Final Destination - Desastre em O'Reoy escrita por FrancaLuke


Capítulo 3
Coincidências




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Assim que Jessica entrou naquele automóvel, percebeu a tensão se instalando entre ela e Tyler. Era quase uma parede palpável, invisível, que separava os dois, e os impedia de se relacionar. Tanto é que nenhum deles se atreveu a cumprimentar o outro.

  Phil também parecia ter percebido isso. Mas resolveu não se meter.

  Assim, quando pararam de frente à casa de Claire, o clima dentro do carro estava tão frio, que Jessica deu graças a Deus pela vida da amiga. A moça loira, esguia e de estatura mediana já os aguardava do lado de fora, com duas malas meio... grandes.

  Ela correu até o carro de testa franzida.

  - Será que vai caber? – perguntou.

  - Claro – Phil saiu mais uma vez do automóvel, rodeando-o para ir abrir o porta-malas. Claire olhou para Tyler, no banco de trás, percebendo-o pela primeira vez. Depois olhou para Jessica novamente, parecendo confusa.

  - Ah.

  Jessica ergueu as sobrancelhas, como se dissesse: “É o jeito, né?”.

  - Tyler! – exclamou Claire, muito simpática. – Pensei que fosse com a Brenda...

  Ele desviou os olhos para ela, exibindo um sorriso sarcástico.

  - Sabe – disse ele. – Eu nunca fui estuprado em minha vida... E prefiro continuar assim.

  Claire arregalou os olhos, fazendo uma careta estranha. Olhou discretamente para Jessica, antes de prosseguir:

  - Entendo o seu medo!

  Jessica revirou os olhos, sorrindo. Estavam exagerando um pouco, é claro. Mas Brenda Grigori era mesmo loucamente obcecada por Tyler. Talvez seu quarto fosse coberto por fotos do rapaz, e ela tenha gravado um vídeo de ele tomando banho no vestiário, às escondidas, mas Brenda não seria capaz de estuprá-lo. Era o que Jessica achava.

  Do lado de fora do carro, Phil ajeitava as malas para que coubessem. Claire ajudou-o a encaixar tudo, e de um modo que não quebrasse nada. Acabou que deu tudo certo. As malas couberam perfeitamente, e sem maiores problemas. Estavam prontos.  

  - Tyler – recomeçou Claire, abrindo uma das portas de trás. – Não queria trocar de lugar com a Jessica? Eu queria contar a última fofoca da escola pra ela, e é meio confidencial, então...

  Jessica olhou por sobre o ombro.

  - Hã?

  Phil também olhou-a, em reprovação.

  Tyler, por outro lado, deu de ombros.

  - Tanto faz – depois virou-se para Jessica, sorrindo. – Vai trocar ou não?

  A menina suspirou, sem tirar os olhos de Claire. O que ela queria dessa vez? Se safar de ter que ficar sentada ao lado de Tyler, ou havia algum propósito mais produtivo?

  Então, beijou o rosto de Phil, e saiu do carro. Enquanto trocavam de lugar, as mãos de Jessica e Tyler se tocaram. E, de alguma forma, aquilo despertara nela a lembrança do pesadelo da noite passada. De Tyler e Patrick inclinados contra as poltronas, devido a força do vento e à pressão do avião inclinado. A queda, e a explosão... A moça teve de piscar algumas vezes e engolir em seco, antes de sentar-se ao lado de Claire, no banco de trás.

  Tyler parecia ter percebido a mudança de expressão de Jessica ao tocá-lo. Provavelmente devia ter relacionado isso como uma excitação, porque ele parecia bem presunçoso no espelho do retrovisor.

  - Podemos ir agora? – perguntou Phil, nitidamente infeliz com a troca de lugar.

  - Claro!

  Claire chegou-se mais perto de Jessica assim que o carro entrara em movimento, e disse baixinho:

  - Desculpa, mas eu não ia ficar do lado dele...

  - Ele não ia te atacar – sussurrou Jessica, aborrecida. – Mas tudo bem...

  A moça sorriu, indiferente. Olhou para a janela do carro, e viu que havia recomeçado a chover. E enquanto passavam depressa, costurando entre as ruas de McKinley até a escola, algo chamou sua atenção. Jessica viu um menino correndo da chuva na calçada, rindo abertamente, enquanto brincava com um avião de plástico branco acima de sua cabeça. Em certo ponto, o menino tropeçara e caíra, o avião escapulindo de suas mãos e indo parar no meio do jardim molhado.

