Leal a seu senhor escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 4
O Destino do fogo




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Tamonten descansava debaixo de sua cerejeira pela manhã, o deus teria que ir trabalhar logo mais, então aproveitava um pouco da calma de seu templo naquela manhã ensolarada. Ele aspirou um perfume conhecido e rapidamente mudou de forma, ele que estava como o deus que era, sua forma original, amenizou seus traços e forma para ser Yuka. Bishamon conseguia ouvir os passos apressados de Emi vindo em sua direção, ela então sorriu e fingiu estar dormindo. Quando viu, duas pequenas mãos estavam sobre seus olhos os tampando.

— Onee-chan, adivinha quem é? E eu sei que não está dormindo.

Bishamon sorriu e então disse:

—Uma garotinha irritante que vem aqui atrapalhar meu sono todo dia.

—Ei!  —Emi destampou os olhos do deus.

—Mas eu amo muito essa garotinha irritante— Bishamon tirou das mangas de seu kimono um embrulho colorido e deu à Emi— Feliz aniversário Emi!

Emi sorriu e então abraçou o deus em forma de mulher, depois colocou o embrulho no chão.

—Não vai abrir? —Perguntou Bishamon.

—Nã não—Emi balançou negativamente a cabeça—Mamãe disse que é falta de educação abrir o presente na frente de quem lhe deu.

—Ora, se o problema é esse eu fico de costas.

—Isso não vale, é trapaça—Ambas riram.

—É verdade, então vou ter que te visitar mais tarde para saber se você gostou.

A garotinha e o deus tinham criado um laço de amizade realmente lindo, mas proibido. Bishamon sabia disso, mas não podia resistir, havia se apaixonado pela criança e a via como sua própria filha. A forma de Yuka era sempre a que ele mais usava para ver Emi, por um motivo óbvio; o que todos pensariam se vissem um “armário de portas abertas” que era Bishamon, já que ele era um homem forte, andando por aí com uma garotinha? Boa coisa não pensaria, mas Yuka era vista como protetora de seu próprio templo, portanto a forma perfeita para ver seu pequeno tesouro. Mas Emi já conhecia todas as formas do deus, até mesmo a original; isso tornava sua amizade com a humana ainda mais perigosa.

O vento soprou de forma estranha, chamando assim o deus da guerra. O deus se despediu da garotinha e foi de encontro ao mar.

Como uma grande ironia do destino, no mesmo dia do aniversário de oito anos de Emi, Kazu-Tsuchi estava pronto para dizer adeus à sua oitava reencarnação. Em outra parte do Japão, na ilha de Okinawa, o deus do fogo aproveitava as últimas horas de sua vida como humano, e Bishamon veria isso acontecer.

Amaterasu cuidava de seu irmão muito bem, porém era difícil para ela sozinha mantê-lo escondido de Izanagi, mas era mais difícil ainda mantê-lo vivo. Por sorte podia contar com a ajuda de Yon, o ex-Shinigami e Shinki de Izanami; que volta e meia escondia Kazu do senhor de todos os lordes da morte, o Shinigami Original e soberano da terra dos mortos, Senhor Shini-no-Hana.

A flor da morte, Shini-Hana era servo fiel de Izanagi; todo acontecimento anormal no mundo dos mortais e dos deuses era de conhecimento de Izanagi por conta Hana. O deus não era homem nem mulher, era hermafrodita de corpo andrógeno. Usava seu cabelo curto (Chanel reto) com a franja presa por uma presilha, seu rosto era redondo e bochechas rosadas, seu corpo era semelhante à de um garoto de 14 anos bem magro e esbelto, meio desengonçado por conta disso, mas sua voz era fina como de uma menina da mesma idade. Seu maior prazer era ver uma bela batalha entre humanos, a guerra e a morte eram intimamente ligadas, por esse motivo Kazu-Tsuchi corria não só risco de vida, mas também de existência. Mesmo estando sob pele de humano, Kazu de uma forma ou outra nunca deixou suas chamas se apagarem. E em todas suas vidas ele tinha o mesmo gosto perigoso, amava a guerra, o que o tornava vulnerável aos olhos de Shini-Hana, já que este podia ver o tempo de vida de todos os mortais, mas não era possível ver isso em deuses. Se Hana o visse seria o fim de tudo, mas por sorte outro senhor da morte o protegia, Yon roubava o tempo de vida de outras pessoas e dava para Kazu, o tornando “Normal” aos olhos do soberano.

