Darkness escrita por Cárla


Capítulo 5
Capítulo V (Jessica: para me impulsionar a razão)


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥
Obrigada a todos que comentaram ♥



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Edward era um bom amigo, meu melhor amigo para falar a verdade. Divertimo-nos por toda aquela manhã, comemos, bebemos, brincamos, conversamos, interagimos. A final de contas, ele era praticamente uma replica minha em personalidade. Minha antiga personalidade, para falar a verdade. Desabafando, posso revelar que com Edward, pude sentir aquele restinho de Bella retornando a vida, uma pequena parte daquela menininha sonhadora estava saltitando dentro de mim. Era muito bom poder sentir alguma coisa novamente. Pela primeira vez em nove anos, pude sorrir como se a vida fosse bela.

Tudo se tornava belo quando eu estava com ele. Pode soar infantil e exagerado, mas essa era a verdade.

O pequeno relógio fixado na parede daquela enorme sala branca marcava 16h45min. O tempo passava muito rápido quando havia a companhia de Edward, depressa até demais. Após fitarmos o aparelho temporal, ele olhou para mim e eu olhei para ele, era o momento certo para pararmos com aquela nostalgia infantil. Não tínhamos mais idade para ficar brincando de pega-pega, sendo que nem havia alguma maneira de ele me pegar, de qualquer forma. Aquela cadeira de rodas era realmente inútil.

—Confesse que você só ganhou porque não posso andar. – Disse com o único fio de voz que ainda tinha. Por mais que Edward não pudesse correr, toda aquela agitação havia cansado o pobre rapaz, este que não aparentava ter uma saúde muito forte.

—Hey, a enfermeira te ajudou a correr! Ela foi muito gentil. – Retruquei. Minha voz também estava fraca, havia corrido como nunca antes. Talvez eu e Edward fôssemos mesmo malucos, dois loucos que ainda brincavam como crianças.

—Ajudou? Percebeu a cara dela de quem não estava gostando? Devíamos ter brincado de algo que não use as pernas. – Resmungou. Edward aparentava estar muito frustrado pelo mau uso de suas pernas, mas em seu interior, ele explodia em felicidade, assim como eu.

—Estamos na beira do precipício e você reclamando da cara emburrada da enfermeira? O importante é que nos divertimos, afinal. – Desabafei. Minhas pernas tremiam de cansaço, para que não desmaiasse ali mesmo, resolvi me sentar em um dos poucos sofás velhos que descansavam no canto da sala.

—Eu não estou na beira do precipício. É um pouco legal não andar. Recebo comida na boca e posso ficar deitado lendo meus livros sem ter alguém reclamando sobre mim. – Disse. Sua voz saiu um pouco estranha, algo como se ele estivesse tentando ser brincalhão, mas com um pouco de medo, ou angustia.

—Não fala assim. Deve ser horrível não poder ir aos lugares, não poder ser independente. Afinal, você terá que depender de alguém para fazer as coisas por você. – Expressei. Depois de ter perdido meus pais e ter sido obrigada a depender de meus tios, cheguei à conclusão de que dependência é como estar acorrentado, podem fazer o que quiser com você, pois acham que são seus donos. Pelo menos minha vida foi assim, estando acorrentada no sentido literal, e sendo obrigada a fazer tudo o que eles desejavam.

—Bella, saiba que você é especial. Apenas te digo isso. Você tem poderes inimagináveis ai dentro, não se abale por causa de um passado ruim. – Articulou. Mais uma vez desviou do meu assunto. Algo me dizia que Edward possuía alguns segredos, e eu, como legítima curiosa, iria arrancar todo aquele ar misterioso dele. Apesar da minha indignação, não pude deixar de me emocionar com seus dizeres. Há tempos não escuto algo tão bonito, tão intenso. Realmente ele podia ler a minha alma, de alguma maneira.

Senti vontade de abraçá-lo, mas me segurei. Apesar de aparentar que nos conhecemos há anos, ainda erámos apenas amigos de um dia. Além disso, contato corporal me causava certa repulsa. Talvez o motivo disso fosse os frequentes estupros. Eu realmente não conseguia me entender, e se eu não me entendo, quem me compreenderia? Por mais absurdo que possa soar, Edward aparentava conhecer mais de mim do que eu entendia da minha própria pessoa.

