Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 92
XCII


Notas iniciais do capítulo

08/04/2020
Galera, agradeço por terem aguardado. Sei que deve ter sido frustrante esperar por capítulos novos logo agora na reta final da fic. Acho que cabe aqui não apenas um sincero pedido de desculpas, mas também uma série de justificativas para entenderem o porque esse capítulo demorou tanto pra sair:
*Estudos para o vestibular;
*Rotina dividida entre trabalho e estudos (pq fui aprovada na facul, yaay);
*Fui demitida depois;
*E no geral tenho dificuldades em conciliar horários.
Enfim, aqui vai um novo capítulo. Para relembrar onde estamos, Wanda teve seu ~momemto com Bucky, mas voltou para a casa de Agatha Harkness para resgatar sua tia, Natalya, e derrotar o demônio Chthon.
"Vazios" jamais será abandonada!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/697672/chapter/92

 

A casa e a loja de Agatha Harkness cheiravam permanentemente à ervas. Wanda adorava. O perfume de incenso foi a primeira coisa que sentiu quando voltou para lá, se teletransportando direto para a cozinha de sua mestra.

Bem vinda de volta, bruxinha.

A velha disse, casualmente preparando um chá para si mesma. Ofereceu-lhe uma piscadela e aproveitou para servir uma segunda xícara. A Feiticeira tirou o casaco, o apoiou no encosto do banco e depois se sentou de frente à bancada, agradando o gato que pulou no assento ao seu lado. Havia um sorriso sincero em seu rosto. Continuou em silêncio enquanto observava-a mexer fogão, as vestes roxas muito longas e trêmulas ao apagar a chama que esquentara a chaleira com apenas um simples gesto. A voz da anciã preencheu a quietude:

— Sabe, é incomum bruxas aparecerem no lar de outras bruxas sem ser pela porta da frente. Mas você também não é uma bruxa comum... Não é mesmo, senhorita Wanda Maximoff?

— É, eu acho que não.

Agatha parou o que estava fazendo e ficou de frente para sua aprendiz, as rugas de seu rosto torcidas numa expressão incerta. Orgulho, humor, deboche uma pitada de repreensão. As duas tomaram um gole longo de chá de hibisco, em seguida a mestra bateu levemente a ponta do dedo indicador sobre o baralho de tarot, que sempre ficava à beira da bancada de pedra.

— Que tal carta pra ver o que o futuro reserva? Será bom um guia para ver o que passaremos nesta semana.

Wanda soltou um arquejo falso para depois reclamar:

— Já voltamos ao trabalho?

— Mas é claro! — Ergueu a sobrancelha. — E acho que você já descansou bem, correto?

O riso dela a denunciou mais do que gostaria de admitir. Esperava que o rubor não tingisse muito sua pele. Engoliu seco, agradou a cabeça felpuda de Ebony e afinal inspirou fundo, sua mão esquerda sobre o baralho. Não tinha a mesma habilidade de Remy LeBeau em embaralhar e cortar as cartas, mas - em sua própria defesa - ele não conseguia ler o futuro nelas. Ou ao menos ela achava que não.

— Que tal três cartas? — O bichano balançou a cauda de forma distraída, embora seus olhos amarelos estivessem focados nas mãos magras da jovem. — Parece um bom número.

— Acho que toda feiticeira deve confiar em gatos pretos. Além disso, você já meu dicas de tarot antes... Veremos três cartas, então.

Wanda cortou o baralho novamente e fez três pilhas. Tirar cartas antes e durante o café da manhã era um hábito corriqueiro na casa de Agatha Harkness, uma coisa que fazia parte da rotina tanto quanto preparar chá todos os dias, portanto não houve tanta cerimônia para desvirar cada uma delas. Mesmo que fosse uma espécie de chá da tarde, o gesto da jovem foi despreocupado:

O Mago.

O diabo.

Os Enamorados.

— Oh. — Wanda franziu a testa. — Essas duas primeiras são reincidentes.

