentar ao meu lado e conversava comigo. Ela me contara tudo sobre a vida dela até aquele instante. Que era uma cantora e estava num grupo. Que seu nome de verdade era Kim Chaewon, e não Jessi, como todos os seus fãs achavam. Que ela era sul-coreana e que começara a carreira japonesa, junto com seu grupo, no ano passado. Que ela estava gravando o clipe de volta para o mercado japonês, um pouco antes de ser raptada. Minha memória acompanhava apenas certas partes da história dela.

Com o tempo, ela ficou mais corajosa e começou a montar em mim. Eu deixava, pois não me incomodava. Queria criar um vínculo com ela. Queria que ela gostasse de mim. Então eu apenas deixava ela brincar comigo e contar seus segredo, seus medos, suas esperanças. Eu apenas recolhia seus pedaços e montava o quebra-cabeças que uma vez ela fora para mim.

Ela era filha única. Ela queria voltar logo, ela se preocupava que seu sumiço preocupava as outras meninas de seu grupo. Ela tinha saudades de seus pais e de sua avó. Ela sabia cozinhar bem e conseguia se virar com o que Kurou trazia da floresta. Ela era habilidosa com as mãos e sempre construia castelos de areia e coroas de flores. Ela tinha medo de cachorros e amava reptéis. Ela tinha uma cicatriz no joelho, resultado de uma cirurgia que ela fez, quando rompeu um ligamento.

E eu me apaixonava cada vez mais profundamente por ela. Era como um poço sem fundo. Eu queria protegê-la, queria respondê-la, queria fazer a semente do amor crescer dentro dela. Mas ainda estava muito fraco. Meu corpo era enorme e Kurou cuidava de uma parte de cada vez, ainda estava com a garganta toda marcada da luta com meu avô.

Ela percebia as marcas e as minhas dores e desconfortos. Ela sempre queria ajudar Kurou quando ele vinha tratar meus ferimentos. Mal sabia ela, que já estava ajudando só por contar suas histórias, que me faziam esquecer da dor momentaneamente.

Os dias de alegria passaram rápido, quando Kurou chegou afobado de uma de suas caçadas na floresta. Chaewon dormia tranquilamente sobre minha juba, enquanto eu tentava ficar o mais quieto possível para não deixá-la cair. Minha mente inundada de pensamentos, de questionamentos se eu devia voltar a minha forma original, se ela reagiria bem.

Kurou pulou como uma lebre, pelas pedras, para chegar aonde eu estava deitado. Ele tentava falar, ao mesmo tempo que tentava respirar e que pulava para puxar o corpo dormente de Chaewon para baixo. Eu levantei minha cabeça, fazendo-a escorregar para baixo e cair nos braços de meu servo.

— Jovem mestre, você deve se preparar logo! O dragão branco que eu vi na floresta logo estara aqui! Tenho certeza que ele me viu e que me seguiu até aqui! – Kurou cospia palavra sobre palavra. Ele contara que vira um dragão branco, mas novo, enquanto caçava, e que o mesmo o vira. Saíra correndo no momento que seus olhos se encontraram, para me avisar e colocar Chaewon num lugar seguro e escondido.

Ele a levou nos braços até a caverna e lá ficou com ela até o dragão branco descer e ficar sobre o pequeno lago. Eu me levantei, ficando nas minhas quatro patas, tentando mostrar autoridade e que aquele lugar me pertencia.

— Você viu para onde aquela kitsune foi? – o dragão branco me perguntou, sua voz parecia uma versão mais nova da voz de meu avô.

— E quem quer saber? – eu inflei mais meu peito.

— Todos me chamam de Ryujin. – Eu congelei. Era o mesmo nome do meu avô. Talvez… talvez aquele fosse o meu avô em sua juventude. Eu voltara tanto no tempo, assim? – E você? O que faz escondendo uma kitsune?

— A kitsune me serve. – eu hesitei um pouco antes de responder.

— Ah… é mesmo?

E aquele que talvez fosse meu avô, se movimentou um pouco em direção à caverna onde Kurou e Chaewon estavam escondidos. Meu instinto falou mais alto e num segundo eu estava na frente da caverna, protegendo-a.

— Então a kitsune está realmente aí dentro… - Ryujin riu. – Por que é tão egoísta? Divida a carne comigo!

Não sabia que meu avô fora tão presunçoso e desrespeitável, quando jovem. Eu dei uma volta por ele, e o olhei por cima, negando a passagem dele, negando que ele se alimentásse do meu fiel servo, negando sua superioridade, como eu queria fazer à muito tempo.

