20 anos depois - A salvação da Escola Mundial escrita por W P Kiria


Capítulo 7
Bônus 1 | Paulicia




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Capítulo Bônus 1 – Paulicia

“Você se lembra da primeira vez que dançamos juntos?” Perguntou Alicia durante a valsa, fazendo Paulo rir. “É sério, amor.”

“Eu sei, gata, por isso to rindo. Eu tava muito bravo porque você ficava colocando a minha mão na sua cintura, e eu não queria dançar com você de jeito nenhum.”

“Ainda tá difícil fazer sua mão ficar na minha cintura, porque ela não para de querer visitar o meu bumbum.” A morena o repreendeu, arrancando mais alguns risos. “Nunca imaginei que estaria dançando com você de novo, na nossa formatura.”

“Pois é... Quase dez anos já se passaram, hã?” O rapaz sorriu, abraçando a namorada mais apertado. “Quase cinco que estamos juntos também.”

“E nós vamos continuar juntos, não é? Mesmo agora que o colégio acabou?” Ele pode sentir a insegurança na voz dela.

“Nós sobrevivemos ao fim do ensino fundamental, Ali. O fim do ensino médio vai ser fichinha, pode ter certeza.” Ele beijou a ponta de seu nariz.

“Mas agora, pela primeira vez na vida, nós não vamos estar estudando juntos.”

Ele se afastou um pouco, observando a jovem mulher à sua frente. Apesar do baile de gala, os pés estavam adornados em um all star. O vestido preto, justo, não tinha muito brilho ou frufru, e realçava o belo corpo que ela tinha. Os cabelos estavam presos para o lado, causando uma cascata roxa, a atual cor de suas mechas.

“Eu acho que você é a garota mais linda que existe, Alicia, e eu não vou conseguir achar alguém tão única, original e autêntica quanto você não importa onde eu vá.” Ele se declarou, vendo-a corar. “Nós vamos superar isso, Ali, acredita em mim. Enquanto nós estivermos juntos, vamos poder superar qualquer coisa.”

~*~

Ela chegou em casa bastante estressada. Odiava o machismo dos colegas de sala, que a tratavam como uma princesinha e não como uma futura engenheira mecânica. E isso porque era mais forte e habilidosa do que muitos daqueles gorilas.

Paulo estava no sofá de sua casa, os olhos fixos na TV e os dedos mexendo habilidosamente no controle do videogame. Sem dizer uma única palavra, ela desligou o jogo e arrancou o controle de sua mão, sentando em seu colo.

“Dia difícil, hã?” Foi só o que ele perguntou, sentindo-a se aninhar em seu peito.

“Eu odeio aqueles idiotas, odeio!” Ela bufou, irritada.

“Sai desse curso, Ali, já te disse um milhão de vezes.” Paulo bufou, se largando no sofá de vez.

“Não, Paulo, eu vou provar para eles que eu posso.”

“E vai sofrer para isso? Alicia, todo mundo sabe a pessoa incrível que você, pelo menos todo mundo que é importante para você. Para que ligar para a opinião de um bando de gorilas babacas e sem cérebro?” O estudante de matemática explodiu, vendo a namorada se encolher. Ela se levantou de seu colo, se afastando magoada. “Ali...”

“Não, não precisa falar nada. Vai embora, vai.”

“Não vou embora coisa nenhuma, não até a gente se resolver disso.” Ele se levantou e se aproximou dela, a abraçando com carinho. “Desculpa ter sido grosso.”

“Eu preciso que você esteja do meu lado, Paulo, você sabe disso. Eu sempre disse que podia, mas a verdade é que não posso fazer isso sozinha.” Sussurrou ela, a voz embargada. “Você me prometeu que poderíamos superar qualquer coisa juntos.”

“E podemos, Ali.” Ele escondeu a cabeça no cabelo dela. “Mas você precisa deixar que estejamos juntos, amor. Você só vem até mim para reclamar, nunca quer ouvir o que tenho a dizer ou que eu esteja lá por você. Parece que você ainda insiste em colocar uma barreira entre nós.”

“Você está falando de...”

“Não, Alicia, eu não estou falando daquilo. Entende o que eu falei? Você vive na defensiva. Fazem sete anos que estamos juntos, Alicia, e você continua me empurrando para longe. Do que você tem medo?” Ele a fez ficar de frente e encará-lo nos olhos.

“De que se eu deixar você entrar, você veja que isso tudo é um erro e vá embora.” Ela admitiu em um sussurro.

“Se fosse para ir, eu teria ido há muito tempo. Eu te conheço melhor do que qualquer um, meu amor, e não fui embora ainda apesar disso. Por favor, me deixa fazer parte da sua vida para valer.” Pediu ele, beijando a testa dela.

“Então o que você acha que eu devo fazer?” Ela perguntou em voz baixa.

“Desiste da faculdade, Alicia, e vai atrás do que te faz feliz. Você outro dia me falou que seria muito legal pilotar um avião, não é? Vai atrás disso! Tenho certeza que são poucas as mulheres com garra e coragem para aguentar isso!”

Alicia ouviu os elogios velados com um sorriso de orelha a orelha. Abraçou o namorado com mais força, puxando-o para um beijo cheio de gratidão.

“Meus pais?” Ela perguntou em voz baixa, estranhando que eles ainda não houvessem aparecido.

“Saíram para ver alguns amigos, devem voltar tarde.” Ele explicou despretensioso, sem entender o que ela pretendia até que ela começou a puxá-lo pela mão. “Ali...”

“Não fala nada, Paulo. Só vem comigo, por favor. É hora de te deixar entrar, e por favor, não transforme isso em um trocadilho sujo.” Os dois riram do pedido, se encaminhando para o quarto dela em silêncio.

~*~

“Paulo? Paulo, acorda! Acorda, caramba. Sabe que dia é hoje?” Alicia pulava animada na cama, vestida com uma calcinha velha e uma camiseta do namorado. O dito estava largado na cama, apenas de bermuda, tentando continuar a dormir.

