20 anos depois - A salvação da Escola Mundial escrita por W P Kiria


Capítulo 13
Bônus 2 - Marilina




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Capítulo Bônus 2 – Marilina

“Marce, amor, você está pisando no meu pé.” Riu Mário, vendo a namorada corar.

“Desculpa, valsa não é muito a minha praia.”

“Tudo bem, minha linda, sua beleza compensa sua total inabilidade na dança.” O comentário brincalhão lhe rendeu um tapa. “Marce, nós precisamos falar sobre a mudança.”

“E tem que ser no meio da nossa valsa, Mário?” Ela resmungou, nervosa.

“Eu me mudo para Botucatu em uma semana, linda, já passou da hora para isso.”

“Mário, nós vamos dar um jeito e vamos continuar juntos. Eu estudando em São Paulo e você estudando lá em Botucatu.” Marcelina suspirou, dando um selinho em Mário. “Vai dar tudo certo.”

~*~

“Alô? Oi Marce, tudo bem?” Mário atendeu o celular meio desajeitado, cheio de livros nas mãos.

Oi amor, tá ocupado?” Perguntou a voz do outro lado da linha.

“Cheio de livros nas mãos, nada demais.”

Só queria saber se você volta esse final de semana. Tem aniversário da Majo.” Ao ouvir isso o rapaz estapeou sua testa.

“Caramba, sabia que estava esquecendo alguma coisa. Marce, eu tenho duas provas grandes na segunda, to atolado em estudos. Acho que não é, nem de longe, o melhor momento para ir em uma festa.”

Nunca é.” Ela resmungou do outro lado da linha, fazendo Mário se irritar.

“Desculpa se a faculdade de veterinária é mais difícil e séria do que a de publicidade, Marcelina.”

“Não comece a ofender meu curso, Mário Ayala.”

“Começo sim, Marcelina Guerra, porque eu não aguento mais você dando chilique o tempo todo.” Ele largou os livros, segurando o celular e agarrando os cabelos.

“Chilique? Mário, faz mais de um mês que nós não nos vemos. Acho que eu tenho o direito de estar irritada.”

“Eu estou nas provas finais, pelo amor de Deus. Eu tive trabalhos enormes para entregar, muito conteúdo para estudar. Eu estou vivendo à base de energético, e isso está acabando com o meu fígado. Eu passei três noites vomitando.” Ele estourou, nervoso. Quando parou de falar, ouviu ela fungar do outro lado. “Que droga, Marce...”

“Eu não aguento mais isso, Mário. E não tem nem um ano que você está morando fora, como vão ser os próximos quatro?” Marcelina soluçou, e o rapaz sentiu que os olhos estavam cheios de água. “Eu acho melhor a gente...”

“Não fala isso, amor, por favor.” Ele implorou, sentindo a voz rouca.

“Você sabe que eu quero isso tanto quanto você, Mário, mas nós só estamos sofrendo e nos machucando.” A garota respirou fundo, e um silêncio se fez. “Eu te amo demais, anjo.”

“Eu te amo mais, vida. Fica bem, seja lá como for.”

Você também.” E encerrou a ligação, deixando que Mário começasse a chorar.

~*~

“Dormiu na Ali ontem à noite, é?” Perguntou Marcelina, entrando na cozinha e encontrando o irmão com a roupa do dia anterior.

“Não, só virei porco e resolvi ficar usando a mesma roupa.” Ele retrucou de forma irônica, se repreendendo logo depois. “Desculpa. É, eu dormi na Ali.”

“Hum, e pelo sorrisinho de canto de boca... Rolou aquilo, não é?” A morena sentou ao lado do irmão, vendo o sorriso bobo que ele ostentava.

“É, Marce, seu irmão agora é um homem para valer. E a Alicia uma mulher.” Ele deu de ombros, um pouco envergonhado.

“E como foi?”

“Foi... Especial. É estranho, sabe? Nenhum de nós sabia muito o que fazer, já que era a primeira vez dos dois. Mas foi incrível por ter sido com ela, e eu sei que ela sente a mesma coisa. De algum jeito, eu sempre soube que a minha primeira vez seria com ela, mas nunca consegui imaginar como seria para valer.” Confessou Paulo, bebericando um copo de suco.

“Eu sempre pensei que a minha seria com o Mário.” Marcelina comentou, cruzando os braços e mordendo o lábio inferior.

Paulo suspirou, passando o braço ao redor do ombro da irmã caçula e a puxando para um abraço apertado. Ele secou uma lágrima que escorria pela bochecha dela, beijando o topo de sua cabeça.

“Você sabe que ele ainda te ama, Marce, tanto quanto você ama ele. Na hora certa, vocês vão ficar juntos.” Prometeu o mais velho.

“Paulo, você sabe se ele... Bom, se ele tem visto outras pessoas?” Perguntou a garota, temerosa. O rapaz ponderou se respondia ou não, e achou melhor ser sincero. A irmã merecia isso.

“Ele está saindo com uma menina da sala dele, chama Gabriela. Mas não é nada sério.”

“Você acha errado eu estar com raiva dele?”

“Eu acho que você tem o direito de se chatear, mas raiva não é um bom sentimento, Marce. A vida desencontrou vocês, mas vai reencontrar, tenha certeza. E nesse meio tempo... Bom, você sabe que eu odeio dizer isso, mas você não precisa viver como uma freira. Não significa que você precisa dar para o primeiro que aparecer e nem nada assim, mas acho que você pode abrir seus olhos e coração para ver o que tem em volta, e se divertir um pouco.”

~*~

“Caraca, Alicia, foi uma ideia genial comemorar seus 23 anos em um karaokê.” Comentou Marcelina, enquanto entravam no restaurante escolhido.

“O problema é se ela resolver cantar.” Comentou Paulo, recebendo um beliscão da namorada. “Olha o pessoal ali.”

“Chegou a aniversariante!” Comemoraram Valéria e Maria Joaquina, correndo abraçar a amiga.