Ele não hesitou: me atacou na mesma hora, com um bote. Mordeu meu focinho e me jogou contra uma árvore. Como eu havia dado à volta por ele, nossos corpos se enrolaram e ele veio junto comigo. Tentei enrolar meu corpo no dele ainda mais, usando minha calda, mas ele fora mais rápido, se esquivando ao arranhar minha face.

Ele voou em direção a caverna. Eu não podia deixar ele descobrir que também tinha uma humana lá dentro. Se ele já queria devorar a kitsune, que era meu servo; nem podia imaginar o que ele podia fazer com um humano. Eu voei contra ele, batendo minha cabeça sobre a parte superior de seu peitoral e jogando-o contra às árvores. Voltei a me botar na frente da entrada da caverna. Minha cabeça bombardeando de pensamentos, finalmente comecei a compreender porquê meu avô era tão fechado e se sentia tão superior perante os humanos.

Porque não estava completamente focado na luta, ele usou o rabo para enrolar no meu e me puxou para baixo, me afastando da caverna. Ele subiu pelo céu em movimentos circuláres e me atacou novamente, mordendo meu pescoço e me mergulhando no lago, me fazendo engolir litros de água, enquanto rugia de dor.

Mas ainda não compreendia muita coisa… podia entender que ele se sentia mal no futuro, pois não era mais respeitádo como era agora e porque teve de desistir de sua forma original para poder viver em paz e em segurança. Mas não entendia, como ele depois chegou a deixar kitsunes e outros seres místicos trabalharem para nossa família, sendo que ele claramente se alimentava deles antes? Será que era algum tipo de trato, para sobreviver durante a era dos homens?

Não tinha tempo para pensar naquilo tudo, estava me perdendo a luta e não podia deixar ele ganhar e comer Kurou e Chaewon. Emergi da água com tudo, criando uma grande onda que quase entrou na caverna. Olhei para todo lado, procurando pelo dragão branco e finalmente o encontrei com algo nas mãos. Algo vermelho, muito vermelho. E brilhante. E então eu vi: ele havia mordido grande parte do ombro de Kurou, que agora estava na sua forma original de kitsune. O sangue dele escorria pelo seu corpo desfalecido até a ponta de suas nove caudas. Fora uma mordida fatal.

Ver o corpo sem vida de meu servo, de meu amigo, nas mãos de Ryujin fez meu sangue borbulhar dentro de mim. A raiva me cegou e eu avancei com rapidez sobre o dragão branco. Ele não hesitou em vir ao meu encontro e travamos uma batalha árdua, com arranhões, mordidas e cabeçadas. Estava cansado demais, mas não podia parar ali. Sabia que ele também estava cansado e que não iria desistir tão fácil. Em algum momento, ele soltou o corpo de Kurou, que caiu com tudo no chão, se espatifando.

Nos separamos mais uma vez, ele conseguiu me jogar mais uma vez na direção da água. Mas eu me levantei mais rapidamente desta vez e voei em direção dele, que ia para o chão. Chegando mais perto, vi que ele estava indo naquela direção pois Chaewon havia saído de seu esconderijo. Eu não me segurei e a xinguei mentalmente. Ela não tinha noção de quanto perigo estava passando pelo momento.

Me enrolei em Ryujin e o apertei com força, como uma cobra faz com sua presa. Ele se debatia, não desistindo de voltar ao chão, enquanto eu com força, tentava levá-lo mais para cima, para o céu. Até que ele parou, e me olhou nos olhos.

— Realmente, você é muito mesquinho, escondendo uma kitsune E uma humana! – não me atrevi a responder, apenas apertei mais o meu corpo no dele. – Você é diferente. Você é um dragão, mas não age como um.

— Eu vivi muito tempo entre os humanos.

— Há mais deles?! – Ryujin parecia surpreso. – O que é você? Parece que nunca comeu a carne de um deles… É tão saborosa, é uma pena que seja tão rara…

— Da onde eu venho, me ensinaram a ter bons modos.

— Há! – ele gritou e mordeu a lateral do meu corpo, me fazendo soltá-lo.