  Jessica franziu a testa, incomodada. Sentiu um estranho formigamento na nuca, como se tivesse sendo observada. E estava. Claire a fitava com curiosidade.

  - Essa coisa tem som, ou algum rádio? – perguntou Tyler, de repente, cutucando o som do carro de Phil. – Alguma música que preste?

  - Sei lá – respondeu Phil, dando de ombros. – Procura alguma aí.

  Das caixas de som começaram a surgir ruídos estranhos, quando Tyler ligou o rádio. Eram estalos em meio aos chiados – como de um programa de rádio tento alguma interferência.

  - Que isso? – comentou Tyler, quando por fim a música começara a tocar. – Hannah Montana?

  Claire riu.

  - Não, isso é Cheryl – disse ela. – The flood.

  - Minha sobrinha escuta isso – disse Tyler, zombeteiro. – “Felt the ship wreck, saw the wreckage, I heard you yelling” – cantou ele. – O que houve com você, Phil?

  Phil não tirou os olhos da rua. Apenas disse, de modo bem convincente:

  - Não sei como esse CD foi parar aí dentro. Nem sei quem é essa Cheryl.

  Tyler riu, despenteando os cabelos de Phil.

  - Ora, Phil, não se envergonhe... Todo mundo tem seus momentos depressivos.

  Phil olhou para o som, amarrando a cara.

  - Tira essa música.

  - Ok! – Tyler apertou o botão “open”, segurando outro CD em uma das mãos. O CD dos The Drums não saiu de imediato. Tyler apertou de novo. Então, o CD disparou para fora, indo parar no chão.

  - Phil... Já está mais que na hora de você modernizar essa lata-velha – disse Tyler, curvando-se para pegar o CD no chão. – Ih... Olha só. Não é o CD da Cheryl. “Tenha uma década feliz” – leu o rapaz de testa franzida. Então, deu de ombros e jogou o CD dentro do porta-luvas, sem muitos cuidados. Enfiou o outro dentro do CD Player, e aguardou.

  Quando Guns’n Roses começou a fazer barulho dentro do carro, Jessica sacudiu a cabeça, e voltou a olhar para a janela. A chuva estava só piorando, e ficava difícil visualizar alguma coisa, além de borrões.

  - Quero só ver como vamos ensaiar nessa chuva – comentou Claire, enquanto os rapazes discutiam qual o melhor estilo de música, nos bancos da frente.

  - No ginásio – disse Jessica, impassível.

  Claire olhou-a atônita.

  - Bucks não deixaria – disse a moça, como se dissesse o óbvio. – Ele morre de ciúmes daquele ginásio. Sabe como é, né? Exclusivo para os menininhos dele.

  Jessica ergueu as sobrancelhas, tentando parecer interessada. Mas a verdade era que ela não estava com cabeça para aquilo. Quanto mais se aproximavam da escola, mais a sensação de que algo ruim estava acontecendo a incomodava. E, se ela não dissesse nada com alguém, acabaria ficando louca.

  - Ei, Claire – começou ela, sem jeito.

  - Hmm.

  - Eu... Hmm... Como vou te explicar isso? – ela estava tomando cuidado para que nem Phil ou Tyler a ouvissem. – Eu... tive um pesadelo na noite passada. Mas não parecia realmente um pesadelo... Eu sei que pode significar alguma coisa...

  Claire a olhava de rosto vincado, prestando muita atenção.

  - Eu sonhei que o avião caía – disse Jessica, mordendo o lábio inferior. Claire suavizou sua expressão, sorrindo. Mas Jessica continuou, antes que ela dissesse que era normal. – Mas foi tudo, tudo muito real. As conversas, as poltronas... As paredes se despedaçando... Claire, eu consegui sentir o vento e a chuva em minha pele, enquanto o avião caía. Eu pude sentir a morte, quando o avião tocou o chão e explodiu...

  Claire olhava para ela agora com um ar de profunda preocupação.

  - Você assistiu aos noticiários ontem, não foi? – perguntou ela.

  Jessica sacudiu a cabeça em negativa. E era verdade. Ela não gostava muito de telejornais. 