— É, — Ebony pulou na bancada e apontou para a última com uma bela ilustração: Duas silhuetas humanas, uma vermelha e a outra preta. Acima deles, asas douradas enfeitavam o céu, como se um anjo sem rosto os observasse entre as nuvens. — Mas “Os Enamorados” nessa tiragem? Eu entenderia “A Estrela”, até mesmo “ A Torre”. Não gosto disso. Não gosto nada disso.

— Hã… Explicações, Agatha?

A velha suspirou, apoiada com as duas mãos sobre a superfície. Também não parecia exatamente feliz. Wanda, por sua vez, não compreendia o motivo de tanta frustração. Para ela, a carta remetia apenas à um casal, ainda mais pelo seu nome: “Os enamorados”. Era estranho que aparecesse naquela tiragem, já que não tinha exatamente pensado em relacionamentos, mas não conseguia achar a situação tão grave assim.

Mas talvez estivesse apenas apaixonada e ainda muito imersa em memórias relacionadas a James Barnes.

Tentou se focar mais uma vez no momento presente, escutando o que a mestra tinha a dizer:

— Em face do que vamos enfrentar, querida… A combinação pode ser boa ou muito ruim. — Ela pegou a primeira carta,  “O Mago”, o brilho dourado do desenho refletido pela luz. Mais uma vez a jovem contemplava a figura de trajes pesados e salpicados por estrelas. —

Lembra-se do que concluiu a primeira vez que tirou “O Mago” e “O diabo”?

— Sim... — Tentou se recordar das palavras exatas. — Que eu tenho o necessário para enfrentar a negatividade. “O diabo” fala sobre o que é vil e atraente, sedutor. “O Mago” é o potencial de transformar as coisas, vencê-las. Agora, “os Enamorados”...

— Indicam uma escolha.

A última palavra, dita por Ebony, deixou o ambiente pesado. Alguns segundos se passaram antes de Agatha quebrar tal duro silêncio:

— Independente de onde formos agora… Não será nada fácil.

— E quando foi? Não vou cometer a besteira de achar que não posso ser… surpreendida. Mas não estou tremendo. — Wanda disse, simples e verdadeira, e a franqueza de sua própria constatação a atingiu com força, evocando memórias sobre seus antigos medos: O que podia fazer, o pavor que as pessoas tinham dela. Em um flash, lembrou-se de Visão e do que ele tinha dito meses antes. Ela soltou um suspiro. É claro que ainda havia receio de pôr tudo a perder, mas… Ela estava fortalecida. Apenas embaralhou de novo as cartas, colocando-as no lugar. — Como começamos?

Agatha pareceu satisfeita com aquelas palavras e deu de ombros:

— Pelo o que temos.

O gato soltou uma tosse fingida, sua cauda agitada.

— Que é quase nada.

— Temos um nome. Já é algo.

A jovem não deu muita atenção às faíscas que saíam no diálogo entre Ebony e sua dona. Preferiu somente invocar seu livro de capa roxa, um presente da mestra. Abriu-o em páginas novas e o apoiou na bancada, ao lado de sua xícara de chá. Com telecinese, trouxe uma caneta para si.

— Vamos anotar o que sabemos da situação.

Antes de ser invocada para Genosha, por falta de termo melhor, mestra e aprendiz seguiam pela Travessia da Bruxa para desvendar mais detalhes sobre o desaparecimento de Natalya Maximoff e como tirá-la de lá.
Wanda achava que iriam continuar de onde pararam e, ao contrário do que o felino havia debochado, não era do zero. Bom, não exatamente. Remoendo as últimas experiências com Agatha, a Feiticeira Escarlate escreveu em tópicos o que sabiam até o momento:


“Natalya não é um fantasma, apenas uma alma solta entre o plano terreno e astral. Resgatá-la não causará um paradoxo no tempo.”


“Ela está presa num feitiço de repetição criado por ela própria. Não consegue escapar, mas a entidade também não - embora se torne gradativamente mais forte.”


“Para chegar até ambos, a Travessia da Bruxa não servirá. É necessário ir até a Montanha Wundagore e, segundo Natalya, um sacrifício será feito. É preciso abandonar algo ao entrar e ao sair.”


E, como se já não fosse difícil o suficiente…


“Há um deus amorfo, antigo e cruel para matar.”