Edward e eu ficamos conversando por alguns minutos, até que então, pela primeira vez naquele dia, alguém resolveu interagir conosco. A figura era loira, com uma estatura baixa, e apesar de estar em um sanatório, vestia-se como quem iria participar de um desfile. Os cabelos estavam em um penteado exótico, mas apesar disso, ela aparentava ter algum transtorno, pois se movimentava bruscamente e não conseguia se manter quieta, sempre buscando fazer alguma pose ou tentando se insinuar.

—Olá. Sou a Jessica, mas me chamam de linda. O apelido combina comigo, né? – A garota insinuante disse. Sua voz soava um tanto irritante e estridente. Era uma típica adolescente narcisista do século XX, o que havia de errado nisso? O problema era quando esse narcisismo poderia se tornar um transtorno, o que parecia ser o caso dela.

Apesar de estarmos eu e Edward juntos, a garota aparentava estar enxergando apenas a mim, o que me encheu de estranheza e dúvidas. Talvez fosse apenas coincidência.

Após sentar-se evasivamente ao meu lado, decidi respondê-la para que não fosse obrigada a olhá-la por toda a noite. Por incrível que pareça, aquela garota parecia adorar que as pessoas fitassem seu corpo.

—Oi. – Respondi, mas apenas para ser educada. Escondi-me por trás de minha máscara fria, agora eu estava sem expressão novamente.

—Aí, como chegou aqui? – Indagou. A voz alterava entre o rouco e o agudo, dando a impressão de que ela estava forçando um tom mais fino.

—Meus tios me deixaram aqui. – Ela aparentou ficar irritadiça com a minha resposta. O que ela esperava? Apesar de deixar claro que tem alguns problemas, ela é uma das mais normais daquele sanatório, perdendo apenas para o Edward. Eu mesma já me considerava um caso perdido, enxergar criaturas negras não podia ser considerado algo normal. Lembrando-me delas, só então pude notar que não as vi pelo resto daquele dia, talvez a felicidade momentânea estivesse interrompendo minha comunicação direta com aquelas figuras.

—Nossa, como você é magra! Mas eu te entendo querida, manter um corpo escultural como o meu é algo complicado. – Expressou. Seus olhos me fitavam com curiosidade e, pela maneira como ela piscava freneticamente, já era possível formular uma certeza quanto à sua enfermidade. Jessica era narcisista, levando consigo um transtorno de ansiedade de brinde.

A forma como ela se movimentava era tão frenética, que algumas vezes tive que desviar para que Jessica não acertasse o meu rosto com uma cotovelada. Mexer os braços parecia ser um ritual inseparável de sua personalidade ansiosa. Mas no fundo, eu conseguia enxergar seus mais profundos problemas. Ela não tinha culpa de ser assim, não cabia a mim julgá-la, bastava apenas escutar o que Jessica tinha a dizer, isso aliviava um pouco da tensão que ela aparentava ser obrigada a carregar.

—Você é linda, não se preocupe. – Disse. Apesar de querer me livrar daquele ser espalhafatoso, causar um pouco de alívio para a sua pessoa não me custava nada. Após ter elogiado Jessica, pude perceber um brilho diferente em seus olhos. Apesar disso, ela não demonstrou e apenas fez-se de rogada, distorcendo sua expressão para uma mais arrogante, assumindo que havia gostado do elogio, que se sentia superior por isso.

Vez ou outra eu olhava para Edward. Ele continuava no mesmo lugar, apenas assistindo. Talvez Jessica fosse preconceituosa, e ao ver um possível paraplégico, sentiu asco em cumprimentá-lo, isso explicaria o porquê de ela estar ignorando meu amigo.

—Esse lugar é chato! Não tem nada para fazer, não tem um cabeleireiro para me arrumar, é péssimo! Os enfermeiros são péssimos para me arrumar, se não fosse as roupas que meus pais trazem para mim, eu estaria usando essa coisa azul aí que todo mundo usa. – Desabafou. Certamente ela estava falando daquela grande “camisola” azul que todos os pacientes usavam. Jessica era diferenciada, pois como eu tinha analisado antes, suas roupas lembravam aquelas vestidas por modelos famosas. Uma narcisista nunca se sujeitaria às condições precárias do sanatório.

