Posso anotar seu pedido? escrita por Alice Alamo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Fic bem levinha =)



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O despertador trouxe-a de volta para a realidade. De novo. Mais um dia.

Ino acordou sem vontade, espreguiçou-se ainda deitada enquanto empurrava as cobertas para fora da cama e bocejava. Calçou as pantufas e marchou para o banho. A água estava gelada, esquecera-se de pagar a conta de luz novamente. Saco. Lavou o cabelo com cuidado, mas de modo rápido. Saiu batendo os dentes, enrolou-se na toalha verde e correu para o quarto escuro. Vestiu-se sem nem poder ver a cor da calcinha ou das meias e, com a luz fraca do celular (que já a avisava da pouca bateria restante), se arrumou como pôde.

Tomou um suco de laranja já quente devido ao descongelamento da geladeira. Suspirou pesadamente com sua sorte. O relógio no pulso evidenciava que o tempo, mais uma vez, não estava a seu favor. Tsc. Não podia nem ao menos tomar seu café da manhã em paz. Pegou uma maçã e sua bolsa, saindo com pressa da pequena casa. Virou a esquina, mastigando a fruta com gosto e colocando o celular no modo avião para economizar a miséria de bateria que tinha.

Soltou um palavrão quando o ônibus passou ao seu lado enquanto ela ainda estava a vinte metros do ponto de parada. Correu. Em sua mente, podia ouvir a risada maligna do condutor e sentir os olhares de pena das pessoas confortáveis em seus próprios carros. Chegou ao ponto quando a porta do ônibus já voltava a se fechar, pronto para sair. Ino socou a porta, atraindo a atenção do motorista que, também de mau humor, não a deixou subir e acelerou.

Inferno!

Quase vinte minutos se passaram até que ela conseguisse pegar outra condução. Sentou-se irritada, sua maçã estava perdida em algum canto da rua. Atrasada e de estômago vazio.

Entrou na cafeteria em que trabalhava sem querer de fato entrar. Sua chefe esperava-a de braços cruzados com um “Está atrasada, Yamanaka”. Desculpou-se por obrigação, vestiu o uniforme e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto. Ajeitou a maquiagem, ou pelo menos tentou. E tudo isso às sete e quinze da manhã. Céus!

Foi ao balcão, a máquina de café estava lá, pronta para mais um dia, diferente de Ino.

— Bom dia! — Sakura cumprimentou-a sorrindo.

— Bom? — Ino replicou, fazendo a amiga rir.

— Perdeu o ônibus?

— Adivinha...

Sakura balançou a cabeça, divertida. Ino apenas se conformou com o péssimo dia. Aos poucos, a grande avenida, onde se localizava a cafeteria, foi ganhando movimento, pessoas entravam e saíam do estabelecimento com sono, desejando um expresso ou um cappuccino.

Era até que agradável aquele período. O silêncio sendo preenchido lentamente pelas vozes dos clientes, o aroma morno do café se espalhando e envolvendo-a, os doces fazendo brilhar os olhos das crianças que se consultavam no hospital ao lado.

Às nove horas, quando Ino já amaldiçoava o salto baixo que era obrigada a usar, ele entrou. Quem? Bem... ele. Só isso, só “ele”.

Ino não sabia seu nome. Para falar a verdade, ela só sabia de cor o seu pedido de sempre: um cappuccino com uma fatia de torta de limão. Ele era ruivo, entrava sempre com uma expressão serena (ou seria indiferente?) e deixava uma pasta e uma bolsa sobre a mesa sete antes de encaminhar-se ao balcão.

— Bom dia.

Ino sempre suspirava. Aliás, só passara a reparar no homem à sua frente pelo seu agradável hábito de desejar-lhe “bom dia” toda manhã antes de fazer o pedido.

— Bom dia — ela respondia sorrindo espontânea, esquecendo-se da água fria, do café que não tomou, do ônibus que não pegou e do atraso que sua chefe adicionava em seu registro. — Posso anotar seu pedido?