 

Wanda engoliu seco, batendo a ponta da caneta na beirada do caderno.

— Então... Como a gente vai fazer isso?

— Vamos para minha sala. — Agatha suspirou. — Não é todo dia que se planeja matar um deus e não quero fazer isso na cozinha.

A mestra gesticulou um movimento simples no ar, de modo que no segundo seguinte as duas e o gato estavam na sala particular de Agatha Harkness, onde existiam almofadas no chão e todas as paredes eram recobertas por espelhos redondos. Nenhum deles reclamou da mudança de cenário repentina ou o teletransporte não solicitado, pois já estavam acostumados com a dinâmica da casa da bruxa.Ambas se sentaram para poder meditar melhor sobre o assunto.

— Infelizmente, Ebony está certo. — O gato miou em protesto, mas sua dona não lhe deu atenção e continuou falando. — Nós temos pouca coisa, querida. Quase nada. Mas... Um nome já é um começo e podemos nos preparar bem. Matar uma entidade é algo traiçoeiro e, não duvidando de suas capacidades, não sei se conseguiremos de fato. Adormecê-lo é uma saída.

Wanda ergueu uma sobrancelha, nada convencida.

— Minha tia disse que essa entidade deseja meu corpo. Adormecê-lo só vai prorrogar o problema.

— Podemos adormecê-lo por um bom tempo.

Lançou um olhar irritado para o bichano, ainda mais quando notou que Agatha falava sério sobre apenas adormecer Chthon. A Feiticeira levava a opinião dela sempre em seu coração, pois era sua mestra e era deveras mais experiente, e de fato ela não tinha outras ideias no momento. No entanto, algo dentro de si lhe avisava que faria diferente.

— Eu vou concordar com isso, por ora.

— Bom. — A outra se mostrou satisfeita com a resposta. — Natalya pede urgência, mas não seremos incautas. Temos muitas pesquisas a fazer, lugares pra visitar e pessoas que podem nos falar um pouco mais do que sabemos.

Wanda tentou não ficar muito animada, mas era interessante a ideia de viajar com Agatha, que conhecia tantas coisas diferentes.

— Alguém em particular?

— Uma aliada minha se foi há certo tempo. Eu sabia do nome dela enquanto a maioria só a chamava por "Anciã". Não conheço tanto do trabalho de seu sucessor, mas o lugar onde ele foi treinado é bom começo para investigarmos.

— E seria...?

Os gestos das mãos da bruxa foram graciosos e expansivos, chamando a névoa do incenso para criar uma ilusão. A fumaça circundou a feiticeira e parou entre ela e sua mestra, montando uma paisagem bela, distante de todos os lugares que Wanda tinha visitado. A arquitetura denunciava algo mais ao Leste, mais próximo ao Oriente.

— Katmandu, mais especificamente um lugar chamado Kamar-Taj. — Explicou, a ilusão de brumas nítida ao mostrar a capital do Nepal - o que confirmava as suspeitas de Wanda sobre o local ficar no Oriente. Ela passou a anotar certos detalhes no próprio grimório, que permanecia aberto sobre seu colo. — Minha amiga guardava um bestiário extenso lá, então poderemos conferir se existem menções à Chthon. O lugar adorável nessa época do ano, mas detesto os anéis que usam para abrir portais.

— Eu percebi.

Wanda sorriu. Não era a primeira vez que Agatha mencionava os anéis e em todas as ocasiões destilava desprezo contra tais itens. Surpreendia, porém, saber de uma amiga que a mestra que nunca mencionou e a Feiticeira entendia aquele olhar, aquele tom de voz. Era luto por uma pessoa muito querida.

— Não pretendo fazer alarde. Esses feiticeiros são um tanto quanto... rigorosos. — Agatha massageou as próprias têmporas, sua expressão cansada e olhos fechados. A ilusão se desfez de uma única vez, a névoa dissipando-se no ambiente iluminado por velas. — Não mencione o nome da entidade sob hipótese alguma. Não quero ninguém se intrometendo nesse questão.

— Agatha, por que acha que revelaria o nome de um deus sombrio para quem mal conheço? Nunca ouvi falar no Kamar-Taj, não sei ninguém que more...Ou estude lá.

