Paixões Gregas - Amor sem fronteiras(Degustação) escrita por moni


Capítulo 6
Capitulo 6


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem. amanhã tento postar mais e responder aos comentários. seis capitulos e ainda não respondi nada, mas li tudo e amanhã falamos mais sobre esse nosso novo casal.



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   Pov – Aysha

   O acampamento começa a esvaziar, barracas desmontadas. Refugiados partindo e eu com Daren nos braços ao lado de Zaila e seu bebê. Uns poucos homens e mulheres acampados à espera do carro que vai levar o grupo para a capital.

   Ekon me dá um longo abraço. Simão, Amália, Caleb e mesmo Carol fazem o mesmo.

   ―Desculpe todas as tolices que disse Carol. – Ela toca a cabecinha de Daren. Tem um sorriso triste, me diz em seu silencio que muitos Darens passaram por suas mãos. Com ele vai ser diferente. Ergo minha cabeça e ela apenas mantem o sorriso.

   ―Isso que está fazendo é uma loucura. – Caleb diz preocupado.

   ―Isso que estou fazendo é o que vim fazer na África. – Ele me olha sem intenção de discutir. Ekon me abraça mais uma vez.

   ―Você está certa. – Ele admite. – Talvez eu devesse ficar e ajudar você. Ajudar o grupo que fica.

   ―Tem um mundo de pessoas precisando de você Ekon. Não sei nem mesmo se consigo me juntar a vocês de novo. Então vá com eles e faça seu trabalho.

   ―Você é só uma menina. Vinte e três anos. Aysha não sabe o que está fazendo. – Nego, meu coração acelera com medo de algum deles ser capaz de me obrigar. Aperto Daren em meus braços, dou um passo para trás e ele balança a cabeça em negação. – Está certo. Sua decisão.

   O grupo parte. Volto para a tenda. No fim me tornei o mais perto de um líder que as pessoas restantes vão ter. Organizo os suprimentos. É bom que o carro chegue mesmo pela manhã. Não tem mais muito que possa oferecer as pessoas.

   Nem comida. Nem água e muito menos remédios. Só o básico para uma noite sem maiores acidentes. Homens e mulheres se reúnem em torno de uma fogueira diante da única tenda restante. Dentro dela. Zaila, seu bebê, Daren, e dois idosos.

   Divido um pouco da comida e da água. Deixo o restante para alimentar a todos antes da longa viagem que temos pela frente. Arrumo minha mochila. Dentro dela coloco tudo que tenho e mais algumas coisas para Daren. Meia dúzia de fraldas descartáveis, agua, mamadeira e a fórmula que vem alimentando o pequeno no seu primeiro mês de vida. Meia lata. Precisa ser o bastante para chegarmos a um lugar seguro e com provisões.

   Não durmo. Ninguém nunca dorme bem nesse lugar. O silencio é brutal, nada além do vento pelo descampado. Estamos no meio do nada, entre nenhum lugar e lugar nenhum.

   Olho para aquelas pessoas. Algumas mulheres vestem sares surrados, outras apenas pedaços de pano sujos, assim como os homens e as crianças as vezes nem mesmo usam roupas. A magreza de alguns me apavora. Um mês aqui e ainda me choca alguns deles conseguirem andar.

   Eu mesma perdi dois quilos. Nada demais. Alimentação regrada e as vezes escassa, é natural. Além disso tem o calor infernal, a correria do dia a dia e o pouco sono. Não é um passeio no parque. Definitivamente é muito mais pesado que eu podia imaginar.

   Nada machuca mais do que diagnosticar e não poder fazer nada. Saber que aquela pessoa podia vencer, mas vai sucumbir por que além dessas fronteiras ninguém se importa.

   Amanhece. O sol se levanta e logo o calor se torna uma caldeira. Estamos quase no deserto. Geograficamente eu não tenho muita certeza de nossa localização. Tudo que sei é que a leste fica a Etiópia. Terra prometida para boa parte dessas pessoas.

   As horas vão passando, não vem qualquer carro, caminhão. Nada. O dia corre e os suprimentos acabaram. Mesmo a água começa a se acabar. Dois homens saem em busca de algum rio, lago, qualquer coisa que nos ajude a sobreviver enquanto esperamos.

   A noite volta. Ninguém. Talvez tenham se atrasado. Não nos deixariam aqui. Não a Cruz vermelha. Não entendo. Outra noite. O leite de Daren chegando ao fim, assim como a água que escondo na mochila para fazer sua mamadeira.

   Quando amanhece o grupo lá fora começa a deixar o acampamento. Só seguem pelo descampado em direção a lugar nenhum. Leste. Apenas isso.

