Talvez você esteja se perguntando: “Mas Thalia, não era você que ficava stalkeando o twitter do menino, e agora que ele quer alguma coisa você manda ele pastar?”

É. Até que você é bem sagaz.

Não é como se eu não pensasse em ter o corpo nu de Nico na minha cama a companhia de Nico outra vez, mas aquele garoto é rápido demais. E se ele estiver pensando em entrar em algum tipo de relacionamento estranho comigo? Sei lá, vai que ele quer me pedir em namoro?

Não. Não, não.

Comecei a dar risada sozinha na minha mesa.

A ideia era tão absurda que não podia ser real, mas meu celular voltou a apitar.

“Tudo bem, a gente se vai ser ver mais tarde no Percy de qualquer jeito. Talvez eu consiga achar um tempo na sua agenda lotada”.

Franzi meu rosto em uma careta estranha.

— A gente se vê mais tarde... No Percy? Mas... Eu disse que ia estar ocupada. E agora eu estou falando sozinha também? Eu nem sei onde esse Percy mora.

Comecei a juntar minhas coisas na mesa de trabalho, me preparando para sair.

— Eu devo estar enlouquecendo de vez. Não é possível.

A porta do escritório de Bóreas se abriu de repente.

— Não esqueça de comprar meu café amanhã.

Antes que eu pudesse responder, a porta foi fechada e meu celular apitou.

“Passo pra te pegar depois, preciso te levar em um lugar”

Graças a criatura divina nos céus, a mensagem dessa vez era de Jason, não Nico. Com sorte eu conseguiria fugir de dele, Percy, e qualquer outra pessoa envolta nesse drama.

Quando enviei uma mensagem confirmando, recebi outra de Leo, dizendo o quanto eu era uma amiga terrível.

Minha cabeça vai explodir. É por isso que eu não gosto de celulares e redes sociais. Eles estragam a minha vida e dão nós no meu cérebro.

Quando cheguei na minha casa eu já havia esquecido completamente que Jason ia me buscar.

Quando acordei do meu breve cochilo de três horas, tive um pequeno lapso de que havia algum compromisso importante chegando.

Quando sai do banho, com a toalha enrolada na cabeça, eu já nem lembrava mais porque eu deveria sair com ele. Eu devia dizer para ele convidar a Piper, certo? Certo.

Hesitei ao caminhar em direção ao meu celular. Jason estava se esforçando para melhorar nossa relação, mesmo que eu não merecesse. Eu simplesmente surgi em sua porta em uma tarde qualquer e ele me acolheu como se eu tivesse o visitado todas as semanas dos últimos anos. Não parecia que eu apenas lhe mandava uma mensagem ocasionalmente para descobrir se ele também já havia fugido de casa. Eu não merecia a bondade e o amor que Jason resolveu dedicar para mim. Eu devo tantas explicações para ele... Mas ele parece não querer nenhuma. E isso me faz sentir ainda pior.

Já decidi. Ele vai sair apenas com a Piper. Afinal, é bom para um relacionamento, não é?

Antes que eu tivesse a chance de pegar meu telefone – sim, eu reclamo, mas preciso dele – a campainha tocou.

— Quem, ó Deus, teria a audácia de vir até aqui?

Abri a porta e dei de cara com um sorriso que poderia ter cegado meus olhos.

— Oi – Ela exclamou animada. – Já tá pronta? Jason ficou esperando a gente no carro.

Pisquei algumas vezes tentando entender como Piper se materializou aqui só de pensar nela. Essa menina tem algum tipo de poder ou o quê?

Dei espaço para ela entrar enquanto fui procurar por alguma roupa. Agora é tarde demais para fugir.

— Uau, sua casa é muito legal.

Sorri para ela. Por que todo mundo só sabe dizer isso quando chega?

— Obrigada. Levei um tempo para deixar ela assim. – Esfreguei meu cabelo com a toalha e a segurei nas mãos. – Mas... Onde nós vamos? Não ia ser melhor irem só vocês? Não quero ficar segurando vela.

Piper sorriu e olhou os quadros na minha parede.

— Ta tudo bem Thalia. Nós só vamos dar uma volta. Não precisa ser nada muito chique. – Ela indicou com o dedo meu corpo envolto pelo roupão.

Assenti caminhando até o guarda-roupa. Fiz uma careta quando fiquei de costas pra ela. Não acredito que eu realmente vou sair de vela, depois de velha.

Que trocadilho engraçado, Thalia.

Será que o Jason está com algum tipo de remorso e agora quer me arrastar por aí?

Neguei com a cabeça.

Se esse for o caso, precisamos ter uma conversa séria. Eu não me ressinto dele. Entendo completamente tudo o que ele fez. Suspirei, ouvindo meu estômago roncar.

— Nós podemos parar em algum lugar? Desde que cheguei não comi nada.

Piper continuava de costas para mim, dando privacidade para que eu trocasse de roupa, então ela falou um pouco mais alto.

— Onde nós vamos já vai ter comida, não se preocupe.

— E eu poderia saber onde é isso?

Apareci na frente dela, já vestida, que apenas sorriu e deu de ombros.

