Twenty One escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 9
Turmalina


Notas iniciais do capítulo

Especial para a Lady Sangrenta que recomendou Twenty One. Muito obrigada, querida! Me emocionei muito com suas palavras!
Ademais, boa leitura!



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“— Sabe aqueles dias em que tudo está vermelho?

— Vermelho? Você quer dizer azul.

— Não. Azul é quando você está triste, mas sabe que pode ficar bem. Vermelho é horrível. De repente, você está com medo e não sabe porquê. Já sentiu isso?”

(Bonequinha de Luxo)

 

— A porcaria mais forte daqui. — Thalia ordenou, gesticulando um cartão de crédito ao apoiar os braços no balcão do bar. — Quero um porre pra esquecer até meu nome.

A bartender, Silena, apenas ergueu a sobrancelha com um sorriso debochado: — Como é?

— Uma Turmalina Schorl. — Nico comandou, os olhos negros fixos  em Thalia ao seu lado.

— Mas… — A bartender franziu a testa para o chefe.

— Uma Turmalina, Silena. — O Di Angelo ordenou novamente, desta vez olhando de um modo que dizia claramente “não discuta”. —  E um Quartzo pra mim.

— Você quem manda, Neeks. — Obedeceu, erguendo a mão em rendição.

— Então pra conseguir álcool antes da idade e só dar em cima do dono do boate? — Thalia ergueu a sobrancelha, fazendo Nico rir.

— Só não conte pra polícia!

— Ah, não se preocupe! Quero distância de tiras idiotas. — A Grace retrucou, revirando os olhos. — Mas… turmalina? Isso não é uma pedra? De onde eu venho o pessoal prefere cocaína.

— Muito engraçado.  — O Di Angelo retrucou, alheio ao momento em que Silena depositava os copos no balcão. —  A D’Lirium tem sua própria linha de bebida exóticas, todas inspiradas em pedras preciosas. Acho que a Turmalina Schorl combina com você.

— Por quê?

— As crenças populares dizem que turmalina ajuda a se concentrar, afasta o mal.

— E você parece o mal em pessoa. — Thalia riu, observando Silena despejar um líquido incolor no copo com gelo de Nico. — Quer ficar longe de mim?

— E dizem que também ajuda a relaxar, mexe com sua mente.

— Só por isso?  —  Ela ergueu a sobrancelha e, desta vez, a bartender derramava um líquido da coqueteleira na taça crustada em frente à Thalia. Nas luzes coloridas da boate, era difícil ter certeza, mas a bebida parecia ter um tom de azul escuro forte, quase preto.

— E combina com você. — Nico deu um sorriso de canto, estendendo o próprio copo. — Com seus olhos.

Thalia ergueu a taça e brindou levemente, antes de levar a bebida aos lábios e provar do sabor agridoce, o doce sendo quebrado pelo sal nas bordas.

— E com o que eu imagino ser seu gosto também. — O Di Angelo flertou, aproximando mais o corpo de Thalia e a tocando levemente nos fios negros do cabelo. Ela sustentou o olhar sombrio e mordeu o lábio inferior, deixando a taça de novo no balcão. — Posso descobrir se estou certo?

Thalia se aproximou do Di Angelo, os olhos fascinados pelas íris escuras do rapaz e pelos lábios finos. Ele guiou os dedos para a face dela, acariciando a bochecha suavemente, também se aproximando, os lábios a centímetros…

— Atrapalho alguma coisa? — Uma voz masculina e divertida soou perto deles, fazendo Nico bufar e se afastar lentamente de Thalia, que somente corrigiu a postura e pegou a taça de volta, tomando mais um gole.

— Perseu. — O Di Angelo revirou os olhos irritado, apoiando-se no balcão para fitar o primo sorridente. — Posso saber por que está nos atrapalhando?

— Ah, você sabe. — Percy deu de ombros, abraçando Nico e levando a mão a testa dele. — Meu trabalho é salvar donzelas indefesas de dragões.

— E Thalia estava prestes a dar o bote.  — Uma outra voz masculina comentou, vinda de trás da morena.

— E você é o príncipe encantado, Solace? — Thalia retrucou, erguendo a sobrancelha quando Will se sentou do lado dela com um sorriso travesso.

— Quem gosta de Disney é criança, minha querida. Nossas brincadeiras são muito mais divertidas. — O loiro retrucou rindo e batendo o dedo na ponta do nariz dela. — Mas, a pequena aqui não tem idade pra brincar.  