“Domingo?” Ele arriscou, irritado.

“Não, caramba. Tá, é domingo também. Mas é meu aniversário, seu tonto. Hoje eu faço 23 anos!” Ela caiu sentada nas costas dele, fazendo-o arfar.

“Jura? Achei que era de três, pela animação infantil.” Ele se virou entre as pernas dela, ficando de barriga para cima. Em meio aos cabelos bagunçados da manhã, brilhava o sorriso animado de menina. “Hum, acho que esse é o paraíso.”

“Babaca.” Ela socou o peito dele, mas ele agarrou seus pulsos e a jogou na cama, ficando por cima de Alicia. “Me larga.”

“Não. Aliás, parabéns, meu amor.” Desejou carinhosamente, selando seus lábios. “Que esse ano novo traga apenas as melhores coisas para a sua vida!”

“Se você continuar do meu lado, tenho certeza que trará todas elas.” Alicia fechou os olhos ao sentir Paulo colar suas testas, os dois sorrindo em silêncio. “Se importa de termos um momento melosinho? Eu realmente estou gostando.”

“Hoje podemos ter o que você quiser, Ali.” Ele riu, tornando a deitar e entrelaçando seus corpos em um abraço silencioso.

~*~

“Uma loja de brincadeiras, Paulo?” Alicia caiu na risada, até ver que o namorado falava sério. “E você fez licenciatura em matemática para quê?”

“Qual é, você sabe que meu pai queria que eu fizesse faculdade. E eu gosto de matemática, mas não o bastante para passar o resto da vida lecionando. Brincadeiras sempre foram o meu lance.” Ele explicou, mostrando a lista de fornecedores.

“E onde você pretende fazer isso?”

“O pai do Dani tem um salão fechado, bem perto de uma área escolar. Eu posso ir usando até ter como pagar o aluguel, é um lugar pequeno e que está abandonado. Uma mão de tinta, algumas coisas penduradas e é tudo o que eu preciso.”

“E uma ajuda ocasional da namorada, né?”

“Sempre, marrenta. Como você também não está trabalhando, podemos transformar em nosso negócio de família.”

“Hum, então quer que sejamos uma família?”

“Um dia, talvez. Por hora, quero que sejamos os maus exemplos que vão transformar essas crianças em pestinhas, levando toda a sua mesada.” Ele sorriu de forma angelical, fazendo Alicia gargalhar alto.

“Ok, Guerra, você venceu. Vamos extorquir criancinhas.”

~*~

“Oi Ali, achei que você tinha curso hoje.” Marcelina abriu a porta para a cunhada, vendo-a pálida. “Está tudo bem?”

“Eu passei mal durante a aula de voo hoje, Marce, mas já estou melhor. Seu irmão está por aí?” A morena tentava se desvencilhar da amiga preocupada.

“Tá no quarto dele. Tem certeza que você está bem?” Mas Alicia já havia sumido pelo corredor. “Tá bom, né.”

“Paulo Guerra, a gente está completamente fo****.” Ela entrou no quarto tempestuosamente, já começando a chorar. Paulo, que estava pesquisando algo no notebook, pulou da cama assustado.

“Caramba, Alicia, você tá parecendo um fantasma.”

“Então se prepara, porque você também vai ficar assim em alguns segundos.” Ela arfava, nervosa. “Eu passei mal na aula de voo, Paulo, desmaiei, apaguei que nem lâmpada queimada. O instrutor, claro, me levou para o hospital, e eles fizeram alguns exames.”

“Ai meu Jesus Cristinho, você está doente?” Paulo se desesperou, vendo Alicia negar com a cabeça e chorar com mais força.

“Não, Paulo... Eu to grávida.”

“Você o quê?” Ele guinchou, caindo sentado na cama. “Mas como Alicia?”

“Quer mesmo que eu te explique como se faz um filho, Guerra? Francamente.” Ela explodiu, começando a andar pelo cômodo. “O que nós vamos fazer, Paulo?”

“Eu não sei, Ali, eu realmente não sei.” Ele estava em choque demais para reagir. Só conseguia pensar e tentar voltar aos acontecimentos que poderiam levar aquilo. Foi quando lembrou da manhã do aniversário dela, que haviam se deixado levar pelo melosismo e emoção do momento. “E esqueci da camisinha.”

“O quê?”

“No dia do seu aniversário, de manhã. Eu não usei camisinha.” Explicou ele em voz alta, vendo Alicia suspirar e esconder o rosto entre as mãos. “Calma, Ali, nós vamos dar um jeito.”

“Que jeito, Paulo? Isso não é espinha, ou DST, que dá para tratar e mandar embora. Isso é um filho, cara, um ser humano que vai depender de nós dois. E de nós dois mesmo, porque você não vai pular fora de jeito nenhum.”

“Assim você me ofende, Gusman.” Ele levantou irritado, indo até ela. “Nós não prometemos que, enquanto estivéssemos juntos, tudo daria certo? Vamos estar juntos em mais essa, Alicia. E tudo vai dar certo, eu prometo.”

~*~

Estavam deitados na cama dele em silêncio, como era comum nos últimos dias. A cada vez que Paulo se deitava ali, só conseguia pensar na maldita camisinha esquecida três meses antes, e na consequência disso. Que ótima maneira de se pensar em um filho, como uma consequência.

“Ali, preciso ir ao banheiro.” Ele chamou a namorada sonolenta, tentando sair debaixo dela. A garota apenas concordou com a cabeça, tentando voltar a prestar atenção no filme.

Estava parecendo uma panda nos últimos dias, dormindo aonde encostava. Já tinha lido que isso era sintoma da gravidez, assim como a fome e os enjoos. E por isso estava cada vez mais difícil disfarçar e manter segredo para os pais e os amigos.