— Você já vai ver. Podemos ir?

Assenti depois de pegar meu celular e a seguir.

No caminho até onde quer que nós fossemos, me peguei refletindo em várias coisas, sem realmente passar muito tempo pensando nelas. Era uma coisa estranha.

Eu sabia que precisava pensar naquilo, mas a informação simplesmente não desenvolvia na minha cabeça.

Eu preciso falar com Leo e Phoebe, mas sobre o que era mesmo?

Preciso falar com Jason sobre essa aproximação que ele está tentando agora.

Preciso entender o motivo de ele me aproximar tanto dos amigos dele.

Preciso contar para ele tudo o que aconteceu.

Eu preciso fazer tantas coisas, mas não quero fazer nada.

Preciso descobrir para onde Jason está nos levando, porque o carro acabou de estacionar e eu não faço ideia de onde estamos.

— Chegamos.

Olhei ao redor quando sai do carro, procurando por sinais de vida. Isso aqui não pode ser bom. Estávamos parados em frente à um prédio e eu tinha certeza de que deveríamos entrar nele.

— Nós não íamos sair pra comer?

— Nós vamos. – Jason entrelaçou a mão na de Piper e sorriu para ela.

Suspirei.

Ele cresceu tanto desde que éramos mais próximos. E parece feliz, feliz de verdade. Pensar nisso me faz gostar de Piper. Mesmo com toda a dificuldade em ser filho de Zeus, ela consegue fazer Jason feliz. Imagino se ela o ajuda a segurar o peso dos céus. Quanto mais reflito, mais me afeiçoo a ela. E isso me preocupa.

Abracei meu próprio corpo e os segui à distância de alguns passos. Não preciso de muita Inteligência acumulada para saber onde estamos indo.

Assim que chegamos ao quarto andar e a porta foi aberta, eu fiquei com vontade de voltar para o carro. Jason está mexendo com assuntos que ele não conhece bem.

— Podem entrar, Will me ligou a pouco tempo, dizendo que está um pouco nervoso de ser a primeira cobaia de Nico. Eles estão presos no trânsito, mas prometeu que vai chegar inteiro.

Percy deu passagem para nós, me cumprimentando com um aceno de cabeça e dando uma batidinha no ombro de Jason.

— Preso no trânsito? – Piper tirou o cardigã e o pendurou perto da porta. – Desde quando Nico dirige?

— Desde que ele comprou um carro! – Annabeth respondeu, surgindo detrás do passa-prato da cozinha. Acima dele haviam pequenas latinhas cheias de coisas que não identifiquei. – Parece que ele conseguiu um contrato importante essa semana e um dinheiro surgiu e ele comprou um carro, finalmente. – Ela sorriu para mim e acenou, com a mão completamente suja de algo que parecia molho. – Pode me ajudar Thalia?

— Ãn... – Encarei Jason que havia sentado no sofá e ligado a TV, depois Percy que buscava pratos e copos e Piper o ajudando a carregar tudo. – Claro. – Tentei sorrir. Por que não? O que pode dar errado?

Ela sorriu para mim quando cheguei perto e me abraçou, mantendo as mãos afastadas do meu corpo.

— Não é nada complexo, eu também não cozinho muito bem, mas Percy é bem pior. Nós estamos fazendo uma macarronada! Eu só preciso que você pique esses temperos pra mim, preciso fritar as almôndegas.

Assenti, puxando as mangas e tentando não me desesperar.

Tudo bem Thalia.

São apenas temperos.

Você consegue picar temperos.

Me posicionei à frente do passa-prato e comecei.

Meus olhos começaram a encher d’água assim que piquei a primeira cebola.

— É legal ver você aqui outra vez. – Annabeth falou, jogando as três primeiras almôndegas na frigideira e dando um passo para trás. – Quer dizer, não literalmente aqui, já que você nunca veio na casa de Percy, eu quis dizer aqui. Bem, aqui...

— Tudo bem. – Tentei sorrir. – Eu entendi.

Ela sorriu, sem graça, e esfregou o rosto com o pulso, tentando não se sujar toda.

— Jason sempre comentou comigo sobre você, apesar de não falar com os outros sobre. – Ela falou um pouco mais baixo. – Eu já sabia sobre a bipolaridade por isso. – Encarei-a surpresa e ela abanou as mãos, tentando se explicar. – Não, calma. Eu não quis dizer isso. Quer dizer, eu já sabia, por isso não deixei passar naquele dia. Acho que é mais fácil lidar com você e conviver com as pessoas quando elas já sabem dos seus problemas. Como elas vão poder ajudar se não sabem o que está acontecendo? – Ela comprimiu os lábios, com expressão de culpa. – Desculpe tomar a iniciativa para fazer isso. Você viu como os meninos conseguem ser indelicados quando querem. Eu só quis evitar que houvessem muitas situações como essa. – Ela sorriu um pouco triste, tirando aquelas almôndegas da frigideira e substituindo por outras. – Não foi fácil para nós quando eu fui diagnosticada. Leo e Nico tinham acabado de brigar, Jason e Piper estavam implicando por qualquer coisa já que ainda não tinham decidido ser um casal, eu quis terminar com Percy... Foi uma época difícil. Não quero que isso se repita. Agora que você está aqui conosco, você faz parte da família. Vou cuidar de você assim como todos eles cuidam de mim.