  - Sério? – Claire franziu a testa. – Mas deve ter ouvido falar do avião que explodiu nove anos atrás, com destino a Paris...

  Jessica vasculhou a memória, tentando lembrar-se. Mas naquele instante, nada lhe veio á mente. Nenhuma memória sobre aquilo. Até porque nove anos era muito tempo.

  - Eu não me lembro...

  Claire olhou-a como se duvidasse. Mas, então, prosseguiu.

  - Há exatamente nove anos, um garoto impediu seis pessoas de embarcarem no voo 180 da Volée, dizendo que teve uma visão e que o avião iria explodir. Minutos depois da decolagem, o avião realmente explodiu, como na visão dele... E, um ano depois, uma garota bloqueou o tráfego na Rota 23, dizendo que haveria um engavetamento e que todos iriam morrer. O acidente aconteceu, e os sortudos que ela impediu de tomarem a estrada sobreviveram – ela deu de ombros. – Você deve ter ouvido falar nisso em algum lugar, e ficou impressionada.

  Embora soubesse que Claire estava dizendo aquilo para reconfortá-la, Jessica ficou ainda mais perturbada. Então já havia acontecido isso antes? Há exatamente nove anos atrás? Não podia ser apenas coincidência, ou podia?

  A sensação horrível apenas se agravara, e ela estava cada vez mais inclinada a desistir de embarcar naquele voo.

  - Claire, eu não sabia dessas histórias...

  - Jess, todo mundo sabe... Até aconteceu uma vez, aqui em McKinley, há três anos – disse Claire, incrédula. – Uma estudante da nossa escola disse que viu um grave acidente na montanha-russa do McKinley Park. Ela ficou apavorada, e algumas pessoas resolveram sair dos carrinhos. O acidente aconteceu, e matou alguns estudantes. Mas o estranho é que... depois disso, os sobreviventes começaram a morrer... Pensei que soubesse. Erin, sua prima, era uma deles...

  Jessica franziu o cenho, perplexa. Sentiu o gelo subindo-lhe pelas veias, e indo de encontro ao seu coração, que ela podia jurar que pararia a qualquer momento, devido aos rápidos batimentos cardíacos. Sua pele empalideceu, e sua boca secara.

  - Ah, meu Deus... – Claire parecia agora realmente crédula que a amiga estava por fora de todas aquelas histórias. – Você não sabia...

  Jessica sacudiu a cabeça.

  Podia lembrar-se dos dois caixões de madeira escura, um do lado do outro, em um dia ensolarado no cemitério. Dentro de um deles, estava seu pai, desfigurado pelo acidente que sofrera. Em outro, estava Erin Ulmer, a filha de sua tia-avó caçula. Lembrava-se de ter colocado flores amarelas em ambos os caixões, e de ficar parada ali, chorando uma eternidade.

  - Jessica, você tá pálida – havia preocupação e culpa na voz de Claire. – Phil, pare o carro... Acho que a Jess não tá bem...

  Jessica não estava ouvindo o que acontecia. Estava pasma demais para prestar atenção quando Phil encostou o carro, cheio de preocupação, e quando Claire tentava resgatar-lhe de seu torpor doentio. Sua mente estava em disparada, tentando conciliar aquelas coincidências. Estava mais que certa agora de que alguma coisa estava acontecendo. E vinha acontecendo há muito tempo, traçando seu destino.

  Não iria embarcar no voo 909 da New Flying.

  - Jessica? – Phil estava agora olhando em seus olhos, segurando seu rosto com ambas as mãos. – Jessica, olha pra mim... Claire, o que você fez?

  Claire, que alisava os cabelos da amiga, também muito preocupada, engoliu em seco antes de responder.

  - Pensei que ela soubesse...

  - O quê?

  - Sobre o acidente no McKinley Park três anos atrás – disse Claire, sentindo-se culpadíssima.

  - E o que isso tem a ver? – quis saber Phil, franzindo a testa.

  - Ela me contou sobre um pesadelo que teve ontem à noite... Nele, o avião caía... Então...

  - Eu tô bem – disse Jessica, interrompendo a amiga. – Eu tô bem, foi só... – ela afastou as mãos do namorado de seu rosto. – Eu não vou para O’Reoy...

  - O quê?!— exclamaram os três jovens, uníssonos.