Absorta em pensamentos como estava, não deu importância a sensação estranha no centro de suas pernas. Pelo menos, não até resolver puxar o lençol e ver que ele estava vermelho. Assim com o colchão. E sua bermuda.

“Ai meu Deus.” Ela sussurrou, encarando a mão manchada em carmim. “Paulo. Paulo. PAULO, SOCORRO!”

O rapaz apareceu na porta do quarto puxando as calças para cima, desesperado. Ao ver o sangue empapando tudo, gelou mais ainda, correndo até a namorada e começando a gritar pela mãe e a irmã.

As duas, por sorte, haviam escutado os gritos e agora estavam ali, chocadas com o que viam. Marcelina tentou questionar, mas Lilian gritou que isso ficaria para depois. Ela ligou para o doutor Miguel enquanto Paulo pegava Alicia nos braços e corria para o carro, sendo impossível saber qual dos dois chorava mais naquele momento.

Já no hospital, Miguel levou Alicia para ser examinada, deixando a família Guerra na recepção. Por mais perguntas e broncas que Lilian e Marcelina desejassem despejar sobre o rapaz, a preocupação por seu desespero aparente era maior e elas se contentavam em consolá-lo no momento.

“Paulo?” Miguel apareceu após um tempo, a expressão neutra. A família se levantou, caminhando até o médico. “A hemorragia parou.”

“E o meu filho, doutor Miguel?”

“Ainda não sabemos, rapaz, precisamos fazer uma ultra. Já chamei um técnico para isso, mas a Alicia está muito nervosa e assustada, acho melhor você ficar com ela.” Explicou o médico com calma. “Não sou obstetra, como você sabe, mas acompanharei vocês em tudo hoje, como um bom amigo.”

“Muito obrigada, Miguel, de coração.” Quem se manifestou foi Lilian, vendo que o filho estava muito tenso para isso. “Paulo, querido... Mantenha a calma, está bem? Seja lá o que acontecer, a Alicia vai precisar muito de você.”

“O que é isso que eu to sentindo, mãe? Esse desespero, essa dor no peito?” Ele perguntou, os olhos cheios de lágrimas.

“É amor, meu filho, amor por essa coisinha minúscula que está na barriga da Alicia, mas que já virou vocês do avesso.” Sorriu a mulher, lhe beijando o rosto. “Seja forte, está bem?”

Realmente, como Miguel disse, Alicia estava muito nervosa. Ela estava na cama, encolhida e abraçada aos joelhos, se balançando e chorando sem parar. Entre um soluço e outro, Paulo podia ouvir ela se culpando.

“Hey, amor, eu to aqui.” Ele sentou ao seu lado, vendo-a mudar de posição como um raio e abraçá-lo. “Calma.”

“Paulo, eu perdi ele, não foi?”

“A hemorragia parou, Ali, mas eles precisam ver como está o nosso filho, e para isso precisam fazer um ultrassom.” Ela negou com a cabeça, a enterrando no peito dele. “Alicia, por favor.”

“Eu to com medo de saber a verdade, Paulo. Eu fiquei com tanta raiva, rejeitei tanto o bebê... E agora to com medo de ter perdido ele.”

“Eu sei, amor, eu também to morrendo de medo.” Ele suspirou, sentindo os olhos novamente molhados. “Mas nós vamos ter que tomar nossa primeira atitude como pais fortes e corajosos, e enfrentar esse ultrassom, seja lá qual for o resultado.”

“Você vai estar comigo?”

“Nós vamos estar juntos para tudo, lembra?”

Alguns minutos depois o técnico de ultrassonografia chegou com Miguel, e logo o exame teve início. Eles explicaram que o gel poderia ser gelado, e pediram que Alicia mantivesse a calma.

O casal os encarava nervosos, tentando decifrar suas expressões. O técnico clicava aqui e ali, mexendo o aparelho para todos os lados da barriga quase plana da garota.

“Paulo.” Ela buscou a mão do namorado, nervosa.

“Miguel, o que está acontecendo?” Questionou o rapaz, ansioso.

“Calma, Paulo, a Alicia ainda está no começo da gestação. Ainda é um pouco difícil localizar o feto ou os batimentos.” Explicou Miguel, mas ele parecia muito sério ao falar isso. Para sua sorte, o técnico sorriu na mesma hora.

“Ah, aqui está.”

Como uma música muito querida, o barulho aquoso preencheu a sala, encantando Paulo e Alicia. Não precisavam que Miguel ou o técnico dissessem, sabiam que aquele era o coração de seu filho. Rápido, forte, vitorioso. De alguém que estava vivo.

“Está normal para 11 semanas, doutor. Tamanho, desenvolvimento, tudo.” Explicou o rapaz, analisando todos os ângulos possíveis. “É um vencedor.”

“Um cabeça dura, como o pai e a mãe.” Garantiu Paulo, suspirando aliviado.

“Nós vamos deixar vocês três a sós um momento, está bem? Logo eu volto com o obstetra.” Avisou Miguel, mas o casal nem prestava mais atenção nele, muito ocupados com a imagem na tela.

“Paulo, ele está bem, não é?” Perguntou Alicia, feliz e assustada. Feliz por saber que o bebê estava bem, assustada com a intensidade de seus sentimentos.

“Está, Ali, está sim.” Ele sorriu, lhe dando um selinho. “Você percebeu o que eu falei sobre o bebê?”

“Que ele é igual ao pai e a mãe.” Ela concordou aos risos. “Nós somos pais, Paulo.”

“Que carrossel maluco, meu Deus.” O rapaz negou com a cabeça, rindo com Alicia. “Eu estou tão aliviado que ele está bem, amor.”

“Eu também, amor. Esse danadinho já nos dominou, não é mesmo?”

“Completamente. Espero que domine as avós dele também, porque sinto que a bronca será grande!