— Não estava falando com você, querida. Estava alertando Ebony.

Ei!

— Bom... — Wanda encarou as próprias palavras no livro, depois voltou-se à Agatha. — Acho que poderíamos falar com um clã rom, o mesmo que conversei há alguns meses. Me indicaram sua loja. Uma Phuri Daj sabia sobre Natalya. Podem revelar outros detalhes sobre a Montanha em si.

— Boa ideia. Bestiário para entender a criatura, roms para a Montanha.

— Vocês esqueceram de investigar nos planos astrais. — Ebony chegou mais perto. — Sempre surge algo diferente e sempre alguém sabe de alguma coisa.

— E algum espírito pode só querer brincar conosco. — A idosa tocou no nariz dele com a ponta do dedo, o que o felino recuar, ultrajado por ser tratado como um filhote. — Não tenho tempo para validar a veracidade de coisas tão graves no pêndulo. Sem falar que não quero outros sabendo disso. Não sabemos se chegará até ele essa informação.

— Mas vocês precisam de proteção! A Montanha tem criaturas horrendas, Wanda viu. Eu levaria algo a mais se fossem vocês, algo melhor e mais barato do que balas de prata. Não quero dever ao Âmbar.

— De fato. — Wanda se recordou dos monstros de sombras com fileiras e fileiras de dentes pontiagudos e a sensação da mordida de um deles. Se Ebony não tivesse aparecido com Âmbar, Ameena e Bucky… A viagem da Feiticeira Escarlate teria sido muito mais breve. No entanto, por mais que a memória despertasse emoções negativas, Wanda sentiu um estalo em sua cabeça. Seus olhos relampejaram vermelhos com o brilho de uma ideia absurda. — Acho que já sei como resolver a parte da proteção… Mas não será nada fácil.

— É melhor nos apressarmos, então. — Agatha não discutiu, o que daria mais tempo de Wanda preparar um discurso mais convincente. Pura sorte. — Vou comunicar minha ida ao templo, depois localizamos o clã. Clã, proteção extra, depois Kamar-Taj, o que acha?

Wanda largou a caneta no livro e ergueu as palmas das mãos, num gesto de rendição.

— Você é a mais experiente aqui.

— Gosto cada vez mais de você, querida.

Ebony entrou no meio delas, peitoral estufado e orgulhoso.

— Eu disse que ela era boa, Agatha.

— Experiência. — A mestra apontou para si própria, depois indicou Wanda. — Poder. E… — Olhou para o gato. — Apoio moral. É o que temos para matar um deus.

Wanda deu de ombros.

— Terá que ser suficiente.

Agatha a encarou com carinho.

— Ah, Wanda… Vai ser.

* * *

A parte de investigação em papeladas era sempre demorada. Era algo chamado de “serviço de escritório” dentre os Vingadores, coisa que costumava ser feita por agentes internos - a maioria integrante da antiga SHIELD - e depois por somente Steve, Sam, Nat e Wanda depois de todo o problema com o Acordo de Sokovia. Eles eram competentes no que faziam, apenas não muito rápidos. Natasha parecia ter mais sorte com essa parte, mas as conversas paralelas que o grupo se metia não ajudavam a tornar o processo mais ágil, embora fosse mais divertido.

Wanda, naquele instante, não desfrutava de conversas entre os livros, nem agilidade. O gato ao seu lado dormia profundamente, enquanto as velas bruxuleavam próximas da mesa onde a Feiticeira estudava. Havia ao menos meia dúzia de livros abertos ao redor de seu grimório e outra pilha a sua esquerda, enquanto Wanda tentava juntar as informações relevantes para anotar. Não podia dizer que não estava entretida no assunto, pois gostava de viajar entre as páginas e, devido a sua religião, acostumara-se a ler muitas obras. Investigar e entender as coisas sempre era bom.