  - Eu não vou para O’Reoy – Jessica tomou fôlego. – Eu não vou. E gostaria que não fossem também... – ela prosseguiu, quando eles começaram a protestar. – Por favor... Eu me sentiria melhor assim...

  Phil sacudiu a cabeça, sem entender.

  - Primeiro, eu quero saber o que está acontecendo.

  Jessica olhou para Claire, engoliu em seco, e começou a narrar o seu sonho, deixando claro o que ela pensava sobre hoje fazer exatamente nove anos que o voo 180 da Volée explodira, e sobre sua ligação com Erin. No final, ela estava tão apavorada que suas mãos tremiam, gélidas, sobre seu colo, e lágrimas escorriam por seu rosto.

  Phil, Claire e Tyler se entreolharam, com diferentes expressões. Claire estava assustada. Não com medo, mas preocupada por causas de tantas coincidências. Phil estava incrédulo, mas havia uma pontinha de medo em algum lugar lá dentro. Já Tyler, não escondia sua incredulidade zombeteira.

  - Qual é, pessoal? – disse ele, sorrindo. – Eu não vou deixar de ir à uma das ilhas mais finas da América por causa de um sonho ruim...

  Jessica fuzilou-o com os olhos, sentindo a raiva afoguear seu rosto.

  - Você faz o que quiser! Eu não me importo se você estiver dentro daquele avião, quando ele cair! Será menos um marginal no mundo!

  O sorriso de Tyler se desfez. E, antes que ele pudesse retorquir, Phil começou:

  - Jessica... Nada vai acontecer... – ele olhou para os lados, provavelmente procurando razões para poder convencê-la. – Esse pesadelo... foi apenas o medo agindo em seu subconsciente.

  Ouvindo aquelas palavras, Jessica quase sorriu. Foi o que dissera à sua mãe, horas atrás.

  - Phil – disse ela. – Se tivesse visto o que eu vi, não estaria dizendo isso agora...

  Tyler sacudiu a cabeça, exasperado. Virou-se para frente, resmungando.

  - Eu não acredito nisso...

  - Jessica, vai ficar tudo bem... – disse Claire, com um fio de voz. – Não vamos generalizar as coisas...

  Jessica baixou a cabeça, derrotada. Não ia conseguir convencê-los. Se fosse ela, também não seria convencida se algum deles dissesse aqueles absurdos. Mas, como foi ela quem viu, quem sentiu, todas aquelas coisas... Estava disposta a não embarcar naquele voo.

x-x-x-x-x

O Colégio McKinley estava deserto. Quer dizer, tirando os poucos atletas e líderes de torcida que perambulavam pelo corredor, estava tudo muito silencioso, pacato.

  Jessica não sabia como, mas Phil e Claire pareciam ter combinado de não deixá-la sozinha. Estavam sempre a convidando para fazer alguma coisa. Mas acabou que Phil e Tyler tiveram de ir ao vestiário do treinador Bucks, e Claire carregou-a para o vestiário das meninas.

  Enquanto caminhava, Jessica não conseguia pensar em mais nada, a não ser em uma ideia que pudesse fazer os amigos desistirem da viagem. Olhou para uma das janelas dos corredores. Não chovia mais.

   Viu um ônibus parado lá fora. Era um daqueles ônibus escolares, amarelo e de aparência ridícula. Mas era ali que entraria horas mais tarde rumo ao aeroporto.

  Um vento gelado soprou sua franja para longe. Ela olhou para frente, que era de onde vinha o vento, e viu duas garotas loiras correndo para dentro do vestiário, às risadas, enquanto a porta para o campo se fechava atrás delas.

  - Ah, ótimo – resmungou Claire. – Olha só quem eu acabei de ver!

  Jessica tentou lembrar-se do nome das meninas que entraram no vestiário. Ela sabia que já havia visto elas durante todo o ano. Mas não se lembrava dos nomes. E era óbvio que Claire não era muito fã das duas.

  - Quem?

  Claire sorriu, revirando os olhos.

  - Britany e Heather – disse, em uma voz quase infantil. – As Loiras do Banheiro Masculino.

  Jessica franziu a testa. Mas antes que dissesse alguma coisa, a porta que levava ao campo escancarou-se mais uma vez. E por ela, passaram dois rapazes sorridentes, ajeitando os casacos do time de futebol. Quando viram Jessica e Claire, ficaram aparentemente sem jeito. Mas logo exibiram um sorriso sarcástico.