“Eu não quero pensar nisso agora. Quero só curtir isso, Paulo... Nós três.”

“Nós três.” Ele repetiu, ambos encarando a imagem borrada e congelada na tela.

~*~

“Como vocês deixaram isso acontecer, minha filha?”

Após Alicia receber alta, Paulo a levou para casa. Lilian e Marcelina os acompanharam, e a mulher pediu que o marido os encontrasse na casa da nora. Depois que todos os pais estavam ali, o jovem casal contou a verdade.

Após um longo silêncio, a primeira a se manifestar foi Eloísa, mãe de Alicia. E não era preciso ler mentes para ver que a mulher estava decepcionada.

“Foi um pequeno descuido meu, dona Eloisa.” Paulo segurou a mão da namorada, que parecia incapaz de encarar os pais.

Pequeno?” Roberto ergueu a voz, irritado. “Um pequeno descuido é deixar a torneira ligada. Não se proteger é um descuido enorme, com grandes consequências.”

“Não fala assim dele.” Alicia rebateu irritada, surpreendendo o sogro. “Meu filho não é uma consequência.”

“Eu sei que todos estamos nervosos e preocupados, mas eles acabaram de passar por um grande choque.” Lilian se aproximou do marido, segurando seu braço com carinho. Porém os pais de Alicia não estavam para conversa.

“E como vocês pretendem sustentar esse filho, hein Alicia? Com aquela lojinha de travessuras que abriram? Porque até hoje, quem bancou tudo para você fomos eu e sua mãe, mas agora chega.” Eduardo, pai da garota, estava extremamente irritado.

“Vocês estão me colocando para fora de casa?”

“Nós bancamos sua faculdade, e você largou. Bancamos esse curso de pilotagem, e agora você vai ter que abandonar. Pagamos boa escola, e parece que não serviu para nada. Você sabe o valor de um plano de saúde, Alicia? Ainda mais com uma grávida? Ah não, essa responsabilidade agora é de vocês dois.” O homem decretou, irritado.

“Mas...” A moça parecia sem fala, e Paulo a abraçou.

“Você não pode se estressar, minha linda, calma.” Ele pediu, beijando a cabeça dela com carinho.

“Marcelina, você e o Paulo ajudam a Alicia a arrumar uma mala? Nós vamos para casa.” Avisou Roberto, encarando os outros avós de seu neto de forma dura.

“Claro, papai.” A Guerra mais nova se aproximou do irmão e da amiga, ajudando Paulo a amparar Alicia até o quarto. “Você fica sentadinha, está bem?”

“Eu não acredito que meus pais estão fazendo isso.” A grávida tinha os olhos cheios de lágrimas, mostrando seu sofrimento.

“Eu vou cuidar de vocês dois, Ali, fica tranquila.” Paulo ajoelhou em frente à ela, beijando suas mãos e sua barriga. “Vai ficar tudo bem.”

~*~

“Como a Alicia está?” Perguntou Roberto, sentado na mesa de café. Paulo sentou à sua frente, olheiras no rosto.

“Dormiu, finalmente. Mas passou a noite em claro, chorando. Ela dormia e acordava assustando, achando que estava sangrando de novo. Foi um dia muito difícil.” O rapaz narrou a noite mal dormida, enchendo uma xícara de café. “Nós estávamos com tanta raiva, rejeitando o bebê, até sentir como seria perder ele. Nunca mais quero sentir isso de novo.”

“Filho, você sabe que as coisas vão mudar, não é?” Roberto tentava permanecer calmo, sabendo que o filho precisava de um amigo naquele momento.

“A loja está começando a ir bem, pai.”

“E quanto dinheiro por mês vocês tiram dela, Paulo? Pagando as contas e tudo?”

“Uns 400 reais.”

“E isso é só o que vocês vão gastar em fraldas, ou em plano de saúde. Paulo, as coisas não são tão simples, meu filho. Nós não agiremos como a Eloísa e o Eduardo, mas não podemos deixar vocês vivendo as nossas custas para sempre. Vocês vão precisar se casar, vão precisar de uma casa para viver. Pagar contar, comprar comida. E nada disso é possível com R$400.”

“E o que eu faço, pai?”

“Você se lembra da esposa do André? Que é diretora daquela escola particular no centro?”

“A que me ofereceu um emprego?” Paulo sabia o rumo daquela conversa.

“Tem plano de saúde familiar incluso, Paulo, além de filho de professor estudar de graça. Eles têm do ensino infantil ao médio, e um bom nome na preparação de alunos para faculdades. O salário também é bom, provavelmente um dos melhores para professor na cidade.”

“E a loja?” Roberto o encarou com pena, e isso chateou Paulo ainda mais. “Pai, aquele dinheiro que o vovô deixou?”

“Não vai durar para sempre, Paulo.”

“Não é por isso que pergunto, pai. Tem um prédio aqui perto, com vários apartamentos a venda. Acho que esse é o primeiro passo, não é?”

“Eu sei que vai ser difícil amadurecer, Paulo, ainda mais de uma hora para a outra, mas eu tenho certeza que você e a Alicia vão se sair bem, e vão conseguir virar ótimos pais.” Roberto segurou o braço do filho, sorrindo de forma encorajadora.

“Valeu, pai. Eu também espero por isso.”

~*~

“E então, como foi o primeiro dia?” Alicia perguntou para Paulo assim que ele entrou no quarto que dividiam na casa dos Guerra. Aquele havia sido o primeiro dia do namorado como professor.

“Na verdade bastante tranquilo. Foi com uma sala de oitavo ano, e por incrível que pareça, eles são mais maduros.” Ele se deitou ao lado dela, abrindo os botões da camisa. “Mas eu passei a aula toda querendo voltar para casa. E vocês, como estão?”

“Entediados.” Bufou a grávida, encarando a barriga enorme.

