How Could This Happen To Me? escrita por Emmy Tott


Capítulo 16
Revelações




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Pierre quase não acreditou quando ouviu a porta da frente se destrancando. Seria possível que Peggy estivesse de volta e disposta a lhe dar mais uma chance? Se isso fosse verdade, ele nunca mais lhe daria motivos para desconfiar dele novamente. Fazia apenas três dias que ela fora embora e Pierre se sentia como se o seu mundo tivesse desmoronado sobre a sua cabeça.

Por isso, ele foi correndo ver quem tinha aberto a porta. Seu estômago se revirou desconfortável quando ele viu uma silhueta horrivelmente familiar entrar no hall da casa. A presença da moça ali só podia ser um mau presságio, já que eles não se viam ou se falavam desde que Pierre tinha completado quinze anos. Ele se surpreendeu que ela ainda tivesse as chaves e que, apesar de tê-lo abandonado a sua própria sorte, agora ela retornasse como se tivesse ido à esquina fazer compras. Os anos haviam passado, mas Pierre ainda era capaz de reconhecer aquela pele extremamente branca, contrastando com os seus cabelos negros, que desciam gentilmente pelas suas costas como uma cortina aveludada.

-Alicia? – O tom de Pierre refletia o choque pela surpresa que era ter a irmã de volta à casa de seus pais.

-É bom te encontrar aqui agora, isso facilita as coisas – ela disse, como se estar de volta não fosse uma coisa muito agradável.

-Quer dizer que você está só de passagem? – ele disse, reparando que Alicia não trazia nenhuma mala consigo.

-Eu não pretendo ficar por muito tempo, apenas o necessário para resolver alguns negócios por aqui, e depois eu terei que voltar para o Marrocos – ela explicou.

-Uau, Marrocos – surpreendeu-se Pierre. Da última vez que tivera notícias da irmã, ela estava em algum lugar da Malásia – então, onde estão as suas malas? – ele perguntou após perceber que ela não falaria mais nada sobre a sua vida incerta e nômade.

-Eu as deixei em um hotel aqui perto, achei que você se sentiria mais confortável mantendo alguma distância de mim... de qualquer forma, assim será mais fácil mesmo.

-Eu não entendo, a casa também é sua, então por que...? Isso tem alguma relação com as coisas que você disse que veio resolver? – ele disse, se lembrando de repente das palavras da irmã.

-Essa não é uma visita social, Pierre – ela esclareceu. Sua expressão estava ilegível.

-Então o que é que você veio fazer aqui afinal? – exasperou-se Pierre. O tom de Alicia não era nem um pouco reconfortante.

-Nós precisamos ter uma conversa muito séria... mas antes eu gostaria de dar uma olhada na casa – ela emendou depressa.

Pierre se manteve cauteloso enquanto a irmã vasculhava cada centímetro do imóvel. Ele não sabia o que Alicia pretendia com aquilo, mas o que quer que fosse, ele tinha certeza de que não tinha nada a ver o saudosismo dos tempos de outrora.

 

***

 

-Vá em frente – Bel encorajou David.

Ele se mantinha muito rígido, os olhos fixos nos olhos de Bel com grande intensidade. Ele estava criando coragem para lhe revelar os fatos obscuros do passado de Chuck. Isso era mais fácil tendo Bel assim tão próxima dele. Porém, ele não sabia por onde começar aquela história bizarra, já que aquela seria a primeira vez que ele a contaria para alguém.

-Eu estou tentando – ele suspirou.

-Quando você quiser!

O meio sorriso de Bel foi o suficiente para fazê-lo começar a falar. Por aquele sorriso ele faria qualquer coisa, até enfrentar a fúria de Chuck depois que ele descobrisse.

-O Chuck sempre teve... – ele engoliu em seco mais uma vez – problemas com os pais. – ele parou para olhar cautelosamente para ela.

-Bom, muitas pessoas tem problemas com os seus pais, eu não consigo entender qual a relação disso com...

-Acontece que os problemas de Chuck são bem mais sérios do que os da maioria das pessoas – cortou David.

-Que tipo de problemas?

-Os pais dele nunca foram o que se pode chamar de pais normais... é meio complicado explicar – ele suspirou, antes de emendar – Chuck nunca fala disso com ninguém, ele tem mantido isso em segredo desde a infância!

-Mas então como é que você sabe?