Ele a observava por alguns segundos, escolhia o que iria beber e comer e ela mesmo entregava na mesa, ouvindo o doce “obrigado” grave que ele oferecia. Em poucas semanas, ela nem mais o esperava fazer o pedido, assim que o via entrar pela porta automática e dirigir-se à mesa, Ino já iniciava o preparo da bebida e cortava a fatia do doce.

Ela notou o sorriso discreto que ele exibiu ao perceber a mudança. Nossa... Havia sido a primeira vez que o vira sorrir. Foi impossível não corar e não sentir o coração confundir-se com o ritmo das batidas.

Enfim, às nove horas, lá estava ele novamente.

— Acho que ele só vem para te ver, sabia? — Sakura comentou risonha, entregando-lhe o pedaço de torta já em um prato delicado.

— Claro, claro — Ino riu sem graça.

— Quando você tira folga, ele só pede um expresso e vai embora em menos de dez minutos, eu cronometrei.

Ino olhou novamente para a mesa sete, suspirando profundamente antes de levar o pedido.

— Bom dia — ela desejou como de costume.

— Bom dia — ele respondeu, levantando a cabeça para olhá-la.

É... Pararam assim. Parou tanto ela, quanto ele, quanto seu coração, quanto sua respiração e quem sabe até mesmo os ponteiros do seu relógio?!

Os olhos dele eram verdes, tom muito parecido com o da água do oceano revoltoso. Eles a encaravam fixamente, olhos de ressaca¹ que a atraíam e seduziam, olhos que estimulavam o vermelho em suas bochechas e aceleravam de repente seu coração.

Constrangeu-se, as pernas tremeram por um momento e Ino quis simplesmente sair e esconder-se novamente atrás do balcão.

— Obrigado — ela o ouviu e viu dizer quando terminou de servi-lo.

Sim, ela viu. Viu os lábios se tocarem para pronunciar o primeiro “o”, sorrirem no “bri”, viu a maior abertura no “ga” e o curvar gracioso no sorriso que finalizou a palavra no “do”.

— De... nada — ela conseguiu dizer com esforço.

Afastou-se da mesa controlando os passos para não correr. Sakura olhava-a com uma expressão divertida, o “eu te disse” implícito nos olhos e no cantarolar vitorioso.

— O nome dele é Gaara se ainda não teve a cara de pau de perguntar depois desses meses todos — a amiga sussurrou antes de ir atender outra mesa.

Ino mordeu o lábio inferior enquanto não conseguia desviar o olhar daquele conjunto de jeans surrados, camiseta escura e cabelos vermelhos. Diferente dela, que tinha que gastar seu tempo na frente do espelho, ele não parecia fazer esforço algum para ficar bonito.

Às nove e meia, Gaara sempre abria a mochila e a pasta. Não dava para saber o motivo, nem o que ele fazia com tantos papéis, mas era realmente interessante assisti-lo. Diversas vezes, tentou olhar, mas era como se ele sentisse sua presença, nunca dava para descobrir se ele trabalhava, desenhava ou escrevia.

Às dez, o outro chegava. Um homem engravatado, sério, que não olhava para ninguém no caminho da porta à mesa sete. Gaara não o cumprimentava, Ino também nunca se lembrava do que o estranho sempre pedia, ele não era importante.

— Um expresso, por favor — ele falava antes mesmo de ela conseguir chegar à mesa.

Mal-educado.

Sempre pedia para Sakura levar o expresso à mesa, não gostava de voltar lá sabendo que o outro homem podia flagrá-la tão sem jeito perto de Gaara.

Às dez e meia, talvez um pouco antes ou um pouco depois, o estranho pagava sua parte e ia embora. Gaara sempre lhe parecia um pouco mais irritado naquela hora, levantava-se e ia ao balcão escolher um doce diferente.

— Pode me recomendar algum? — ele perguntou sem desviar os olhos dos doces, sabendo ser observado.

Ino sorriu abertamente, dando a volta no balcão para poder escolher.