Ele se deixou cair até a clareira, e eu o acompanhei. Não podia deixar ele tocar em Chaewon de jeito nenhum. Quando estávamos quase batendo no chão, eu consegui ultrapassá-lo e dar uma última cabeçada nele, jogando-o para o lago, dessa vez. Ele não chegou a cair na água, mas não se movimentou, ao ver que eu vinha ao seu encontro, rugindo com todas as minhas forças. Comecei a sentir um calor crescer dentro de minha garganta. Era diferente de dor ou de vergonha, era um calor que vinha de dentro de mim, que fazia parte de mim. O calor jorrou da minha boca, na forma de uma enorme chama vermelha, que afastou Ryujin, para se proteger.

— Realmente, você é de outro mundo! – ele gritou do outro lado do lago. – Espero que se divirta bastante com a sua humana!

E ele subiu para o céu, e se afastou da clareira. Finalmente senti que podia relaxar, e deixei meu corpo ficar leve.

*****

Pequenas mãos me tocavam com firmeza. Elas balançavam a minha cabeça, se esforçavam para levantá-la, também. Acordei com todo o movimento que as pequenas mãos faziam no meu corpo. E pulei de susto, pois estava na água, e tinha medo de ter engolido um pouco dela.

Atordoado e cansado, encontrei o olhar de Chaewon, que tentava me acalmar, com os braços para cima, tocando o meu focinho. Acariciando-o. Me reconfortei em seus pequenos braços. Conseguira protegê-la. Conseguira mandar Ryujin embora da clareira, mas não sei por quanto tempo. Ainda tinha a chance de ele voltar, talvez de noite, fazendo um ataque surpresa. Eu precisava descansar, para poder lutar mais uma vez com ele, mas antes eu precisava fazer algo mais importante.

Eu tirei minha cabeça do abraço de Chaewon e segui para onde o corpo de Kurou estava caído. Eu não suportava ver o corpo de Kurou todo torto e virei a cabeça, com nojo da cena. Senti a bile subir pela minha garganta e meus olhos começarem a marejar. Não conseguia segurar o choro e as lágrimas começaram a cair, uma atrás da outra. Chaewon, que me seguira, me abraçou na juba, tentando me acalmar mais uma vez. Eu não queria que tudo aquilo tivesse acontecido. Eu teria evitado a morte de Kurou, meu fiel servo, se eu não tivesse voltado no tempo. Se eu não tivesse me apaixonado, talvez a pessoa que sempre cuidou de mim e que era o meu melhor amigo, ainda estaria ao meu lado.

Eu parei. Levantei meu olhar para Chaewon, que retribuiu. Eu tentei corrigir o que havia acabado de pensar. Não era culpa dela. Não era culpa minha. Não era culpa de ninguém eu ter me apaixonado. Esse é apenas um dos mistérios da vida.

— Ele merece um enterro decente. – Chaewon quebrou o silêncio entre nós. Eu balancei a cabeça, concordando.

Voltei a olhar para o corpo de Kurou. Havia bastante espaço perto dele e decidi começar a cavar ali mesmo. Me esforcei bastante para fazer uma cova funda o bastante e larga o bastante para colocá-lo. A pior parte foi recolher seu corpo, botá-lo dentro do buraco e começar a enterrá-lo. Não conseguia para de olhar para ele, não conseguia para de chorar, não conseguia segurar a terra em minhas patas e colocá-la sobre ele. Minhas lágrimas gigantescas caiam sobre o seu corpo e começavam a umidecer a terra ao seu redor.

Senti a mão de Chaewon sobre o meu braço. Ela segurava uma coroa de flores, feita com lírios brancos. Lembrei da coroa que ela fez para mim, no dia que ela criou coragem para se aproximar, e olhei rapidamente para meu dedo. A coroa ainda estava lá, mas super desmanchada. Eu entendi o que ela queria fazer e senti que devia fazer o mesmo, mas não queria entregar o meu “anel” de flores. Não porque ele fora feito para mim, mas porque Kurou não merecia uma coroa toda arrebentada e com flores murchas. Abri espaço para Chaewon colocar a coroa de flores sobre o peito de Kurou e, em seguida, ela pegou um pouco da terra e a soltou sobre o corpo do meu servo. Eu fiz o mesmo, seguindo seu movimento, despejando a terra que segurava com as minhas duas patas. Dava meu último adeus à Kurou. Orava para que ele encontrasse a paz.

