Darkness escrita por Cárla


Capítulo 3
Capítulo III (Falsa liberdade)


Notas iniciais do capítulo

Olá *-*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700073/chapter/3

NOVE ANOS DEPOIS

        10h45min

Nove anos haviam se passado. Nove anos sendo torturada. Nove anos sendo violentada. Nove anos chorando em desespero sem que houvesse alguém para me socorrer. Meus sentidos estavam cada vez mais sensíveis, assim eu conseguia conversar melhor com aquelas criaturas negras, que sempre apareciam em meus sonhos ou quando eu estivesse em perigo. Mas algo ainda mais sinistro estava começando a acontecer, às vezes eu podia jurar que via corpos mutilados no chão, porém quando relatava aos meus tios, eles apenas me chamavam de louca e ameaçavam me castigar. Mesmo que machucasse, uma punição não me assombrava mais tanto assim, com o tempo, tornei-me uma adolescente incapaz de sentir qualquer dor que seja, não esboçando reação alguma quando era torturada.

        Meus sentimentos também haviam ido embora. Eu era incapaz de amar, de sentir felicidade, ou até tristeza, por um lado não sentir emoções ruins era um beneficio, mas por outro lado deixar de ter sentimentos bons era ainda pior. Eu havia me tornado uma estátua que só saia da cama com ordens de meus tios, não levantada nem para comer ou tomar banho, há anos minha vida tornou-se depressivamente monótona.

        Como se já não estivesse ruim, meus tios ameaçaram de me internar em um sanatório caso eu continuasse com a velha história de que as criaturas negras iriam me ajudar em uma vingança. Todas as minhas tentativas de fuga e defesa eram falhas, fui pega centenas de vezes na tentativa de pular o grande muro da casa, até que aquele demônio resolveu colocar um cão enorme para ficar rondando o jardim, impossibilitando até a mera tentativa de fugir.

        Eu já havia me tornado uma adolescente, apesar de já me sentir uma desde o momento em que tive minha felicidade roubada cruelmente de mim. Desde aquele momento, minha infância e minha inocência já haviam ido embora, iniciei uma fase madura bem mais cedo do que muitas meninas. No fundo, eu sentia inveja delas, pelo menos muitas não foram violentadas e não eram órfãs, e isso desperta em mim um egoísmo, sendo que eu faria de tudo para trocar minha vida com elas, sem me importar com o sofrimento que iriam passar nas mãos dos meus tios. Eu apenas queria a liberdade, poder sair dali sem rumo, mesmo que me tornasse apenas mais uma moradora de rua comendo pão velho achado em qualquer lixeira. Meu estado era crítico, e eu daria de tudo para retornar a ser feliz, mesmo que perdesse minha casa e toda a fortuna que minha família deixara nas mãos daqueles demônios.

—Jacob? Cadê você?

        Há nove anos não vejo mais o meu cãozinho. Eles realmente sumiram com ele, talvez mataram o pobrezinho ou levaram para algum centro de zoonose para que outras pessoas sujassem as mãos por eles. O único sentimento que me restara: a saudade. Mesmo não tendo convivido muito com o meu cãozinho, sentia muita falta dele, como se fosse um velho amigo inseparável que perdi nas mãos do destino, ou melhor, nas mãos daqueles demônios que estragaram um futuro prospero que estaria por vir.

        Mesmo com todas as evidências, ainda havia uma pontinha de esperança para mim. Quem sabe eles não cansariam da minha presença caso eu começasse a provocar freneticamente? Era uma boa ideia. Pensando nisso, levantei-me da cama com dificuldades, de tanto ficar deitada como estátua, meus músculos estavam atrofiados e eu acabei me tornando uma sedentária, mas havia uma razão, quem em sã consciência sairia de um quarto com aqueles demônios vigiando e querendo punir com um mero movimento reprovado?

        Para minha sorte ou talvez azar, logo que abri a porta dei de cara com meu tio, este com sua expressão repugnante de sempre. Coloquei meu plano em ação.