Depois do sangramento forte no terceiro mês, o obstetra decretou repouso absoluto. Alicia ainda tentou burlar no início do quarto, mas um mal estar muito forte a fez tomar uma bela bronca de todos, e desde então estava amarrada na cama.

Paulo sorriu para a namorada, se sentando novamente e aproximando o rosto da barriga de seis meses e meio.

“Hey, garotão, sentiu falta do papai hoje, hein?”

“Mas você anda muito meloso, hein, Guerra?”

“Não enche o saco, Gusman.” O homem riu, dando vários beijinhos no topo da barriga da esposa. “Ele precisa de um nome, Ali.”

“Eu sei, mas não consigo escolher um.”

“E quem disse que é para você decidir, criatura? Ele também é filho meu, metade Guerra. Nós vamos escolher juntos.” Avisou Paulo, se ajeitando melhor na cama. “Que tal... Guilherme?”

“Guilherme Gusman Guerra? Acho que o nome dele já vai ter G o bastante, né?” Alicia fez careta, e o rapaz revirou os olhos. “Que tal Samuel?”

“Já logo penso em Samuca e me dá um negócio no estômago, não gostei.”

“Arthur?”

“Alicia, estamos escolhendo o nome do nosso filho, não de um urso de pelúcia. Não é sugerir o primeiro nome que vem na cabeça, precisamos pensar.” Repreendeu Paulo, pegando o celular.

“Bom, eu tinha pensado em Miguel, em homenagem ao pai da Maria Joaquina. Ele sempre deu a maior força para todo mundo, especialmente para nós dois no hospital.” Sugeriu Alicia, a mão passeando pela elevação da barriga.

“Admito que isso também me passou pela cabeça, mas logo depois ela já me desagradou. Não pelo Miguel, ele é gente fina demais, mas porque não parecia o nome certo.”

“E o que você tá olhando aí no celular?”

“Significados de nomes, mas não tá dando aquele tcham.” Explicou Paulo, encarando a barriga dela novamente. “E se... E se a gente deixar ele decidir, Ali?”

“Como assim?” Ela se apoiou nos cotovelos, erguendo o tronco.

“É... Nós vamos falando os nomes e esperamos ele reagir. O que ele reagir mais, escolhemos.” Paulo explicou como se fosse óbvio.

“Paulo, nosso filho ainda é um feto dentro da minha barriga.” Alicia riu alto.

“Mas ele entende o que dizemos, Ali, e nós já provamos isso.” Ela concordou, voltando a se deitar mais confortavelmente. Paulo aproximou novamente o rosto da barriga, falando baixinho. “Hey, carinha. O papai e a mamãe querem te dar um nome, mas precisamos da sua ajuda, ok? Eu vou falar alguns nomes, e a mamãe também. E se você gostar, você dá um chute bem forte.”

“Forte nada, ele está nas minhas costelas. Filho, nada de machucar a mamãe, tá me ouvindo?” Alicia acariciava o lado oposto da barriga, enquanto Paulo ria. “Posso começar? Rafael.”

Nenhuma resposta ou reação.

“Deu para gostar de nome de anjo, hein?” Riu Paulo. “Paulo Junior.”

“Nem vem.” Alicia gritou, irritada. “Meu filho não vai ser Junior, mesmo que ele goste do nome.”

“Fala logo sua sugestão.”

“Marco.” Disse Alicia, e ouve uma leve movimentação. “Ele gostou?”

“Talvez, mas vamos tentar mais alguns. Henrique.”

“João Pedro.”

“Vinicius.”

“Mateus.”

“Vitor.”

“Heitor.”

“Lucas.” Um chute forte veio, assustando os dois. Paulo repetiu o nome mais três vezes, e sempre a mesma reação. “Eu acho que é isso mesmo, Ali.”

“Lucas Gusman Guerra. Eu gosto de como fica.” A mãe sorriu, sentando na cama e encarando a barriga.

“E que tal Alicia Gusman Guerra?” A pergunta de Paulo a deixou surpresa.

“Isso é um pedido de casamento?”

“Você sempre disse que não queria casar, eu sempre disse que não queria saber de garotas. Já quebrei meus votos, nada mais justo que você quebrar o seu também em nome da nossa família.” Ele disse calmamente. “Além do que, nós precisamos ser casados para você ser beneficiária do meu plano de saúde.”

“Nossa, você realmente sabe ser romântico.” Alicia revirou os olhos, mas um sorriso estava no canto de seus lábios. “E qual a ideia, hã?”

“Bom, nosso apartamento estará pronto para ocuparmos daqui três semanas. Damos entrada na documentação amanhã, casamos daqui um mês e nos mudamos para a nossa casa antes do Lucas nascer.” Ele explicou tudo que estava raciocinando havia dias.

“Quando você ficou tão maduro, Paulo?”

“Eu estou bem longe disso, Ali, mas to me esforçando para parecer.” O homem suspirou, segurando o queixo dela e sorrindo. “Mas você ainda não me respondeu, Alicia. Vai quebrar sua regra mais sagrada por mim e pelo Lucas?”

Ela o encarou por alguns segundos, a expressão indecifrável. Por dentro, sentia o mesmo calor gostoso de todas às vezes que ele segurava seu queixo daquela maneira.

“Sim.”

~*~

“Acho que esse cartório nunca viu tanta gente de uma vez.” Maria Joaquina estava abraçada com Cirilo, vendo os amigos que não paravam de chorar. “Mas eu nunca imaginei que a Alicia ia ser a primeira a se casar.”

“Nenhum de nós imaginou, Majo.” Garantiu Marcelina, vendo o irmão e a cunhada se aproximando. “Não. Acredito. Nisso.”

“Alicia Gusman, você está de tênis?” Gritou Valéria, e a noiva riu.

“Uhum. All Star branco, presente do meu futuro maridinho lindo. O dele é preto, olha.” Os dois indicaram os pés. “Eu só não vou entrar de skate porque a barriga não deixa.”