“Gente, deixa eu apresentar oficialmente para todo mundo. Esse é o Henrique, meu namorado.” Marcelina apresentou o rapaz ao seu lado, após todos cumprimentarem a aniversariante. Apesar de já estar namorando há quase dois anos, fazia muito tempo que não arranjava tempo para sair com os amigos, graças ao emprego que havia conseguido.

“Prazer.” Davi apertou a mão do recém-chegado, seguido pelos demais.

“Você trabalha na mesma agência que a Marce, é?” Perguntou Jaime, enquanto as meninas se reuniam e começavam a fofocar.

“É, sou designer e ela é do departamento de criação. Trabalhamos bastante juntos.”

“E só o trabalho não contentou ele, sabe?” Comentou Paulo, aquele velho ciúme na voz.

“Ai, amiga, fazia tanto tempo que a gente não se via.” Suspirou Bibi.

“Eu to muito atolada no trabalho, gente, graças a Deus!”

“Qual é, Marce, nem vem. Todo mundo sabe que você estava evitando a gente por causa do Mário.” Rebateu Valéria, revirando os olhos. “E olha que ele nem aparece nos roles.”

“Ah, gente, é complicado. Todo mundo ainda está junto, como estiveram desde o colégio, e eu e o Mário não. E ver vocês me trazem muitas lembranças, sabem?” A jovem publicitária se desculpou, se esforçando para não chorar.

“Você ainda ama muito o Mário, não é?” Perguntou Laura, com uma cara sonhadora. “Isso é tão romântico.”

“O Mário vai ser, sempre, o amor da minha vida. Eu gosto do Henrique, mas não é a mesma coisa.” Explicou Marcelina, se virando e gelando. “O que o Mário está fazendo aqui? E quem é ela?”

“Ai, caramba.” Resmungou Maria Joaquina, vendo o amigo se aproximar de mãos dadas com uma loira.

“Mário.” Alicia o cumprimentou, dividida entre a animação e a preocupação. “Você veio!”

“Dei um jeito de vir para o aniversário da minha marrentinha favorita.” Explicou ele, abraçando a amiga com força. “Essa é a Danielle, minha namorada.”

“Muito prazer.” A loira cumprimentou Alicia, que sorriu amarelo.

Logo todo o grupo foi sendo apresentado a Danielle, que tinha um sorriso mais falso que nota de R$3.

“E esse é... Eu não conheço você, na verdade.” Mário parou em frente ao Henrique, e Marcelina se aproximou.

“Esse é o Henrique, meu namorado.” Um silêncio se seguiu a afirmação, enquanto o ex-casal se encarava. “Como vai, Mário?”

“Bem, Marcelina, e você?” Perguntou ele, sentindo as palmas das mãos suando.

“Ótima.” Ela sorriu e se virou para a loira. “Danielle, não é? Muito prazer.”

“Você é a ex do Mário, não é? Uma gracinha, realmente. Uma cara de criancinha.” A loira comentou venenosa, e Alicia, Valéria e Majo tiveram que ser contidas pelos namorados.

“Bom, que tal pedirmos? Acho que todos estamos com fome.” Comentou Paulo, ansioso para acabar com aquilo. “E eu quero cantar parabéns logo.”

“Por quê? Já faz um mês do aniversário da Alicia para valer.” Riu Adriano. “Demorou para achar uma data que todos pudessem, não?”

“Nem me diga, cara.” Concordou Paulo, vendo o pedido que Alicia digitava no tablet. “Nossa, amor, tá com fome, hein?”

“Não me enche, Guerra.” Rosnou a morena.

“Vai engordar, querida.” Riu Danielle, recebendo uma fuzilada. “Até parece que está grávida, comendo assim.”

“Mário, cala a boca dessa menina antes que a Alicia mate ela.” Implorou Jaime no ouvido do amigo, que parecia mortificado.

“Dani, você não costuma ser assim.” Ele sussurrou no ouvido da namorada, tentando sorrir.

“Você podia ter me avisado que íamos encontrar a sua ex.” Ela devolveu, sorrindo também.

“É aniversário da cunhada dela, nós obviamente a encontraríamos.” Ele piscou, virando-se para os amigos. “E então? Quem vai cantar?”

Duas horas mais tarde, alguns já riam mole graças a cerveja. Daniel e Carmen haviam chegado atrasados por conta da pós-graduação da garota, e agora o casal nerd havia engatado uma conversa animada com Mário, enquanto Danielle estava no banheiro.

“Gente, vamos sortear as duplas no karaokê?” Sugeriu Valéria, bebericando uma batidinha.

“Acho isso de sorteio tão romântico.” Suspirou Laura, apoiada no ombro de Adriano.

“Acho que esses dois vão desencalhar.” Paulo sussurrou para Jaime, que riu.

“Ok, aqui está o nome das meninas, e aqui o dos meninos. Quem sorteia?” Perguntou Alicia, colocando os papeis em dois copos.

“Vai ser em casal?” Perguntou Henrique.

“Claro.”

“E quem decide isso?”

“Eu, Henrique.” Rebateu Alicia, irritada. “Paulo, tira a menina e eu tiro o menino.”

“Marce, eu vou ao banheiro, ok?” Henrique levantou, vendo que Mário o observava. Diante disso, se abaixou e puxou Marcelina pelo pescoço, lhe dando um beijo que chegou até a ser barulhento.

“Filho de uma...” Paulo rosnou em voz baixa, tirando um papel. “Marcelina.”

“Mário.” Alicia mostrou o papel dela, e o ex-casal sorriu amarelo.

“A Danielle não vai se importar?” Perguntou a publicitária, não querendo arranjar encrenca.

“Ela ainda está no banheiro.” Observou Mário, dando de ombros. “Vamos?”

“Claro.”

Os dois se levantaram, seguindo para o palco. Paulo e Alicia deram um “toca-aqui”, enquanto os amigos riam.

“Tinha algum outro nome nos copos?” Perguntou Carmen, pegando outro papel escrito Marcelina.

“Mas é claro que não, minha cara. Foi tudo friamente planejado, incluindo a música que eles irão cantar.” Revelou Alicia, animada.

“Jaime, Dani... Bora segurar aqueles dois no banheiro, para não empatarem nosso plano.” Chamou Paulo, levantando com os amigos. “Ah, que falta aquele sashimi ruivo me faz nessas horas.”