        —Hey, as criaturas negras irão te pegar caso não sair da minha frente agora! – Ousei. Ou ele iria me castigar, ou reclamaria para aquela traíra da minha tia, e eu torcia para que fosse a segunda opção.

        —Ora, tá querendo mandar em mim? Ainda vendo coisas mocinha? Pois bem, eu e sua tia andamos conversando sobre isso. Venha cá! – Seu tom reproduzia tudo o que eu mais temia. Por um momento, senti meu corpo arrepiar como se eu fosse passar por uns maus tempos.

        Ele me puxava pelo pulso com um aperto férreo, sem chances de escapatória. Ao identificar minha tia ao pé da escada com uma coleira em mãos, senti-me estremecer e rezei para todos os anjos dos céus para que me ajudassem. Era questão de vida ou morte, ou talvez não fosse tão grave assim, por que estava me alarmando tanto? Poderia ser apenas outra tortura, e eu já não sentia mais a mesma dor de antes. Por um momento deixei um suspiro aliviado escapar, imaginando que era algo simples. Aqueles dois não tinham criatividade para tortura, apenas me estupravam para me castigar, flagelar ou mutilar nunca fora o forte deles. Ou talvez eu havia perdido a sensibilidade e não sentia mais dor? Isso é bom e ao mesmo tempo sinistro.

        —Garota, vamos te levar para um lugar legal – Seu tom era autoritário e demonstrava que naquele ponto eu não tinha esperança de escapatória.

—Um lugar onde criaturinhas doentes como você são tratadas com muito amor – Minha tia completou. Mais cínica impossível.

Não debati, não reclamei, não impedi. Ela apenas me prendeu na coleira para garantir que eu não fugisse, mas naquele ponto não havia como, mesmo que tentasse, minhas pernas estavam muito fracas para uma corrida. Puxando fortemente a guia da coleira, levaram-me para fora de casa. Há quanto tempo eu havia ficado no escuro? Nove anos... Nove anos sem ao menos ver a luz do sol, e agora não consigo nem olhar para o céu sem sentir meus olhos arderem, aquela era a sensação de liberdade? O vento erguia a barra do meu vestido e beijava meu rosto de maneira leve e serena. Fazia tanto tempo que eu não sentia aquelas sensações, que tive a impressão de que nunca as senti. Mas minha leve alegria fora interrompida em questão de segundos, quando me empurraram para dentro de um carro preto, um dos únicos modelos que existiam naquela época.

—Onde é aquele lugar, querido?

—O sanatório é o único da cidade, querida. Como pôde esquecer-se da localização? – Ele estava levemente irritado.

—Ok – Finalizou como quem estivesse lembrando-se de algo vago na memória.

Após vagarmos sem rumo na pequena cidade por até horas, finalmente a cabeça dura da minha tia conseguiu achar o tal local. Eu não havia o conhecimento de saber o que era um sanatório, então não me desesperei. Aquela grande estrutura branca e bem arrumada parecia convidativa, como um bom hospital. O que me aliviava era saber que me livraria dos estupros.

Por mais que houvesse pessoas vagando pelo local, eles não se preocupavam em continuar me puxando pela coleira como um cachorro sem dono, tratando-me como louca e gritando frases de ordem e que não faziam o menor sentido para mim.

—Muito bem mocinha! Nem pense em comer pedra como uma louca, aqui é lugar de respeito! – Bradava meu tio, ameaçando me dar um murro a qualquer momento.

—Nem pense também em fazer ratos mortos como seus amiguinhos, aqui não é lugar disso! – Minha tia ajudava. Parecia que eles estavam tentando convencer a todos que eu era mesmo uma louca.

O que me restava era ficar quieta. Quando estávamos a uma distância mínima do lugar, uma mulher vestida de branco veio para nos “ajudar”, aparentando ser alguma enfermeira.

—Olá senhores, posso ajudar a carregar a paciente? – Perguntava educadamente, levando um sorriso forçado em sua face. Sua expressão era de cansaço e pelo que aparentava ela passava por maus bocados naquele lugar.