-Porque as coisas pioraram quando ele estava para se formar... ele estava desesperado, por isso me procurou... ele queria que eu o ajudasse a manter Peggy afastada de Pierre...

-Isso não faz sentido – comentou Bel, balançando a cabeça, confusa.

David decidiu que era melhor começar de forma diferente, e tentou de novo:

-Olha, eu vou te contar tudo o que ele me disse uma semana antes do baile, ok?

-Certo – ela disse, se concentrando para não perder nem uma palavra.

-Naquele dia eu tinha chegado mais cedo na escola para terminar um dever de matemática. Então eu estava indo em direção à sala de aula quando ouvi um gemido baixinho vindo do laboratório. É claro que eu fiquei com medo, mais a minha curiosidade foi maior... então... – ele disse lentamente – eu o vi... ele estava agachado entre os frascos de vidro, se escondendo para que ninguém o visse chorar... foi uma coisa embaraçosa de se ver – ele parou, perdido em suas reminiscências.

-Continue! – incentivou Bel.

-Foi difícil no começo, mas ele estava desesperado demais, ele precisava desabafar com alguém se não corria o risco de explodir. Eu consegui ganhar a confiança dele e ele se abriu comigo.

-E o que ele te disse?

-Que não suportava mais viver com os pais. Ele disse que eles queriam obrigá-lo a fazer direito depois do colégio.

-Isso não é tão ruim assim – apontou Bel.

-Não seria tão ruim se fosse só isso, mas o fato é que... os pais de Chuck sempre controlaram a sua vida como se ele não tivesse direitos de ser livre para fazer suas próprias escolhas. Eles ditavam o que ele tinha que fazer sempre e não admitiam que ele andasse com certas pessoas... pessoas que não eram do nível deles, entende?

-Sim, mas... ele nunca pensou em confrontá-los?

-Já – ele afirmou com a cabeça – mas eles nunca permitiriam que Chuck os desobedecesse, se não...

-Se não?

-Eles o mandariam para um colégio interno na Suíça. Ele vivia sob essa ameaça constantemente...

 Bel olhou ceticamente para ele.

-E porque eles agiam assim?

-Eles diziam que tudo aquilo era para o bem do único filho... eles eram de uma família tradicional, muito rica, entende? Viviam sob o medo constante de que sua fortuna caísse em mãos erradas. Aparentemente eles temiam que o filho se envolvesse com alguém perigoso demais... era o preço que eles tinham que pagar pela sua riqueza, como eles diziam. As únicas pessoas que eles permitiam o filho de se relacionar era eu, Pierre, Jeff e Sebastien.

-E ele nunca os contou nada disso antes?

-Não, aquilo seria como cometer suicídio. Chuck vivia um verdadeiro inferno dentro daquela casa, sempre sob pressão.

-E ele nunca pensou em fugir de lá?

-Seus pais sempre deixavam um segurança por perto, para evitar que o filho fizesse qualquer bobagem, então ele não podia dar sequer um passo fora de seu caminho permitido. Eles não o deixavam fazer nada. Isso sem contar nas chantagens emocionais também.

Bel estava chocada.

-Como alguém pode viver assim? Com alguém o vigiando 24 horas por dia sem entrar em parafuso?

-Era realmente muito difícil, mas ele também tinha momentos amenos quando estávamos na escola... o tempo que ele passava lá era como um refúgio, um lugar onde ele podia agir por si próprio e fingir que sua vida era normal.

-Ninguém nunca desconfiou de nada?

-Não. De qualquer forma, com o dinheiro que tinham, eles poderiam comprar a cidade inteira se quisessem...

-Então como ele se livrou do direito sem que ninguém soubesse dos seus problemas?

-Era exatamente por isso que ele estava desesperado naquele dia. O ano estava chegando ao fim e logo ele teria que tomar uma decisão. Por sorte os pais de Chuck nunca chegaram a saber que o filho tocava bateria escondido nos tempos livres da escola.

-Como ele fez pra esconder isso deles?

-Nós todos sabíamos da existência de um galpão abandonado que ficava à algumas quadras do colégio, você sabe, o mesmo onde fizemos a festa no verão.

Ela acenou rapidamente.

-Então, as vezes, nós fugíamos da aula pelos fundos da escola sem que ninguém percebesse e íamos pra lá, ensaiar.

-Como vocês conseguiram os instrumentos?

-Economizando no lanche da escola e comprando alguns de segunda mão, é claro. Mas não foi muito fácil...