No palquinho, Mário e Marcelina foram informados que a música estava sendo sorteada. Subiram e pararam em frente aos microfones, vendo a letra que aparecia na tela.

“Ah, não.” Murmurou a menina, vendo a letra de “De Janeiro a Janeiro” aparecer junto dos acordes ritmados.

“Quer descer?” Perguntou Mário, a encarando de forma séria. Ela negou, engolindo o choro e respirando fundo, começando a cantar.

Ela cantou as duas primeiras estrofes da música, sentindo o olhar dele queimando seu rosto. Evitou o quanto pôde, mas quando ele começou a cantar junto dela, não conseguiu manter os olhos longe dos dele.

Olhe bem no fundo dos meus olhos

E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar

O universo conspira a nosso favor

A consequência do destino é o amor

Pra sempre vou te amar

 

Mário sorriu, fazendo com que o gesto se refletisse. Ele esticou a mão, que ela segurou hesitante.

Mas talvez você não entenda

Essa coisa de fazer o mundo acreditar

Que meu amor não será passageiro

Te amarei de janeiro a janeiro

Até o mundo acabar

Cantaram o restante da música de mãos dadas, esquecendo que os amigos estavam ali, que os namorados poderiam aparecer a qualquer momento, que teoricamente estavam separados. Só existia eles dois e aquela música.

As palmas os despertaram, e eles viram que todos os ovacionavam. As amigas pulavam na mesa, gritando e aplaudindo sem parar. Em choque, Marcelina soltou a mão do ex-namorado e desceu correndo do palco, enquanto ele a seguia e chamava.

“Marcelina, Marce, volta aqui.” Mário a alcançou quando ele chegava à área de fumantes, segurando seu braço e prensando a menina contra a parede. “Por que está fugindo?”

“Isso é errado, Mário.”

“O quê? A gente ainda se amar?” Ela confirmou. “Marcelina, você sabia, desde o dia em que terminamos, que eu te amava e ia continuar te amando.”

“E eu te amo também. Mas tem o Henrique, e a Danielle, e a distância.” Ela soluçou, nervosa. “Tem tanta coisa contra.”

“E tem uma coisa a favor, que vale mais do que tudo: você é o amor da minha vida, Marce. Nenhuma das que vieram depois conseguiram sequer chegar aos seus pés.” Ele secou as lágrimas dela. “Relacionamentos sem amor podem ser facilmente terminados, sem peso ou conflito. Nós podemos dar um jeito na distância nesse um semestre que falta até eu poder voltar para São Paulo. Se você estiver disposta, nós podemos dar um jeito, eu tenho certeza disso.”

“Você sabe que é o que eu mais quero, anjo.” Ele sorriu ao ouvir o apelido sair da boca dela.

“Então nós vamos conseguir, vida.” Prometeu Mário, fazendo seus lábios afinal se encontrarem.

Quando voltaram para a mesa, algum tempo depois, encontraram todos os amigos sentados, rindo e conversando. Estranharam que Henrique e Danielle não estivessem ali, e perguntaram aos amigos se sabiam dos namorados.

“Eu, o Paulo e o Jaime encontramos os dois aos beijos na porta do banheiro. Desculpa, cara, mas você escolheu uma bela sem vergonha para namorar. O mesmo para tu, Marce.” Contou Daniel, fazendo o queixo do (ex?) casal ir ao chão.

“E o Paulo, claro, deixou o rapaz de olho roxo.” Alicia encarava o namorado irritada.

“Ele tava traindo minha irmã.”

“E você armando plano para ela voltar com o Mário. Podia só dar uns xingos e deixar ele ir embora.” Repreendeu a morena, enchendo a boca de batata frita.

“Plano?” Perguntou Marcelina, observando diversos papeis com seu nome na mesa.

“Francamente, ninguém aqui cresceu?” Riu Mário, abraçando a namorada pelos ombros.

“Reclama não, ô campeão. Graças a gente, vocês dois voltaram.” Lembrou Alicia, rindo.

“Nós não tivemos nada a ver com isso, mas damos total apoio para eles.” Avisou Maria Joaquina, enquanto todos riam. “Vamos cantar parabéns então?”

~*~

Marcelina chegou a sua casa com Mário, os dois um pouco sem jeito. Paulo, simplesmente, a avisou que dormiria na casa de Alicia e que ela podia ficar com Mário em casa, já que os pais de ambos estavam viajando.

Nas palavras do irmão:

“Por mais que eu odeie dizer isso, vocês já protelaram demais. Consuma logo esse amor, maninha, mas se cuida.”

E ela sabia que era o que iria acontecer em poucos minutos. Mário estava no celular com o pai, que lhe prometia que expulsaria Danielle assim que ela acordasse no outro dia. Aparentemente não eram só os amigos que não haviam gostado da namorada de Botucatu.

“Meu pai te mandou um beijo, disse que está com saudades.” Avisou o rapaz, após desligar. Ele recebeu o silêncio como resposta, e procurou Marcelina com os olhos. “Marce?”

Ela estava na entrada do corredor, o vestido preto caído no chão, revelando o corpo branco como porcelana coberto apenas pelas peças íntimas. Em um chamado mudo, ela ergueu a mão para ele, que se aproximou e entrelaçou seus dedos, os dois caminhando em direção ao quarto dela.

~*~

“Você melhorou muito na valsa, sabia?” Perguntou Mário, rodopiando com Marcelina pela pista de dança.

“Meu pai e o Paulo me ajudaram muito nas últimas semanas.” Revelou ela, rindo. “E na minha formatura também. Como eu dancei com eles, eles quiseram preservar os próprios pés.”

“Não acredito que perdi sua formatura.” Se lamentou o novo veterinário, e Marcelina acariciou seu rosto. “Eu to feliz que seu irmão e a Ali conseguiram vir.”

“Eu também. Tava jurando que o Lucas ia nascer semana passada, mas ele segue firme e forte.” Eles observaram o casal na mesa, Alicia com a barriga parecendo prestes a explodir. “Mas acho que ele vai ser aquariano mesmo, não vai dar tempo de virar para peixes.”