— Vá tomar no cu, Will. — Thalia reclamou, virando o que restava da taça. Pelo canto do olho ela viu Nico enfiar uma embalagem cilíndrica e pequena no bolso, como a de um medicamento, e Percy pedir uma bebida à Silena.

— Podemos evitar a baixaria? — O DI Angelo questionou, erguendo a sobrancelha.

— Se continuarem a brigar por Nico ele vai ficar convencido — Percy opinou sorrindo de canto. — E vocês não querem ver isso.

— Ele já não é? — A Grace ergueu a sobrancelha.

— Ah, você ainda não viu nada, Thalia!

— Cala a boca, Perseu. — Nico retrucou mal humorado. — Veio aqui só estragar meus planos?

— Eu vim aqui porque a música está uma droga. — Percy reclamou, revirando os olhos. — Connor me disse que só toca eletrônica a mais de uma hora. E você está acabado, Ghost.

— Obrigado pela parte que me toca. — Nico revirou os olhos. — Mandarei Polux trocar as músicas, a presença de Thalia é tão encantadora que nem reparei.

— Falando em pessoas acabadas — Will comentou, pegando o copo que Silena acabava de lhe entregar. —, como você está, Thalia?

— Acabada? — Thalia forçou um riso. — Você já me chamou de coisa pior. Ei, Silena não é? Pode me trazer alguma coisa mais forte? Esse drink não adiantou muita coisa.

— O que eu trago? — A bartender revirou os olhos, perguntando ao chefe.

— Ametista. — Nico comandou.

— Querendo encher a cara? — Will ergueu a sobrancelha loira. — E responda minha pergunta.

— Will Solace preocupado comigo? — Thalia revidou, parafraseando o garoto que havia dito uma frase semelhante naquele mesmo dia. — E eu quem deveria perguntar, você quem tava desbotado hoje.

— Você saiu da cafeteria atordoada. — Will ignorou a ironia, depositando uma mão nos ombros da morena e a olhando nos olhos. — Você está bem?

— Estou aqui pra esquecer a porcaria da minha vida. — Thalia vociferou e, quando Silena colocou a bebida no balcão, Thalia já entornava o conteúdo de uma vez. — Você pode me ajudar com isso ou cuidar da sua vida.

— Prometi à Thalia que a ajudaria com isso. — Nico se intrometeu na briga. — E sempre busco cumprir minha palavra. Perseu, por que não leva Thalia pra dançar? Eu e o Solace vamos pedir pra Polux colocar algo que preste e depois nos juntamos à vocês. Bebida por conta da casa, Lena.

Thalia franziu a testa, mas não houveram comentários. Percy a puxou pela mão em direção à multidão e tudo o que ela viu foi Nico se inclinar para sussurrar algo no ouvido de Will.

 

(...)

 

Nico não estava bem. Ele pulava em meio a multidão, mas não conseguia respirar. Ele sentia as pessoas à sua volta e via os vultos cada vez que as luzes coloridas da boate piscavam, mas ele não conseguia mais saber quem eram elas. Ele rodava e movia o corpo, dizendo a si mesmo que estava dançando, mas a música já soava como um plano de fundo, apenas a batida deixando sua cabeça mais atordoada. Ele dizia a si mesmo que estava dançando, que estava bem, mas ele mentia.

Alguém o segurou por trás pela cintura, seus olhos estavam pesados demais e ele os fechou, deixando a cabeça tombar. Ele sentiu um corpo o abraçando, uma respiração em seu pescoço e alguns murmúrios, mas não sabia mais se eram palavras dirigidas à ele. Seu corpo estava pesado, ele queria cair.

Nico se deixou levar, deixou que a pessoa que o abraçava o puxasse entre as pessoas que dançavam, sua consciência parecia por um fio. Não tinha mais noção de tempo, nem de espaço, nem se estava mais acordado. Um sopro de vento gelado o atingiu, fazendo-o estremecer e ele abriu os olhos.

As luzes ainda machucavam, mas estavam fixas, esbranquiçadas. Ele conseguiu distinguir contornos cinzentos e a silhueta de alguém a sua frente, podia sentir o toque desse alguém por todo o seu corpo, esse alguém o segurava. Nico estava com frio, mas seu corpo estava coberto de suor, e estava apoiado entre uma parede gelada e um corpo quente.

— Você está queimando de febre! _ Quem o segurava exclamou, afastando-se poucos milímetros. Nico demorou um tempo para reconhecê-lo, para notar os cabelos loiros, a pele bronzeada e os olhos azuis.

Will. O belo menino Will. O doce e prestativo Will. O assustado e perdido Will.