Ela sorriu e continuou a fritar a carne.

Tentei me convencer que as lágrimas que corriam pelo meu rosto surgiram por causa da cebola, e não pelo que ela disse.

Como pode ela se importar tanto com alguém que não conhece? Alguém que nem mesmo fez algo por ela?

Passei meu pulso pelo meu rosto, secando as lágrimas.

— Ei, vamos tirar uma foto? – Percy surgiu do nada na nossa frente, balançando o celular. Antes que eu me desse conta, Jason e Piper surgiram à frente do passa-prato com ele. Annabeth parou a meu lado e levantou as mãos – ainda sujas – e sorriu. Tentei o meu melhor para não parecer muito surpresa quando o flash irradiou do celular de Percy.

— Por que você sempre usa flash Percy? – Jason piscou, provavelmente tentando afastar os pontos brancos de seus olhos. – Não me marca na foto quanto postar, ok?

— Eu já marquei todos vocês, não quero nem saber.

Eles continuaram a discutir e eu terminei de picar os temperos, jogando-os na panela que tinha um molho avermelhado.

Apoiei meu corpo na bancada da cozinha, tentando piscar.

Meu peito parecia ter sido esmagado de repente.

A sensação de que algo ruim estava prestes a acontecer subindo pela minha espinha.

A campainha tocou e Piper abriu a porta para Will e Nico que entraram com refrigerantes e bebidas.

Will parecia extremamente ofendido quando levantou o celular e apontou para cada um de nós.

— Eu não acredito que vocês tiraram a foto antes que eu chegasse. Espero que recebam muitos comentários ruins.

Nico cumprimentou cada um dos presentes e terminou por mim, dando um beijo na minha bochecha.

— Eu disse que nós sairíamos hoje de alguma forma.

— Isso significa que essa vai ser a noite final de passamos juntos?

— Depende de como ela vai terminar.

Tentei sorrir pela piada conforme ele se afastava, colocando as bebidas na geladeira, mas não consegui.

A quantidade de pessoas dentro do pequeno apartamento de Percy me deixava sufocada. Tudo estava girando.

— Annabeth, você precisa de mim aqui? Posso sentar?

— Claro. – Ela assentiu, apontando para Nico e Will. – Agora que eles chegaram, eles vão assumir a cozinha. Eu vou com você.

Annabeth lavou as mãos e me seguiu até o sofá.

Nós ficamos sentadas enquanto os meninos cozinhavam por pelo menos vinte minutos antes de tudo dar errado. Ao meu redor, Jason, Percy, Annabeth e Piper estavam envolvidos em alguma conversa aparentemente muito engraçada. Will havia colocado música em seu celular e discutia com Nico na cozinha sobre ele ter jogado sal demais na massa e arruinado o prato.

E eu me sentia cada vez mais tonta e sem ar.

Eu vou sair de controle a qualquer momento.

Puxei o ar com cuidado, tentando não culpar Jason por me trazer, tentando não culpar Percy e Annabeth por me convidarem, tentando não culpar Nico por conseguir o contrato e comprar o carro, que resultou nisso tudo.

Nenhum deles tinha culpa se eu não estava mais acostumada a passar tempo com pessoas.

Nenhum deles tinha culpa de eu ter problemas.

Nenhum deles tinha culpa pelo surto que estava tentando chegar.

Nenhum deles tinha culpa pelo pânico que corria pelas minhas veias.

Mas de uma forma ou de outra, todos iam pagar.

Annabeth apertou a minha mão, parecendo preocupada e olhou para Percy.

— Você está bem Thalia? Parece um pouco pálida. Nico! – Ela gritou. – Me traz um copo d’água? Acho que a Thalia está passando mal.

— Eu... Estou bem.

Tentei falar.

A campainha soou, atraindo a atenção de todos.

— Você chamou mais alguém? – Annabeth perguntou para Percy, que negou com a cabeça.

Batidas começaram a soar impacientes na porta, enquanto Nico se aproximava com a minha água. Tentei levantar e dizer que tudo estava bem, mas me senti imediatamente tonta e mudei de ideia.

— Nico... Acho que tem algo errado comigo.

Will abriu a porta e Leo irrompeu no apartamento.

Ele olhou para mim, depois para Nico e tentou respirar fundo.

— Então quer dizer que você não podia atender as minhas ligações e da Phoebe porque estava cansada? Queria ficar um pouco sozinha?

— Leo. Fui eu que convidei, pedi para Jason buscar ela. Por que você está agindo assim? – Nico deu um passo a frente, escondendo meu corpo atrás do seu e se aproximando mais de Leo, que parecia fora de si.

Tentei me agarrar em algo. Por que o mundo está girando de repente?

— Então a culpa de tudo isso é sua, seu babaca!

Eu caí do chão e a última coisa que vi antes de fechar os olhos foi Nico ser atingido no olho por Leo.

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