“Se ele não nascer até sábado que vem, eu fico realmente surpreso.”

“Mas posso esperar para ser os nossos.” Comentou Marcelina, animada. Mário riu, beijando a ponta do seu nariz.

“Eu também, vida, mas vamos fazer as coisas na ordem certa, ok? Casar, ter uma casa, e depois pensar nos nossos pimpolhos.”

~*~

“Hey, chegaram cedo.” Paulo cumprimentou a irmã e o cunhado ao abrir a porta do apartamento.

“A Marce estava ansiosa para pegar o Lucas.” Explicou Mário, vendo uma pessoa pequena surgir correndo pelo corredor.

Dinda!” Lucas saltou nos braços de Marcelina, e os dois se abraçaram com força. Alicia apareceu no corredor, a aparência cansada.

“Deus abençoe os padrinhos que querem passar o dia com o afilhado.” Comemorou a mãe, e Mário riu.

“Vai curtir o maridão, Alicia?”

“Que nada, irmão, nós vamos curtir é uma boa tarde de sono. O Lucas não para nunca, e quando ele finalmente dorme temos tanta coisa para fazer em casa, que vamos dormir já é de madrugada. Tudo o que queremos hoje é dormir.” Contou Paulo, abraçando a esposa.

“Ah, quão maravilhosa é a vida de casados, não?” Riu Marcelina, colocando o afilhado no chão. “Fala tchau pro papai e para a mamãe, que te traremos de volta amanhã cedo.”

“Thcua, papai, tchau mamãe.” O casal Guerra se abaixou, abraçando o filho e enchendo seu rosto de beijos.

“Se comporte no apartamento do tio Mário, ok?” Pediu Alicia, colocando a mochilinha nas suas costas.

“Nos vemos amanhã no almoço, campeão.” Paulo beijou sua testa, e o garotinho correu para os padrinhos. “Comportem-se na frente do meu filho, por favor.”

“Relaxa, maninho, nós somos muito ajuizados!” Prometeu Marcelina, entrando no elevador com o namorado e o filho. “Muito bem, Luquinhas... Vamos tacar o terror com os padrinhos?”

“Siiiiiiiiim.” Gritou o pequeno.

Da porta do apartamento, o casal Guerra ria.

“O Lucas vai acabar com eles, não vai?” Perguntou Alicia.

“Ele é nosso filho, Ali, nasceu ligado nos 220. Se minha irmã não ligar antes do jantar já fico feliz.” Garantiu Paulo, beijando a cabeça dela. “Que tal um cochilo? Quem sabe mais tarde não temos ânimo para algo mais?”

“Gosto de como você pensa.”

~*~

Como previsto pelos pais, Lucas deu um banho nos tios. Sua animação e energia passava, em muito, a de Mário e Marcelina, que logo estavam resfolegando. Após convencer o tio a levar todos os cachorros da clínica que passeava para uma volta na rua, o que quase acabou com dezenas de peludos correndo para todos os lados, o garoto agora queria brincar.

“Tem um paque de diveião aqui peto, tio, vamo lá!” Gritou o pequeno, pendurado nos ombros de Mário.

“Sua pilha nunca termina, Lucas?” Perguntou Marcelina, tomando o resto da casquinha que o menino havia largado.

“Não, não, não.”

“Agora entendi porque o Paulo e a Alicia concordaram em deixar ele com a gente tão depressa.” Observou o veterinário, rindo. “Que tal irmos no Carrossel, Lucas?”

“Sim, sim, sim!” Gritou o pequeno. “Tomo é a música, tio?”

E foram, os três, cantando a música que o casal e seus amigos haviam criado quando menores.

Já no parque, Lucas logo entrou em um brinquedão só para crianças pequenas. Após a monitora informar os padrinhos de que o tempo de permanência ali era de meia hora, os dois resolveram ir na roda-gigante ao lado. Receberam um pager para contatá-los se necessário, e foram para a pequena fila que ali havia.

Foram colocados em uma cabine roxa, no formato de uma maçã. Marcelina comentava o quão esquisito era aquilo, tão animada que não percebeu Mário trocando algumas palavras com o operador do brinquedo.

“A vista daqui é linda, não?” Perguntou a publicitária, suspirando.

“Eu acho que a minha é mais.” Mário comentou, vendo a namorada corar ao perceber que ele a encarava. “Marce, eu queria conversar uma coisa séria contigo.”

“Você acabou de fazer uma declaração fofa, nem ouse terminar comigo.” Ela apontou um dedo para o nariz dele, que gargalhou.

“Se preciso te lembrar, a ideia brilhante de terminar foi sua.” Ela baixou os olhos, e ele acariciou sua bochecha. “O que eu ia dizer é que... Meu apartamento está muito grande.”

“Como?” Ela arqueou a sobrancelha, confusa.

“É, eu to achando meu apartamento enorme. Preciso de um colega de quarto.”

“Ah, é?”

“É. Tava pensando em uma mulher, cabelos escuros e na altura dos ombros, os olhos mais doces e sonhadores que eu já vi.” Os olhos dela se encheram de lágrimas. “Mas antes eu preciso que ela me responda uma coisa.”

“O quê?” Perguntou a morena, e ele colocou a mão em sua perna. Ela desceu os olhos, encarando uma caixinha com duas alianças ali. “Mário...”

“Casa comigo, Marcelina Guerra?” Pediu ele, a voz entrecortada pela emoção.

“Sim. Sim. Meu Deus, um milhão de vezes SIM.” A mulher gritou, pulando no pescoço do namorado. Na bagunça, a caixinha com as alianças caiu, fazendo os dois rirem.

“Moço, você derrubou isso.” O operador gritou lá de baixo, e o casal riu. “Você pediu para eu segurar vocês aí em cima um pouco... Ainda quer isso?”

“Nos dê uns minutinhos.” Gritou Mário, aninhando Marcelina. “A gente não precisa de alianças para estar noivos.”

“Não. Mas de você se resolver andar por aí sem elas.” Repreendeu a morena, e os dois riram.