—Claro, diga para algum médico desse troço dar um jeito nessa daí. Algum dia eu passo aqui e dou alguma quantia, ok? Sou muito rico e quero essa criatura bem longe da nossa família – Ordenou. De alguma maneira até a própria enfermeira sentia medo do meu tio, sem conseguir ao menos encará-lo sem desviar o olhar.

—Ok – A enfermeira apenas concordou. Pegou-me pela guia da coleira e me levou para dentro. Senti-me alegre por um momento, pois agora estava livre de ser violentada.

Os dois foram embora sem ao menos olharem para trás.

—O que você tem mocinha? – Uma recepcionista me perguntou. Pelo menos ela estava bem arrumada e não aparentava passar por uns maus bocados naquele lugar. Em seu crachá, um nome com uma bela caligrafia repousava, “Alice Cullen”.

—Eu não sei, apenas vejo algumas coisas – Confessei. De qualquer maneira, não iria entrar em detalhes.

—Pode soltar ela da coleira, Rosalie – A recepcionista parecia estar se direcionando para a mulher que me acompanhava - Ela não é nenhum perigo aqui.

—Vou levar ela para o doutor – Disse. Ela olhava atentamente para mim com medo de que eu escapasse.

A recepcionista apenas acenou e fui levada pelo pulso. Uma grande grade separava a recepção do resto daquele “hospital”, e posso confessar que aquilo me deu alguns arrepios. Com uma chave mestra, a enfermeira abriu aquela grade e tomou muito cuidado para que ninguém escapasse, visto que alguns pacientes andavam livremente pelo corredor, ocasionando-me mais e mais arrepios. Eu olhava atentamente aquele grande corredor, vendo algumas pessoas aparentemente lúcidas, com exceção de alguns que conversavam com a parede e outros que lambiam o chão.

—O que houve com eles? – Perguntei aparentemente assustada.

—Você irá ficar assim caso não tome seus remédios – Respondeu simplesmente, deixando uma grande confusão minha para trás.

O corredor era recheado de portas. Logo ao fundo dele havia uma maior, representando que a partir dali estava outras áreas daquele hospital. Imaginei que naquele corredor estavam apenas alguns pacientes, isso logo se confirmou quando a enfermeira abriu aquela porta maior e ordenou que eu a seguisse rapidamente, sem que alguém escapasse.

Logo avistei uma área maior, com um refeitório, mais quartos, e um segurança que ficava ali para que tudo se mantivesse em ordem. Entramos em uma porta diferenciada e escura, que mantinha uma placa em cima da mesma com a escrita “Ala médica”.

Meu estômago embrulhou logo que entramos, quando pude perceber que havia um sujeito gordo e mal vestido sentado em uma grande poltrona, fumando charutos e com algumas garrafas de bebida alcóolica em sua mesa. Aquele ser podia ser tudo, menos um médico. Seu crachá estava jogado no chão, e perto dele havia alguns respingos de café. Aparentemente seu nome era Dr Carlisle Cullen, como dizia o objeto.

Ao lado dele, percebi também uma das criaturas negras sorrindo para mim, com aquelas presas afiadas e sujas de sangue. Se eu estivesse entendendo bem a mensagem, aquele sujeito estava com seus dias contados.

—Ora, uma mocinha? Sente-se meu bem, irei orientá-la melhor sobre meu sanatório – Aquele ser repugnante mostrava seus dentes amarelos enquanto dizia.

Antes de obedecê-lo, aquela criatura negra que estava ao seu lado espalhou-se pelas paredes daquela sala, logo escurecendo tudo ao redor. Mas apenas eu conseguia ver aquilo. Tentei raciocinar e entender o porquê de aquilo estar acontecendo, mas antes mesmo de eu conseguir me mover, senti uma escuridão e adormeci, podendo sentir a enfermeira me segurar antes de vir à inconsciência.

Aquela não era a liberdade que eu esperava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Algum comentariozinho para me agradar ? :(



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Darkness" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.