Cobrindo suas feições másculas com a mais firme máscara de falsa indiferença que pôde moldar, Shikamaru fingiu um bocejo pesado e dando de ombros lentamente, resmungou:

— Pois então mate-a.— sua voz gotejava de um tédio brutal.

Vários queixos foram ao chão simultaneamente. Inclusive o de Temari.

— Como é...?! — brandou Seiji ao dar um passo a frente, fuzilando o ninja absolutamente despreocupado diante de si. Nara afastou-se um passo.

— Sim. Apenas faça de uma vez o que quer tanto fazer. Mate Temari, extraía até o último centavo dos Tanaka, torture-os, faça-os implorar por suas vidas até o último suspiro... — ele bufou pesadamente, coçando a parte de trás da cabeça.— ...por mim, tanto faz. Eu não poderia estar menos preocupado com isso tudo.

Seiji fitou-o como se Shikamaru tivesse seis braços e três cabeças. Ele aproximou-se mais dois passos, e Nara andou mais dois para trás.

— O que está dizendo...?

— Apenas a verdade.

— Realmente não se importa com o que acontecerá com Temari?

— Não me importo com o que vai acontecer com qualquer um, contanto que eu possa tirar uma soneca.

Seiji mostrava-se cada vez mais assombrado. Ele pegou-se sem palavras. A abrupta postura estranhamente apática adquirida pelo ninja da Folha no mínimo o pusera irritado.

Novamente, Shikamaru suspirou.

— Bem, se não há mais nada a ser dito, eu vou indo nessa. Estou com tanto sono que sinto que poderia dormir em pé... — murmurou ele em tom arrastado ao virar-se, cambaleando até a porta.

Shikamaru escutou quando Seiji aproximou-se mais exatos cinco passos. Ele arfou silenciosamente em antecipação, um tremor quase imperceptível sacudiu-lhe as costas tensamente enrijecidas. Seiji parou no centro do círculo torto de luz solar, que se projetava sobre o assoalho arruinado através da rachadura no teto. Nara suspirou, observando o reflexo alongado da própria sombra sobre o tapete de luz abaixo de seus pés alcançar a silhueta magricela de seu alvo. Enfim, Seiji estava exatamente onde Shikamaru o queria.

— Eu não estou blefando, seu bastardo cretino! Basta somente que eu estale meus dedos e Koji irá estraçalhar os ossos de Temari! E a menos que não queira ter o destino que ela,eu sugiro que-...!!

AGORA!!!

Shikamaru uniu ambas as palmas das mãos, e num hábil e veloz movimento, abaixou-se, flexionando um joelho no piso de madeira apodrecida.

— Arte Ninja:Escravo das Sombras!(1)

Longuíssimos tentáculos brotaram em ângulos anormais da sombra de Shikamaru, e lançaram-se à figura estarrecida de Seiji. Os tentáculos serpentearam os tornozelos imobilizados dele e rastejaram para o restante do corpo, até que alcançaram e envolveram por inteiro seus punhos fortemente cerrados. Sob os comandos ordenados por Shikamaru, Seiji era uma marionete em suas mãos.

Ao acharem-se no meio do fogo cruzado, os Tanaka logo trataram de darem as mãos e dispararam para a saída do galpão.

Impedido de recobrar o controle racional sobre seus movimentos, Seiji atirou-se num salto contra um de seus próprios capangas, mirando o centro de seu rosto com o punho fechado erguido. O golpe poderoso arremessou-o vários metros para trás, fazendo seu corpo colidir numa explosão de pedaços destroçados de concreto. Contrariando as expectativas de Shikamaru, o rapaz não se levantou para investir num contra-ataque. Aparentemente, o golpe certeiro atingiu-o com força o bastante para pó-lo inconsciente quase instantaneamente. O fato de Seiji não ser adepto de quaisquer técnicas-ninja não era realmente um problema; pois as sombras controlavam Seiji, e Shikamaru controlava as sombras.