~*~

“Alicia, você acredita que eu vou me casar?” Perguntou Marcelina, rodopiando em frente ao espelho.

“Acredito, estou te vendo em um vestido branco que mais parece o da Giselle em Encantada. E para de rodopiar, está me deixando tonta.” Pediu a morena, terminando de arrumar seu vestido.

“Hum, será que vou ter outro sobrinho?”

“Do Divino Espírito Santo, só for. A última vez que eu e seu irmão fizemos alguma coisa... Nossa, não consigo mais nem lembrar quando foi.” Marcelina fez uma expressão enojada diante daquilo.

“Agora eu entendo o porquê do Paulo odiar ouvir falar sobre eu e o Mário. É realmente nojento você saber detalhes das intimidades do seu irmão.” Comentou Marcelina, enquanto Alicia gargalhava.

“Não tem ninguém pelada aqui, certo? Menos se for a Alicia, se for ela eu vou gostar.” Paulo entrou com Lucas no colo. “Ah, Marcelina.”

“Seu irmão vai começar a chorar.” Garantiu Alicia, caminhando até o marido e pegando o filho. “Vou avisar seu pai que você está pronta, Marce.”

A morena saiu do quarto, deixando os irmãos Guerra sozinhos. Marcelina sorriu, emocionada, rodopiando no lugar.

“Então, que tal estou?” Perguntou, e Paulo afundou as mãos nos bolsos.

“Horrível, que nem todas as meninas.” Os dois riram da afirmação, enquanto ele se aproximava. Ele estendeu uma mão, que a noiva segurou. “Você está linda, irmãzinha.”

“Você também está lindo, irmãozão.” Ela o abraçou, escorando a cabeça no seu peito. “Nós crescemos, Paulo.”

“Crescemos, pirralha. Agora temos nossas próprias famílias.” Ele concordou, beijando a testa dela com carinho. “Obrigado por sempre cuidar de mim, mesmo quando eu era um babaca.”

“Obrigada por tudo.” Ela suspirou, tentando não chorar. “Por ser meu irmão.”

“Por ser minha irmã.” Ele concordou, sentindo os olhos molhados. “O Mário tem muita sorte.”

“A Ali e o Lucas também. E nós idem.”

Paulo beijou a testa da irmã de novo, a abraçando apertado. Quando se afastou, ofereceu o braço, que ela aceitou. Logo deixaram o quarto juntos, ele a ajudando a descer as escadas do salão de festas.

“Ah, meus amores.” Lilian se emocionou ao ver os dois filhos descendo as escadas, e Roberto secou os olhos discretamente. “Dois adultos crescidos.”

“Sem choro, mãe, por favor.” Pediu Paulo, quando ela veio abraçá-los. Logo o pai se uniu ao abraço, enquanto os padrinhos desviavam os olhares, emocionados.

“Vocês são a melhor família do mundo.” Prometeu Marcelina, ainda envolvida nos braços dos pais e do irmão. “Paulo?”

“Fala, maninha.”

“Você me leva até o altar junto com o papai?” Pediu ela, os olhos brilhando.

E assim foi feito. Mário observou cada um dos casais de padrinhos entrar, mas se surpreendeu quando viu Alicia entrando acompanhada por Lucas, que sorria todo cheio de si. Quando a amiga passou por ele, apenas deu uma piscadela, indicando o corredor.

E ali estava ela. Paulo de seu lado direito, Roberto de seu lado esquerdo. Os dois homens que a haviam cuidado, protegido e amado até ali, se preparando para entregá-la àquele que cuidaria dela pelo resto de sua vida.

“Cuida bem da minha irmã, cara.” Pediu Paulo, apertando sua mão.

“Faça minha filha feliz.” Pediu o sogro.

Ambos beijaram a testa de Marcelina, que não disfarçava as lágrimas. Mário segurou seu rosto e beijou sua testa longamente, antes de lhe dar o braço e juntos se dirigirem ao padre.

E aquele era o início do seu felizes para sempre.

~*~

“Alicia, sua barriga parece que vai explodir.” Marcelina estava na casa da cunhada, pegando Lucas. “Tem certeza que a Isis não nasce hoje?”

“Sem chances, Marce. Ela não está posicionada, nem nada assim. Antes da cesárea de segunda ela não nasce.” Garantiu Alicia, acariciando a barriga. “Obrigada por ficar com o Lucas, Marce. Nós precisamos deixar tudo em ordem para quando essa ursinha chegar.”

“O prazer é meu, Ali.” A cunhada sorriu, lhe dando um beijo no rosto e levantando do sofá. “Lucas, vem dar um beijo na mamãe e na Isis. Você vai dormir no apartamento da tia Marce e do tio Mário.”

“Tchau, mamãe. Tchau, maninha.” Ele beijou o rosto e a barriga da mãe, logo saindo acompanhado da madrinha.

Já nas ruas, Marcelina viu um estabelecimento do outro lado da rua e seus olhos brilharam.

“Lucas, vem com a tia até a farmácia?” Pediu, já pegando o menino do colo e correndo até a porta do local.

Quando chegou ao apartamento, Lucas correu para o quarto de hóspedes, onde ficavam seus brinquedos na casa dos padrinhos. Marcelina conferiu se ele estava bem, antes de se trancar em seu banheiro.

Mário chegou não muito depois, com a roupa da clínica. Havia feito plantão naquele sábado, e agora estava moído. Só o que queria era cair na cama e hibernar, mas o afilhado ficaria com eles naquele final de semana e isso significava muito pique.

Não que ligasse, adorava a energia que a casa tinha quando Lucas ia visitá-los. Era como se a casa ganhasse vida, algo que não tinha apenas com ele e Marcelina ali. Nem mesmo o cachorro trazia a vivacidade que o menino conseguia.

“Hey, campeão.” O veterinário colocou a cabeça para dentro da porta, admirando o pequeno. “Cadê a tia Marce?”

“No quato, tio. Eu to bincando.” O garotinho mal tirou os olhos de seus bonecos para responder.

O dono da casa seguiu até seus aposentos, encontrando o lugar vazio mas com a porta do banheiro fechada. Bateu algumas vezes, não obtendo resposta.