  - Aposta quanto que estavam transando nas arquibancadas? – sussurrou Claire, enquanto entravam no vestiário, sob os olhos predatórios dos rapazes.

  - Que horror...

  - O que esperar de Britany e Heather?

  Jessica deu de ombros. Claire estava tentando distrai-la. Era nada mais que o esperado. Provavelmente tentava faze-la se esquecer do que houve minutos atrás, dentro do carro de Phil. Apesar de Jessica estar colaborando, ela não se deixou convencer com aquele papo de coincidências.

  O vestiário feminino era amplo, e estava apinhado de meninas em vários estágios de troca de roupas. Algumas já usavam o uniforme azul e branco da torcida. Outras ainda estavam completamente nuas.

  Jessica estava sentindo-se uma penetra indesejável naquele ambiente cheio de risinhos e cabelos tingidos. Para piorar, as meninas olhavam para ela de testa franzida e cochichavam entre si.

  - Tudo bem, andem rápido! – exclamou Claire, despindo-se rapidamente. – Deixem as fofocas para depois! – depois olhou para Jessica, sorrindo. – Pode se sentir à vontade...

  Jessica queria responder : “Não consigo com esse bando de meninas me olhando desse jeito, estufando os silicones e tentando me intimidar”. Mas optou apenas em assentir.

  As meninas começaram a resmungar, algumas fazendo caretas. Mas Claire não estava tampouco se importando. Vestiu o uniforme depressa, e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo. De repente, ela estava transformada. Jessica sabia o quanto Claire amava ser Capitã das Líderes de Torcida, e o quanto se empenhava para dar o seu melhor.

  Enquanto Claire e algumas outras garotas se alongavam, Jessica correu os olhos pelo vestiário. Casualmente, seu olhar caiu sobre a capa de uma revista teen que estava em um dos bancos. O título de uma das matérias era: “Por que morremos”?

  Jessica franziu a testa, sentindo o mau-agouro. Aquela sensação mais uma vez... Talvez estivesse pirando agora.

  Claire ergueu-se majestosamente, e exclamou:

  - Para o campo!

  Os protestos que se seguiram foram incontáveis.

  - Ah, não!

  - Está molhado!

  - Vamos para o ginásio!

  Claire ergueu as mãos, num gesto para que calassem a boca. E elas obedeceram.

  - Alguma de vocês se atreve a pedir o ginásio para o Bucks? – desafiou ela. – Porque eu não quero ser receber uma torrente de xingamentos e uma chuva de cuspe só por pedir a droga do ginásio por algumas horas...

  As garotas se entreolharam, desanimadas. Algumas xingando baixinho. Outras olhando para Claire com um ódio bem aparente.

  - Bom... Então, para o campo! Agora!

x-x-x-x-x

O Sr. Bucks falava sem parar. Gesticulava os braços gordos a toda hora, e acenava para o quadro, ou de vez em quando, para alguém do time. Estava explicando as táticas que usariam para vencer os times da Temporada de Verão. Cada time precisava de um esquema diferente. Cada um tinha um ponto fraco diferente.

  O Sr. Bucks era um homem alto, barrigudo e de cara redonda. Tinha um bigode escuro acima do lábio superior, e quase sempre cuspia enquanto falava. Por isso, Phillip tomou o devido cuidado para se sentar longe dele.

  A verdade era que não estava ouvindo nada o que o treinador dizia. Estava preocupado com Jessica. Ela parecia muito perturbada por causa daquele sonho, e parecia temer que algo ruim realmente acontecesse. Phil sentia-se no dever de fazer alguma coisa para que ela se sentisse melhor. Mas o que poderia fazer? Ele a amava tanto... E ela nunca medira esforços para fazê-lo se sentir bem. Agora era a vez dele de retribuir.

  Só não sabia como.

x-x-x-x-x

Brenda Grigori olhava-se fixamente pelo espelho do salão de Beleza da Dee-Dee, enquanto uma garota pálida de cabelos louros e curtos alisava seus cabelos. Não sabia se na tal Ilha O’Reoy havia muitos salões de beleza competentes – se é que havia salões de beleza. Então, decidiu fazer cabelo, unhas e sobrancelhas antes da viagem, para que na festa de formatura, ficasse mais bonita que a maioria das meninas de sua escola. Tyler Cassey não ia resistir, e reataria o breve “namoro” que tiveram, meses atrás.