Fazia uma semana que havia retornado à companhia de sua mestra e, nos últimos cinco dias, viajou com ela para encontrar o clã rom de Lucja, a Phuri Daj que conhecera Natalya. Não estavam mais na Polônia, mas não foi tão difícil encontrá-los com a ajuda de Agatha - ainda mais que elas usavam teletransporte para ir de uma cidade a outra. As duas foram bem recebidas na romá, já que Wanda era valorizada pela anciã do grupo. A única questão é que não tinham tantas informações novas, pois a maioria se resumia ao que que tinham conversado em Varsóvia:

Natalya já era uma feiticeira. Sentiu um chamado e foi até Wundagore. Retornou com duas crianças e disse que havia uma entidade na Montanha. Partiu novamente e nunca mais voltou.

Então Wanda começou a fazer perguntas diferentes, coisas que os homens da romá também se envolveram para responder. O que tinham visto em Wundagore? O que sabiam de lá? E foi aí que as coisas começaram a ficar interessantes.

Já há alguns anos ninguém se aventurava diretamente no sopé da montanha, pois haviam histórias demais, lendas, sobre o que acontecia lá. Alguém sempre sabia de alguém que desapareceu, ou pior, alguém que retornou diferente. Wanda conseguiu entender a narração de quem passou perto, a sensação de ser observado, os vultos estranhos, os chamados de vozes distantes e há anos enterradas. Também existiam relatos sobre animais, criaturas que estavam simplesmente… Erradas. Coisas que não somente esse clã, como outros espalhados na região, também disseram. Ela lembrou-se da coruja, dos corvos, das sombras e de todo o resto que viu com seus próprios olhos. Na conversa, quando a jovem mencionou o cervo que atravessara seu caminho, as opiniões se dividiram entre os roms presentes.

Agora, nas páginas de seu grimório, Wanda Maximoff classificava tais animais em categorias que não seriam vistas num livro de biologia - coisas extraídas diretamente do diálogo travado no meio da noite:

“Aquilo não era um cervo”

Isso implicava que a criatura, seja lá qual fosse, tentava copiar um cervo e o fazia de forma imperfeita e terrível. Perceptível.

 

“Aquilo não era mais um cervo”

Por sua vez, significava que o animal costumava ser um cervo antes de ser possuído, de alguma forma modificado, parasitado e controlado, ou talvez reanimado de forma imprópria. Os detalhes estavam lá de modo que ainda fosse reconhecível, mesmo com as más formações no corpo.

 

“Aquilo não era mais um cervo, talvez nunca tenha sido

Num primeiro olhar, a criatura parecia ser um cervo, mas essa impressão se degrada até você perceber - provavelmente tarde demais - que não é. De súbito, vem o entendimento que se você tivesse visto a criatura em seu estado original, não a reconheceria como um cervo de modo algum. Era apenas uma boa imitação. O que a tornava mais horrível é que a distinção entre o certo e o errado é lenta demais e você foi facilmente iludido.

 

Wanda podia culpar a magia por tudo isso, afinal, em palavras que não era suas, “a montanha sangrava horrores”. No entanto, houve um ponto que um barô disse, sobre algo que o avô dele havia dito, que destoou um tanto do foco místico da conversa:

“Não se aproxime da Montanha Wundagore. Fazem experimentos lá e os desavisados são sempre boas cobaias.”

Na época em que o barô ouviu isso, pensou que se referia a alguma base nazista. Não era uma possibilidade absurda, afinal. No entanto, tal interpretação acendeu uma lembrança em Wanda de palavras ditas por Arnim Zola:

“Você acha que nasceu? Você foi criada! E seus criadores a querem de volta.”

Existiria um laboratório na Montanha Wundagore?

Wanda não excluiu essa outra suspeita, mesmo que isso deixasse a questão ainda mais insana. Coisas estranhas aconteciam o tempo todo e ela aprendeu a não duvidar das mais bizarras probabilidades. Soltou um longo suspiro e espreguiçou-se na assento, depois encarou a pilha de livros sobre a mesa. Mais uma vez estudava sobre fadas.

As informações eram esparsas, de modo que tinha que consultar dúzias de fontes diferentes. Duvidava também que Agatha fosse concordar, mas sua ideia era basicamente conseguir um acordo para que entidades feéricas lhe ajudassem a atravessar a floresta ao sopé de Wundagore. Seria a tal proteção espiritual que Ebony mencionara. Poderosa, mas um tanto… complexo de se obter.