Gaara acompanhou a movimentação, o andar delicado e o barulho ritmado do salto contra o piso. O perfume floral o invadiu assim que ela parou ao seu lado, e o sorriso despreocupado que ela exigia sempre o fascinava.

— Qual você ainda não experimentou?

Engraçado como a voz dela combinava perfeitamente com a imagem que ela exibia. Doce, suave, alegre mesmo naquela manhã nublada horrível com forte chance de chuva. Era envolvente, assim como os olhos azuis que agora brilhavam esperando por sua resposta.

— Nenhum da última prateleira.

— Gosta de morango?

Ele concordou, embora não gostasse muito.

Ino retirou um pedaço da torta de morango, ela cortava com precisão, transferindo a fatia com cuidado. Era graciosa, ainda que Gaara já houvesse reparado também em como ela podia ser tremendamente desastrada. Como no dia em que ela se distraiu ao virar-se para a porta quando ele chegou e deixou o café quente cair em seu uniforme; ou no dia em que ela derrubara o pedaço de bolo em uma senhora idosa; ou o dia... É, tinha bastantes exemplos.

Pegou o prato, fazendo questão de segurar-lhe a mão por alguns segundos. Queria que ela se sentasse com ele, ficasse em um lugar mais fácil para observá-la e divertir-se quando o rubor lhe cobria a face. Mas sempre tinha alguém para atrapalhar:

— Ino, mesa quatro! — Sakura disse apressada ao passar por eles.

Gaara soltou-a, sorrindo de leve antes de voltar à sua mesa.

Às onze, ele foi embora.

O colorido da cafeteria ganhou tons de cinza para Ino. Era impressionante como seu mau humor voltava assim que Gaara deixava o estabelecimento.

No momento em que o relógio anunciou as doze horas, Ino tirou seu horário de almoço. Antes de tudo, passou no banco correndo para pagar a maldita conta de luz. Dos quinze minutos que lhe sobraram, apenas dez ela pode de fato usar para comer.

Voltou à cafeteria dentro do horário fingindo não notar a decepção em sua chefe por não poder infernizá-la. Merda de dia. As piadas de Sakura para melhorar seu humor não surtiam mais efeito e o tempo passou com marcha reduzida até as quatro horas.

O maldito horário...

Entrou no metrô na quinta tentativa, as pessoas amontoavam-se, batiam-se, pisavam umas nas outras. Tudo bem, tudo bem, são só quatro estações, ela dizia a si mesma para não gritar o quão infernal e irracional aquilo era. Foi cuspida vagão afora uma estação antes da sua. Grunhiu com raiva, preferiu ir andando a última estação que faltava.

Já sabia o caminho de cor tamanha era a frequência com que o pegava, a música em seus ouvidos a tranquilizava gradativamente, e ela até fingia que nada de mal havia acontecido horas antes. Como sempre, estava adiantada na faculdade, pegou o elevador e dirigiu-se a uma pequena sala de estudos da qual gostava. Deixou seu material lá e foi ao banheiro lavar o rosto.

Dessa vez, a água fria lhe fez bem, trouxe-lhe uma sensação de reconforto e alívio. Tirou a maquiagem e a refez de forma mais calma, soltou o cabelo e o penteou. Comprou um café com leite na cantina e um lanche caso desse fome. Estudou a matéria do dia anterior enquanto a aula não começava, assistiu às aulas das seis e meia às onze e meia e ainda conseguiu pegar o metrô vazio até sua casa.

A luz já havia voltado, seu gato a esperava descontente com alguma coisa. Ah, é... Ino não dera comida para ele de manhã. Desculpou-se, encheu a pequena vasilha e fez um carinho no pelo sedoso do animal. Largou o material de Direito sobre a escrivaninha e nada além de um banho quente a interessou. Lembrou-se de colocar o celular para carregar, ajustou o despertador e dormiu.

* * *

De novo. Mais um dia.