— Nico! Consegue me ouvir?

Nico conseguia ouvi-lo, mas não queria responder. Fechou os olhos novamente e deixou a cabeça tombar, ela ainda girava como se estivesse dentro da boate.

— Nico! — Will gritou e havia nervosismo em sua voz. Nico bufou e abriu os olhos irritado.

— Me deixe em paz, Solace. — O Di Angelo retrucou e o empurrou, tomando ciência que ainda segurava uma garrafa pequena em mãos. Ele a ergueu na altura dos olhos e observou o líquido vermelho dentro do vidro translúcido com o logo da D’Lirium. Qual era o nome daquela bebida mesmo? Rubi? Villiaumite? Vanadinite? Às vezes nem ele sabia diferenciá-las. Mas ele gostava da cor, era rubra e escura, como sangue. Ele se sentia como um vampiro ao bebê-la e começou a rir disso.

— Você não está bem. — Will observou preocupado. — Vou chamar Percy, fique aqui.

— Não seja um chato. — Nico revirou os olhos, pescando no bolso da jaqueta o tubo de plástico. — Eu sei me cuidar.

Com uma mão ele conseguiu abrir o recipiente e derramou uma pílula na língua, levando a garrafa aos lábios e sorvendo mais de um gole.

— Você deveria tomar isso com água. — Will reclamou, cruzando os braços com o semblante reprovador.

— Fodá-se. — Nico retrucou jogando a garrafa, agora vazia, em direção à um túmulo. O vidro se estilhaçou ao acertar ao acertar a pedra que marcava o túmulo, uma chuva de cacos brilhando sobre a grama morta.

— Você xingando? — O Solace ergueu a sobrancelha. — Você realmente não está bem.

Nico apenas suspirou e empurrou levemente o corpo do loiro, os pensamentos mais claros enquanto ele se aproximava dos túmulos que cercavam a boate.

— Existe algum momento que nós estamos? — Murmurou, de costas para Will. — Ou vamos ficar?

Nico passou o dedo pelas pedras de mármore, não importando-se com a poeira ou as teias de aranha. O ar frio da noite ainda o incomodava, havia um silêncio sombrio e melancólico, ainda que as batidas abafadas da música da boate ainda soassem.

— Você acha que eles estão em paz? — Nico continuou a perguntar, sem olhar para Will. — Acha que um dia vamos ficar?

— Acho que esse papo fúnebre dá certo com Thalia, mas não comigo. — O loiro retrucou. — Você sempre me diz que não é o fim, que não estamos perdidos. Você me disse que ainda assim é feliz. Você mentiu?

 — Eu nunca te disse que sou feliz. — Nico resmungou, apoiando-se em um túmulo. Sua voz era sombria como o cemitério. — Eu te disse que tem como você ser. Rachel foi feliz, minha irmã também. Minha mãe eu não sei mais. Você é?

— Eu tento. — Will deu de ombros. — Tem dia que tudo parece um sonho, então é fácil. Tem dia que eu só quero chorar, tem dia que eu fico com muito medo. Você sabe disso, sabe que às vezes é você pra quem eu ligo.

— E raiva? — Nico enfim se virou, encarando Will. Seu semblante era ilegível e frio. — Tem dia que você fica com raiva?

— Sim. — O Solace suspirou, aproximando-se do moreno. — Tem dia que sinto que, se encontrar Bryce na rua, eu vou perder o controle. Tem dia que quero enfiar aquele filho da puta na frente de um ônibus. Mas o que adianta?

— Você não sente raiva dos outros?  Das pessoas normais que desperdiçam sua vida?

— Não. — Will franziu a testa e estreitou os olhos. — Isso é estupidez. Cada um tem seus problemas.

— Thalia vem aqui essa noite. — Nico comentou, olhando para o céu estrelado. — Ela só quer esquecer os problemas, encher a cara, fazer uma loucura. Esquecer quem é. Acha que seus problemas são os piores do mundo, mas é jovem, saudável, bonita. Não pensa que ela está desperdiçando a vida?

— E também é pobre, sem pais, só tem a Luke. — Will a defendeu. — Você sabe, mais do que ninguém, que as pessoas não são só aquilo que mostram. Todos achamos que nossos problemas são os piores do mundo, todos temos medo.

Nico ficou em silêncio, apertando os lábios. Eles estavam próximos o suficiente para sentirem as respirações, o calor que emanava dos corpos. Will estendeu a mão e tocou o moreno no braço levemente.