De repente, a pulseira em seu pulso, a versão nova que tinha ganhado de Shuri, começou a brilhar num tom vermelho discreto. Era uma chamada. Wanda se apressou em atender e a ligação, de modo que logo um holograma de Natasha Romanoff se estendeu diante dos livros e papéis.

— Eu falei pra você mandar notícias periodicamente.

— Nat. — Ela sorriu, feliz por ver a amiga. A russa parecia à vontade, talvez em seu quarto em Outer Heaven, enquanto Wanda ajeitou os objetos na mesa para conversarem melhor. O holograma permaneceu no mesmo lugar, mesmo que Wanda tivesse mexido os braços. — Me desculpe. Me distraí aqui.

— O que você está fazendo? Parece tarde.

De fato, Wanda concordava. As velas e luzes conjuradas no ar indicavam que era denunciavam que ela estava estudando madrugada adentro. Natasha, do outro lado da ligação, aproveitava um fim de tarde meio pálido, alaranjado.

— Ah. — Deu de ombros, casual. — Tentando encontrar formas de derrotar um demônio que quer possuir meu corpo. Preciso negociar com fadas. Acho até que vou me inspirar em você, Nat. Preciso derrotá-las na lábia.

Houve uma pausa. O rosto da espiã era impassível, até que ela ergueu uma sobrancelha.

— Isso é sério?

Wanda considerou que não era uma boa oportunidade para debater mais sobre o assunto. Talvez Natasha ficasse preocupada e comentasse algo com Steve, Sam ou Bucky, o que lhe renderia mais ligações através da pulseira e muitas palavras de advertência. De forma fingida, a feiticeira apenas pegou um outro papel e exibiu para o holograma:

— Quer ver um feitiço que aprendi? Veja, eu encantei uma carta.

Natasha murmurou palavras de surpresa, mas sua voz voltou a ficar incrédula quando assistiu a feiticeira pegar o dito papel e aproximá-lo da chama de uma das velas.

— E... por que você está a queimando?

— Ela vai surgir onde quero que surja. Daí a pessoa pode escrever no verso e queimar que a carta vai voltar para mim. Também incluí proteção para que só o destinatário consiga abrir o envelope.

A espiã tirou sua atenção dali e rodeou com os olhos o cômodo onde estava. Não encontrou nenhuma atividade suspeita ou mágica. Quando retornou à Wanda, sua aura rosa parecia um tanto quanto decepcionada.

— Ei. Não veio nada para cá.

— É porque não era pra você. — Wanda riu. — É para o meu pai.

— Oh.

— Eu… Eu acho que é melhor me comunicar assim como ele. Pelo menos no começo. — Justificou-se. Ela desejava dialogar mais com Magneto, mas… Não sabia como começar. Os olhos dele eram muito pesados, muito intensos. Em certos momentos, ela se recordava de Pietro ao ver o rosto dele e aquilo apertava seu coração. Wanda tinha consciência de que eles só tinham um ao outro como família no momento, porém julgava melhor ir aos poucos. A carta já era algo e queimou até seu último milímetro. — Agora, com você eu prefiro videochamadas e ouvir sua voz. E como vão as coisas aí?

— Bem. Yelena foi para Symkaria, junto com Silver. As coisas estão mais quietas e felizmente tiraram o Projeto Sentinela do ar. Mais países reconheceram Genosha como uma nação e se discutem mais direitos mutantes. O Instituto Xavier tem protagonizado muitas coisas... A vida de sempre.

— E os meninos?

— Bem também. — Ela prosseguiu, sorrindo. — Sam e Bucky tentam se matar de tempos em tempos, então é normal. Sentimos sua falta.

— Eu também.

— Sabe, eu achei muito engraçado o embaraço do Bucky quando falei que vocês tinham aproveitado um fondue e…

O sangue de Wanda Maximoff congelou-se dentro do corpo e sua boca foi mais rápida do que sua mente, tamanho era seu temor:

— O que? Ele te contou?!