“Marce? Vida, cheguei.” Ele avisou, caindo sentado na cama e começando a tirar a parte de cima da roupa de trabalho. “Hoje tive um parto de uma cadelinha. Nasceram oito filhotes, acredita? Quase mandei uma foto para a Ali, zoando que até a cachorra pari e ela não.”

“Anjo...” Marcelina abriu a porta do banheiro, um sorriso enorme no rosto. “Anjo, anjo, anjo.”

“Marcelina, tá tudo bem?” Perguntou Mário preocupado, vendo que apesar do sorriso, os olhos dela estavam rasos de água.

“Mário, eu... Eu...” Ela soluçou, tremendo. “Eu to grávida, amor.”

“Grá-grávida?” Ele gaguejou, os olhos se arregalando de uma forma engraçada. Marcelina riu, voltando-se para a pia. De lá, ela tirou vários testes de farmácia, todos com um resultado positivo. “Ai meu Deus, você tá grávida!”

“Eu sei, amor, sou eu quem estou.” Ela riu, enquanto o marido a pegava pela cintura e começava a rodar pelo banheiro. “Mário, para que eu vou vomitar!”

“Como você desconfiou, vida?” Perguntou o rapaz, a colocando de volta no chão.

“Eu estou atrasada há quase três semanas. Mas não fiz a ligação até hoje de manhã, quando enjoei com o cheiro do seu perfume. E enquanto eu conversava com a Alicia hoje, encaixou tudo.” Ela sorriu, abraçando o marido com mais força. “Mário, você consegue acreditar? Nós vamos ter um bebê.”

“Vamos, vida, nós vamos ter um bebê.” Ele sorriu, a beijando de forma apaixonada. “Eu amo tanto vocês.”

“E nós te amamos também.”

~*~

“Muito bem... Estão ansiosos?” Perguntou a médica, observando o casal a sua frente.

“Contei os dias desde a última ultra. Espero que possamos descobrir se é ele ou ela.” Confirmou Marcelina, animada.

“Ok, o gel é gelado. E vamos lá...” A médica começou o exame, observando a tela. “Ah, aqui está esse bebezinho. Dez dedinhos no pé, dez dedinhos na mão. E aqui... Ah, olha só! O que estão vendo aqui?”

“Se isso é um pipi, eu não consigo ver.” Mário forçou os olhos, aproximando o rosto do monitor.

“Claro que não vai conseguir, porque não tem um pipi aqui, papai. Digam olá para a sua menininha.” Comemorou a médica, e o casal sorriu com os olhos cheios de lágrimas.

“Nossa princesinha, anjo.” Marcelina puxou o rosto do marido, lhe dando um beijo.

“E vocês já tem um nome?” Perguntou a médica, ainda analisando o exame.

“Olívia, o nome da nossa filha vai ser Olívia.” Contou Mário, feliz.

~*~

“Hey, como estamos?” Alicia e Paulo entraram no quarto de hospital, encontrando Marcelina no meio de uma contração. “Em um momento não agradável, pelo visto. Isso dói, me lembro bem.”

“Ela já tomou anestesia, mas ainda está com muita dor. A dilatação está ótima e o intervalo das contrações também. A plantonista não sabe o que está acontecendo, mandou chamar a médica da Marce.” Explicou Mário, nervoso. “Eu to preocupado, Alicia.”

“Calma, irmão, vai ficar tudo bem.” Prometeu Paulo, apertando o ombro do amigo em sinal de apoio e indo até a irmã caçula. “Como você está, pirralha?”

“Paulo, isso dói. Demais, demais mesmo.” Marcelina choramingou, segurando a mão do mais velho.

“Vai passar logo, Marce. Daqui a pouco você só vai sentir o alívio de ver sua garotinha.” Prometeu o irmão, se levantando. “Mário, vem aqui fora comigo.”

Assim que deixaram o quarto, a máscara de tranquilidade de Paulo se esvaiu.

“Não era para ela estar assim.”

“Eu sei que não. Eu sou veterinário, mas as coisas são bem parecidas entre animais e humanos. Isso que a Marce está sentindo não é normal de um parto. Eu to preocupado, cara.”

“E cadê a médica?”

“Eu estou aqui. Você deve ser o irmão da Marcelina, certo?”

“Paulo Guerra.” O professor se apresentou para a médica. “Tem algo errado, não tem?”

“A plantonista me chamou por isso. Mário, a bebê está sentada.” Explicou a médica, surpreendo os dois homens.

“Então vamos precisar fazer uma cesárea?”

“Receio que não será possível. A Marcelina já está totalmente dilatada, e com contrações muito fortes. Até aprontarmos a cesárea, a bebê pode já estar saindo. Isso teria que ter sido feito há duas horas atrás.” Explicou a médica, um pouco irritada. “Odeio internos.”

“Mas o parto assim não é arriscado?” Perguntou Paulo, nervoso.

“Sim, bastante. Por sorte, a Marcelina preenche todos os pré-requisitos, como uma boa dilatação e boas contrações. Mas ainda é arriscado.” A médica não escondeu sua preocupação. “Você vai precisar preencher alguns termos e...”

“Gente, a Marce não está bem.” Alicia apareceu afoita, bastante assustada. “Ela precisa empurrar.”

“Parto de emergência no quarto 17.” Gritou a médica, entrando e puxando os homens. “Fiquem por perto, ela vai precisar de vocês.”

“Doutora, está doendo. Doendo muito. Eu preciso empurrar.” Gritou Marcelina, arfando. “Mário, fica comigo.”

“Calma, vida, eu to aqui.” Prometeu o marido, parando ao lado dela. Paulo assumiu o outro lado, com Alicia ao seu lado. “Nós estamos com você, ok?”

“Marcelina, preste atenção em mim, ok?” Pediu a médica, e a grávida concordou. “A Olívia está invertida, ela está sentada. Eu vou precisar fazer algumas manobras para passar ela, e isso vai doer muito. Eu vou precisar que você seja muito, muito forte, está bem?”

“OK, eu consigo.” Garantiu a morena, não tão certa disso.