—Desculpe se for rude da minha parte, mas... Seus pais te largaram aqui? – Perguntei como quem não queria nada. Havia estranhado o fato de que seus pais, depois de ter internado Jessica, ainda se preocupavam em trazer roupas limpas para que ela pudesse se vestir do bom e do melhor.

—Pois é, fofa! Eles são uns ingratos, eu sou uma filha maravilhosa! A filha mais linda, charmosa, elegante, inteligente, exuberante, tudo! – Dialogou. Ela não parou com os adjetivos narcisistas tão cedo, para falar a verdade, eles duraram em média alguns minutos torturantes. Apesar de estar querendo ganhar uma melhor amiga há muito tempo, ainda tinha que ponderar se compensava escolhê-la como a primeira, provavelmente eu não aguentaria seus ataques de histeria por muito tempo.

Mas, no fundo, eu sabia que nada disso era culpa dela. Ser histérica e ansiosa não aparentava ser algo que ela é em sua essência, e sim uma personalidade que foi fruto de algum trauma, que consequentemente gerou esse transtorno.

—Aí, adoro quando aqueles bobões ficam me olhando, olha lá! – Exclamou. Jessica apontava para um grupo de garotos novos, provavelmente que ainda estavam entrando na puberdade, estes fitavam descaradamente o corpo dela. Tão novos, e já estavam encarando uma cela. Por mais que o objetivo daquele sanatório fosse ajudar as pessoas, eu ainda duvidava se no fundo isso era cumprido. Estávamos em uma enorme prisão branca, tendo que cumprir uma pena por um crime que muitas vezes era inocente. Não havíamos escolhido adoecer, e pagávamos por isso.

Um dos garotos aparentava possuir Síndrome de Down, seu rosto o denunciava. Quanto aos outros, não pude identificar exatamente qual era a enfermidade. Seja qual for ela, para mim era apenas um estado físico, muitas vezes psíquico. Odiava que as pessoas tratassem quem possuía uma enfermidade como diferente, como estranho. Causava-me asco em excesso e fazia-me sentir toda a pelagem do meu corpo eriçar como sinal de raiva.

Poder sentir novamente era algo bom, e ao mesmo tempo ruim. Eu até possuía uma alma sensível, mas não com a mesma intensidade de agora. Era como se Edward houvesse jogado um pozinho mágico em mim, tornando-me humana novamente. Algum dia eu teria coragem de chamá-lo de fadinha, seria um apelido amigável.

Foi quando notei que ele não estava mais ao meu lado, acompanhando-me e escutando juntamente a mim o tagarelar daquela garota narcisista. Havia me deixado sozinha com Jessica, e com toda certeza me pagaria por isso depois.

Por alguns minutos fiquei em pleno estado de transe. Estava alheia a tudo que acontecia em minha volta, apenas ouvia vozes estridentes rompendo meus tímpanos, uma presença embaçada adjacente a mim, enquanto apenas imaginava um mundo perfeito, onde eu poderia viver minhas loucuras sem ser julgada. Um lugar só meu, onde todos fossem meus amigos, onde todos gostavam de mim, onde todos os tipos de guloseimas estivessem livres para que eu pudesse devorar, um mundo onde eu não fui estuprada, onde a minha família ainda estava viva.

Há muito tempo não tinha esses devaneios sonhadores. Aquilo existia apenas em meu cérebro, era meu mundo particular, onde reinava a paz, onde sobrepunha o amor, a felicidade. Mas, claro, eu tinha plena consciência de que aquilo era apenas fantasia, não existia uma felicidade real.

Há muito tempo fui uma enorme fã de filósofos pessimistas. Não gostava de chamá-los assim, por mais que sua filosofia fosse deveras melancólica. A verdade era que: como chamar algo de pessimista, se era apenas a realidade do mundo?

Como existe amor, se a mesma mão que me afaga, um dia me apedreja? Meus tios são a prova viva disso. Não sei o que exatamente fez com que eles se tornassem verdadeiros psicopatas gananciosos, mas eu nunca iria perdoá-los, isso não cabia a mim.