Nos dias seguintes ao enterro, voltei a passar a maior parte do meu tempo dormindo. Mas, dessa vez, me coloquei em frente à caverna, para proteger Chaewon durante as noites. Também ficava mais fácil para ela cuidar de mim e me ajudar a me alimentar, já que não precisava dar a volta no lago. Não parecia, mas durante o tempo que ficou aqui, ela aprendera muito, só de observar Kurou. Ela aprendera a cozinhar, mesmo sem ter carne nas nossas refeições, e a cuidar de meus ferimentos. Demorou bastante, mas eu ficava mais forte conforme os dias se passavam.

Quando senti que já estava recuperado fisicamente, sabia que devia testar minhas habilidades. Precisava desenferrujar a minha mágica. Precisava saber se estava forte o suficiente para, pelo menos, voltar a ter minha forma humana. Sabia que me transformar de volta em humano poderia ser um choque para Chaewon. Ela gostava de mim como dragão. E também sabia que podia ser um pouco arriscado fazer o encantamento na frente dela, então esperei até que ela saiu para pegar algumas raízes na floresta, para fazer nossa comida.

Eu fingi que fui beber água na lagoa, no momento que ela saía da clareira. Vendo que ela não voltaria tão cedo, comecei a minha transformação: recitei as palavras mágicas e dancei nos movimentos certos. Eu tinha que conseguir! Eu tinha que mudar para a minha forma humana!

Comecei a sentir um furmigamento pelo meu corpo inteiro, isso era um bom sinal! Fechei os olhos e inalei bem o ar. Sentia meu corpo perder sua forma, entrar num estádo flúido. Sentia minhas moléculas se separando e depois se juntando, formando algo novo. Formando novos músculos e óssos. Tudo se encaixando em seu devido lugar.

Ao terminar minha transformação, eu caí de joelhos no chão. Minha respiração estava rápida, voltando a se acostumar com pulmões tão pequenos. Eu transbordava de energia. Abri meus olhos com calma, mas não consegui evitar o brilho da luz irritando-os e fechei-os novamente. Pisquei várias vezes, até me acostumar com a claridade e comecei a passar a mão pelo meu corpo. Eu havia conseguido!

Passei as mãos pelo cabelo e agarrei-os: lembrei da coroa de flores que Chaewon havia feito para mim. Comecei a olhar ao redor, procurando pela coroa e a achei jogada alguns metrôs de mim. Me levantei, mas com dificuldade. Fazia muito tempo que não usava minhas pernas nesta forma, havia desacostumado. Andei quase me arrastando, colocando um pé na frente do outro lentamente, em direção à coroa de flores. Quando me abaixei para pegá-la, vi que era muito maior do que imaginara, mas queria usá-la mesmo assim. Coloquei-a sobre o peito, usando-a como um colar. As flores murchas faziam cocégas na minha nuca.

E bem nessa hora, ouvi algo cair no chão. Virei minha cabeça na direção da onde vinha o som: a entrada da clareira, e vi Chaewon com uma cara estupefata, de quatro no chão. Corei na mesma hora, não sabia se tirava ou não a coroa de flores.

Ficamos nos encarando por longos minutos. A face dela mudava constantemente de expressão, chegava a ser engraçado, mas eu não ria. Não conseguia rir. Meu coração pulava no meu peito, como um doido, querendo sair pela boca. Eu não fazia ideia do que devia fazer, então apenas olhava para ela.

E Chaewon parece ter aceitado num momento. Sua expressão ficou menos tensa, quase límpida, em seu rosto, e ela correu para mim, me abraçando. Fiquei em choque. Podia sentir o peso do seu corpo, a força de seu abraço. Minha cabeça deu uma rodada, tentando rever o que tinha acabado de acontecer. Com calma, eu retribui seu abraço, apertei-a contra meu peito, senti a delicadeza de sua pele. Era pequena e delicada como uma boneca. Eu agradeci a mim mesmo por ter sido capaz de ter, pelo menos, a protegido.

Senti sua cabeça se mover, ela levantou o olhar para mim, o rosto lavado com suas lágrimas. Não entendi porque estava chorando. Eu tinha feito algo errado? Segurei seu rosto com minhas mãos. Ela tinha uma cabeça tão pequenina.

— Você é o dragão, não é? Me diga que sim!! Você está usando a coroa de flores que fiz para ele!! – eu fiquei surpreso com a pergunta.

— Sim. - minha voz saiu fraca e rouca. Fazia muito tempo que não usava as cordais vocais da minha forma humana.

Chaewon me abraçou com mais força, com a resposta. Ela não escondeu o choro e podia sentir os seus soluços vibrar pelo meu corpo. Minhas mãos passaram por seu cabelo, fazendo um cafuné, numa tentativa meio inútil de acalmá-la.