   ―Temos que ir. – Zaila me diz com o filho preso em seu sare.

   ―Não. Temos que esperar. Tem outras pessoas aqui que não podem fazer essa viagem a pé.

   ―Ninguém vem. Temos que ir. – O sotaque é tão carregado que sempre preciso me concentrar para entende-los. – Ir.

   ―Zaila... – Não sei o que fazer. Eu não posso pedir que fique. Queria correr com ela. Só que sou uma médica e não posso simplesmente ir embora sem olhar para trás.

   ―Amanhã. Antes do sol. – Ela me diz e afirmo. Seu bebê mama, Daren dorme. Como vem fazendo nos últimos dias. Mais do que o natural.

   Zaila toca meu ombro no meio da madrugada. Me estende a mochila em silencio. Os olhos assustados. Me puxa junto com Daren. Tento seguir para fenda, ela nega, me arrasta para passar por de baixo da barra da tenda, saímos pelos fundos, o céu tão escuro que mal posso ver.

   ―Correr. – Ela diz e quando escuto o primeiro disparo de metralhadora e olho para trás a luz dos disparos ilumina a tenda no meio da escuridão. Quero voltar, ao mesmo tempo eu sei que preciso correr. É por Daren e por ele eu corro.

   Escuto o som de motores se afastando e depois silencio. Não consigo enxergar nada. Somos duas mulheres e dois bebês, perdidos no meio de lugar nenhum. Meu oficio diz que tenho que voltar e ter certeza se alguém sobreviveu, minhas pernas e meu coração dizem o contrário.

   Titubeio, mas Zaila puxa minha roupa e continuo. Apenas continuo e continuo e então quando o céu vai mudando de cor e meu corpo para de responder eu me deixo cair sentada no chão. Ela faz o mesmo. Seu bebê chorando faminto.

   Daren também tem fome. Só não tem mais forças para chorar. Ajeito o pequeno melhor em meus braços. O direito adormecido de tanto caminhar com ele. Zaila estica um sare e deito o pequeno na relva seca enquanto preparo leite. Depois o trago de volta. Ele suga com o máximo de sua energia.

   ―Isso meu pequeno príncipe da noite. Precisa ficar forte. Vamos dar um jeito. Eu sei que sim. – Olho para a mulher ao meu lado. Magra, cansada, mas ainda tão firme e determinada. – O que vamos fazer?

   ―Ir embora. Longe. Precisamos ir sempre longe. Evitar os povoados. Perigoso demais. Tem minas, tem homens e armas.

   ―Malakai. Podemos chegar?

   ―Não. Fronteira. Sempre fronteira. Longe.

   ―Daren não é meu. – Digo acariciando os cabelos ralos do pequeno em meus braços. Ainda sugando o restinho do leite.

   ―Daren não é de ninguém. Daren é só... – Ela não sabe. Não encontra uma palavra.

   ―Um sobrevivente. Um lutador. Não é isso meu pequeno. Um sobrevivente que não vai desistir. Nenhum de nós vai.

   Seguimos nosso caminho. Nos escondendo de dia, caminhando de noite, comendo frutos, o leite de Daren está por um fio na terceira noite. Tenho uma mamadeira para quando o dia amanhecer. Zaila está fraca. Muito mais do que eu.

   Sei leite mal alimenta seu bebê. Como ela poderia tirar do filho? Meu corpo está esgotado, minha mente vazia.

   ―Uma vila. Chegamos de manhã. – Ela me diz quando percebe meu desespero. Um vento gelado corta o ar. Zaira me ensina a usar um sare, me ajuda a prender Daren nele. – Parece eu. Parece um de nós.

   ―Eu sou. – Não me sinto qualquer outra coisa no momento. Só uma mulher. Com seu bebê em busca de sobrevivência. A médica esperançosa que pensava ser capaz de salvar o mundo morrendo lentamente dentro de mim.

   Não conversamos muito. Não sinto vontade, não tenho mais muita energia e reservo para a caminhada. Me sinto suja, cansada e faminta. Sinto a pele fria de Daren tocar a minha. Ele se aquece em contado comigo. Preso dentro das minhas roupas. Além disso me da mais mobilidade.

   A vila de que Zaila falou são só barracos, com esgoto aberto, pobreza e medo misturado a fome e agora, pela primeira vez desde que cheguei a esse país eu o vejo como é. Como uma igual. Não tem meu velho olhar superior de salvadora. Minha arrogância sutil e pontual.