A garota que instantes atrás ocupava a direita do colega recém-abatido, fora estúpida o bastante para tentar um golpe frontal. Analisando atentamente sua posição de ataque, Shikamaru antecipou seus próximos movimentos antes mesmo que ela tivesse a oportunidade de executá-los. Nara comandou que Seiji aplicasse-lhe uma rasteira. A garota foi ao chão de bruços num baque mudo. Seiji conteve-a por trás ao subir em suas costas, e agarrando-a pelos pulsos, prendeu-os em grilhões de chakra. À este ponto, Shikamaru já havia tido suas dúvidas removidas quanto ao nível das habilidades físicas e psíquicas dos capangas de Seiji. Estes mostraram-se ainda menos capacitados do que o inicialmente pressuposto por ele. Tanto era, que dois deles foram rápida e facilmente derrotados por um Chuunin.

Com isto, restaram somente Koji:o homem-urso que espremia nos braços o delicado corpo de Temari; a lâmina da kunai ainda pressionando a pele alva de seu pescoço esguio — e a garota que tomou seu Leque.

Os primeiros sinais de exaustão manifestaram-se em incômodas pontadas de dor aqui e ali. Nara achou-se ofegante conforme sua estabilidade física era gradualmente enfraquecida. Mediante isto, ele soube que disponibilizava de pouco tempo antes que tivesse seu chakra inteiramente consumido. A técnica 'Escravo das Sombras' exigia um domínio quase perfeito da manipulação de chakra; fato que tornava-a estritamente proibida a membros de nível médio-baixo do Clã Nara. Shikamaru havia colocado à prova suas próprias limitações ao ousar realizar um ninjutsu que suas atuais condições como ninja não permitiam-lhe. Porém, dada as circunstâncias da situação de risco a qual ele e Temari foram colocados, ele teve de recorrer à medidas no mínimo suicidas.

Shikamaru deteve bruscamente os tentáculos de sombras no exato momento em que preparava-se para guiar Seiji para um novo ataque. Seu coração falhou algumas batidas, e então despencou do peito, perdendo-se no âmago de seu íntimo desmoronante. Nitrogênio líquido pareceu ter sido diretamente injetado em sua corrente sanguínea quando presenciou, num horror silencioso, Koji rasgar a garganta de Temari num rompante. Ele soltou o corpo feminino inanimado sem quaisquer resquícios de gentileza, que rolou sobre o piso de madeira mofado, parando a alguns poucos metros de Shikamaru.

Temari foi quem levou o golpe fatal, no entanto, era Shikamaru quem sentia-se morto.

Suas pálpebras cederem à fadiga extrema por um breve instante, porém Nara resistiu ao impulso irracional de permiti-las fecharem-se completamente. Quando tornou a abrir os olhos, no entanto, Temari estava viva. Ainda estava à inteira mercê da pressão que a Kunai de Koji fazia sobre seu pescoço, e enclausurada contra o peito colossal do homem-urso — mas estava viva, e perfeitamente bem. Seus olhos encontraram-se com os dela por um momento, e o rosto feminino tinha-se fortemente franzido numa careta apreensiva e ruborizada pela fúria.

— Shikamaru... — ela balbuciou seu nome num fio de voz. Ele perguntou-se se Temari também pôde-se ver sendo morta, e quis desesperadamente que a resposta fosse não.

Nara descobriu-se tremendo da cabeça aos pés. Gotículas finas de suor frio projetavam-se sobre sua testa e têmporas, deslizando pelas laterais do rosto pálido. Shikamaru não soube que continha o fluxo de oxigênio até seus pulmões suplicarem pelo retorno deste. Ele ergueu os olhos e fitou de soslaio um par de leitosas íris vermelho-púrpura devorando-o. A garota em posse do Leque de Temari mirava-o numa intensidade desnorteante. Enfim fora revelado quem dentre os asseclas de Seiji era usuário de jutsu visual. Ainda que metade do rosto dela estivesse oculto dentro do tecido pesado da máscara negra, Shikamaru pôde ver o quão era jovem .Não deveria ter mais que 14 anos, e sua altura e porte físico assemelhavam-se aos de uma criança.

— Liberte Seiji-sama. Ou prometo-lhe que a visão que acabou de ter se tornará realidade. — disse a menina, baixo o suficiente para que apenas Shikamaru a ouvisse.

— Yukari... — Seiji disse seu nome através de murmúrio ofegante, o princípio de um pequeno sorriso satisfeito brincando nos lábios.

