Deixe a neve cair escrita por alyeska


Capítulo 1
Uma noite




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O era casaco cinzento, grosso e fazia com que a garota parecesse um esquimó, mas ao menos era quentinho. Ela dividiu seu cabelo ao meio e puxou-o para frente, colocando a touca logo em seguida. Os fios louros se assemelhavam a uma cascata dourada que descia até a cintura da moça, e realçavam seus olhos verdes.

 

Rapunzel caminhou até o espelho, se observando de corpo inteiro. Estava usando tanta roupa para se proteger do frio que sentia que a qualquer momento ela iria cair e sair rolando. Bufou enquanto observava como sua pele, que antes era bronzeada, ficara pálida com a chegada do inverno e a falta do Sol. Ela sentia falta do calor, das roupas leves e do sorvete. Principalmente do sorvete.

 

Pegou sua bolsa de couro onde estavam seus documentos, e as malas – uma grande e vermelha, e duas pequenas cor-de-rosa. Respirou fundo, se olhando novamente no espelho. Estava prestes a deixar a Califórnia para passar o Ano Novo com sua família em Corona. Deuses, ela não os via desde a páscoa!

 

Olhou o relógio no visor de seu celular e “voou” para fora de seu apartamento. Se não fosse rápida, perderia o trem. Girou a chave até ouvir o estalar indicando que a porta estava trancada. No momento em que olhou para o lado, avistou seu vizinho. Jackson Frost, provavelmente o garoto mais irritante – e gostoso, mas Rapunzel nunca iria admitir isso em voz alta – da face da Terra. Assim como ela, Jack carregava malas, apesar de sua bagagem ser bem menor que a da loira. Não parecia muito incomodado com o frio, já que usava apenas um moletom azul royal para se aquecer. Na verdade, o garoto parecia ser feito de inverno: seus olhos eram azuis como cristais de gelo, e sua pele e cabelos eram quase tão brancos como a neve. Por vezes, Rapunzel se pegava pensando em como seria Jack com as bochechas coradas.

 

O albino levantou a cabeça e seus olhares se encontraram por um milissegundo, antes que a garota passasse a procurar desesperadamente por qualquer outra coisa para encarar. Jack abriu um sorriso.

 

— Também vai viajar, loirinha?

 

— Uh... – ela ponderou por um instante sobre o que responder – Não que isso seja da sua conta, mas sim, eu vou pegar o próximo trem pra minha cidade natal.

 

O sorriso do garoto se alargou — Verdade? Também estou indo pra estação de trem. De táxi.

 

— Ah, é? E seu táxi já chegou?

 

— Está na portaria me esperando. Se não se importa, eu já vou indo. – ele se virou e foi arrastando a mala até a escadaria.

 

— Espera! – Rapunzel não acreditava fazendo isso, mas era necessário engolir seu orgulho, só até a estação de trem – Acha que eu poderia ir com você? Se eu for a pé, vou me atrasar e perder o trem. – ela sorriu, esperando que isso ajudasse a convencê-lo.

 

Jackson a encarou sem desmanchar o sorriso — Hm... Não vai dar não, loirinha.

 

A garota respirou fundo, pedindo aos deuses que lhe dessem paciência. Ela só precisava ser... Mais simpática. Isso. Jack não iria resistir a sua meiguice.

 

— Tem certeza? Sabe, eu realmente preciso de um táxi... – a loira fez piscou os olhos grandes e sorriu, dando seu máximo para se assemelhar à imagem de toda a fofura do mundo.

 

— Então chame um, oras.

 

Okay, ela pensou consigo mesma. Minha arma fatal não funcionou... Hora de apelar.

 

— Mas vai demorar muito pra chegar! Ah, esquece. Tudo bem se eu não for visitar minha família, acho que eles não vão ficar tão chateados... Quer dizer, eu já não pude ir no Natal, mas eles vão entender. Deve dar pra esperar até a páscoa.

 

— Okay, você pode vir comigo, mas com uma condição. – Rapunzel sorriu, esperando que ele continuasse. Não devia ser algo tão ruim. – Um beijo.

 

O sorriso sumiu e ela paralisou. Mais uma vez estava enganada sobre Jack. — Um... Beijo? Tipo, um beijo de verdade?