   Somos todos iguais agora. Médica, americana, negra, não. Pessoa. Apenas isso. Um ser humano. Aquelas pessoas não estão em muito melhores condições. Tem famílias deixando o vilarejo, mesmo assim conseguimos um pouco de água. Uma farinha rala que Zaila me ensina a misturar numa panela velha sobre um fogo fraco que ela mesma providencia no chão de terra.

   A mistura não é o bastante para nutrir um recém-nascido, é só para encher seu pequeno estomago. Decidimos seguir entre aquelas pessoas.

   Meu corpo vai enfraquecendo a cada dia. Eu sinto, as dores musculares, o esgotamento. Meus seios também doem. De um modo que não compreendo.

   Me perco de Zaila uma semana depois, em meio a uma correria de guerrilhas, com tiros entre militares e milicianos, ignorados pelo mundo. Além dela eu também perco a minha mochila. Sem passaporte, dinheiro, destino eu me torno oficialmente apenas mais alguém em busca de refúgio.

   A noite fria num acampamento de estrada, sob o céu estrelado e encolhida num canto eu sinto meu pequeno Daren se mover faminto dentro do sare que agora uso. As roupas de mulher americana ficaram pelo caminho.

   A mulher americana também. Daren e sua respiração. Sua fome, seu bem-estar. Isso é o que sou. Penso em Malai. Em seu sonho, de algum modo ela sabia. De algum modo foi isso que vim fazer no Sudão do Sul.

   Daren se remexe, eu o embalo. Não há nada para oferecer a ele, não pouco, não como quando eu tinha que racionar. Nada. Coisa alguma.

   Em sua agonia, Daren encontra meu seio, eu posso. Acontece. Um lampejo da médica que fui surge em minha mente e sei que acontece. Eu o ajudo, indico o bico, rezo enquanto ele luta e aprende, aos poucos vai se acalmando.

   Meu coração explode de emoção, de amor, sou uma mãe. O filho da noite se alimenta sob o céu estrelado. Aqui está, esse pequeno e indefeso ser que reclama meu contato dia e noite se me afasto um segundo que seja se alimenta do que resta de minha força.

   Por isso a dor nos seios, meu cérebro já criava as condições necessárias. Tenho leite, não é raro, acontece, muito mais por estimulo emocional que qualquer outra coisa. Mães adotivas podem consegui o milagre de amamentar.

   Meu rosto está coberto de lágrimas. Embaçam a pouca visão. Tento me acalmar. Tento desesperadamente acreditar. Ter esperanças, sonhar com um milagre.

   O milagre não acontece nas semanas seguintes. Me perco no tempo, me perco do grupo, depois me junto a outro, sempre caminhando. Dia após dia. Amamentar Daren me tira ainda mais as forças, mas não paro, o leito não é o bastante. Não para dar-lhe forças.

   A fronteira fica cada vez mais distante a cada vez que rebeldes nas proximidades nos obrigam a mudar os rumos. A fome me deixa por completo três semanas depois. Não sabia como era, achava que doía e doeu algumas vezes, depois meu corpo perdeu a capacidade de sentir.

   Eu mesma não sei mais muito o que estou fazendo. Só acompanho aquelas pessoas. Alguns de meus ossos antes escondidos começam a aparecer, mas eu não me importo. Nada me importa. Só levar Daren. Meu pequeno príncipe. Só dar a ele um mundo diferente da fome e do medo.

   Perco os dias e minha vida se divide ao dia e a noite, em andar e sentar, comer quando pequenos milagres acontecem. Receber doações de desconhecidos vez por outro.

   Assistir pessoas ficarem pelo caminho e só continuar. A visão diminui consideravelmente a noite e entendo que estou desenvolvendo nictalopia. Falta de vitamina.

   O grupo que caminha comigo não fala inglês. Não os entendo muito, mas sei que estamos perto de ajuda. Descubro isso com gestos, não sei que tipo de ajuda. Se a tão sonhada fronteira ou apenas um posto de apoio, seja como for eu caminho.

   Até que a noite se torna pesada e fria, meu corpo começa a se esgotar como vi acontecer com tantos. São dois meses vivendo assim. Como uma nômade faminta, o céu escuro me impede a visão por completo, abraço Daren com força quando sinto que está acabando. Não consegui.

   Uma mão aperta meu braço. Incentiva naquela linguagem bonita que não compreendo, não consigo mais. Mesmo assim persisto. Vou ficando para trás. O som das pessoas vai sumindo pela noite e depois de tropeçar me sento. Envolvo meu pequeno Daren.

   ―Não posso mais. Amo você meu bebê. – Beijo a cabecinha dele, envolvo Daren me encolhendo. Meu corpo para de responder. Fecho os inúteis olhos e deixo a inconsciência me vencer.

