Leal a seu senhor escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 11
Um passado esquecido em Takayama




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Bishamon acabara de acordar, suas feridas pareciam terem melhorado um pouco, as queimaduras feitas pelas sanguessugas haviam sumido, mas a chifrada em seu abdômen, não havia se quer parado de sangrar.  Sua consciência ainda não havia voltado, ele ainda não havia tomado consciência de todo ocorrido.

Ele estava debaixo da terra, na casa de Kodama, que ficava na base da maior árvore do bosque, ao sul do templo. A iluminação provinha da seiva sagrada da árvore, que brilhava no escuro, as raízes da árvore conectavam a deusa a todas as coisas vivas naquela floresta.

O deus acordou assustado, por sorte Kodama cuidava de suas feridas, ela o acalmou assim que viu seu desespero e falta de ar.

— Deite-se novamente, não acabei de te curar —Disse Kodama segurando o deus pelo peito, para que ele não estregasse seu trabalho.

—Ai, que dor de cabeça chata.

—Hum.... Você está todo acabado e só sente a cabeça, isso de certa forma é até bom.

—Me ferir é o que eu mais sei fazer, me acostumei com a dor. Mas minha cabeça...Ai—Como um lampejo, Emi veio à sua mente —Emi!! Onde está Emi?

—A essa hora... — Kodama abaixou o olhar —Já deve estar morta.

—Não diga isso, Ryuka não faria tal coisa.

Kodama olhou triste para Bishamon, naquele instante ele lembrou-se do que havia ocorrido, Ryuka havia planejado uma armadilha para ele. Ela queria levar o Javali até seu templo, era o único jeito dela entrar naquele lugar, o laço dela com o animal. Ryuka planejava descobrir qual a fraqueza do deus, mas nunca pensou que a fraqueza do grandalhão fosse algo tão pequeno e frágil, na cabeça da semideusa pelo menos. Mas o pior que ela fez naquela noite, foi matar os shinkis de Kodama, seus amados inugamis.

Por mais que um yokai não tenha poder sobre a morte, é de responsabilidade deles colocar para funcionar o ciclo da vida, alguns até trabalham na decomposição de plantas e animais. Outros gostam de simplesmente andar junto aos humanos e lhes dar um pouco de alegria, por exemplo, existem yokais responsáveis pela brisa de verão, esses gostam de ver o festival de pipas em um dia quente e ensolarado, o que é algo adorável de se pensar. Não importa a forma ou tamanho de um yokai, é um pecado corrompê-lo, pois todos têm sua função, e sem um yokai, por mais simples que ele pareça, talvez um desiquilíbrio sem tamanho se alastre pelas redondezas. Mas matar um Yokai, é um crime abominável, sem perdão, um ato de total ódio contra a natureza, ainda mais para Kodama, mãe de todos os seres daquelas florestas e poderosa divindade Yokai.

—Ela nem se quer perguntou seus nomes, ou quem eles eram... Antes de... —Dizia a deusa em choque.

—Foi uma armadilha, poxa, eu devia ter previsto isso

—Eu também.... Oh não, isso foi culpa minha...

—Não Kodama, não tinha como... —Ela o interrompeu.

—Por que ela os matou?! —Disse Kodama catatônica —Que mal eles a fizeram?

—Kodama... —Bishamon aproximar-se da deusa, mas ela se afastou ainda com o olhar vidrado —Por favor, me escuta. Emi está correndo perigo.

—Escutar o que?! —Gritou a deusa segurando lágrimas —Droga, quer saber? Confiei meus shinkis a você quando os deixei em seu templo. E agora?! Eles morreram.

—Me desculpe!

—Peça desculpa para eles!! Bara e Ajisai gritaram seu nome antes de morrer e você não fez nada. Onde você estava que não os ouviu?

Um momento de silencio envolveu os dois, ambos se encaravam com olhar triste em meio àquele ar pesado que tomou conta da sala onde estavam.

—Isso, isso mesmo...EU NÃO FIZ NADA!! EU SOU UM INÚTIL!! —Gritou Bishamon sem perder a seriedade —Como sempre, eu não fiz nada. Por isso mesmo eu perdi minha família, minha esposa, minha filha, até meu templo.... Porque eu não fiz nada, Satisfeita?! Não precisa me lembrar da minha inutilidade, eu sei muito bem dela.