O lugar logo se encheu de enfermeiras, além de obstetra plantonista e uma dupla de pediatras. Realmente o trabalho de parto foi difícil, exigiu manobras invasivas, e causou muita dor.

Alicia não tardou a começar a chorar, não suportando ver a amiga passar por aquela situação. Mário e Paulo seguravam e apoiavam a parturiente, os dois chorando em silêncio diante daquilo. Marcelina delirava e queimava em febre, e logo um clínico geral estava ali a acompanhando.

“Sousa, o bebê tem que sair.” Avisou o clínico para a médica, que concordou.

“Marcelina, eu vou precisar ser mais invasiva ainda.” Ela explicou nervosa, detalhando rapidamente o procedimento que teria que fazer. Em suma, ela precisaria enfiar a mão para puxar o bebê. “Vai doer mais do que já está doendo, eu sinto muito.”

“Tira ela daqui, doutora, tira a minha filha, pelo amor de Deus.” Implorou a baixinha, chorando alto. “Mário...”

“Calma, vida, vai dar tudo certo. Nossa filha vai ficar bem, se acalma.” Mário se esforçava para que ela não visse suas lágrimas.

“Mário, Paulo, vocês vão precisar segurar o corpo dela, com força. Alicia, ajuda a enfermeira a segurar uma perna dela, por favor.” Pediu a obstetra, ansiosa. “Pronta, Marcelina?”

“Pronta.” Concordou a mulher, sentindo o marido e o irmão apertando seu tronco com força.

A dor que sentiu no momento seguinte foi maior do que qualquer coisa que poderia imaginar. Era possível ouvir seus gritos de fora do hospital, tinha certeza disso, mas não se importava. Alicia, Paulo e Mário soluçavam de ouvi-la, e ela se sentia mal por isso, mas não podia evitar. Nunca havia sentido tamanha dor.

“Empurra, Marcelina, empurra.” Mandou a médica, o rosto pingando suor.

Tirando forças de lugares que mal imaginava, ela empurrou mais uma vez. E outra. E de novo. A médica avisou que o bumbum já havia saído, e que precisariam fazer a cabeça passar. Empurrou, mas não foi o bastante. Pegaram o bisturi e fizeram uma incisão, pedindo que ela empurrasse novamente. Em meio a tanta dor, não sabia mais o que sentia.

“Pronto, pronto... Ela nasceu.” Comemorou a médica, sorrindo aliviada. A pediatra se aproximou e começou a trabalhar, logo sendo possível ouvir o chorinho de Olívia.

“Nasceu, Marce... Nossa filha nasceu, você conseguiu.” Comemorou Mário, mas ela não ouvia direito.

Logo, tudo ficou escuro.

~*~

A primeira coisa que Marcelina sentiu ao abrir os olhos foi dor. Muita dor. Dor em tudo, em todo o corpo, em cada um de seus nervos. Isso para não falar entre suas pernas, que não podiam ser fechadas sem ela soltar um gemido alto.

“Finalmente acordou.” Ela ouviu alguém ao seu lado e se virou, encontrando Paulo ali. “Você está apagada há quatro dias, direto.”

“Quatro dias?” Ela gemeu, surpresa. Ele se levantou, indo ajudá-la. “E você está aqui desde então?”

“Não consegui ir embora, me dava medo deixar você. A Alicia está com as crianças, e pediu para eu ficar aqui. Se ela pudesse, estaria aqui também.” Explicou ele, a ajudando a se ajeitar no travesseiro.

“E o Mário?” Ela perguntou, estranhando a ausência do marido.

“Se reveza entre seu quarto e o berçário. A Olívia mama de duas em duas horas, então ele vai lá e cuida dela. Tá se saindo um ótimo pai.” Contou o amigo orgulhoso.

“Eu to sentindo muita dor.” Reclamou Marcelina, querendo chorar.

“Você passou por uma situação difícil, Marce, vai sentir muita dor por um tempo.” Explicou Paulo, angustiado. “Você precisou de vários pontos, então é bom não andar por mais alguns dias.”

“Cadê a mamãe e o papai?”

“Presos no Canadá ainda. A tempestade de neve não permite que nenhum avião levante voo, e eles não tem outra alternativa para vir embora. Mas ligam várias vezes por dia para saber de você.” Paulo acariciava o cabelo da irmã, que apenas concordou com a cabeça. “Eu sei que você não pode sair daqui, mas eu posso pedir para a enfermeira e trazemos a Olívia aqui, para você ver sua filha. Que tal?”

“Não.” Ela respondeu, seca e direta. “Espera eu estar melhor, pode ser?”

“Claro, maninha, você é quem sabe. Eu vou ficar aqui com você.” Prometeu o irmão, tornando a se sentar e segurando a mão dela, que não tardou a adormecer de novo.

~*~

Sentado na poltrona do quarto, Mário observava Marcelina adormecida. Já fazia um dia que ela havia acordado e conversado com Paulo, mas a médica explicou que isso poderia ser efeito colateral dos remédios para a dor que estavam ministrando, que não eram poucos.

Um chorinho o assustou.

“Hey, gatinha. Calma, o papai está aqui. Já vou dar sua mamadeira.” Ele apanhou o frasco ao seu lado, começando a alimentar a filha.

Olívia já havia recebido alta, tendo cinco dias e uma saúde de ferro. Como a médica estimava que Marcelina ainda ficaria ali por uma semana, não havia o porquê manter a bebê ali também, considerando que a mãe estava bastante debilitada.

“Mário?” A voz de Marcelina surgiu, o fazendo sorrir. Ele levantou devagar e com cuidado, encontrando os olhos da esposa. “Quando tempo eu dormi?”

“Desde que o Paulo saiu daqui? Um dia. Desde que esse pacotinho de amor chegou? Cinco dias.” Ele explicou com um sorriso animado, e os olhos da mulher desceram para a filha. “Ela é linda, não é?”

Marcelina ficou observando o rostinho da menina por alguns minutos, antes de virar o rosto para o lado e fechar os olhos. Mário estranhou a atitude, até perceber que a mulher havia começado a chorar.

“Vida, o que...”

“Tira ela daqui.”