  Brenda era uma moça de pele escura, lisa e bonita. Seus cabelos, negros e sedosos estavam sendo alisados pela cabeleireira às suas costas, e seus olhos castanho-escuros eram grandes, ambiciosos e emotivos. Era linda, isso era. E rica. E isso fazia dela uma garota mimada, que estava acostumada a ter tudo numa bandeja, à hora que quisesse.

  Às vezes, a moça achava que não tinham amigas de verdade, ou alguém que gostasse realmente dela pelo que era... Não se culpava por isso. Não via em si nenhuma imaturidade ou luxúria. As pessoas é que se aproximavam só por causa de seu dinheiro e status. Exceto uma. Liu Wong, o asiático da escola. Mas isso era outra coisa, e Brenda não gostava de pensar nele. A deixava enojada e culpada. Enojada porque Liu não era, nem de longe, o menino mais bonito da escola, embora gostasse dela de uma forma bem aparente. E porque ele usava roupas e cabelo estranhíssimos. E, porque a câmera escondida que deixara no vestiário masculino, com a ajuda de Britany e Heather, para gravar Tyler Cassey no chuveiro havia flagrado todos os outros meninos do time. Liu era um deles, e aparecia em boa parte do vídeo. Brenda não gostou do que viu.

  E culpada, porque Liu era perdidamente apaixonado por ela, e fazia o possível para agradá-la. Mas ela o forçara a serem apenas amigos, e sabia bem que aquilo o deixava mal. Se bem que ela se sentia mais enojada que culpada, em relação a ele, e por isso o evitava. Talvez ele não sofresse tanto assim.

  Brenda Grigori suspirou, os lábios cheios e avermelhados unindo-se em um leve biquinho. Desviou os olhos da própria imagem exuberante no espelho, e olhou para a TV, que ficava instalada em um canto alto do salão.

  O apresentador falava sobre alguma coisa relacionada ao memorial que acontecia no cemitério de McKinley, naquela manhã, devido a alguns estudantes mortos há três anos num acidente com uma montanha russa. Brenda franziu o cenho, intrigada.

  - Eu não me lembro disso – disse ela, de repente.

  A moça loira que fazia seu cabelo inclinou-se para ela.

  - Como?

  - O acidente na montanha-russa – explicou Brenda. – Eu não me lembro.

  A moça olhou para TV, compreendendo o que Brenda queria dizer. Deu de ombros, e continuou alisando o cabelo da menina.

  - Ninguém gostaria de lembrar... Mas, todo ano, nesse mesmo dia, os telejornais só falam disso – ela suspirou. – Dessas coisas ruins... Dizem que treze de maio é um dia maldito. Sempre, em algum lugar do mundo, acontece alguma coisa... Escute só que bobagem.

  Brenda franziu o cenho, engolindo em seco. Continuou observando a tela da televisão, mas agora sem realmente prestar atenção. Alguma coisa que sua cabeleireira disse a fez ficar com medo.     

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Eram duas e dezessete da tarde, quando Claire terminou seu banho, após treinar a torcida incansavelmente. Jessica estava sentada na arquibancada úmida, ao lado do namorado. Ambos comiam batatas fritas e refrigerante, que compraram na lanchonete que ficava ao lado da escola. Claire se juntou a eles assim que saiu do vestiário, parecendo exausta.

  - Céus, elas ainda me destruirão! – comentou a moça, penteando o cabelo molhado. – Agora sei porque a treinadora Missy está de quarentena – então, ela desviou os olhos para um casal que caminhava aos beijos pelo campo. – Olha só: Britany Gilbert! Ela está com outro garoto, diferente daqueles dois que vimos no corredor, lembra?

  Jessica assentiu, sem realmente estar interessada. Mas, estreitando os olhos para o casal, ela viu quem estava acompanhando Britany Gilbert – a Loira do Banheiro Masculino. Era Tyler Cassey.

  - Ei, aquele não é Tyler? – indagou ela, distraidamente.

  - É – disse Phil. – É ele sim.

  Claire riu, sacudindo a cabeça.