“Admito que eu estava com medo que o Lucas nascesse antes do casamento, sua barriga está baixando muito rápido Alicia.” Observou Lilian.

“Ah, mãe, relaxa. O médico ontem examinou a Ali e disse que nosso moleque só nasce daqui umas semanas.”

“Lucas, o que eles estão fazendo aqui?” Alicia agarrou o braço no noivo, vendo que os pais se aproximavam.

“Alicia, eles são seus pais. Foram injustos e te magoaram, mas ainda são seus pais, te amam, se preocupam com você, e principalmente merecem estar no nosso casamento.” Ele acariciou o rosto dela, vendo-a assentir.

Eloísa e Eduardo pareciam desconfortáveis, um tanto envergonhados. Eles se aproximaram e cumprimentaram todos, parando em frente à filha e o genro.

“Querida, você está linda.” Garantiu a mulher, emocionada. “Nós te ligamos algumas vezes.”

“Eu não queria conversar com vocês.”

“Eu sei. Fomos injustos, tínhamos sido pegos de surpresa.” Eduardo não parecia concordar com o que dizia. “Mas você amadureceu bastante, hã? Lilian e Roberto estavam nos falando. Lucas, não é?”

“É, é sim.” Paulo abraçou Alicia, vendo que ela estava a ponto de chorar. “Todos chegaram já?”

“Todos que haviam confirmado, sim.” Observou Mário, abraçando a namorada. “Prontos para se amarrar?”

“Nunca achei que diria isso, mas estou.” Alicia sorriu, e todos se encaminharam para o interior do cartório.

Não houve firulas, da forma como Alicia e Paulo queriam. Como testemunhas, escolheram Mário e Marcelina para o rapaz e Valéria e Davi para a garota. Seus pais ficaram ao seu lado, Maria Joaquina fotografou tudo (já que eles haviam se recusado a contratar um fotógrafo).

“Bom, todas as assinaturas em ordem. Querem trocar alianças?” Perguntou o oficial de justiça, ao que os dois confirmaram. “Por favor.”

O filho caçula de Helena e René, Gabriel, caminhou poucos passos com os dois anéis em uma almofadinha (coisa inventada pelas meninas na hora).

“Por favor, pelos menos falem alguma coisa.” Implorou Carmen, animada.

“Sim, votos são tão românticos.” Suspirou Laura.

“Tá bom. Paulo, Paulinho, meu amor, xuxu da minha marmita.” Os dois caíram na risada, enquanto os amigos reviravam os olhos. “Eu estou muito feliz que tenhamos quebrado nossas promessas um pelo outro, porque acho que apenas alguém que tem ideias tão fortes quanto as suas pode entender, reconhecer e dar valor a sua atitude. Então, ao início da nossa estranha família.”

Ela colocou o anel no dedo dele e ouviu algumas fungadas espalhadas pela sala. Paulo sorriu, pegando a outra aliança.

“Sempre foi e sempre vai ser você. Desde os meus nove anos até quando eu tiver noventa e tantos, estiver velhinho gagá e sentado em uma cadeira de balanço. Mesmo que de forma entroncada e inesperada, você está me dando um presente maior do que eu jamais esperei, e eu mal posso dizer o quanto eu espero para a nossa maior aventura, que é o Lucas, começar para valer. Porque você e ele são as melhores coisas que eu tenho, e eu nunca vou poder agradecer o bastante. Te amo, sua peste.”

Não era mais segredo que muitas choravam no recinto. A própria Alicia se esforçava para não parecer estar emocionada, mesmo que já houvesse deixado a fama de durona para trás há tempos. Depois de Paulo colocar o anel em seu dedo, ela o segurou pelo queixo.

“Vem aqui.” E lhe deu um selinho. “Também te amo, bobão.”

“Bom, com isso, eu vos declaro marido e mulher. Sr. Guerra, pode beijar a sra. Guerra.” Anunciou o juiz, com um grande sorriso no rosto.

“Com o maior prazer.” Suspirou Paulo, a envolvendo pela cintura e a beijando em meio a gritos de comemoração.

E aquela foi a última vez em muitos anos que toda a turma esteve reunida.

~*~

“Tá doendo, Paulo, tá doendo muito.”

“Calma, Ali, meu pai já está chegando.” Ele avisou, nervoso. “Eu devia ter usado uma parte do dinheiro para comprar um carro.”

“Agora não é hora para pensar nisso, droga.” Xingou a esposa, nervosa. “A bolsa já rompeu, amor.”

“Pelas contrações que você está sentindo, tenho certeza. Desde que horas você está sentindo contrações, Alicia?”

“Eu tive um desconforto por volta as 23h.”

“E agora são 6h da manhã. A cabeça do Lucas já deve estar quase saindo para fora, pelo amor de Deus.”

“Paulo, sossega. Quando a cabeça dele estiver saindo, eu vou sentiiiiiiaaaaaaaaai.”

Estavam na portaria do prédio, já com as malas do hospital, esperando Roberto e Lilian chegarem com o carro. A distância não era longa, mas pelo desespero que os dois encontravam, o tempo parecia se arrastar.

“Chegaram. Graças a Deus.”

“Paulo, quando você virou beata religiosa? Caramba, não para de falar o nome de Deus em vão.” Reclamou Alicia enquanto via o marido pegar as malas, ela tendo que se arrastar sozinha até o carro.

“De quanto tempo estão as contrações, querida?” Perguntou Lilian.

“Cinco minutos, sogrinha. E estão doendo muito. Marcelina, acorda, caramba. Eu preciso entrar no carro.” Ela gritou com a cunhada, que estava apagada no banco traseiro.

“Por que vocês não deixaram ela em casa, pelo amor de Deus.”

“Para de meter Deus em tudo, Paulo.” Gritou Alicia, irritada.