 

— Exato.

 

— Nem pensar!

 

Ele deu de ombros. — Você é quem sabe, mas acho que sua família realmente vai ficar muito chateada tiver de te esperar por mais alguns meses. Ou talvez não, você mesma disse.

 

Era incrível como ele havia conseguido fazer com que as palavras da loira se voltassem contra ela. Fosse como fosse, Rapunzel não iria desistir facilmente. Assim que o albino começou a descer as escadas, ela o seguiu, com certa dificuldade por conta das malas. No meio do caminho ela resmungava e ordenava que Jack a ajudasse, sendo ignorada pelo mesmo. Seus braços já estavam ficando doloridos quando, finalmente, os degraus acabaram e eles chegaram à portaria do condomínio. Lá estava o carro amarelo estacionado e, dentro dele, um senhor que aparentava ter cerca de quarenta anos, claramente impaciente.

 

Jackson foi até a janela do carro e falou com o taxista, enquanto Rapunzel assistia de certa distância. Depois de alguns segundos de conversa, o albino pegou a bagagem e a levou ao porta-malas. Essa era a chance dela. Enquanto o garoto guardava a bagagem, Rapunzel disparou mais rápido que uma bala para dentro do carro, levando suas malas junto dela. A expressão do motorista deixava claro que ele estava desconfiado, talvez até com medo da loira. Ela precisava inventar rapidamente uma história para se explicar.

 

— Hey, oi! Hm... – Rapunzel começou, um pouco ofegante devido ao esforço que fizera – Eu acho que Jack se esqueceu de dizer, hm... Eu, n-nós somos namorados e estamos indo juntos para a estação de trem, você sabe, vamos passar o Ano Novo com a família.

 

O mais velho pareceu ainda desconfiar da garota, mas logo deu um sorriso — Bom, sendo assim, a viagem será um pouco mais cara.

 

— Sem problemas, eu posso pagar.

 

— Não quer deixar a bagagem no porta-malas?

 

— Não, não, prefiro ficar com tudo aqui mesmo, se não tiver problemas. Eu sou meio esquecida, provavelmente vou deixar algo importante para trás se não estiver na minha vista. – ela sorriu nervosa e, com sorte, recebeu outro sorriso de volta.

 

Frost adentrou o carro comentando qualquer coisa sobre o clima, quando percebeu a presença da loira. Ele a encarou incrédulo, e ela desviou o olhar.

 

— Sua namorada é adorável. – o motorista comentou e Rapunzel deu um sorriso amarelo.

 

— Minha namorada? – Jack olhou pra ele, e em seguida para a loira sentada no banco de trás – Ah! Você nem tem noção do quanto. Não é mesmo, amor?

 

A garota apenas riu sem graça, fuzilando-o mentalmente.

 

 

Os dois caminhavam lado a lado apressadamente pela estação. O trem havia acabado de chegar e estava a poucos metros deles, esperando que todos os passageiros embarcassem. Os cabelos de Rapunzel esvoaçavam atrás da garota, devido à velocidade de seus passos, e por vezes chicoteavam o albino, que apenas resmungava.

 

Quando as portas do trem estavam começando a se fechar, Jackson adentrou o veículo, seguido pela loira. Ambos soltaram o ar, aliviados.

 

Aparentemente o trem estava lotado, mas bem ao lado deles estavam dois lugares vazios. Perfeito, Jack pensou poucos segundos antes de Rapunzel jogar suas malas, que ocuparam ambos os assentos.

 

— Okay, agora eu vou me sentar aqui, e você – ela apontou para o garoto – vai se sentar em algum outro lugar, de preferência bem longe de mim.

 

— Rapunzel, – ele suspirou – olhe ao redor. Percebe quantas pessoas estão aqui dentro? Por acaso você vê algum outro assento vazio? – ele indagou, arqueando uma sobrancelha.

 

— Uh, não, mas isso não é problema meu.

 

— Você me deve uma.

 

— Eu não te devo nada!

 

O garoto tirou as malas da loira de cima do banco, sentando-se do lado da janela. A menina bufou e puxou as malas pra perto.