—Desculpa, mas eu estou sofrendo—Disse Kodama ainda segurando as lágrimas— Não quis dizer que você é inútil, perdão. Mas acontece que o que Ryuka fez é..... Abominável, nunca pensei que ela, aquela garota doce que eu conheci pudesse matar... Matar meus filhos, meus amados Inugamis, criaturas que ela tanto adorava.

Tamonten mudou de forma, agora era Yuka, com aquela forma menor e mais delicada ele podia finalmente abraçar a deusa. E assim fez, agora quem desmoronara era Kodoma, que ao abraçar Bishamon pôs se a chorar.

—Ela não é mais a garotinha que cresceu sobre sua proteção, aquela se quer é nossa Ryuka. Aquilo é um cascão, vazio, sem sonhos, o que sobrou dela foi seu ódio e sede por vingança.

—Mas eu não consigo acreditar.

—Kodama, sei que é pedir demais, mas... —Bishamon voltou ao seu normal e olhou sério para Kodama —Ryuka está com Emi.

—Bom, não devia se preocupar tanto, ela não pode tocar na criança, fiz um feitiço de proteção antes de Emi partir.

—Ryuka quebrou seu selo no templo, não duvido que quebre o feitiço também. Por favor, me ajude, eu.... Eu posso ter perdido tudo até hoje, mas por favor, me ajude. Se eu perder Emi.... Eu não sei o que fazer, aquela garota tornou-se meu tudo.

—Você realmente se afeiçoou por essa garota, mas pelo amor do criador e das estrelas, não se esqueça que ela ainda é uma humana.

—Eu sei muito bem o problema em que estou me metendo por mantê-la por perto, mas não consigo evitar, quero vê-la crescer. Sem contar seu jeitinho meigo, que conquista qualquer um, não posso perder isso.

—Sinto lhe dizer, mas você está apaixonado meu amigo.

—Não, eu só quero protegê-la.

—Tudo bem, uma criança daquelas é capaz de fazer qualquer um se apaixonar. Mas já pensou como vai ser quando ela crescer?

—O que quer dizer com isso?

—Você agora a acha bonitinha, a vê do mesmo jeito que enxergava Ryuka, como sua filha. Mas o que lhe garante que você não vá vê-la como.... Bem.... Mais que amiga.... Algum dia, claro. Conheço muito bem sua moral e valores, sei que nunca faria nada a ela sendo apenas uma criança.

—Eu nunca mais irei me envolver com uma humana —Disse Bishamon sério —Se é essa sua preocupação.

—Tudo bem, se você diz.... No que quer minha ajuda mesmo?

—Preciso chegar à Takayama o mais rápido possível, não tenho muita força para isso no momento.

—Ok, mas com uma condição.

—Qual?!

.................No dia anterior.... Na ilha Takayama..................

—Mamãe, olhe mamãe!! —Dizia Emi empolgada ao ver o mar à certa distância.

—Shhh! —Disse bem baixinho uma de suas criadas—Mestra Emi, sua mãe está tratando de assuntos importantes com o governante dessa vilela, recomendo que não a perturbe.

—Mas ela disse que iria ver o mar comigo.

—Sim, mas agora ela não pode.

—Ahh... —Disse tristemente a garotinha indo se sentar junto à suas irmãs, elas riam de sua empolgação e tolice ao chamar sua mãe, mas Emi não se importava com isso, ainda queria ir ver o mar.

Dentre as três filhas de Hioshi, Emi era a menos comportada, e isso era um certo problema para seu pai. A garota iria fazer 10 anos em breve e era a única menina em sua família que não se comportava como uma dama, quer dizer, pelo menos não fazia a menor questão de ser como a mãe, era demasiadamente inquieta e agitada. Não que ela não amasse a mãe, muito pelo contrário, mas seu modelo de mulher era Yuka, e seguir o exemplo de um deus da guerra quanto a modos... Não é o melhor exemplo de delicadeza a se seguir. Por isso, a garota era sempre contida de seus afetos e risadas em público, já que esse não era o ideal de uma garota japonesa, nem de uma futura sacerdotisa.

—Mamãeee!!! —Gritou Emi ao ver sua mãe chegando.

—Oi meu anjo—Disse sua mãe com olhar distante.

—Agora vamos à praia mamãe? —Disse sua irmã mais nova, também na esperança de ver o mar, mas sem perder a pose que lhe era dada.

—É, e o papai, vai ir também? — Disse Emi sorrindo.

—Hã?! O que vocês disseram? —Sua mãe estava realmente distante —Ai meus amores, seu pai e eu temos muito a resolver aqui. Perdão, isso vai ficar para depois.

—Mas mãe —Disseram as três em uníssono.

—Ai, Amaterasu dai-me paciência... — Suspirou pesadamente —Mara, leve as meninas para conhecer a cidade, por favor.

—Sim mestra, como quiser — Respondeu a criada curvando-se para Nana, sua mestra.

—Vamos fazer assim, vocês vão na frente meus anjos. Aí quando terminarmos, seu pai e eu nos encontramos com vocês na praia, pode ser? —Disse Aiko sorrindo meigamente para suas filhas.

Suas irmãs se alegraram, mas Emi não, sabia que aquilo significava mais um dia sem a companhia de seus pais. Ao mesmo tempo, não podia reclamar, Mara era a criada que mais tinha paciência e brincava com elas, então sabia que seria um ótimo passeio.

E assim foram as quatro junto a um guarda de confiança visitar a cidade, não tinha muito para se ver em Takayama, além do mar, que seria a última coisa que veriam naquele dia. Mas as garotas não deixaram se abater, caminhar pelos mercadinhos da cidade não era exatamente o fim do mundo, mas era algo entediante, sem dúvida.

Foi quando o guarda se lembrou de um templo budista abandonado, na ilha vizinha àquela e achou que seria muito interessante para Emi conhece-lo, já que ela se tornaria uma sacerdotisa em breve. Então foram todos ao templo abandonado.

O lugar era muito parecido com o templo da cidade deles, mas com uma enorme diferença, ele era muito maior. As ruínas daquele lugar mostravam o quão majestoso o lugar foi um dia, mas em seu atual estado, deixava claro que ninguém cuidava daquele lugar há séculos, sem contar que o mármore das tendas estava se quebrando, e muitas tendas só restava uma vaga lembrança de sua forma original. Emi não se sentiu bem ao ver aquele lugar, a garota não podia entender como alguém podia ter tanto ódio de um deus para fazer tamanha crueldade à sua casa, mal sabia ela que aquele templo pertencia a Bishamon no passado. 

—O que foi mestra Emi, não está gostando do passeio? —Perguntou Mara.

—Eu não entendo como alguém possa odiar tanto um deus.... Não entendo.... Eles sempre nos ajudam tanto, por que alguém faria isso?

—Mestra Emi, nem todos nesse mundo acreditam nos mesmos deuses que nós. Quem fez isso não foi um japonês, foram estrangeiros, mas foi á muito tempo.

—Mas eles não têm seus próprios deuses? —Perguntou Emi, ainda indignada.

—Sim, todos algo para acreditar.

—Então por que fizeram isso? Será que esses estrangeiros não têm amor a seus próprios deuses?

—É uma boa pergunta mestra Emi, mas agora vamos embora, o sol está quase se pondo, vamos a praia, seus pais já devem estar nos esperando.

—Tá bom, deixa só eu fazer um agradecimento.

A menina fechou seus olhos e disse em voz baixa “Senhor Kami-sama, eu não sei seu nome, mas seu templo é muito lindo. Obrigada por me deixar entrar e desculpe àqueles que fizeram isso com a sua casa, eles não sabiam o que faziam”. Emi sentiu um calafrio na alma, nesse momento um vento frio passou por ela, o que fez a garota abrir os olhos rapidamente. Mas não viu nada, mal sabia ela que a mulher que fez isso ao templo de Bishamon, estava descansando em suas ruínas. Ryuka já havia visto Emi uma vez, mas somente naquele instante ela se deu conta que a menina era importante para Tamonten, ela só precisava saber qual o tamanho dessa importância.


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