Ainda que Koji pressionasse-a contra si com força suficiente para incapacitá-la de mover-se da cintura para cima, Temari ainda podia mover suas pernas. Devagar e sutilmente, ela escorregou com o corpo alguns centímetros para baixo, e achou-se com os pés suspensos rente à região da virilha de Koji. Ainda que naquela posição estivesse impossibilitada de conseguir um impulso forte, Temari esticou a perna o quanto pôde e jogou-a para trás, acertando em cheio a virilidade de Koji com a ponta do calcanhar. Um berro ensurdecedor explodiu do fundo da garganta do homem-urso, e num movimento puramente instintivo, ele de imediato libertou Temari da prisão de seus braços rijos como aço. Atordoado pela dor lancinante, Koji pôs-se alheio ao que acontecia à sua volta, ocupando-se somente em afagar o local atingido. Aproveitando-se da momentânea vulnerabilidade do grandalhão atarracado, Temari correu e avançou contra Yukari, golpeando-a com um chute no queixo. Depois de abatê-la, Temari recuperou seu Leque. Yukari, porém, mostrou-se firme e surpreendentemente relutante ao pôr-se de pé num salto habilidoso e investir contra a Princesa de Suna. Ainda que Yukari não fosse uma adversária à altura, sua forte insistência e obstinação puderam manter Temari ocupada por alguns momentos.

Com um arfar trêmulo e um frustado ranger de dentes, Shikamaru enfim teve sua pífia quantidade de chakra restante totalmente esgotada. Sua invalidez física o venceu ao ponto de permitir-se libertar Seiji dos tentáculos que o manipulavam, mesmo que muito à contra-gosto. Nara rendeu-se à completa exaustão, quedando-se de joelhos com um gemido oprimido. Ofegante, ele lutou contra a inconsciência que ameaçava tomá-lo.

Quando finalmente liberto do controle físico que a sombra de Nara exercia sobre si, Seiji, ciente da escassa e quase nula competência de Yukari em martes-marciais, decidiu livrá-lá dos punhos impiedosos de Temari antes que a mesma acabasse por matar sua preciosa protegida. E Seiji bem sabia que não poderia esperar que Temari a poupasse, ainda que Yukari fosse praticamente uma criança. Ele conhecia a irmã do Kazekage há tempo suficiente para saber que misericórdia não era um de seus pontos fortes. Diferentemente de seus outros dois capangas, Koji e Yukari eram especiais. Koji, por sua força e tamanho sobre-humanos. E Yukari, por sua peculiar e muitíssimo rara linhagem sanguínea que permitia-a penetrar nos mais profundos abismos da mente de sua vítima para trazer à tona seus piores medos em visões distorcidas criadas a partir da ilusão de uma realidade alternativa.

Seiji, então, novamente de pé—tateou ansiosamente os compartimentos internos de suas vestimentas. Ele carregava consigo variados tipos de armas brancas normalmente utilizadas por ninjas, ainda que não soubesse como fazer o uso correto destas. Do interior do coldre preso à lateral direita do quadril, Seiji puxou uma faca Kunai de três pontas; muito similar às usadas pelo falecido Yondaime, Namikaze Minato.

Ainda com o torso arfante curvado sobre os próprios joelhos dobrados no chão, Shikamaru ergueu a cabeça e num pânico silencioso, acompanhou o momento em que Seiji aproximava-se para surpreender Temari por trás. Com sua atenção totalmente voltada para Yukari, Temari não seria capaz de interceptar a investida de Seiji. E mesmo que conseguisse, ele já estava perto demais para que houvesse tempo para um bloqueio.

Portanto, Shikamaru, sabendo que Seiji a mataria impendentemente do ponto onde atingisse-a nas costas, mesmo que talvez ele quisesse somente detê-la e não matá-la—reuniu forças mesmo quando não havia onde buscá-las e levantou-se para correr até Seiji.

Nara colocou-se entre Temari e Seiji, utilizando o próprio tórax como escudo para impedir que a Kunai brandida por ele apunhalasse a coluna vertebral dela. Seiji enterrou até a metade das três lâminas no estômago de Shikamaru ,fazendo-o expelir uma grande quantidade de sangue antes de cair inconsciente aos pés de Temari, que ao assistir horrorizada o momento em que ele foi abatido, vociferou seu nome à plenos pulmões.