 

— Se vai se sentar aqui, me deixa ficar com a janela, pelo menos.

 

Jack resmungou enquanto se arrastava para o banco ao lado, e Rapunzel sentou-se, tendo um pouco de dificuldade com as malas. Se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele...

 

A menor esfregava freneticamente as mãos, tentando esquentá-las. Ela se sentia incomodada com toda aquela friagem e estava louca para chegar logo em casa. Corona não ficava tão longe da Califórnia, eram poucas horas de viagem. Com sorte, chegariam em menos tempo até, já que as ruas pareciam completamente isoladas por conta da neve. Encostou a cabeça na janela e ficou observando a cidade passar rapidamente do lado de fora. As decorações de Natal continuavam presentes na maior parte das casas, iluminando as ruas. Rapunzel conseguia distinguir algumas silhuetas que os pisca-piscas formavam. Cervos, presentes, trenós e um Papai Noel um tanto desajeitado. Um pequeno sorriso se abriu em seu rosto.

 

Ao lado, Jack enviava uma mensagem para a irmã mais nova, Emma, avisando-a de que havia embarcado no trem e estava agora mesmo a caminho de Burgess. Ele sorriu com a lembrança dela. Desde que se mudara para a Califórnia, estava sempre enviando presentes para a menor, mesmo quando não era nenhuma data comemorativa. Talvez ele estivesse mimando-a demais, mas o que podia fazer? Depois da morte de seu pai, Emma e sua mãe eram tudo para Jackson. O albino olhou para a loira ao seu lado, reparando em seu olhar encantado com a cidade que deixavam para trás.

 

— Não é incrível? – Rapunzel murmurou ao perceber que estava sendo observada – Todas essas luzes, o espírito natalino... Isso não te traz uma sensação aconchegante?

 

— O Natal já passou – ele comentou como se não se importasse.

 

— Ah, Frost! Quer parar de ser estupidamente chato por apenas um instante? Que droga.

 

Ele riu com a reação da moça. Ela ficava linda quando estava brava. Na verdade, ela era linda a qualquer hora, mesmo que Jack não pudesse vê-la ao acordar, ou depois de um longo período de choro. Rapunzel encarava-o incrédula, como se não fosse capaz de entender o motivo do riso do garoto.

 

— Gosto de te irritar. – ele sorriu e Rapunzel sentiu seu rosto esquentar – O que o Natal te lembra?

 

A garota continuou encarando a paisagem do lado de fora da janela — Família. Lar. Amigos. Velas aromatizadas que atacam minha alergia. E a você?

 

Jack deu de ombros — Minha irmã. O Natal sempre foi a época favorita dela. E a minha também, se quer saber.

 

— Você tem uma irmã? – ela indagou se virando para encará-lo.

 

— Emma, onze anos.

 

— Sempre achei que você fosse sozinho e amargurado.

 

O semblante do garoto entristeceu. — Sozinho, não. Amargurado... Talvez.

 

Rapunzel mordeu o lábio, repreendendo a si mesma pelo que dissera. Não acreditava que tinha sido tão insensível. Ela limpou a garganta e o encarou nos olhos, esperando conseguir enviar um pedido de desculpas por telepatia. Pela risada sem graça que teve como resposta, imaginou ter sido perdoada.

 

— Você realmente acha que eu sou tão ruim? – Jack perguntou. Apesar de o semblante tentar esconder, ela podia enxergar a dor no imenso azul de seus olhos.

 

— Não. – a loira pousou sua mão sobre a dele – Eu estava brincando. Apesar de você ser incrivelmente inconveniente, irritante, insistente-

 

— E inesquecível? – ele a interrompeu, a sombra de um sorriso pairava em seus lábios.

 

— Vê? É exatamente disso que eu estou falando. Mas, apesar de todos os seus defeitos, que são muitos, eu acredito que bem lá no fundo do seu ser existe uma pessoa legal.

 

Ele riu e, no mesmo instante, houve um baque. O primeiro impulso fora fechar os olhos e abraçar Rapunzel o mais forte possível. Seu coração batia acelerado, e ele podia sentir a loira tremendo e grunhindo. A adrenalina no momento era tanta que o garoto nem ao menos tinha certeza de ter ouvido a garota gritar.