~*~

“Vai, Alicia, mais um empurrão e ele sai. A cabeça já está aqui.” Gritou o médico de um lugar que Alicia não podia (e não queria ver).

“Tá doendo demais, Paulo.” Ela choramingou, exausta.

“Vai, minha linda, só mais um. Mais um e o Lucas chega.” Prometeu o marido, ansioso.

“Então ele que aproveite bem, porque vai acabar o conforto.” Ela decretou, empurrando e soltando um grito que pode ser ouvido de fora do hospital.

“Parabéns, Alicia, é um menino lindo.” Anunciou o médico, colocando o menino direto no peito dela.

O menininho chorava desesperado, enquanto uma enfermeira insistia em limpá-lo com um pano que não devia ser nada macio. Paulo e Alicia choravam copiosamente, de soluçar, vendo o fruto daquele tão louco amor finalmente ali, palpável.

“Ele é lindo, amor.” Sussurrou o pai, a voz totalmente embargada.

“Oi, meu anjinho, oi. Não precisa chorar, calma. A mamãe e o papai estão aqui.” Pediu a mãe, em voz baixa.

Como que para provar o que ela dizia, Paulo envolveu os dois com seus braços, no que seria o primeiro abraço de família deles. E aos poucos, sentindo o calor daquele amor, Lucas começou a se acalmar.

~*~

“Vamos, filhão, você precisa dormir.” Pedia Paulo, exausto.

Aos três meses, Lucas havia começado a apresentar problemas de refluxo, e desde então dormir havia virado uma bela lembrança. Por sorte, era final do ano e Paulo estava de férias. Do contrário, não sabia como daria aula todo dia de manhã.

“Nada ainda, lindo?” Alicia virou na cama, encarando o marido próximo a janela.

“Nada, amor. Mas dorme, daqui a pouco ele vai querer mamar de novo, com ou sem refluxo, e você vai precisar acordar. Eu vou com ele para a sala, tá?”

“Tá, mas me chama se precisar de qualquer coisa.” Resmungou ela, voltando a dormir depressa.

Na sala, Lucas voltou a choramingar irritado, piscando os olhos idênticos aos da mãe para o pai, de forma manhosa.

“Eu sei que está doendo, carinha. Mas o papai não tem o que fazer além de ficar aqui com você, me desculpa.” Pediu com a voz sofrida, beijando a cabecinha do pequeno. “E se eu cantar? Acho que faço isso melhor do que a mamãe, né?”

Ele colocou Lucas na cadeirinha de balanço, tomando o cuidado de deixar a cabecinha mais levantada para casos de vômito. Pegou o velho violão que guardava na sala e começou a dedilhar uma melodia suave.

Cantou uma letra que formou na cabeça na hora, vendo os olhinhos irem se fechando rapidamente. Mesmo após Lucas cair no sono, o pai continuou a cantarolar, entre um bocejo e outro, e antes que percebesse dormia também.

~*~

“Voltar a estudar, Paulo? Não sei.” Alicia respondeu, nervosa.

“Qual é, Ali? O Lucas já está com quase um ano, não precisa mais que você esteja colada nele o tempo inteiro. Eu posso cuidar dele a noite enquanto você está na faculdade. Falta só um ano e meio do curso de engenharia mecânica, certo?”

“Mas eu ainda entro em pânico só com a ideia de me afastar dele, amor.” E apertou o bebezinho gorducho em seus braços como que para provar isso.

“Eu sei, marrenta, mas uma hora você vai precisar sair do ninho.” O marido riu, abraçando os dois.

~*~

“Uhul, viva a mamãe!” Paulo estava sentado com Lucas no colo, o garotinho agora contando quase três anos. A volta deles, toda a família e amigos próximos. Lá na frente, com beca e capelo, recebendo seu diploma de engenheira, uma sorridente Alicia.

“Viva a mamãe!” Lucas começou a pular animado, batendo as mãozinhas.

Alicia virou e procurou o marido e o filho, erguendo o canudo com o diploma para eles, que fizeram coraçõezinhos com as mãos, gritando o nome dela.

“Quem é a mais nova engenheira do pedaço?” Perguntou Alicia, já do lado de fora, se dirigindo até a família.

“Viva a mamãe!” Repetiu Lucas, correndo e se jogando no colo dela, que o ergueu sem esforço. “Tava linda.”

“Obrigada, meu galãzinho lindo.” Ela beijou o rostinho dele, sentindo a cintura ser abraçada pelo marido. “Aprendeu com o melhor, hã?”

“O que se pode fazer?” Perguntou Paulo, lhe dando um selinho. “Parabéns, meu amor.”

“Obrigada, lindo. E obrigada por não ter me deixado desistir.” Ela sorriu emocionada, sendo abraçada com mais força pelos dois.

“Eu preciso tirar uma foto disso, pelo amor de Deus.” Gritou Marcelina, se aproximando com a câmera e tirando dezenas de retratos.

~*~

No banheiro da suíte, Alicia estava sentada na privada. Estava inquieta, nervosa, ansiosa. Repetia a experiência de anos atrás, e o mesmo sentimento da época. Sob a pia, um copinho com xixi e um palitinho enfiado nele.

“Dois minutos, certinho.” Ela olhou o cronômetro do celular, suspirando. “É a hora.”

Na sala, sem saber de nada, Paulo montava prédios de bloquinhos de madeira com Lucas. O menino exibia sua mais nova conquista, contar até dez em inglês, e o papai babava sem parar.

“Mostra para a mamãe, Luquinha. De um a dez.” Pediu ao ver a esposa entrando na sala, e o garotinho sorriu.

One, two, three, four, five, six, seven, eight, nine, ten.” Ele contou com um sorrisinho de poucos dentes, fazendo a mãe sorrir.

“Lindo, meu príncipe.”

“Tá tudo bem, gata? Você está estranha.” Perguntou Paulo, percebendo que algo estava errado. Alicia suspirou, tirando o teste do bolso da calça de moletom que usava e entregando ao marido. “Grávida, Ali? Mas quando?”