  - Você devia avisar a ele que corre o risco de pegar uma herpes seríssima beijando aquela boca nojenta.

  Jessica franziu a testa, constrangida e enojada.

  - Claire!

  Phil riu, enquanto observava Tyler e Britany.

  - Você é terrível.

  Claire guardou a escova no nécessaire, e apoiou os cotovelos no joelho, observando a cena com seus olhos verdes que analisavam a tudo de uma forma bem maldosa.

  Jessica ofereceu-lhe as batatas, mas ela recusou. Recusou também o refrigerante. A moça, então, recostou-se na arquibancada, tentando parecer descontraída. Mas não estava. Algumas coisas ainda a perturbavam, e ela precisava saber...

  - Claire – começou ela. – Como você soube sobre a Erin?

  Claire olhou apara ela surpresa. Em seguida, desviou os olhos rapidamente para Phil, como que buscando um apoio. Mas Phil interveio, dizendo:

  - Jess... Deixa isso pra lá. Não vai te fazer bem.

  - Não, eu quero saber! Erin era minha prima, então eu devo saber...

  Phil abriu a boca para falar mais alguma coisa. Mas então fechou-a, ao ver que Jessica não desistiria tão facilmente. Claire olhava para Phil, parecendo esperar uma confirmação. Como ele não disse nada, ela começou:

  - Olha, foi tudo só coincidência, tá bom? Uma garota disse que teve uma visão com um acidente na montanha-russa, e que todas que estavam lá morreriam. Ela conseguiu sair, com mais algumas pessoas. Erin era uma delas. Sei disso porque ela andava sempre com o Ian McKinley, e os McKinley são bem importantes, então, deu o que comentar. Só que Ian também morreu. Na verdade, dizem que todos que saíram da montanha-russa morreram. Mas não sei se é verdade.

  - Mas isso – disse Phil, com firmeza. – Não tem nada a ver com a gente. Pelo que sei, a garota teve a tal visão quando já estava dentro do carrinho da montanha-russa. Se é que era visão. Talvez ela tenha dito isso depois, só para aparecer.

   “E você teve um pesadelo muito real. Apenas isso. E, agradeceria muito se mudássemos de assunto. Por favor”.

  Jessica baixou os olhos, fitando os próprios pés. Não sabia mais o que pensar. Não queria arriscar entrar naquele avião. Mas também não queria perder uma viagem maravilhosa por causa daquele pesadelo, se fosse apenas um pesadelo. Droga.

  - Tudo bem – disse ela. – Morre aqui o assunto.

x-x-x-x-x

Quando o último aluno entrou no ônibus, o motorista arrancou.

  Eram cinco e meia, e o céu estava nublado. Não estava chovendo mais. Aliás, não chovia desde que chegaram à escola. O sol tentava aparecer, por entre as nuvens cinzentas, mas não obtinha muito sucesso.

  Phil estava sentado ao lado de Jessica, perto da janela. A moça parecia centrada em alguma coisa. Seus olhos estavam fixos na rua à frente deles, e sua postura estava rígida.

  Phil enlaçou-a com o braço, e beijou seu rosto, tentando acalmá-la. Esse era seu papel.  

  Claire estava sentada com um garoto que Jessica não lembrava o nome, no banco de trás. A moça olhava para a janela visivelmente desgostosa por se sentar ali. Os alunos que optaram por ficar lá atrás se levantaram assim que o ônibus começou a trafegar. Todos pareciam felizes e baderneiros, no decorrer do caminho.

  Paul Jackson, que estava com eles, puxou um coro que era o grito de guerra da escola. E no instante seguinte, estavam todos cantando com ele. Page Johnson estava ao seu lado, e se safara do castigo que seu pai queria impor, por dormir fora de casa.  

  Nos primeiros bancos do ônibus, estavam o professor Shawn e a professora Lars. Eles olharam para a bagunça que os alunos faziam, mas não fizeram nada, além de rir.

   Phil sorriu, tentando descontrair um pouco. Mas Jessica permaneceu imutável. Então, o rapaz desviou os olhos para a janela. De lá, viu um mendigo que se levantou de seus trapos, e começou a acenar animadamente para ele, como se fossem velhos amigos, gritando: “Adeus!”. Phil sorriu, franzindo a testa. Estranho.