 

Logo que percebeu que o trem estava parado, Jackson se afastou lentamente da menor, que mantinha seus olhos fortemente fechados. Lágrimas silenciosas escorriam pelas bochechas rosadas da moça.

 

— Senhores passageiros – uma voz feminina vinda dos auto-falantes começou – Pedimos que todos vocês permaneçam calmos, por favor. Um supervisor irá verificar cada uma das cabines para ver se alguém se machucou. Agasalhos e cobertores serão distribuídos. Temo que precisemos ficar mais de uma hora parados.

 

Uma série de instruções foram passadas e, quando a voz cessou, Rapunzel já estava mais calma. Seu coração, que antes batia descompassado, agora batia num ritmo estabilizado. Ela suspirou e olhou pela janela, vendo o que parecia ser uma loja de conveniências. Seu estômago roncou e ela tomou isso como um incentivo para sair do trem e ir até a pequena loja comprar algo para comer. Levantou-se de forma determinada, mas Jackson segurou seu pulso, impedindo que a garota saísse.

 

— Aonde pensa vai? – o albino perguntou.

 

— Eu vou comprar comida na... – ela olhou pela janela novamente, tentando identificar o nome da loja de conveniências – Duke and Duchess.

 

Ele deu uma risada sarcástica. — Não vai mesmo! Você vai congelar lá fora.

 

— Jack, você não manda em mim. Eu preciso comer!

 

— Então eu vou com você.

 

— Não preciso que vá por mim. – ela arqueou as sobrancelhas.

 

— Ótimo. Não vou por você. Vou pela comida. – ele se levantou e começou a caminhar pelo corredor do trem, sendo seguido pela loira.

 

Do lado de fora estava já estava bastante escuro e realmente frio. O vento gelado atingia o rosto de Rapunzel, quase fazendo com que ela se arrependesse e voltasse correndo para dentro do trem. O veículo havia batido em um banco de neve, e agora a parte dianteira estava afundada numa colina branca. Homens se aproximavam com pás, provavelmente para tirar toda aquela neve e abrir espaço para o trem sair. Isso certamente ia levar algum tempo.

 

A loja estava mais longe do que parecia pela janela. Devia haver cerca de quatro ou cinco metros de neve fofa e extremamente gelada até a Duke and Duchess. Jack se abraçava numa tentativa barrar o frio, sem sucesso.

 

— Não vai funcionar. – Rapunzel comentou sem olhar pra ele.

 

— O quê?

 

— Tem que se soltar. Se ficar assim, todo enrijecido, o frio só vai

aumentar.

 

Ele resmungou baixinho e fez uma careta. — Eu sei o que estou fazendo.

 

A loira deu de ombros e umedeceu os lábios, que ressecavam à medida que o vento gelado atingia seu rosto. Podia sentir todo seu corpo tremer, mas não voltaria atrás. Respirou fundo algumas vezes, tentando se convencer de que valeria a pena.

 

Assim que chegaram, um suspiro de alívio saiu de seus pulmões e um sorriso mínimo apareceu em seus rostos. Rapunzel adentrou o lugar, ouvindo um sininho tocar assim que abriu a porta. Sentiu jato de calor esquentar desde cada uma de suas células até o seu coração e olhou ao redor. Poucas pessoas estavam lá, espalhadas pelas repartições da loja.

 

— Boa noite, Duchess. – a balconista saudou, chamando sua atenção para ela. – Posso ajudar?

 

— Pode nos emprestar sacolas plásticas? – Jack perguntou ao entrar. – Várias sacolas.

 

A moça arqueou uma sobrancelha, encarando o garoto por um momento e sendo encarada de volta. Tinha cabelo loiro platinado, olhos extremamente azuis e pele alva. Chegava a se parecer bastante com o mais alto. Talvez pudessem ser gêmeos perdidos, a não ser por um pequeno detalhe: ela tinha certeza que era, no mínimo, dois ou três anos mais velha que ele.

 

— Várias... Sacolas...? Claro, Duke. Irei providenciar. – a moça disse, sumindo em baixo do balcão.