“O quê?”

“Tira ela daqui, Mário, agora.” A mulher gritou, e ele observou uma poça de sangue se formando no lençol. Gritou pela enfermeira, que entrou depressa e o empurrou para fora do quarto, enquanto Olívia começava a chorar alto, tão desesperada quanto o pai.

~*~

“Depressão pós-parto?” Perguntou Lilian, surpresa. “Tem certeza, doutora?”

“Sra. Guerra, sua filha passou por uma situação horrivelmente traumática. Não só para ela, mas para todos que presenciaram.” Explicou a médica, e Mário, Paulo e Alicia concordaram em silêncio. “Ela teve que tomar muitos remédios que a deixaram desorientada, está com muita dor, bastante confusa. Nesse caso, a depressão é, além de esperada, compreensível. Deve passar em breve, com a ajuda de um psicólogo será ainda melhor.”

“Ela está rejeitando a Olívia, doutora. Ela não pega nossa filha no colo sob hipótese nenhuma.” Mário massageou as têmporas, cansado.

“Ela ainda não amamentou a bebê?”

“Não, nenhuma vez. Quem está amamentando a Olívia algumas vezes por dia, como a enfermeira recomendou, é a Alicia.” Ele indicou a cunhada, que estava encolhida.

“A Isis tem quantos meses?”

“Oito e meio, já começou a diminuir o número de meses que mama por dia, então eu amamento a Olívia nos intervalos, para ela não ficar só na base da fórmula.” Explicou a morena, envergonhada.

“Sorte da Olívia de ter você.” Concordou a médica, sorrindo. “Agora é torcermos para isso passar bem rápido.”

~*~

Mas não passou. Cinco meses voaram e Marcelina continuava na mesma. Ia ao terapeuta duas vezes na semana, havia voltado a conversar normalmente com as pessoas, mas se recusava a se aproximar da filha.

“Eu me sinto horrível.” Ela declarou ao terapeuta, que a observava em silêncio. “Eu ouço a Olívia chorar e eu sei que deveria ir cuidar dela, que ela precisa de mim. Mas... Eu não consigo. Eu não consigo cuidar da minha filha. Eu só lembro da dor, do desespero para ela nascer, e não consigo. Dói demais.”

“Marcelina, nós já conversamos sobre isso diversas vezes, e não vamos a lugar nenhum. Acho que precisamos de algo mais invasivo.” Ao ouvir aquela palavra, seu corpo travou. “Medicação.”

“Remédios? Tipo, de louco?” Ela perguntou, ressabiada.

“Tipo, de alguém que passou por um trauma. Para ajudar você a lidar com o pânico e a ansiedade.” Explicou o terapeuta, escrevendo uma receita. “Vão fazer os sentimentos ruins sumirem, e você vai conseguir cuidar da Olívia.”

~*~

“Mário, ela está chorando tem duas horas.” Marcelina estava sentada na cama, abraçada com os joelhos. Andando pelo quarto, Mário tentava acalmar Olívia, que chorava nervosamente.

“Ela está com cólica, Marcelina, a fórmula teve uma reação inesperada, o pediatra vai ter que receitar outra. O leite da Alicia secou porque a Isis parou de mamar de vez, então eu não tenho para onde correr.” Ele não queria culpar ou acusar a esposa, mas era difícil no meio da madrugada, cansado como estava.

Marcelina suspirou, coçando os olhos. Abriu a gaveta ao lado da cama e pegou o frasquinho de vidro que estava ali, pegando dois comprimidos e jogando na boca, virando um gole de água depois. Mário a observou em silêncio, sem saber o que aquilo significava.

Depois de alguns minutos respirando profundamente, Marcelina abriu os olhos e se levantou da cama. Caminhou até o marido e estendeu os braços, puxando a filha dele, que aceitou de forma surpresa. Um pouco desajeitada, arrumou a menina contra seu peito, de forma a ouvir as batidas de seu coração.

“Marce, o quê?” Mário caminhou até o criado-mudo, pegando o frasquinho. “O terapeuta te medicou?”

“Mário, eu to conseguindo segurar ela.” Ele esqueceu o que dizia ao se deparar com a cena que tanto havia sonhado nos últimos meses, que era sua filha dormindo nos braços da mãe. “E ela parou de chorar.”

“É porque ela queria você, vida, ela só queria a mãe dela.” Ele deixou o frasquinho de lado, sorrindo emocionado.

Talvez as coisas estivessem começando a se ajeitar.

~*~

Mas não se ajeitaram. A princípio, o remédio fez efeito perfeitamente e Marcelina conseguiu começar a agir como mãe, cuidar da filha e ser presente. Porém, com o tempo, ela passou a se irritar em ter que estar sempre medicada e resolvia ficar alguns dias sem tomar.

Nessas horas, ficava irritadiça e ausente, não conseguia sequer segurar Olívia no colo e estava sempre brigando por Mário. Foi em um desses dias que receberam a ligação sobre a morte da diretora Olívia.

“Eu nunca tinha percebido que nossa filha tinha o mesmo nome da nossa antiga diretora.” Comentou Mário, chateado.

“Deve ser por isso que não nos deixa em paz.” Rosnou Marcelina, encolhida no sofá. O marido suspirou, observando a filha no berço.

“Marce... Que tal tomar o remédio hoje? Eu preciso ir trabalhar, amor.” Pediu Mário, ajoelhando à sua frente.

“Eu não quero mais ter que tomar o remédio, Mário, eu cansei disso.” Ela reclamou, chorosa.

“Eu sei, vida... Mas você já está melhorando, logo não vai mais precisar dele. Mas hoje, eu realmente preciso da sua ajuda. Pode ser?” Ela concordou com a cabeça, pegando o frasquinho. Mário sorriu, lhe dando um beijo na testa. “Eu to com o sentimento que essa notícia vai mudar muita coisa, Marce. A diretora Olívia vai balançar nossa vida uma última vez.”


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Notas finais do capítulo

Hey, estou apaixonada por esse capítulo! Ficou sensacional! Ameei escrever sobre Marilina, e espero que gostem! Digam o que acharam, ok?
Até mais!



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