Mais uma vez, uma pausa do outro lado e o rosto impassível de Natasha. Naquela ocasião, porém, era possível notar um vinco entre as sobrancelhas dela. Tal vinco se tratava de uma micro expressão muito grave, raramente usada pela espiã, e geralmente denotava seu horror por ter sido passada para trás. Wanda engoliu seco, brincando com uma caneta com as pontas dos dedos.

— Eu estava falando da vez que ele apareceu de cabelo cortado e tinha dito que te viu em Bucareste. Pelo o que ele me disse, nada aconteceu. — Natasha se inclinou para frente, sua voz séria. — Wanda. Ele teria me contado o que?

A feiticeira soltou um riso nervoso, o qual esperava que Agatha não escutasse tão tarde. Natasha, por sua vez, não precisou de mais meia palavra pra concluir precisamente o que tinha acontecido.

— Eu não acredito. Por que você não me contou?

— Como eu deveria começar essa conversa? — Tentou se defender. — “Oi, Natasha. Eu transei”?

— Pensei que confiasse em mim!

— E confio! Eu só não tava preparada pra falar.

Natasha não lhe deu ouvidos e passou a raciocinar em voz alta:

— Vocês dois sumiram na festa. Acordaram tarde. Os dois vieram com o cabelo molhado!

— Eu não tomei banho com ele, céus. Sai do quarto antes.

A outra lhe lançou um olhar acusatório, debochado e ácido:

— Mas você queria ter tomado banho com ele?

Natasha.

— Vou ter que investigar o senhor Barnes. Acho que será uma conversa bem interessante. Imagino se Sam ouvirá algo…Ou Steve.

— Natasha. Urghh, você é impossível. Eu vou te contar. — Largou a caneta, exasperada. Queria só desviar o olhar, desligar a chamada. Sabia, no entanto, que seria pior se fizesse isso. — Primeira coisa, nós fomos responsáveis.

— Ótimo, bom saber que Barnes conhece de métodos contraceptivos da modernidade. E... aí? — Cruzou os braços. — Foi bom?

Wanda mordeu os lábios e não foi capaz de olhar diretamente para o holograma da amiga ao responder:

Foi.

— Eu quero detalhes.

— Ai, Natasha… Você está certa, está tarde e eu preciso dormir.

— Antes de você ser uma estraga-prazeres e desligar, eu preciso dizer que… É bom te ver sorrindo, Wanda. Mesmo que você seja uma traidora.

As duas trocaram um sorriso.

— Obrigada, Nat. Quando você menos esperar, vou lhe fazer uma visita em Outer Heaven. Vamos beber e… E daí eu penso o que lhe conto sobre mim e James.

— Parece um bom acordo, bruxinha. Só não me deixe esperando demais, ok?

Wanda apenas sacudiu a cabeça, aproximando a ponta do dedo sobre a miçanga vermelha em seu pulso:

Tchau, Nat.

O holograma se desfez e mais uma vez se instalou o silêncio. Wanda ainda sorria, seu coração morno e saudoso, ao passo que se levantava da cadeira para se espreguiçar longamente. Apagou as chamas das velas, as luzes conjuradas, mas manteve os livros e o grimório abertos. Foi logo se deitar em seu quarto, pois sabia que precisaria de uma longa e restauradora noite de sono para lidar com fadas.

Ao menos a conversa com Natasha, por mais breve e embaraçosa que tenha sido, a induziria a sonhar com coisas doces.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Eu quis voltar ao clima de mistério da Montanha Wundagore nesse capítulo.
*Hm-Hm, menção ao Kamar-Taj!
*Fadas são seres muito interessantes. Me mandem suas histórias de fadas!! (E de sereias também)
*Se notarem algum erro de continuidade, me avisem! Fiquei um tempo sem escrever e posso ter me confundido com uma coisa ou outra.
*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.
* Escrevi outra fic nesse meio tempo, também no Universo Marvel (embora mais focada nos quadrinhos msm). Se você gosta da dinâmica enemies-to-friends-to-lovers, dê uma olhada em "Tudo Morre" no meu perfil e depois "Memento Vivere". Curtinhas e não é necessário conhecer a fundo as HQs pra ler!