 

— Agora o nome Duke and Duchess faz sentido. – Rapunzel comentou.

 

Jackson assentiu com a cabeça, observando o local. Não era tão pequeno quanto parecia do lado de fora. Analisou as repartições, procurando mais especificamente por doces. Queria levar alguma guloseima para Emma.

 

A moça se levantou atrás do balcão, colocando incontáveis sacolas sobre o mesmo.

 

— Acha que é o suficiente?

 

— É mais que o suficiente. Toma – ele pegou algumas das sacolas e entregou para Rapunzel – Se vista com elas.

 

— Ahm... Como assim? Isso é algum tipo de moda para pessoas cafonas como você?

 

— Quer manter-se aquecida? Vista as sacolas.

 

Jackson começou a enrolar as sacolas plásticas em seus braços, mostrando à garota como fazer. Assim que os dois estavam tão cobertos que não conseguiam se mover sem fazer uma barulheira irritante, Rapunzel passou a andar pela loja, colocando dentro de uma cestinha roscas, pães e todo tipo de bebida que encontrava fora da geladeira.

 

— Ela é sua namorada? – a balconista perguntou, fazendo com que o albino parasse de observar a loira para encará-la.

 

— Ah? Não!

 

— Sério? Vocês parecem tão...

 

— Não mesmo. Por quê? Está interessada? – ele sorriu, mostrando seus dentes perfeitamente brancos e fazendo a mais velha rir.

 

— Sou Elsa.

 

— Meu nome é Frost. Jack Frost.

 

Elsa sorriu. — E o que te traz aqui no meio de uma quase tempestade de neve, Frost?

 

— O trem bateu num banco de neve a alguns metros daqui.

 

A garota inclinou ligeiramente a cabeça, mostrando confusão. — O trem bateu num banco de neve?

 

— Sim. Uma colina de neve bem no meio dos trilhos. A natureza me ama.

 

Ela pegou uma caneta e um pedaço de papel e começou a escrever números nele, ao passo que Rapunzel chegou ao lado do garoto com a cesta cheia de suprimentos para mais umas três viagens. Aos poucos ela tirava os itens da cestinha e os colocava sobre o balcão, analisando-os para ter certeza de que não se esqueceu de nada.

 

Jackson viu um pacote de Gummy Bears e apanhou-o.

 

— Eu pago esse, obrigado.

 

— Jack, é meu. Se você quiser Gummy Bears, vá pegar você mesmo.

 

— Mas você me deve...

 

— Já paguei minha dívida te deixando sentar do meu lado!

 

— Nope. Apenas parte da sua dívida foi paga.

 

Revirando os olhos, Rapunzel desistiu dos doces e esperou que Elsa passasse suas compras. Já estava ficando de saco cheio do albino, e da viagem de trem, e do tempo que ainda teria de esperar até chegar a Corona.

 

— Obrigada pela preferência, Duchess. – Elsa disse após empacotar todos os itens.

 

Não é como se eu tivesse outra opção, Rapunzel pensou. Viu a balconista entregando um pedacinho de papel para Jack, que sorriu para a mesma. Ela conhecia aquele sorriso cafajeste. Não tinha jeito, mesmo com todos os problemas que estavam enfrentando, ele não perdia a chance de conquistar uma garota.

 

— Até mais, Jack! – a albina se despediu antes que os dois saíssem da loja de conveniências.

 

Agora que já tinham feito todo o trajeto trem atolado - Duke and Duchess, Jackson podia identificar um atalho. Se atravessassem o riacho congelado, chegariam bem mais rápido. Tomou a dianteira, indo pelo percurso que havia traçado em sua mente. Rapunzel parecia não perceber que o caminho era diferente, pois estava apenas seguindo o albino sem questionar.

 

— Ela devia ser demitida. – a loira comentou.

 

— Ela quem? – o garoto indagou confuso.

 

— A balconista, ora. Quem mais seria?

 

Jackson suspirou enquanto pisava cuidadosamente pela camada de gelo que cobria o riacho. Parecia firme o suficiente para suportar o peso dos dois jovens.

 

— Por que acha isso? – ele perguntou após algum tempo.

