Assim como nós, ela também permanecia estática esperando alguma reação.

Seus cachos loiros estavam bagunçados e seus olhos de um profundo azul passavam de meu rosto para o de Sebastian, e finalmente pousaram por sobre nossas mãos enlaçadas. Quando seu olhar voltou ao meu, eu não consegui ver a soberana egoísta e cruel, mas apenas uma pobre garota de coração partido.

Foram poucos segundos, mas revelaram muita coisa: o amor que ela sentia por ele, a incerteza sobre o que ela realmente estava fazendo e a surpresa pela escolha que ele tomou. Pela escolha que nós dois tomamos.

Enquanto eu me esforçava para sustentar aquele olhar tão diferente que surgira na princesa Kiera, eu imaginava o momento em que teríamos de despistá-la para fugirmos da condenação de Sebastian, a qual foi imposta por ele mesmo, pois, no fim das contas, foi ele que não quis casar com a princesa. Foi ele que bateu de frente com os desejos egocêntricos de Kiera. Foi ele que preferiu ser condenado a se submeter a uma ordem que mexia com o seu futuro e com os seus sentimentos. E tudo isso porque ele me escolheu.

Sebastian era um guarda e eu apenas uma das várias criadas da princesa, e desde o nosso primeiro encontro eu percebi que este soldado não era como os demais: ele poderia não ser o mais forte, o mais habilidoso ou até mesmo o mais bonito, mas sua bondade e gentileza eram mais conquistadoras do que qualquer outra qualidade, e assim como ele me conquistou, a princesa também foi conquistada.

O que conosco foi devagar e inesperado, com a princesa foi rápido e planejado. Nós dois começamos com trocas de olhares tímidos, às vezes acompanhados por sorrisos, depois vieram às conversas rápidas e bem mais tarde os pequenos encontros escondidos. Já com Kiera foi algo que começou com encontros nos jardins, passeios ao ar livre e jantares glamorosos. E apesar da simplicidade, o nosso secreto romance adquiriu uma força que rapidamente se transformou em amor.

— Então era ela...? — A voz fraca da garota foi o que rompeu o silêncio.

Sebastian apertou mais minha mão, mesmo com as suas algemadas, e confirmou com a cabeça.

A princesa abaixou a cabeça e cerrou os punhos, apertando seu elegante hobby de seda. Ela voltou o olhar, agora mais feroz e abriu a boca para falar alguma coisa, mas antes que alguma sílaba fosse dita, ela olhou por cima de nossos ombros, para o pé da escada de pedras, e contorceu o rosto ao ver um guarda desmaiado no chão, o qual vigiava a cela de Sebastian e que depois de uma pancada na cabeça com a bandeja que eu levava, permanecia desacordado.

Ela balançou a cabeça como se negasse algum pensamento ou a imagem da cena que teria se passado lá e, olhando para mim, disse com um sorriso perverso:

— Você sabia que a punição por ajudar algum preso a escapar é a morte? — Ela levantou as sobrancelhas, como que me desafiando.  — Você pode ser acusada de participação criminosa, caso eu queira.

Engoli em seco enquanto os olhos azuis da garota permaneciam cravados em mim de forma selvagem. Eu sabia disso. Eu tinha a noção de que isso poderia acontecer, de que ambos poderiam morrer caso Kiera ordenasse, pois o rei comandava o país, mas era a princesa quem comandava o rei.

Até agora eu tinha sido valente: enganara alguns guardas e até mesmo consegui derrubar um, aquele que ainda estava desacordado. Consegui liberar Sebastian e já imaginava nós passando pela porta e correndo em caminho a liberdade. Mas a princesa bateu de frente conosco e eu ainda não conseguia compreender o porquê ela tinha que aparecer para estragar tudo. Mas eu não iria desistir agora.

— Eu só seria uma cúmplice se realmente tivesse existido um crime. E mesmo assim, eu fiz isso disposta a assumir qualquer risco.

Instantaneamente eu abracei um braço de Sebastian que logo se posicionou na minha frente, como se concordasse comigo e estivesse pronto a enfrentá-la novamente se necessário.

A moça fechou os olhos por um instante. Quando voltaram eles eram mais tristes do que raivosos. Ela soltou um suspiro e em um instante já estava com uma chave em mãos abrindo as algemas de Sebastian.

O rapaz me encarou confuso e eu também o olhei atordoada. A princesa se levantou, com o ar arrogante de seu costume e fechou os olhos, talvez para não evidenciar tanto os sentimentos que já trazia em sua voz:

— Eu desisto. — Ela disse ajeitando a camisola. — Vocês são dois loucos apaixonados que não se importam em morrer pelo outro. — Ela balançou negativamente a cabeça e prendeu seu olhar em Sebastian que, agora com os braços livres, me puxava para perto de si. — Espero que algum dia eu encontre alguém que me faça ser tão louca quanto vocês.

Um sorriso tímido e sincero brotou no rosto de Kiera. Ela normalmente era sempre séria ou sarcástica, mandona e egoísta, mas desta vez ela estava pensando mais em nós do que em si mesma.

Ela apontou com a cabeça a saída e abriu espaço na escada para nós passarmos. Sebastian, ao passar por ela, beijou sua testa:

— Continue assim que conseguirá o respeito das pessoas de forma mais rápida. — Ele sorriu docemente para ela. — Obrigado, Kiera.

Um rubor surgiu no rosto da garota que se afastava cada vez mais enquanto avançávamos para a saída, para uma vida juntos.

Imaginei se essa situação a mudaria, se ela iria passar da forma de querer respeito impondo medo para adquiri-lo sendo amada por seu povo.

Foi então que eu percebi: a princesa já estava com a chave na mão quando desceu para prisão.

Vislumbrei pela última vez a imagem da garota de cachos loiros que nos libertara compreendendo que ela sempre teve a intenção de soltá-lo e que também estava disposta a enfrentar as consequências, assim como eu.

Ela havia sido forte ao se despedir de alguém que amava para dar a ele a felicidade, pois, assim como eu, ela também já tinha encontrado alguém que a fizesse ser tão louca por causa do amor.