   ―Ela está com um bebê. O pulso está fraco. Vamos. Temos que nos apressar. – Escuto a voz forte num inglês conhecido. Sei que é ajuda estrangeira. Americanos.

   ―Vou buscar o carro. – Uma outra voz avisa, mas não consigo responder a qualquer estimulo.

   ―Não dá tempo. Eu carrego ela. Leve o bebê. Vai ficar tudo bem. Somos médicos. Está segura. – Não consigo reagir, sinto que sou erguida. Que Daren é tirado dos meus braços. Falta seu calor. Falta uma parte de mim.

   ―Daren. Daren.

   ―Ele está seguro. Os dois estão.

   Pov – Ryan

   Meus pais me olham abraçados. Eu com a mochila nas costas próximo a escada do jato. Um mundo de memórias incríveis me vem a mente, da infância especial que tive. Do apoio e amor.

   ―Nunca quis tanto voltar no tempo como agora. – Mamãe diz secando suas lágrimas. – Quem sabe correr com ele. Desde que encontrei seu pai de novo eu nunca tive pressa. Amei a lentidão dos dias, mas agora quando vejo meu pequeno menino se tornar um homem. Um cidadão do mundo e partir para a sua grande e perigosa aventura eu quero correr para o futuro. Quero pular para esse mesmo momento em um ano. Quando você desce desse avião. Não quando sobe.

   ―Mãe. – Não sei bem o que dizer e olho para meu pai. Ele me dá um sorriso dolorido.

   ―Então perderíamos o melhor. É o percurso que importa. Este Ryan nunca mais volta. O cara que vai descer desse avião daqui um ano será um muito melhor. Estou orgulhoso e apavorado na mesma medida. – Papai diz e afirmo. Eu também estou.

   ―Eu queria ser diferente e não preocupar vocês, mas então não seria eu.

   ―Nem nos daria tanto orgulho. – Minha mãe diz.

   ―Não devia ter passado sua vida dando sua mesada para July e os médicos sem fronteiras. Eu não tinha ideia que iria querer tudo de volta em forma de salário. – Papai brinca e rimos por entre nossas lagrimas.

   ―Não devo ser um grande investidor.

   ―Para isso temos o Josh. – Mamãe brinca me abraçando. – Boa sorte meu amor. Meu pequeno. – Ela ajeita meus cabelos. – Eu te amo. Amo com todas as minhas forças.

   ―Eu também mamãe. – Ela me beija e depois abraço meu pai. Sinto sua força a me nutrir.

   ―Estou onde você estiver, na hora que precisar, custe o que custar. – Ele garante e eu sei que sim. – sinto orgulho de ser seu pai.

   ―Obrigado por me deixarem fazer isso, obrigado por me ensinarem a ser assim. Vou voltar.

   ―Claro que vai. – Papai sorri. – Quando der entra em contato.

   ―Tenho que ir. – Abraço os dois ao mesmo tempo e depois junto coragem para embarcar. Aceno quando eles se afastam e me sento só quando o comissário Gordon fecha a porta.

   Meu grupo de companheiros já está a espera do transporte quando me junto a eles. Parecem velhos amigos. Fizeram boa parte da viagem juntos. Dois médicos já de cabelos brancos. Tracy, Gary e David. David é inglês, os outros americanos como eu.

   Viajamos de avião por mais três horas, depois de carro. Vamos ficar num posto próximo a fronteira. As pessoas estão chegando as centenas todos os dias. No fim de suas forças é o que dizem.

   Não me lembro de ter estado diante da pobreza desse modo, não acho que já tenho se quer me aproximado de algo tão degradante. Todo o caminho é feito num silencio dolorido. O primeiro contato com a dor é difícil e solitário.

   São uma gente bonita, frágil e esgotada, sem esperanças, mas ao mesmo tempo. Estar ali faz minha vida ganhar sentido. Os privilégios de ter sido bem-criado, as vantagens todas de ser um Stefanos me tornaram capaz de fazer algo além de assistir pelo noticiário.

   Prova disso é que estou aqui. A pequena e precária vila que nos recebe com gratidão não tem muitos recursos. Falta tudo para se ter qualquer dignidade.

   Os primeiros dias vão consumindo um pouco do glamour dos meus tolos sonhos. O banho de balde, a comida racionada, a falta de iluminação, nada disso seria um problema se pudéssemos realmente fazer algo por essas pessoas.

   Não quero o paliativo, quero o definitivo. Sempre penso nos meus pais, na dor que sentiriam, eles só sabem fazer quando podem ir até as últimas consequências e aqui isso é impossível.