 

— A loja se chama Duke and Duchess. O trabalho dela é te chamar de Duke! Não de Jaaack. – Rapunzel tentou imitar a voz da moça, o que acabou sendo algo cômico. Era difícil distinguir se era uma imitação da balconista, ou de Jessica Rabbit.

 

O maior riu — Está com ciúmes porque ela me chamou pelo nome?

 

— Primeiro, – ela começou bufando – “Jack” é seu apelido, não o seu nome. Segundo, claro que eu não estou com ciúmes, pare de ser egocêntrico e metido.

 

— Aham, acredito.

 

— Eu só acho que tem muita gente desempregada por aí, e eles dão o cargo de balconista pra uma pessoa incompe-

 

A fala da garota foi interrompida por um grito proferido pela mesma. O gelo havia se partido e agora ambos estavam encharcados e congelando. Rapunzel soltou um grunhido histérico e raivoso, agitando os braços na água.

 

— De onde foi que surgiu esse riacho?! – ela gritou e Jack podia acreditar que Emma teria ouvido de Burgess.

 

— Pelos deuses! Quer se acalmar? Tivemos sorte de o riacho não ser tão fundo. – o albino começou a se arrastar pela água – Precisamos chegar à beira do riacho. Consegue nadar até lá?

 

— Claro que não, eu 'tô congelando! Se eu pegar uma pneumonia a culpa vai ser sua.

 

— Hipotermia.

 

— Hipotermia é causada pelo choque térmico, e eu já estava quase me tornando uma estátua de gelo antes.

 

Jackson bufou enquanto abraçava a cintura da loira e a puxava em meio aos pedaços do gelo partido. Suas roupas estavam pesadas por conta da água, o que dificultava bastante a locomoção.

 

— Mais rápido! – a moça resmungou.

 

— Se você colaborasse seria mais fácil.

 

Rapunzel revirou os olhos e passou a mover as pernas. Estava odiando tudo aquilo. Odiava ter que se arrastar para fora do riacho. Odiava ter que se abraçar a Jack para conseguir fazer isso. Quando finalmente chegaram à borda, ainda tiveram de fazer um grande esforço para lançar seu corpo para fora da água.

 

— Okay – o garoto tomou fôlego, apoiando-se nos próprios joelhos – A notícia ruim é que nossas roupas estão molhadas. A notícia boa é que o trem já está bem próximo, e a comida está a salvo por conta das embalagens. Viva o plástico!

 

— Sim, viva o plástico! Fodam-se as tartarugas! Que se dane o meio ambiente! – Rapunzel ironizou enquanto torcia seus longos cabelos, tentando tirar dali toda a água possível. Mal entendia o motivo de precisar responder a tudo o que o outro dizia com sarcasmo e provocações, apenas o fazia.

 

Suas pernas estavam encharcadas, mas aparentemente a água não tinha conseguido atingir seu tronco e braços, pois fora bloqueada pelas sacolas e o casaco grosseiro. Assim que sentiu que o cabelo já estava mais seco, ela pegou as compras e passou a marchar de volta ao trem, ignorando os pedidos de espera atrás de si.

 

 

Jackson estava enrolado em dois cobertores coloridos e felpudos, com o corpo encolhido para que nenhuma única célula entrasse em contato com o frio do lado de fora do seu casulo. Já havia trocado suas roupas por algo seco e mais quente. Viu Rapunzel surgir no corredor, passando várias vezes um pente roxo pelo cabelo. Ela usava um moletom azul-claro com alguns flocos de neve e os dizeres “Deixe a neve cair” escritos em letra cursiva. A palavra “neve” estava destacada num tom de azul mais escuro, enquanto o resto da frase estava em preto. Com certeza havia mais uma ou duas blusas de frio por baixo daquele moletom, visto que uma gola preta subia pelo pescoço da loira. Ela sentou-se ao lado do garoto, guardando o pente na bolsa e pegando uma sacola com pãezinhos de canela e o que parecia ser uma garrafinha de leite achocolatado que com certeza já estava frio.

 

A garota comia o seu lanche calmamente, como se nada tivesse acontecido e tudo naquela noite estivesse perfeito. Ela encarou o albino, que a observava vidrado.