Minha pessoa não era capaz de confiar em alguém, não mais. Cheguei à conclusão de que todos são ruins, por mais que por um momento demonstrem a sabedoria e a generosidade, todos são humanos fracos. Eles erram, eles ferem, eles derrotam, menosprezam, excluem. Essa é a natureza de quem foi feito com falhas e defeitos. Somos manipuláveis, crescemos entre feras, sentindo consequentemente a vontade de ser uma.

Não me sentia superior às outras pessoas, apenas acreditava que criei um escudo envolto de mim. Não podia me tornar uma fera, não permitiria que me tornasse um ser como eles, como meus tios. Foi por causa desse pensamento que cheguei à conclusão de que não compensaria me vingar, isso apenas me tornaria semelhante a quem tanto me feriu, a quem tanto me destruiu. Não era moral agir pelo impulso.

Por mais que pensasse assim, eu sabia que um dia falharia miseravelmente.

E isso me frustrava.

Foi então que voltei à realidade e notei que a garota que ainda estava adjacente a mim, chorava em desespero. Implorava desesperadamente por minha atenção imediata.

—Todos devem me amar! Eu quero ser amada, eu exijo! – Desabou. As lágrimas escorriam como cascatas de seus olhos. Por um momento, senti-me magoada comigo mesma por não ter prestado atenção na alma atormentada que pedia por minha ajuda. Mas, como eu poderia ajudar, se minha alma também escorria para dentro de um precipício?

Sem saber o que fazer, apenas abracei a garota, tomando cuidado para que Jessica não furasse meus olhos com um golpe desesperado de suas unhas.

O tempo havia passado rápido. Já era de madrugada, e sequer percebi o relógio passar das dez.

O que mais me preocupou foi a ausência repentina de Edward.

Deixar-me sozinha com uma garota no ápice de uma crise, não era nada amigável.

Cabia a mim esconder a minha dor, como sempre fiz. Assim poderia cuidar do sofrimento de outra pessoa. Não me custava nada, afinal. Ao contemplar Jessica daquela maneira, lembrei-me da pequena criança desolada que já tinha sido um dia, assim cheguei à conclusão de que tudo que ela mais queria naquele momento, era um ombro amigo. Eu nunca iria recusar algo que eu implorei no passado, não faria com Jessica a mesma coisa que a minha família havia feito comigo.

Por mais egoísta que fosse, eu sentia, bem no fundo do meu ser, um crescente sentimento de abandono. Para mim, minha família havia me deixado sem ao menos me dizer um adeus, e isso me magoava profundamente.

Como havia analisado antes, ser capaz de sentir novamente tinha seu lado bom e ruim. Esse era o motivo pelo qual preferia continuar com uma essência gélida e inexpressiva, pelo menos meu ódio era retido e meus sentimentos egoístas não se deixavam transparecer.

Culpar minha família não me ajudaria a superar toda aquela dor.

Mas, se não existia o amor, o que eles sentiam por mim?

A vida me parecia apenas um pequeno inferno pessoal, onde as pessoas amavam umas às outras por causa de um fundo de interesses. “Você me faz feliz, por isso te amo”,“ Você é bom em tal coisa, por isso te amo”, “ Cuidamos um do outro, por isso te amo”. Nunca ouvira tais frases direcionadas a mim, mas quando escutava meus tios confessarem um ao outro que se amavam, tudo que podia sentir era uma profunda repulsa, já não era mais uma criança inocente, sabia que o dinheiro influenciava aquelas declarações falsas. Sim, eu ouvira todas elas sendo gesticuladas pelos dois. Talvez por isso, eu não acreditava no amor.

Alguns poetas e filósofos até me influenciaram, mas muitas coisas eu comprovava por mim mesma. Será que eu amava mesmo a minha família? Se amava, então por que era capaz de me sentir angustiada quando pensava que eles haviam me abandonado? Por que esses pensamentos egoístas povoavam a minha mente? Além disso, por que a dor da perda já havia sumido? Restando apenas o sentimento de abandono, de injustiça? Quem eu estava me tornando?

Talvez eu fosse mesmo uma louca.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo ♥ !!!!!!



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