— Você me disse que não era uma sentença de morte — O Solace sussurrou com o máximo de maciez na voz.  —, que não era o fim da vida.

— Quem disse que eu não menti? — Nico riu amargo, dando um passo para trás apenas pra se livrar do toque de Wiil. — Eu acordei bem hoje. Bem de verdade. Nenhuma dor, sem febre, sem enjoos. E agora eu não consigo respirar, minha cabeça vai explodir e não sei se amanhã não estarei internado com um monte fios tentando ver se ainda estou vivo. É difícil, Will! — O Di Angelo exclamou exasperado, lágrimas surgindo nos olhos negros. — Eu vivo assim há vinte anos assim, você há poucos meses! Eu vivo um inferno! As vezes eu acho que tô mais morto que esses caras!

Nico arfou, gesticulando para os túmulos. Seu corpo tremia e agora as lágrimas desciam pelo rosto pálido, a voz embargada ao sussurrar: — As vezes eu quero morrer.

— É o que você quer? — Will sussurrou, pegando novamente a mão de Nico. Desta vez, ele parecia tão machucado que não se afastou. — Desistir? Morrer?

— Às vezes é.

— Um velho sábio me disse uma vez que às vezes é mais difícil aguentar, às vezes é mais difícil levantar da cama, às vezes é mais difícil respirar. Mas sempre vale a pena aguentar.

— Isso parecia tão idiotice assim quando eu falei? — Nico reclamou, irritado.

Will começou a rir e passou os dedos pelo o rosto de Nico, secando as lágrimas: — Parecia. Mas deu certo.

O Di Angelo tentou manter a carranca, mas não adiantou. Logo se desfazia em riso e revirar os olhos, empurrando Will devagar.

— Você ainda parece abatido. — O Solace comentou. — Vou chamar Percy pra te levar pra casa.

— Não quero ir. — O Di Angelo retrucou, cruzando os braços. — Prefiro ficar aqui.

— Não estou perguntando, Di Angelo. — Will retrucou, já virando de costas pra voltar pra boate. — Você já cuidou de mim, agora cale a boca e obedeça.

— Boa sorte tentando me convencer, Solace.

— Ei, aí estão vocês! — Uma voz feminina soou e logo Thalia saia da boate, um garrafa de líquido âmbar nas mãos. — Achei que íamos nos divertir hoje, Di Angelo.

— Só estava lhe esperando, minha querida. — Nico retrucou, sorrindo malicioso. — Eu adoro brincar de gato e rato, me perguntava quanto tempo ia demorar pra perceber que fugi.

— Achei que Will tivesse te capturado. — A Grace sorriu, caminhando até Nico e parando ao lado dele. — Estou começando a ficar cansada de perder pra você, Sunshine.

— Ah, mas isso é tão fácil, querida Thalia. — Will retrucou, sorrindo mordaz. — Digamos que você não é uma concorrente à minha altura.

— E por que está pegando leve? — Ela ergueu a sobrancelha, um sorriso um tanto perigoso nos lábios rubros. — Com dó da pequena orfã? Ou assistiu filmes de terror o suficiente pra ficar com medo de mim?

— Você está bêbada? — Nico questionou, um sorriso malicioso nos lábios.

— Acho que também está na hora de você ir pra casa, Thalia. — Will comandou, a expressão séria. — Vocês dois.

— Will Solace, sempre o garotinho doce e responsável. — Thalia fez um bico em chacota, aproximando-se do rapaz para apertá-lhe a bochecha. — Acho que está na hora de você ir pra casa, Solace.

— Vou chamar Percy. — O loiro disse, o semblante preocupado sabendo que boa coisa não ia resultar daquilo. — Ele quem está com a chave do carro?

Nico sorriu como um gato e assentiu.

— Não saiam daí. — Will ordenou, os olhos estreitos ao dar as costas e caminhar em direção à D’Lirium. Ele mal alcançava a porta da boate quando olhou para trás, apenas para ver Nico e Thalia correndo de mãos dadas em direção ao carro. — Que porra!

Will praguejou, preocupação o tomando quando eles entraram na BMW. Ele gritou para pararem, mas foi em vão: Nico já havia dado partida e eles seguiam inconsequentes pelo cemitério.

 


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Notas finais do capítulo

Bom, eu confesso que esse capítulo foi um daqueles que surgem cenas que você não planejava para agora, mas que no final você adora.
Toda essa cena do Will e do Nico foi inesperada. O capítulo seria focado no Nico e na Thalia, mas isso ficará para o próximo, por isto não há citação.
Espero que tenham se divertido.