   Mas então uma criança sorri, um homem se recupera, uma mulher da vida a um bebê saldável. Uma cirurgia é bem-sucedida e tudo vale a pena.

   Um mês. Um mês aqui e ainda dói saber que tenho mesmo aqui, muito mais do que eles. Tenho para onde voltar. Os médicos estão em um bom grupo. É uma base fixa em boas condições é o que me dizem.

   As vezes viajamos de carro para ajudar pessoas mais distantes, podia ser um bom lugar não fosse a estupidez humana e sua sede por poder. Enquanto lutam uns contra os outros o povo padece.

   Não tem internet. O contato com minha família é tão raro e curto que sinto falta. Ao mesmo tempo que me sinto realmente útil, a saudade me machuca.

   Encaro o teto deitado na cama de armar no dormitório masculino, são duas da tarde, passei a noite numa cirurgia feita a meia luz, com as piores condições, mas conseguimos vencer. Agora é torcer. Um homem com um braço dilacerado. Veio sobre uma caminhonete sacolejando e perdendo sangue, mesmo assim conseguimos.

   Fecho meus olhos para tentar dormir. É minha folga. Acordo quando a noite começa a chegar. Está frio. Muito frio. O verão se foi e o outono é frio a noite. Não como Nova York, mas aqui as pessoas não têm as mesmas condições de se proteger como lá.

   Me junto ao grupo do lado de fora dos alojamentos. Gary tem feito um trabalho incrível com as crianças. A desnutrição em seu mais alto grau. Aos poucos tudo começa a melhorar para aqueles que nos cercam.

   Um grupo de refugiados começa a chegar. Vem fracos, esgotados, sedentos e famintos, O grupo se agita para ajuda-los. Uma triagem começa rápida.

   Uma das mulheres que trás consigo três crianças gesticula e aponta o caminho por onde veio. Parece ansiosa, um tradutor se aproxima. Me junto a ele para entender o que se passa.

   ―Uma mulher ficou no caminho. Perdeu as forças. – Ele conta.

   ―Onde? – Pergunto ao tradutor. A mulher gesticula e aponta.

   ―Uma linha reta nessa direção. É tudo que ela consegue explicar.

   ―Obrigado. Gary! Gary! – Temos que ir em busca dela. Ele corre até mim.

   ―Uma mulher ficou pelo caminho. Precisamos ir procura-la.

   ―Vou pegar lanternas e agua. – Ele se afasta. Fecho o casaco e o aguardo. Depois caminhamos os dois deixando para trás a confusão da chegada do grupo. O silencio vai ganhando força assim como a escuridão. Dez minutos de caminhada. Nada. Só silencio e escuridão. Gritamos, nada, nenhuma resposta. – Alguém aí? Ei, ei! – Gary balança a cabeça. – Não tem nada Ryan. Vamos voltar.

   ―Claro que não. Tem alguém aqui. Precisando de nós.

   ―Talvez tenha morrido.

   ―Talvez não é bastante. Vou continuar. – As luzes do acampamento ficam cada vez mais distantes. Vamos iluminando o caminho até que quando mesmo eu começo a perder as esperanças um corpo coberto por tecido colorido nos faz correr. – Ali.

   Corremos. Enquanto sinto o pulso da mulher que está caída Gary a ilumina. O resmungo de um bebê me dispara o coração. É um bebê pequeno, fraco, mas vivo assim como ela.

   Sua pulsação está fraca. Ela não reage, não abre os olhos, mas está viva. O bebê também.

   Eu e Gary vamos tomando as primeiras providencias, Precisamos correr. Ele pega a criança. Não a tempo de buscar carro, ela precisa de atendimento, os dois precisam. Assim que a ergo e seu bebê é separado dela a mulher reage.

   ―Daren. – Ela pede pela criança. Esse tipo de amor é extremo e vivo e as vezes desejo ser capaz de amar assim.

   É uma longa distância. Mesmo assim não paro uma única vez, não posso, não com sua fraqueza dando sinais de fim de linha. Eu estou aqui a pouco tempo. Ainda não aprendi a desistir. Não sei ainda fazer escolhas que não sejam ir além de todos os limites.

   O bebê reage a ausência da mãe e começa a chorar no meio do caminho. Um choro fraco e olho o rosto da mulher. Ainda não abriu os olhos, mas é tão leve. Ela segura minha camisa.

   ―Daren.

   ―Vai ficar bem. Vocês dois vão. Prometo.


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Notas finais do capítulo

BEIJOSSSS