  Então, Liu Wong, o rapaz descendente de japoneses de sua classe – e melhor amigo de Jessica –, apareceu ao lado deles, exibindo uma câmera. Liu era muito pálido, de cabelos pretos e rosto fino. Vestia-se como vocalista de alguma banda teen, assim como o seu cabelo preto, que tinha um corte bem estranho. Mas Phil o achava legal.

  - Digam oi! – exclamou ele, apontando a câmera para Jessica e Phil, enquanto escorava-se no banco da frente, para manter equilíbrio.

  Jessica olhou-o sobressaltada, arrancada de seu torpor. E, quando percebeu a câmera diante dela, escondeu o rosto.

  - Liu!

  - Ora, vamos, Jess! – exclamou ele, sorridente. – Só faltam vocês! É para o vídeo da turma. Recordação!

  - Outra hora, então – disse Jessica, ainda escondendo o rosto. – Aí eu me arrumo direitinho e até me maquio. Mas agora não...

  Phil sorriu, sacudindo a cabeça.

  - Amor... Só olhe para a câmera e sorria!

  Liu virou a câmera para o rapaz.

  - É isso aí, Phil!

  Phil sorriu, acenando. Jessica riu daquilo, jogando a franja para trás. Liu aproveitou a situação e voltou-se para ela mais uma vez, dando um zoom em seu rosto.

  - Não vai te doer nada – disse Liu. – Vai ser bem rapidinho.

  - Tudo bem – Jessica sorriu, inclinando a cabeça para o lado.

  - Então, Jessica – começou Liu, sorridente. – Como é namorar o astro do time de futebol da escola? Depois de mim, é claro...

  Jessica riu, e olhou para Phil, que se empertigou todo, alisando o peito.

  - Me desculpem, menininhas, mas ele já é meu – disse ela, olhando para a câmera e rindo. – E não o divido com ninguém... E, respondendo a sua pergunta, Liu, ele é ainda melhor no amor do que no campo... Em um bom sentido! – ela acrescentou, de olhos arregalados.

  Liu riu, malicioso.

  - Hmm, sei... Jessica Holden se revelando!

  - Para, Liu! – disse Jessica, corando. – Eu não quis dizer isso!

  - Entendo perfeitamente o que quis dizer, Srta. Holden!

  Phil beijou o rosto da namorada, de olhos pregados na câmera.

  - Minha Jess! – exclamou.

  - Que lindo – disse Liu, forçando a voz. – E você, Phil? Pronto para tirar o fôlego da torcida, no jogo contra Springfield?

  Phil ergueu a sobrancelha, pomposo.

  - Sempre! Você sabe... Eu sou o...

  Ghhrrrr.

  De repente, com um solavanco, o ônibus parou. Os freios ganiram em protesto, e os alunos que estavam dentro dele foram lançados para frente, devido à inércia, gritando.

  Phil bateu a cabeça no banco da frente, sem se machucar. Já Liu cambaleou para trás algumas vezes, antes de cair no meio do corredor. Lá atrás, muitas pessoas caíram. Mas Jessica não estava se importando com aquilo, ou com lábio que sangrava, após bater a boca nas costas do banco à sua frente.

  Viu quando um caminhão descontrolado surgiu diante do ônibus de repente, forçando-o a parar de forma agressiva. Mas o caminhão passou direto, sem controle algum, derrapando no asfalto úmido, e chocou-se contra a parede de uma lanchonete que estava do outro lado da rua, num estrondo ensurdecedor.

  Jessica não conseguiu ver tudo com muitos detalhes. Mas viu quando toda a parede atingida e parte do teto do estabelecimento desabaram sobre a cabine do caminhão. Pessoas estavam gritando, algumas correndo para fora da lanchonete, com as expressões apavoradas. Outras que já estavam fora da lanchonete, corriam para dentro, gritando pelas vítimas.

  Jessica ficou ali, estática, por vários segundos, a boca sangrando, escancarada. Seu coração palpitava em seu peito. Ao lado dela, Phil olhava-a preocupado, de vez em quando desviando os olhos para o acidente que acontecera a alguns metros de distância.

  Enquanto isso, o corredor do ônibus encheu-se de alunos curiosos e feridos, que se espremiam para ver o que estava acontecendo, enquanto os professores tentavam acalmá-los, sem sucesso.


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