Ino quase quebrou o celular quando ele a acordou, mas dessa vez não enrolou. Levantou-se sem força nas pernas, encheu o potinho de comida para seu gato e tomou seu café da manhã. Tomou um banho quente, relaxante o suficiente para livrar seus músculos da tensão e rápido o suficiente para permiti-la pegar o ônibus no horário correto.

A chefe mais uma vez pareceu desapontada por não poder dar-lhe mais uma bronca, mas Ino não ligou: estava de bom humor! Fato, estava mesmo de bom humor. Talvez fosse o sol (que não estava lá porque estava nublado), ou os pássaros (que ela nunca ouvia), ou o clima que ela adorava (embora ela odiasse o outono) ou, melhor, talvez fosse o seu salário em sua conta!

Não se maquiou. Seu reflexo não lhe parecia tão desastroso naquele dia.

— Bom dia! — ela desejou ao encontrar Sakura.

A amiga riu, sempre era assim na época de pagamento.

— Bom dia! — Sakura devolveu, terminando de amarrar o cabelo curto em um rabo de cavalo.

Os clientes daquele dia nublado estavam mais agasalhados e os pedidos por cappuccinos eram constantes. Ino quase ria em uma brincadeira interna ao chegar próximo às mesas, segurando o bloquinho de anotações e tentando adivinhar o que cada um ali iria querer. A senhora de botas pretas e luvas vermelhas não pediria algo como um cappuccino... Ela retiraria o caro cachecol, olharia com desdém para Ino enquanto tirava as luvas como se as exibisse e faria um bico forçado para pedir um caffe latte com sotaque forçado, fingindo estar em outro nível daqueles que optavam pelo café com leite. O senhor gripado, segurando o jornal com as mãos trêmulas, pediria um expresso. Ele não tinha cara de quem pensava muito antes de tomar uma decisão, o que se comprovou após solicitar um pedaço de bolo de cenoura e lembrar-se, só depois de comê-lo, que era intolerante à lactose. E Gaara... Nossa, ele havia acabado de entrar...

Ino deixou uma pequena parte do caffe latte cair sobre as luvas da madame ao olhá-lo. Pediu desculpas à mulher, pegando rapidamente as luvas e oferecendo-se para limpá-las. A mulher pegou-as de volta e, com gesto de superioridade, dispensou Ino como se afastasse um cão sarnento.

Gaara viu Ino rir discretamente ao voltar para o balcão, sussurrando algo para a amiga antes de elas baterem as mãos em gesto de cumplicidade. Olhou ao redor, vendo sua mesa estranhamente ocupada. Caminhou até a única que estava livre. Odiava o outono e o inverno justamente por aquilo, os cafés ficavam cheios de pessoas fugindo e abrigando-se do frio e roubando suas mesas.

A mesa um era a de que menos gostava. Ficava longe, perto do fim do estabelecimento, escondida de quem olhasse da porta. Infelizmente, dirigiu-se a ela. Deixou sua bolsa na mesa, afastando-a para que a pasta pudesse ser aberta completamente. Ouviu passos e, pelo canto do olho, notou que Ino aproximava-se. Fechou a pasta, cruzando os braços sobre ela, esperando que seu dia enfim melhorasse.

— Bom dia — Ela sorriu, mais animada que nos dias anteriores.

— Bom dia, Ino — respondeu.

Percebeu o modo como ela virou o rosto para si, encarando-o nitidamente surpresa enquanto a xícara do cappuccino quase se inclinava e derramava o café em sua pasta. Rapidamente, juntou suas mãos à dela, impedindo que o acidente se completasse e seu trabalho de dias, semanas, meses, fosse perdido.

— Oh, meu Deus, desculpe — ela falou apressada, corando enquanto esperava que ele soltasse suas mãos.

Demorou-se no gesto, esperando que ela alinhasse a xícara e o prato com o doce da forma que sempre fazia.

— Farei uma queixa — respondeu.

Ino parou antes de se retirar. Olhou bem para ele, tentando certificar-se de que ouvira corretamente. A expressão estava séria, os dedos tamborilavam sobre a pasta, mas os olhos verdes estavam tão brilhantes... Encaravam-na com tanta diversão que Ino riu baixo, negando em gesto de desaprovação.