“No dia do casamento da sua irmã? Depois de todo aquele champanhe? Você lembrou daquilo?

Paulo suspirou, afundando o rosto nas mãos. Alicia sentou no chão, começando a brincar com o filho, mas sabia o que o marido sentia.

Já era difícil pagar as contas e manter uma casa com o salário do marido mais a pouca coisa que recebia no estágio. Havia saído do mesmo há três meses, quando se formou, e estava para ser efetivado em uma montadora. Agora, com uma nova gravidez, viriam novos custos e um salário a menos.

“Vai dar tudo certo, não é?” Perguntou a morena, sem encarar o marido. Ele ergueu o rosto, vendo-a abraçada com o filho, que havia deitado a cabeça no ombro da mãe.

Paulo estendeu a mão, e Alicia se esgueirou até entrar no abraço do marido. Os dois se abraçara, com Lucas aninhado entre eles dois, brincando com a mão dos pais.

“Não foi o que a gente prometeu no dia da formatura? Que enquanto estivéssemos juntos, tudo iria dar certo. Nós vamos passar por isso juntos, nós quatro, e tudo vai dar certo.” O professor beijou a testa da esposa, tentando tranquilizá-la. “E você, Lucas, o que acha?”

“Acha que, papai?”

“De ter um irmãozinho ou irmãzinha.”

Mãozinho?”

“É, meu anjo. Tem um neném aqui, na barriga da mamãe.” Explicou Alicia, mostrando a barriga ainda lisa. “É o seu irmãozinho.”

“Não, é mãzinha.”

“Você acha que é irmãzinha, filho?” Perguntou Paulo aos risos.

“É, papai. A Isis.”

~*~

“Caraca, ela é muito linda.” Suspirou Paulo, ninando a filha. “Oi, Isis. Oi, minha princesa.”

“Mas é muito babão mesmo, né? Parece aqueles macacos dos programas de TV, que ficam babando nos filhotes.” Riu Alicia, deitada na cama de hospital. “Eu to mais derrubada depois do parto dela do que do Lucas, e ele nasceu cinco centímetros maior.”

“Falando nele, a Marcelina mandou alguma coisa?”

“Disse que estavam chegando aqui no hospital, logo eles devem estar entrando aqui no quarto.” Alicia conferiu o celular, recebendo um aceno afirmativo do marido.

E realmente, logo depois a porta se abriu e o garotinho de quase quatro anos entrou correndo.

“Cadê, mamãe? Cadê ela? Cadê Isis?” Lucas se agarrou na beirada da cama, pulando sem parar. Alicia, Paulo, Marcelina e Mário gargalhavam do pequeno, que de tão ansioso não havia reparado no bebê no colo do pai.

“Tá aqui, filho.” Paulo chamou o garoto, que se virou para ele. Os olhinhos brilharam animados ao ver o embrulho rosa. “Mário, senta ele na cama com a Alicia, por favor.”

A criança foi sentada ao lado da mãe, e fez “perninha-de-índio”. Paulo sentou ao seu lado, enquanto Alicia ajeitava os bracinhos do garoto, aonde o pai depositou a bebê adormecida.

“Parece uma bonequinha.” Observou Lucas, um sorriso brilhando no rostinho. “Parece eu e a mamãe.”

“Pois é, vocês dois saíram iguaizinhos a mamãe, o papai ficou na pior.” Paulo fez um bico falso, enquanto Alicia ria e beijava a bochecha do filho, o abraçando apertado.

“É tão lindo ver isso, sabe?” Fungou Marcelina, que para variar tirava uma centena de fotos. “E pensar que daqui a pouco é a gente, amor.”

“Do que vocês estão falando?” Paulo e Alicia trocaram um olhar cúmplice, um sorrisinho no canto da boca.

“Vocês vão ser titios.” Mário sorriu animado, abraçando a esposa. “A Marce tá grávida.”

“Tá se aproveitando da minha irmãzinha, é?” Paulo brincou, arrancando alguns risos.

“Você acabou de ter o segundo filho, cara, me fala você sobre isso.”

“Hey, psiu. Minha mãzinha quer dormi.” Repreendeu Lucas, fazendo os adultos abafarem o riso.

~*~

“Dois sextos anos, três sétimos, três oitavos e os quatro nonos anos. Eu vou dar aula para doze salas ano que vem.” Paulo massageava as têmporas, cansado. “Duas a mais do que tive nesse ano.”

“E para mim, papai, quando você vai dar aula?” Perguntou Lucas, sentado ao lado do pai fazendo sua lição de casa.

“Vixe, campeão, ainda vai demorar um tempo.” Riu o professor, vendo a esposa vir se aproximando com a filha no colo e o celular na orelha. “Tudo bem, Ali?”

“Segura a Isis aqui, rapidinho.” Ela passou a filha caçula para o marido, saindo andando e falando. “Quando? Sério? E você sabe o que vai acontecer? Tá, fico no aguardo. Obrigada Val. Beijo para vocês também.”

“Era a Valéria?” Perguntou Paulo, vendo a esposa voltar.

“Era. Ela ligou para avisar que a diretora Olívia faleceu ontem à noite, Paulo.” Avisou a mulher, deixando o homem surpreso. “Paulo, eu não sei porque... Mas eu to com a sensação de algo muito grande vai explodir agora.”


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Notas finais do capítulo

Vocês tem noção de que só esse bônus está maior do que a fic inteira até o momento? Espero que tenham gostado de saber um pouco mais sobre a história de Paulicia, e ajude a entender um pouco mais dos conflitos deles.
Qual casal querem o próximo bônus: Mário e Marcelina, Davi e Valéria, Cirilo e Majo, Margaria e Jorge, ou Carmen e Daniel?
Amanhã tem mais um capítulo da fic!
Abraços



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