 

— Quer um? – Rapunzel ofereceu, abrindo a sacola para ele. O cheiro delicioso de canela proveniente dos pãezinhos fez seu estômago roncar e, quase sem pensar, ele aceitou.

 

Um momento de silêncio se seguiu, até que Jack decidiu falar. — Está sendo uma noite difícil.

 

— É, está mesmo. Mas tudo bem, logo o trem vai voltar a funcionar e chegaremos aos nossos destinos.

 

Um segundo depois, a voz feminina apareceu novamente nos auto-falantes.

 

— Senhoras e senhores, devido a neve intensa, infelizmente só poderemos continuar com a viagem pela manhã. Caso estejam cansados demais para permanecerem acordados, sintam-se a vontade para utilizar os vagões leitos do “andar de cima”. Pedimos desculpas pelo transtorno.

 

Jack desviou o seu olhar dos auto-falantes para a loira ao lado, que parecia estar prestes a entrar em pânico.

 

— Só... S-só amanhã de manhã... – lágrimas começavam a brotar em seus olhos e seu corpo tremia em espasmos devido aos soluços.

 

— Ei, fica calma. – o garoto afastou os cobertores, aproximou-se dela lentamente e a abraçou com cuidado, sentindo que a qualquer momento ela poderia ativar um campo de força que baniria Jack para bem longe dela, do lado de fora do trem. Invés disso a menina agarrou-se a ele, aconchegando-se no abraço.

 

— É uma noite inteira de viagem da Califórnia até Corona, Jack. – ela disse entre os soluços – Eu vou me atrasar. Não vou conseguir chegar em casa antes do Ano Novo.

 

— Shhhh... Você não vai se atrasar. Nem devemos estar mais na Califórnia! Olhe bem, você reconhece essas ruas?

 

— Frost. Tudo está coberto de neve. Eu não conseguiria reconhecer nem mesmo a rua do nosso prédio.

 

— Bom, eu conseguiria e digo que essa rua aqui – ele apontou pra janela – Com certeza não é californiana. Estamos mais perto de Corona do que parece.

 

Ela afastou-se do abraço e assentiu com a cabeça. Jackson estava certo. Tateou o bolso da calça, procurando pelo celular. Queria olhar no GPS para descobrir onde estavam. Foi aí que se lembrou: o celular estava no bolso da outra calça, que agora secava no banheiro do trem. Com certeza já não funcionava mais. Seus olhos voltaram a se encherem d’água e sua respiração ficou pesada.

 

— Está tudo dando errado! Eu não posso nem mesmo avisar à minha família que vou me atrasar!

 

Rapunzel murmurava palavras incompreensíveis e grunhia vez ou outra. Aquilo já estava enlouquecendo o garoto. Ele segurou o rosto da garota com as mãos, olhando nos seus olhos verde-oliva. Seus polegares acariciavam as bochechas da loira, que engoliu o choro ao encarar os olhos de Jack.

 

— Uma vez meu pai me disse que quando tudo parece dar errado, é porque no fim algo grandioso e especial vai acontecer. Relaxa, vai dar tudo certo. Para melhorar, as coisas precisam ficar ruins antes, certo?

 

Ela sorriu fraco. — “Algumas tempestades chegam apenas para testar a força das nossas raízes.”

 

— É da sua coleção de frases prontas? – Jack perguntou, fazendo a loira rir.

 

— Sim, eu tenho um livro de frases prontas guardado no meu cérebro.

 

O garoto sorriu e beijou a testa da menor, levantando-se em seguida. — Vem, precisamos descansar.

 

 

Rapunzel acordou com a luz do sol atingindo suas pálpebras. Algum ser divino abriu a droga da cortina do vagão-leito onde estava dormindo. Só então percebeu que o trem se movimentava. Ela levantou-se bruscamente, vendo Jack sentado ao seu lado atacando um pacote de doces de goiaba cobertos de açúcar que a menina havia comprado. Sua poltrona ainda estava inclinada, mostrando que sua intenção era deitar-se novamente quando acabasse de comer.

 

— Há quanto tempo estamos na estrada?

 

— Cerca de quatro, no máximo cinco horas. O trem partiu bem cedo. – