Faces de Pedra escrita por Agatha Wright


Capítulo 2
2- Face Amiga


Notas iniciais do capítulo

Segundo capitulo ai pra vcs. Não se desesperem com os termos estranhos que irão aparecer, prometo explicar tudo nas notas finais ;)

Boa leitura!



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A primeira semana de Robin a bordo da USS T’Partha fora tão estranha e constrangedora como ela esperava.

Independentemente de qual espécie era predominante em uma nave, as regras da Frota Estelar eram basicamente as mesmas para todas. Robin nem precisou olhar para seu PADD para saber que ela deveria se reportar para o Oficial Médico Chefe assim que colocasse seus pés na T’Partha. O trabalho na enfermaria poderia começar bem antes da nave sair das docas, ela já tinha bastante experiência com isso.

“Tenente Wolf reportando-se ao dever, senhor.”

O médico chefe era um idoso que parecia ter bem mais que cem anos, o que era bem possível vide a alta expectativa de vida dos vulcanos. Ele era dono de um par de olhos ardósia bem parecidos com o do jovem que a havia abordado mais cedo antes do embarque e esses olhos pareciam ser capaz de congelar a alma de quem recebia seu olhar. Era quase irônico pensar que esse homem veio de um planeta quente e desértico.

“Está um minuto e quarenta e dois segundos atrasada, Dra. Wolf.” Disse o médico chefe em resposta sem erguer seus olhos do PADD que levava na mão.

Ela sentiu seu rosto queimar um pouco com tal declaração dita de uma forma que parecia fazer o tal minuto soar como algumas boas horas.

“Oh! Minhas desculpas, senhor. Eu me perdi por alguns instantes no caminho para cá.”

Agora os olhos do médico se focaram nela, e realmente ela se sentiu empalada por uma estaca de gelo.

“Imagino que o protocolo da Frota não tenha se alterado. Os esquemas da nave foram enviados a você assim que sua designação foi confirmada, você teve sete dias para memoriza-los. Uma oficial médica de emergência que não sabe se locomover dentro de sua nave terá sua eficácia comprometida em 42% do esperado de uma profissional com suas qualificações.”

Dessa vez Robin não tinha o que falar, ela ficou apenas encarando seu novo chefe feito uma completa idiota. Ela havia pesquisado tudo que havia sobre a T’Partha, mas ela não havia impresso o mapa em sua mente. Por tudo que há de mais sagrado! Ela entrou em um corredor errado e deu meia volta e perdeu alguns segundos!

“Entendo que deve ser incomum para você trabalhar com uma equipe completamente vulcana, mas eu não irei modificar meus padrões em prol de um único oficial. Fui informado que és a oficial mais qualificada para as necessidades da nossa missão e eu espero que você corresponda as expectativas.” Continuou o médico ainda a fitando de forma impassível.

Robin fez uma nota mental de sempre se programar para chegar pelo menos dez minutos adiantada para seu turno para evitar problemas.

“Sim senhor, darei o meu melhor.” Respondeu ela de forma altiva.

O sermão disciplinar terminou por ali e o resto do tempo foi usado para que a enfermaria e seus protocolos fossem apresentados. O médico chefe se chamava Dr. Sakht e era um renomado fisiologista que dividia seu tempo entre lecionar na Academia de Ciências Vulcana e na Academia da Frota Estelar e que ultimamente havia voltado a participar de missões de exploração e pesquisa. Ela já havia ouvido algumas histórias de terror sobre ele vindas de alguns cadetes veteranos nos seus tempos de Academia e pelo visto não havia nada de rumor nelas.

Além de Robin e do Dr. Sakht, havia mais três enfermeiros trabalhando na enfermaria da T’Partha. Saya, T’Amar e Koval, os dois últimos eram alferes que haviam saído da Academia há alguns meses, enquanto Saya era uma tenente e era o braço direito do Dr. Sakht e tinha quase a mesma autoridade que o médico chefe dentro daquele departamento. A princípio Robin achou que eles iriam despreza-la de alguma maneira, mas eles apenas conversaram com ela de forma perfeitamente respeitosa e após algumas breves perguntas pessoais sobre crescer na Terra e peculiaridades humanas, eles restringiram apenas aos assuntos relevantes.

A T’Partha não era uma das maiores naves da Frota Estelar, tendo suas funções principalmente de exploração e investigação científica. Por isso todos os oficiais com patente abaixo da de Comandante tinham que dividir quartos. Robin havia apenas sido informada sobre o nome da sua nova colega, T’Lyra, e ainda não a conhecia pessoalmente. Após ser dispensada da enfermaria até seu turno começar, ela decidiu aproveitar o tempo livre para organizar seus pertences e conhecer a pessoa que iria dividir os aposentos com ela pelo próximo ano.

Após alguns corredores errados e meias-voltas constrangedoras, ela encontrou o local certo. Quarto 1647 no deque quatro. Ela digitou a senha no console e entrou no quarto e viu que ele estava vazio, mas sua colega já havia passado por ali. Ela abandonou seu plano inicial de organizar suas coisas para contemplar o lado que pertencia a T’Lyra.

Era tudo tão... vulcano.

Para ser justa, ela esperava ver um lado completamente frio e sem decorações, mas a prateleira acima da cama estava ocupada por alguns livros de aparência gasta, mas em ótimo estado de conservação, todos com escritos na elegante caligrafia vulcana. Havia também algumas velas apagadas e uma escultura que ela reconheceu como o IDIC, Infinita Diversidade em Infinitas Combinações, o símbolo da cultura vulcana. A cama estava com os lençóis brancos perfeitamente estendidos e sem nenhuma mínima ruga, mas a monotonia era quebrada com uma grande almofada rosada com um bordado intricado em tons de marrom e dourado perfeitamente disposta nos pés da cama. Era bom saber que sua colega tinha algum senso de decoração, ou talvez havia alguma lógica perfeita para a necessidade de casa um dos objetos pessoais dispostos no quarto.

Robin cogitou abrir o lado do armário que pertencia a sua colega misteriosa, mas decidiu que o nível de invasão de privacidade seria meio extremo para satisfazer sua curiosidade. Balançando a cabeça para tal comportamento absurdo, ela começou a retirar seus pertences de sua bolsa. A vulcana parecia ter mais coisas interessantes que a humana. Robin também tinha alguns livros que estavam em um estado bem pior que o da outra, ela olhou com pena para seu exemplar de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban que ela tinha desde os seis anos de idade e já havia passado por muita coisa nas mãozinhas terroristas dela. O resto de suas coisas eram apenas dois porta-retratos, um com a foto de sua família e outro com seus amigos dos tempos da residência. Ela também tinha um filtro dos sonhos que seu avô lhe dera quando era criança e havia tido uma série de pesadelos. Não que fosse uma pessoa supersticiosa, era mais um objeto com valor sentimental. O resto se resumia a seus uniformes da Frota, algumas roupas civis e pijamas.

Assim que ela pendurou a última peça de roupa no armário, a porta emitiu um sinal sonoro e se abriu. Sua colega de quarto havia voltado e a medica se virou com uma expressão simpática pronta para se apresentar, mas assim que ela olhou no rosto da recém-chegada, seu sorriso vacilou um pouco.

Era a garota pálida e de cabelos negros que a havia encarado na baía de lançamento.

De todas as pessoas no mundo!

De todos os vulcanos naquela nave!

“Olá, você deve ser T’Lyra.” Disse ela recuperando sua compostura rapidamente.

A vulcana ergueu uma de suas sobrancelhas.

“Obviamente.” Disse ela em resposta. “É um prazer conhece-la, Dra. Wolf.”

Robin francamente esperava um comportamento um pouco mais hostil, mas ela já estava notando que vulcanos eram uma caixinha de surpresas. A fala de T’Lyra fora dita com a mesma entonação usada para se ler uma lista de suprimentos e ela fora incapaz de captar quaisquer sinais sobre a personalidade de sua nova colega. Talvez a antipatia gerada mais cedo no hangar fora coisa de sua cabeça.

“O prazer é todo meu, tenente.”

T’Lyra fitou inexpressivamente por alguns momentos a decoração do lado de Robin antes de começar a falar.

“Segundo o Diário da Nave, lhe fora designado o turno Gamma. Meu turno é o Alpha, então imagino que não iremos ter problemas com nossas rotinas.”

“O que você quer dizer?”

“Imagino que você não está a par de algumas necessidades vulcanas. Eu necessito de 180 minutos ininterruptos de meditação diária que deve ser realizado em silêncio e de preferência isoladamente.”

“Oh! Eu entendo...”

“E se minhas recordações sobre a fisiologia humana estão corretas, você necessita de oito horas sono contínuas para exercer seu total potencial físico e mental.”

Robin teve que reprimir um riso ao tentar lembrar qual foi a última vez em que ela pode dormir oito horas ininterruptas com todas as chances de se ter uma enfermaria lotada em vários momentos durante a missão. Ela dormia com seu transmissor ligado ao lado dela.

“Bem, fico feliz que nossa convivência não será prejudicada pelas particularidades de nossas espécies. Muita sorte que nossos turnos são inversos.” Disse ela tentando soar mais animada.

“Uma vez que essa é uma nave de tripulação vulcana, já fora estabelecido previamente que os oficiais que dividem quartos devem ter turnos de trabalho alternados para evitar problemas de convivência. A organização dos quartos segue o padrão mais lógico.”

Mais vulcano impossível, pensou Robin. A conversa entre as duas não durou muito mais que isso. T’Lyra ainda estava em seu turno de trabalho na engenharia e havia se retirado brevemente de suas funções para poder recepcionar sua nova colega assim que ela fosse liberada da enfermaria. Como a vulcana sabia exatamente o momento em que o Dr. Sakht iria terminar sua apresentação e liberar oficial médica era um mistério, mas Robin achou bastante atencioso da parte dela e agradeceu T’Lyra pela consideração. Algo que apenas fez a vulcana erguer suas sobrancelhas e dizer que nenhum tipo de agradecimento era necessário e que sua atitude fora meramente lógica.

Vulcanos...

Mais tarde naquele dia, Robin estava parada encarando em total tristeza o replicador no refeitório da nave. A única opção terráquea no menu era chá de menta e ela não gostava de chá de menta. O resto eram todas opções que ela reconheceu como vulcanas ou que ela não fazia a menor ideia do que se tratavam.

“Com licença, Dra. Wolf.”

Ela se virou para a pessoa que lhe havia chamado e se deparou com Varen, o vulcano que lhe havia abordado na baía de lançamento.

“Oh! Olá, Varen.” Cumprimentou ela.

“A Dra. está há dezessete minutos e quarenta e cinco segundos parada na frente do replicador. Há algum problema?”

Robin se voltou novamente ao replicador e o contemplou de forma pensativa.

“Varen, se você fosse comer algo, o que escolheria?”

Varen encarou as costas da médica com suas sobrancelhas erguidas no máximo de surpresa que poderia demonstrar. Ele questionou brevemente a sanidade da nova tripulante, mas respondeu.

“Eu costumo replicar uma porção de sopa de plomeek com krei’la para acompanhar e suco de gespar.”

Robin se virou para ele com um sorriso que só serviu para confundir ainda mais o pobre rapaz.

“Então o problema está resolvido.” Disse ela e depois se voltou para o replicador. “Sopa de plomeek, quente. Krei’la. Suco de gespar, frio.”

Ela organizou os pratos replicados em uma bandeja e voltou para o vulcano que ainda a observava.

“Muito obrigada, Varen.” Disse ela tomando a bandeja e depois se dirigindo para uma das mesas vazias.

Momentos depois que ela se sentou, ela viu o vulcano caminhar em direção a sua mesa com uma bandeja idêntica em mãos.

“Você se importa?” Perguntou ele indicando a cadeira na frente dela.

Robin respondeu negativamente e o jovem se sentou. Ela apenas o cumprimentou com um sorriso e tomou um dos krei’la que pareciam com algum tipo de pão e os partiu ao meio. Esse gesto fez Varen estremecer.

“Algum problema?” Perguntou Robin ao notar a leve agitação de seu companheiro.

Varen ponderou por um tempo se seria sábio ou não dizer algo.

“Apenas que esse não é o método tradicional de comer Krei’la.” Respondeu ele.

Robin pareceu ficar mais interessada.

“Oh! Não sabia que existia um método para isso. Então, qual a melhor forma.”

Varen apenas deu de ombros.

“Para começar, vulcanos não tocam sua comida com as mãos.” Começou ele pegando os talheres e demonstrando a forma correta de se cortar o pão.

O resto da refeição passou com os dois trocando informações sobre suas vidas, seus interesses, hobbies, etc. Varen parecia realmente interessado e até fascinado de certa forma pela vida de sua nova colega de trabalho. Ele fez várias perguntas sobre Robin até se atrever a questionar suas emoções e o motivo pelo qual os humanos pareciam tão apegados a elas. Ele prometeu que não tinha nenhum intuito de ofende-la ou de gerar um debate, ele apenas gostaria de entender. Ela nunca tinha realmente pensando sobre isso e prometeu trazer uma boa resposta para ele.

Enquanto toda a tripulação parecia um céu cinza e chuvoso, Varen era um brilhante raio de sol e ela se viu passando praticamente todo o seu tempo livre com ele. Seus colegas da enfermaria pareciam aprecia-la cada vez mais, mas nada se comparava a esse jovem vulcano de olhos de ardósia.

E então, no dia em que se completava a primeira semana de Robin a bordo da T’Partha o encontro que ela mais temia aconteceu.


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Notas finais do capítulo

- Nas naves da Frota Estelar é costumeiro dividir o dia em 3 turnos de oito horas (Alpha, Beta e Gamma). Alpha equivale ao turno do dia, Beta o da tarde e Gamma o da noite. Robin e Varen como oficiais mais jovens ficam com o turno da noite.

Sopa de plomeek - Plomeek é uma planta vulcana usada em várias receitas. A sopa é consumida em todas as refeições (café da manhã e jantar, vulcanos não almoçam).
Krei'la - É uma espécie de pão, que lembra os scones.
Suco de gespar - Gespar é uma fruta doce e avermelhada que nasce nas regiões temperadas de vulcano.

Qualquer duvida, deixe nos comentários que com certeza irei responde-las com o maior prazer.