— O que te garante que não envenenarei seu café no dia seguinte por isso? — Sorriu, apontando a ele sua caneta.

Gaara pousou o queixo sobre a mão e a olhou fixamente.

— Do jeito que você é desastrada, capaz de confundir os pedidos ou então de derramá-los — provocou com um sorriso de canto. — Mas podemos resolver isso de outro modo. O que acha de se sentar comigo por alguns minutos?

Ino mordeu o lábio inferior, indecisa. Sua chefe estava presa em sua sala e Sakura poderia cobrir alguns minutinhos, não? Não. O lugar estava lotando e a tendência seria piorar conforme a manhã avançava. Mas não podia perder aquela chance... Ele sabia até o seu nome! Não podia simplesmente dispensá-lo.

— Só alguns minutos — Gaara reforçou.

Ino ergueu a mão em um gesto para que ele a aguardasse. Sakura revirou os olhos com o pedido da amiga e só faltou expulsá-la dali para que fosse gastar os seus “cinco minutinhos”. Bem, era isso ou ouvir Ino reclamando o dia inteiro e ainda culpando-a por fazê-la perder a chance de conhecer mais Gaara.

Ele tomou um gole do café, assistindo Ino sentar-se à sua frente despreocupadamente.

— Quer alguma coisa? — perguntou, indicando o doce.

— Não, obrigada. Tomei café da manhã desta vez.

— Tem o costume de não tomar?

­— Tenho o costume de perder a hora — Riu, suave.

Gaara assentiu, não muito surpreso.

— Importa-se? — Ele apontou para a pasta.

Ino negou, não disfarçando a curiosidade quando o viu tirar folhas em branco de lá. Ele ajeitou-se de modo que ela não conseguisse ver o que fazia com o papel preso à prancheta.

— Eu aposto que a senhora da mesa quatro está reclamando com sua amiga sobre o café que você derramou — comentou ao ouvir a outra garçonete pedir desculpas repetidas vezes.

Ino suspirou, vendo Sakura censurá-la com o olhar quando a mulher esnobe foi embora.

— Ela sobreviverá sem as luvas hoje. E com certeza não me pedirá mais um caffe latte — ironizou sem querer.

Gaara arqueou a sobrancelha. Ele ficava lindo daquela forma, deslizando a lapiseira pelo papel enquanto a observava e ouvia.

Caffe latte? — ele repetiu. — Deixe-me adivinhar... Ela pediu isso enquanto te olhava nos olhos, dizendo lentamente como se talvez você fosse incapaz de entendê-la de primeira.

— Retirando as luvas como se valessem ouro — Ino completou.

— Agora cheiram a café com leite.

Ino riu, constrangida.

Gaara gostava daquilo. Uma das coisas que o fascinava era justamente a forma descontraída como a garçonete sempre lidava com tudo. Mesmo naquele dia tão horrível, uma das certezas que possuía era que iria entrar naquele café e ver Ino sorrindo enquanto andava de uma mesa a outra. De certa forma, a animação dela o contagiava. Talvez fosse porque tivesse vontade de rir dos pequenos desastres dela, mas não só. A verdade era que, por mais que seu dia estivesse ruim, quando Ino se aproximava, ela parecia trazer junto seu bom humor de volta. Era difícil continuar mal-humorado com ela lhe sorrindo constantemente, ainda mais difícil não devolver o gesto quando ela surgia com seu pedido já decorado.

— Algum problema? — ela perguntou, com as bochechas rosadas, enquanto arrumava o cabelo em um gesto de nervosismo.

— Nenhum — Deu-se conta de que ainda a observava demais. — Se pudesse sair daqui agora, para onde iria?

Ino franziu o cenho, estranhando a pergunta.

— Acho que para casa. Dormir — respondeu de imediato com um olhar sonhador.

Gaara ficou surpreso, mas riu em seguida. Ah, Deus... Apoiou a prancheta no colo, aproximando o prato com o doce de si enquanto o riso morria em seus lábios.

— Dormir? Com tanto lugar do mundo para ir, você escolheria a cama?

— Meu sono atrasado nunca me deixaria aproveitar qualquer outra coisa! — Ela deu de ombros. — Essas olheiras não surgiram do nada, sabia?

— Olheiras? — Ele pareceu sério, observando a face dela atentamente. — Continua bonita com elas. Não acho que alguém aqui perca tempo olhando para suas olheiras quando você aparece. Eu nem notaria se não houvesse dito.

O modo indiferente e calmo como ele dissera aquilo fez Ino desviar o olhar enquanto o coração se animava pela possibilidade e o cérebro o repreendia por ser tão estúpido.

— Dormir... — ele sussurrou, analisando aquilo. — Quarto rosa.

— Amarelo.

— Desenhos na parede, adesivos talvez.

— E uma frase clichê no teto para quando eu acordar em um dia como o de hoje — ela completou, achando engraçado o modo como ele parecia refletir enquanto engolia o doce.

Carpe diem? — arriscou.

— Keep calm and take a coffee.

Gaara ponderou, sorrindo por fazer todo o sentido.

— Sem tapete no chão.

— Exato. Pantufas para quando acordar.

— Travesseiros com fronhas coloridas.

— Edredom de desenho animado — Ela sorriu abertamente, animada, vendo-o assentir como se já imaginasse aquilo.

— E um cão.

— Gato.

— Gato? — Ele pegou a lapiseira e girou-a entre os dedos, rabiscando alguma coisa na prancheta. — Isso eu não tinha imaginado — sussurrou mais para si mesmo do que para ela.

Ela mordeu o lábio inferior, apoiando-se um pouco na mesa para tentar ver o que ele fazia.

— O que você fica fazendo? — sussurrou, inclinando-se para frente como se perguntasse sobre um segredo.

Gaara se inclinou também, aproximando-se dela para sentir o perfume que tanto ficava em sua mente quando deixava a cafeteria.

— Ino, mesa cinco! — Sakura gritou de repente.

Ino suspirou e Gaara ergueu os olhos, segurando a mão dela quando percebeu que ela levantaria. Ino arrepiou-se, sentindo a mão quente reter a sua, fazendo-a ainda permanecer ali, sentada, perdida nos olhos verdes.

— Digamos que minha imaginação precise de um café, um doce e uma inspiração de vez em quando — explicou, deslizando os dedos por entre os dela.

— Artista? — Ino perguntou quando a mente voltou a funcionar, calando o coração agitado.

— Sua amiga vai gritar de novo... — Gaara adiantou-se quando viu a outra garçonete bufar e olhar para Ino. — Vai ter um evento no sábado que vem. Gostaria de me acompanhar?

Ino ouviu Sakura chamar seu nome novamente e levantou-se com a boca entreaberta.

— Amanhã?

— Será aqui mesmo, nesta avenida, às cinco da tarde. Gostaria muito que fosse.

— A gente combina — Sorriu, saindo apressada, ignorando a vergonha ou os olhares dos clientes que esperavam os pedidos.

Quando deram dez horas, o outro homem chegou. Menos irritado que o normal. Parecia até... feliz. Viu Gaara conversar com ele calmamente, ambos parecendo aliviados quando Gaara retirou um maço de folhas encadernadas da mochila e estendeu ao outro.

Não demorou muito para que, às dez e meia, o homem de cabelos grisalhos fosse até Ino, pagando sua parte enquanto dirigia a ela, pela primeira vez, um sorriso simpático.

Ela e Sakura entreolharam-se, dando de ombros enquanto os minutos passavam. Gaara levantou-se e, em vez de pedir mais um doce como sempre fazia, apenas perguntou quanto devia.

— Seis e quarenta.

— Posso te buscar amanhã se quiser — ele disse, pegando o dinheiro na carteira.

­— Aonde vamos exatamente? — ela perguntou, ignorando Sakura ao seu lado que fingia não estar prestando atenção à conversa.

— Vai ter um evento a que precisarei comparecer perto do museu de artes. Gostaria muito que fosse comigo. Se quiser, é claro.

Ino pegou o dinheiro das mãos dele, fingindo prestar atenção no troco e ouvindo Sakura bufar ao seu lado antes de pegar as moedas, estendê-las a Gaara e simplesmente arrancar uma folha de seu bloquinho de anotações.

— Aqui. Este é o telefone dela — Sakura sorriu.

— Sakura! — Ino a repreendeu antes de ver Gaara assentir e acenar discretamente antes de sair da cafeteria. — Não acredito que fez isso. Oh, meu Deus, você fez! — exclamou, forçando-se a falar baixo para não chamar atenção.

— Ino —Sakura colocou as mãos nos ombros dela. —, o cara que vem aqui só para te ver há meses te chamou para sair. Acorda, porquinha! Ele te chamou para sair e você ficou olhando para a caixa registradora em vez daquele rostinho bonito! Eu devia te dar uns tapas por isso. Ah, e deixo você me agradecer depois. Agora, a mesa quatro está chamando. Vai! Aquela ali é toda sua.

Mesmo quando o expediente acabou, Ino ainda continuava seguindo uma única programação: não pense em Gaara. Como iria encará-lo no dia seguinte? Não que não quisesse sair com ele, queria, e muito! Mas não daquela forma!

Sua faculdade foi um inferno, o metrô nem se fale! Mas, por incrível que pareça, tudo do que se lembrou ao deitar na cama e sentir seu gato acomodando-se ao seu lado foi a forma como os olhos verdes pareciam se divertir ao falar com ela.

Gaara... O homem estranho das manhãs com cappuccino, torta de limão, papéis e lapiseira. Será que ele desenhava?

Talvez essa tivesse sido a última coisa em que pensou antes de adormecer.

O gato acordou-a, andando sobre si como se ela fosse mais uma de suas muitas almofadas. Ino espreguiçou-se sem se levantar da cama. Era sábado, então sabia que podia apenas virar de lado, ignorando o toque do celular, e se cobrir.

Pera... Celular? Por que ele tocava se não havia despertador programado para sábado?

Remexeu-se, curiosa, estendendo a mão para alcançar o criado-mudo e pegar o celular. O sono não a deixou visualizar muito bem a tela e, antes de pensar muito, atendeu a chamada.

— Bom dia — Bocejou ao atender.

— Bom dia? — ouviu a pergunta soar confusa. — Eu diria boa tarde pelo horário. Te acordei a essa hora? Parece que o que você disse sobre desejar a sua cama não era mentira afinal.

Ino se sentou de supetão, passando uma mão no rosto a fim de espantar o sono.

— Gaara? Que horas são?

— Me reconheceu...  — ele comentou. — São duas e dezessete. Liguei apenas para me certificar de que nosso encontro estava de pé. Sua amiga não deixou muitas escolhas para você ontem, então decidi ligar para ver se realmente gostaria de sair comigo hoje.

— Ah... — Ela acariciou o gato, ouvindo-o ronronar. — Que horas e onde? Não precisa me buscar. Moro longe da cafeteria, mas posso te encontrar perto do museu.

— Posso te buscar se preferir.

— Não, não precisa — ela se adiantou. — Não há necessidade. Podemos nos encontrar na cafeteria, o que acha?

— Seria muito bom. Quatro e meia está bom para você? Podemos ir andando até o evento.

— Está ótimo — Ela sorriu, levantando-se. — Nos vemos lá então.

Seria possível estar tão ansiosa para um encontro? Seria possível mesmo que estava escolhendo seu melhor vestido de inverno? Seria possível que estivesse sentindo as mãos suadas apenas com o pensamento de poder encontrar Gaara fora do café? Seria possível que seu maldito coração quase enfartou ao ver Gaara parado na estação de metrô mais próxima da cafeteria esperando-a?

Sorriu, sem disfarçar a felicidade enquanto o observava. Ele aproximou-se para cumprimentá-la com um beijo no rosto e Ino sentiu a pele formigar no lugar onde os lábios haviam tocado. Ficou aérea, reparando na roupa bonita que ele havia escolhido. Não era o jeans surrado que sempre usava ou a camisa de banda, era algo mais “comportado”, mais formal.

— Ainda não me disse o que tanto faz quando vai à cafeteria — comentou ao passarem pelo vão do prédio do museu.

— Claro que disse — ele respondeu sereno. — Vou em busca de três coisas: café, doce e inspiração.

— Você desenha? — perguntou, lembrando-se da prancheta.

Ele sorriu minimamente, quase que de forma imperceptível. Ino arqueou a sobrancelha quando entraram em um prédio, vendo o outro homem que sempre aparecia no café parado a metros de distância. Ele parecia impaciente, olhando o relógio e batendo o pé no chão.

— Gaara! Até que enfim! Onde você se meteu? Você tem cinco minutos para entrar ali e se sentar naquela cadeira!

— Kakashi, menos — Gaara revirou os olhos, passando o braço pelo ombro de Ino e tocando gentilmente apenas para que ela continuasse a andar. — Preciso cumprir uma parte do evento. Leva meia hora no máximo. Pode me esperar com Kakashi?

Ino franziu o cenho, tentando entender que tipo de encontro seria aquele em que o cara simplesmente pedia para sumir durante trinta minutos. Mas, pela expressão do outro homem, encarando-a como se não acreditasse que ela fosse negar, suspirou, assentindo.

— Ótimo — Kakashi falou. — Agora, vamos! A fila está enorme, seu irresponsável. Sabia que você tem um contrato e horário marcado para essas coisas? Não acredito que vou ter que ficar dando uma de babá agora.

— Você devia estar feliz porque já te entreguei a continuação e dentro do prazo — Gaara rebateu indiferente, entrando por uma porta diferente que Ino nunca havia reparado existir na livraria.

Livraria? O que estavam fazendo em uma livraria?

Não deu tempo de perguntar. Não precisou aliás. Conhecia bem a cena. Fila grande de pessoas, todas segurando nas mãos o mesmo livro enquanto as vozes aumentavam de volume ao ver a tão esperada cadeira atrás da mesa ocupada.

Gaara não desenhava... Ele escrevia.

Sua expressão de surpresa deveria ter sido visível já que Gaara sorriu divertido em sua direção antes de olhar para a primeira pessoa que lhe estendia o livro, falando sem parar, sorrindo e esperando ansiosamente para que a caneta dele deslizasse contra o papel em uma delicada assinatura.

Sua boca permaneceu aberta e seus olhos piscaram confusos quando Kakashi se afastou de Gaara e aproximou-se dela, estendendo-lhe um exemplar.

— Ele disse que este é o seu, pela ajuda na hora da escrita.

Ino segurou o livro nas mãos, olhando-o com cuidado e sorrindo involuntariamente com o título: “Posso anotar seu pedido?”. Piscou, confusa, deslizando os dedos pela capa bem-feita, pelas letras desenhadas. Aquilo era o que estava pensando? Ergueu os olhos para Gaara, vendo-o mover os lábios em uma fala muda:

— Abra.

Mordeu o lábio inferior, sentindo as mãos um pouco trêmulas enquanto virava as primeiras páginas até a folha dedicada aos autógrafos dos escritores.

Seu rosto corou, sua boca secou, seu coração (ah, maldito tolo) disparou enquanto os olhos percorriam cada letra da mensagem como se pudesse estar entendendo errado.

Gaara ficou atento à reação dela, sorrindo discretamente antes de autografar mais um livro. Não havia escrito nada demais no livro de Ino, apenas a verdade, apenas a frase que todo mundo já bem conhecia sobre autores e suas paixões: você vira imortal quando um escritor se apaixona por você. Ah, claro, também tinha um convite para jantarem depois que a sessão de autógrafos acabasse, mas isso já era outro assunto...


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Notas finais do capítulo

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