-Então vocês planejavam montar uma banda depois do colégio?

-Sim. E essa era a chance que Chuck tinha para se libertar de seu terrível destino, percebe?

-Mas eles não ficariam furiosos quando descobrissem, afinal?

-Chuck contava com a chegada da sua maioridade quando isso acontecesse. Eles poderiam brigar com o filho, cortar relações, mas eles não poderiam mais obrigá-lo a nada.

-Mas então porque ele estava tão desesperado no laboratório?

-Porque o pai dele, sem querer, acabou descobrindo que ele tocava bateria escondido.

-E o que ele fez?

David engoliu em seco.

-O pai de Chuck deu uma surra nele. Uma surra que quase quebrou as suas costelas. Mas ele teve o cuidado de não deixar nenhum hematoma aparente, para que o filho não desse com a língua nos dentes e então – ele pausou – ele o ameaçou, disse que preferiria ver o filho morto a se envolvendo com aquela besteira de música.

Bel estava estupefata.

-Só faltava uma semana para as aulas acabarem, entende? Uma semana para que Chuck pudesse fugir daquele inferno que era a casa dos pais. O Simple Plan não seria apenas uma banda para ele, mas talvez a sua única salvação.

-Eu ainda não consigo entender o que isso tem a ver com Peggy.

-Não tem nada a ver com a Peggy – ele hesitou por um momento – tem a ver com o Pierre...

Bel olhou para ele confusa.

-Justo naquele dia... o dia da surra... Pierre procurou Chuck para lhe confessar que estava apaixonado. É claro que todo mundo já sabia, mas ele estava disposto a se declarar para ela na noite do baile.

-E o que isso tinha a ver com o Chuck? – impacientou-se Bel.

-Ora, se Pierre começasse a namorar Peggy naquele momento ele não sairia mais de Montreal quando as aulas acabassem e os seus planos de fugir pra longe com o Simple Plan estariam acabados.

-E ele pensou em dizer isso para Pierre?

-Ele não podia... além do mais, Pierre nunca acreditaria em Chuck, a escola inteira sabia que ele odiava Peggy e que faria qualquer coisa para mantê-la o mais longe possível.

-Foi aí que ele te pediu para ajudá-lo a separar Peggy de Pierre?

-Pra falar a verdade fui eu mesmo quem sugeriu isso – David escondeu seu rosto entre as mãos – quando eu o vi naquele estado... eu queria poder fazer alguma coisa pra ajudá-lo, e eu não sabia que o Pierre estava tão envolvido... se você soubesse o quanto eu me envergonho de ter feito isso...

-Ok, você só estava tentando ajudar um amigo. O problema é que acabou fazendo outro amigo sofrer – raciocinou Bel.

-Eu sou um monstro, não sou?

Bel levantou os ombros.

-Isso depende... você ainda não terminou a história...

-Bom, depois disso, o Chuck aceitou a minha ajuda, é claro. Nós forjamos um encontro de Pierre com Eillen, e é claro que ele nunca cederia a ela, mas isso foi o suficiente para tirarmos a foto. Depois foi só escrever a carta e entregá-la para Peggy. O Simple Plan estava a salvo depois disso. – ele terminou, com a voz fraca.

-Então ele nunca quis enganá-la? Era tudo mentira?

David afirmou uma vez com a cabeça.

-Chuck conseguiu fugir da fúria dos pais. No começo foi difícil, mas depois a banda começou a crescer e ele pode comprar um apartamento com o dinheiro.

-Os outros nunca souberam de nada?

-Ele disse que tinha fugido de casa, brigado com os pais, mas nunca revelou a intensidade da briga. Ele ainda se envergonha por tudo o que eles o fizeram passar.

-Nossa – admirou-se Bel – então eu acho que você devia dizer a verdade a Pierre agora.

-Eu não posso... Chuck me mataria se soubesse e Pierre nunca me perdoaria.

-Mas isso é melhor do que levar a verdade com você para o túmulo.

-Eu nunca teria coragem – ele desviou o olhar.

-Você me perguntou se eu te achava um monstro, e a minha resposta vai ser sim se você continuar com isso. Pierre precisa saber da verdade, mesmo que ela o faça sofrer ainda mais.

-Bel – ele sussurrou, levando sua mão inconscientemente até o ombro da garota – não é tão simples assim... têm muitas coisas envolvidas.

Bel o afastou com as mãos.