Mas voltando ao dia do aniversário de Emi... Em Okinawa, deuses e mortais pressentiam a chegada da guerra. Susanoo, deus dos mares apreciava a paisagem do alto de uma pedra; Estava completamente concentrado até que Tamonten apareceu e tirou o deus dos mares de seus pensamentos.

—Está apreciando seu filho Susanoo? —Perguntou Bishamon usando a forma que se mostrava para Emi, de uma mulher.

—Não, estou apreciando o dia, apreciando o sol. Estou pensando que este é sem dúvida é um dia apático— Disse Susanoo sem olhar para Tamonten.

—Você está de olho nela, não é?

—Pare de dizer besteira, claro que não —Disse Susanoo ainda sem olhar para Bishamon.

—Amaterasu não aparecerá, sua irmã não gosta de ver humanos brigando.

—Bem, mas... — Susanoo virou-se para trás e viu Bishamon, ficou perplexo e em dúvida— Por que está como mulher?

—Hã?! Ahh é, eu esqueci de trocar de roupa.

Bishamon estralou os dedos e em um prazo de segundos uma fumaça a cobriu por completo, no mesmo prazo a fumaça foi embora. Quando sumiu, Bishamon estava em sua verdadeira forma, era um homem alto, extremamente forte, com armadura cintilante. Seus cabelos e olhos ainda eram brancos, mas isso não significava nenhuma incapacidade ou doença, ele apenas havia nascido assim. O branco de seus cabelos significava sabedoria, e mesmo que não fosse nem um pouco cego, seus olhos brancos simbolizavam que a justiça era cega; e que não é preciso ver para se fazer o certo.

—Hihihi...Eu te acho mais bonito como mulher Onii-chan—Disse Shini-no-Hana acabando de chegar—Combina mais com você.

—Não concordo. Acho essa forma patética, não combina em nada com um deus da guerra—Disse Susanoo.

—Como não?! É graciosa, bela e delicada, assim como a lamina de uma espada bem afiada—Disse Shini-no-Hana sorrindo para Bishamon—Mas agora vamos tratar de negócios.

Se os humanos queriam brigar e se matarem, os deuses não podiam interferir em seu livre arbítrio. Mas era de responsabilidade dos deuses vigiarem para que nenhuma interferência sobrenatural os influenciassem nessa decisão. O mundo extrafísico, aquele de matéria menos densa que a dos humanos, estava cheio de seres corruptíveis e sugadores de energia, verdadeiros parasitas.

Yokais, espíritos, fantasmas.... Todos em seu estado natural não são nem bons nem ruins, estão em equilíbrio; mas em contato com energias negativas emanadas de humanos qualquer um se corrompe e acaba se tornando “parasita”. E ainda existiam os Onis e Kamikuis por outro lado, tem seu equilíbrio pendendo para o lado negativo, além de fazerem o “mal” por causa de sua natureza, também contaminam outros seres do mundo extrafísico.

“O mesmo mundo, só que funcionando em frequências diferentes”. Assim Izanagi definia sua própria criação, só mais uma decisão estupida em um ato de imprudência.

Voltando à guerra, o papel de um deus da guerra é conter os seres do mundo extrafísico e deixar os humanos se resolverem sozinhos, no caso mais extremo eles entram na guerra para defender inocentes. Tanto Bishamon quanto Susanoo eram deuses da guerra, mas com funções um pouco diferentes, Tamonten fazia tudo o que foi dito anteriormente, mas o deus dos mares tinha um diferencial. A especialidade de Susanoo era purificação de ambientes depois de uma batalha, o vento vindo do mar limpava tudo ao seu redor, sem contar suas águas. Já os Shinigamis, a função de um deus da morte sempre é conduzir humanos para o mundo dos mortos, para que estes não fiquem vagando no mundo extrafísico.

Finalmente, depois do tempo se fechar, o sol sumir em meio as nuvens e o mar se agitar, a batalha começou. A areia da praia gota a gota estava ficando vermelha, ambos deuses da guerra trabalhavam incessantemente no campo de batalha, mas Hana não mexia um músculo. O Shinigami apenas observava tudo de cima, tentando achar algo estranho que pudesse contar para seu pai. Fazia séculos que ele tentava achar Kazu-tsuchi, mas nunca havia o visto, mesmo sabendo que seu irmão não resistia à uma briga. Então novamente em uma tentativa frustrada de achar o fogo de Kazu ele vigiava a batalha, até que.... No meio do tumulto ele viu uma sombra passar por um humano, parecia-se com a sombra se um de seus Shinigamis, mas não havia outro deus da morte além dele ali, sem contar que sua criação não tirou a vida do humano, o que era estranho. Isso fez com que focasser o olhar em Ryoshio, mercenário que por um acaso da vida havia ido parar lá, naquela briga que nem era dele. Mas ele não se importava com isso, contanto que ganhasse por aquilo estava feliz.

Hana se concentrou em descobrir quem era aquele sujeito, ele foi até o campo de batalha, olhou em seus olhos e não viu nada. Passado e futuro, ambos eram ocultos aos olhos da morte.

—Não acredito?! Isso só pode ser um sonho, eu... eu finalmente o achei! —Disse Hana sorrindo estridentemente— Papai vai ficar feliz em saber.

Então Shini-no-Hana encostou no rapaz, Ryoshio, que não devia ter mais de 23 anos. O toque dado era o tão famoso beijo da morte, quase imediatamente Ryoshio começou a passar mal e caiu no chão, estava morrendo. Bishamon que estava por perto estranhou ao ver o deus da morte ali em baixo, olhou o que ele tinha feito e estranhou novamente; olhou um pouco melhor e não viu nada de mais com o rapaz, sabia que não era a hora dele.

—Ei Hana, o que está fazendo?

—Não é da sua conta—Gritou Shini-Hana com um brilho estranho em seu olhar.

Bishamon novamente sentiu que aquilo não era certo, largou seu machado no chão e foi de encontro ao deus da morte.

—Você está matando ele porque quer, qual seu problema?

—Qual o seu problema? Eu sou o deus da morte, sei muito bem quando chega a vez de um humano.

—Mas não é a vez dele. E se você não se lembra, eu sou um deus da guerra, e sei muito bem quando um humano vai perder a vida em meio a essa brincadeira.

— Por que está perdendo seu tempo com isso? É só um humano patético.

Deuses criados a partir de desejos tinham uma visão do mundo diferente dos deuses antigos, para eles a humanidade não era e talvez nunca seria perfeita, mas ver seus erros e acertos era algo gratificante de se presenciar.

—Não, não é.…Ele é um humano e é muito mais que o saco de carne que vocês deuses da morte conseguem ver.

—Que comovente, você foi criado por causa de mim e vem me questionar?

Isso fez Bishamon se irritar, a guerra sempre foi muito mais que só a morte, ela envolvia o amor, a fé e a coragem. Mas como dizer isso para um deus que só enxerga a morte?

—Eu não fui criado por causa de você, eu nasci da esperança no meio... —Hana o interrompeu.

—Por isso é tão fraco, você não vê as coisas como um deus, vê como um humano. Um deus de verdade não se deixa levar por emoções humanas... —Disse Shini-Hana de forma severa e com olhar firme—Agora se me dá licença...

 Hana virou-se para pegar a alma de Ryoshio, mas ao olhar para o chão não viu nada, apenas uma poça de sangue.

—Onde ele foi parar? —Perguntou Shini-Hana perplexo.

Quando Ryoshio estava para perder o folego, Yon veio como um raio passou por detrás de Hana e pegou o filho de sua senhora. Quando já estava longe, Shini-Hana com seu nariz consegiu sentir o cheiro de morte que exalava do rapaz e conseguiu vê-lo do campo de batalha.

—Hã?! Isso é novidade para mim, desde quando um shinigami ajuda um humano? —Perguntou-se Hana com olhar frio.

O deus não moveu um musculo para procurar saber á onde ia Kazu, ele sabia que nais cedo ou mais tarde o encontraria, a final ele era a morte, e nenhum mortal era capaz de fugir dele.

Perto do fim da tarde o mar começou a se acalmar e a batalha finalmente acabou, os deuses puderam finalmente respirar um pouco. Eles se sentaram no alto da colina e ficaram a observar os humanos recolherem os corpos e cuidarem dos feridos.

—Uffa! Pensei que não ia acabar mais—Disse Susanoo se jogando no chão.

—Estava muito bom para dizer a verdade, me sinto muito vivo lutando—Disse Bishamon tirando a parte de cima de seu peitoral e lavando sua pele.

O deus da morte por outro lado não dizia nada, apenas observava a lua que começava a aparecer no céu, enquanto isso pensava no ocorrido mais cedo.

—Não vai dizer nada Hana-chan? —Perguntou Susanoo.

—Há?! Perdão, estava longe—Disse o deus sorrindo meigamente.

—Que novidade—Disse Bishamon— Você sempre fica apenas observado enquanto nós fazemos o trabalho de verdade.

—Cada um tem sua especialidade e modo de trabalhar, não questiono seus modos, não devia questionar os meus também.

—Não estou questionando, estou .... Ah esquece. Tenho que ir embora, não vou perder meu tempo com você...

—Ainda está nervoso por eu ter tirado a vida daquele humano? Saiba que tenho meus motivos.

—E quais são, posso saber? —Perguntou Bishamon limpando seu rosto.

—Na verdade não, é um assunto entre mim e meu pai.

—Kazu-tsuchi!! —Gritou Susanoo assim que ouviu a conversa.

—Sim, ele mesmo—Respondeu Shini-Hana olhando para seu irmão.

Enquanto isso, em outra parte de Okinawa, numa gruta longe do mar, estavam Yon e Ryoshio. O deus estava coberto por uma espécie de lodo que lhe tirava o folego e lhe esmagava os ossos, presente de Shini-no-Hana. Yon tentava desesperadamente tirar o lodo deixado por seu antigo mestre, mas quando mais tirava mais aparecia.

—Amaterasu-sama! Por favor venha a meu encontro— Gritava Yon desesperado.

—Pelos astros, o que houve com ele Yon? —Perguntou Amaterasu chegado na gruta.

—Meu antigo mestre o viu e... Perdão, eu não pude fazer nada, agora ele está morrendo. Por favor, me ajude a tirar lavar o beijo da morte dele.

Amaterasu parou e ficou a olhar a situação, estava pensativa. Yon não sabia o que Amaterasu pensava, mas não podia ficar sem fazer nada, então tomou sua forma de dragão e tentou queima o lodo sobre Kazu. Suas chamas não fariam mal para sua forma carnal, mas limpariam a sujeira, assim esperava pelo menos. O ex-shinigami tentou algumas vezes, mas o lodo se solidificava e logo depois outro surgia e empurrava a parte solidificada para longe.

—Pare—Disse Amaterasu —Ele está sofrendo.

—Eu sei, por isso estou tentando meu melhor.

—Yon, você não entendeu— A deusa do sol olhou para o dragão com lágrimas em seu olhar—Deixe-o morrer.

—O que?! Mas pensei que quisesse que ele vivesse.

—Mas não como um foragido. O vigia de meu pai já o viu, Hana logo saberá que eu o ajudo, é questão de tempo.

—Então o que espera fazer?

—Apenas deixe-o morrer.... Eu tenho um plano.


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