— Me desculpe… Eu… Eu sou uma boba! – ela soltava frases entre um soluço e outro. – Eu achei que você tinha… tinha… Mas aí eu vi as flores… E… passou pela minha cabeça… talvez…

— Está tudo bem. Está tudo bem. – eu sussurrava. Não queria forçar minha voz. Eu levantei sua cabeça e sorri para ela. – O meu nome é Ryuunosuke. – ela prestava a atenção em mim, e seus olhos haviam secado. Limpei uma última lágrima que escorria por sua bochecha. – Faz um tempo que eu queria dizer isso. – tentei abrir mais o meu sorriso. Agora era a hora, eu tinha que falar para ela. – E me desculpe tor ter te tirado daqueles que tanto ama. Eu não estava pensando muito bem quando fiz isso. Parte de mim queria te proteger do fogo…

— Parte… de você?

— A outra parte gritava para fugir com você. Porque eu finalmente tinha conseguido um tempo a sós com você e queria prolongá-lo. Eu não achei que você iria me odiar… Já disse, não estava pensando nas consequências.

— Você…? – o cenho dela enrugou.

— Me desculpe, mas já faz um tempo que estou apaixonado por você. – ela arregalou os olhos. Estava surpresa, com certeza. – Eu… eu… e eu acho que… me apaixonei ainda mais, nos últimos dias…

Eu desviei o olhar dela, estava morrendo de vergonha por admitir tudo aquilo. Mas continuei segurando firmemente, nos ombros. Não podia deixar ela escapar, estava contando toda a verdade, ela tinha que entender. Ou, pelo menos, respeitar.

— Ah… realmente, me perdoa por te colocar nessa posição. – e uma idéia nasceu na minha cabeça. – Mas prometo que posso te levar de volta. Para o exato momento em que estávamos. Nem vai parecer que sumimos por semanas! – essa promessa eu podia cumprir, sem falta. – Mas você vai ter que esperar mais uns dias até eu estar totalmente recuperado, ok?

*****

Quando voltei com Chaewon para o futuro, ele havia mudado um pouco. Mas eu já sabia disso. Tinha treinado antes de trazê-la para seu devido tempo. E em algumas dessas treinadas, aproveitei para arrumar minhas coisas.

Eu de fato não era mais bem-vindo no meu clã e nem conseguia sair da região onde ficava a casa de chá. Há 150 metros de distância do local eu começava a ficar cansado e passar mal. Para resolver o meu problema, também viajei um pouco no tempo e fiz com que criassem um templo para mim, na frente da casa de chá, e era lá onde eu iria morar de agora em diante.

Eu fiz como prometido e levei ela de volta para o dia exato e a hora exata em que a raptei. Vestido como um monge, eu a devolvi, inconsciente, alegando que havia achado na rua, passando mal. Contei uma história bem superficial. Mas estava feliz, de certa maneira. Ver as companheiras de grupo dela suspirarem de tranquilidade me encheu o coração, provando para mim que Chaewon era amada.

Fiquei com as outras meninas, que não paravam de me fazer perguntas super variadas, até que Chaewon acordar. Seus olhos ainda estavam vermelhos e todos acharam que era por causa que ela tinha inspirado um pouco da fumaça do acidente. Nós nos fitamos, enquanto uma das meninas falava para Chaewon que eu tinha achado-a desmaiada na rua e que trouxera-a de volta para dentro. Ela não parecia entender, estava perplexa.

Eu achei que seria melhor deixá-la achar que os dias que vivemos juntos foram apenas um sonho e me despedi de todos. O maneger das meninas me agradeceu mais umas 5 vezes, dizendo que nunca saberia como quitar sua dívida comigo. Eu dizia que estava tudo bem e que tinha que ir andando, o que não era mentira. Ainda tinha muito para organizar no meu templo.

Mas ao chegar na porta dos fundos, senti me puxarem o braço e, em seguida, um beijo na bochecha. Olhei para ver quem era, mesmo já sabendo a resposta.

— Obrigada, Ryuu! – Chaewon sorria para mim. O sorriso mais sincero dela. Seus olhos brilhavam. E mais uma vez, meu coração afundou no meu peito. Eu nunca me cansaria de me reapaixonar por esse anjo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história!

Vou começar já a trabalhar na minha próxima fic! Mas dessa vez, ela não será original e nem One Shot! hahahaha ^^"



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