-É claro, eu devia saber. Você tem coragem para fazer o que fez comigo, mas quando a questão é consertar as coisas, você prefere simplesmente tapar os olhos e fingir que nada aconteceu.

David baixou os olhos.

-Eu queria tanto que você me perdoasse. Você não imagina o quanto eu me arrependo de todas as coisas erradas que fiz...

-Acontece que se arrepender apenas não basta. Você precisa agir, David! Precisa fazer alguma coisa que prove que eu estou errada e que mostre o seu valor.

-Eu... – David começou, mas soube como continuar.

Bel suspirou.

-Eu preciso ir agora, está ficando tarde. – ela disse se dirigindo para a porta.

David a segurou aberta.

-Espere, fique mais um pouco Bel. – ele implorou.

-Eu já não tenho mais nada para fazer aqui! Agora, se você ainda se importa pelo menos um pouco com o que eu penso sobre você, eu acho que você deveria pensar seriamente no que eu te disse.

Dizendo isso, ela saiu rumo ao elevador, antes que pudesse escutar os cumprimentos de adeus de David.

 

***

 

Quando Alicia finalmente se deu por satisfeita, Pierre já estava no limite da sua paciência. Assim que ela terminou de revistar a casa, ele se virou para a irmã e antes mesmo que pudessem chegar até a sala, pressionou:

-Então, posso saber agora o que foi que trouxe a minha ilustre maninha de volta? – sua voz estava carregada de sarcasmo.

-Eu vou te dizer – ela suspirou enquanto Pierre a encarava – há alguns dias atrás eu recebi um telefonema muito curioso.

-Um telefonema? De quem?

-Eu não sei, ele nunca chegou a dizer o seu nome.

-Mas porque esse telefonema te fez querer voltar?

-Porque a pessoa do outro lado da linha me disse que você estava usando a casa que era dos nossos pais para fazer orgias. – ela acusou.

-O quê? – espantou-se Pierre.

-Ela disse que você dava festinhas noturnas constantemente, com muitas garotas, álcool e música alta.

-Mas isso é mentira! – ele gritou, seu rosto se contorcendo de raiva.

-Eu não vim aqui para te perguntar se isso era mentira ou não.

-Então porque? – ele questionou, com o mesmo tom de voz.

-Eu não sei se você se lembra, mas essa casa está no meu nome desde nossos pais morreram.

-Eu não preciso que você me lembre disso!

-Pois bem, o assunto que eu disse que vim tratar em Montreal é a venda da casa.

O queixo de Pierre caiu, seus olhos se inflaram de revolta e repulsa pela irmã.

-Eu não posso acreditar que você vai fazer isso! Essa casa é a única lembrança que temos dos nossos pais. Não é possível que você seja tão mesquinha assim.

-Você devia pensar nos nossos pais antes de trazer um bando de vagabundos pra cá!

-Eu não trouxe ninguém pra cá, isso foi só uma noite! E mesmo que fosse verdade, você acha mesmo tem algum direito sobre a casa depois de me abandonar a tantos anos atrás sem nem uma carta de despedida? – Pierre estava quase berrando, se contorcendo inutilmente para não se descontrolar ainda mais.

-Eu só sai de casa porque não suportava mais ter que olhar para as coisas deles todos os dias e me dar conta de que eles nunca mais iam voltar. Eu entendo a sua raiva sobre mim, Pierre, mas você não está sendo justo...

-Só porque você é a mais velha, isso não te dá o direito de apossar da casa assim! Eu também tenho direito sobre, e não vou deixar você acabar com tudo o que os nossos pais levaram anos para construir – revoltou-se Pierre, ignorando a fala anterior de Alicia.

-A lei está do meu lado, Pierre! E você querendo ou não a escritura da casa passou para o meu nome quando os nossos pais morreram, já que você ainda era muito jovem na época.

-Eu não acredito que você vai fazer isso – ele disse, balançando a cabeça – você não pode!

-Eu te disse que não ia ser fácil... bem, agora você já sabe.

-Era só isso? Ou você quer que eu te ofereça um chá de boas-vindas também? – Pierre disse em uma voz carregada de ironia.

-Não, eu já estou indo... ah, e seria melhor que você desocupasse a casa dentro de sete dias, eu já tenho alguns compradores em vista.

Pierre fuzilou a irmã com o olhar. Percebendo o perigo, Alicia se apressou em deixar a casa.


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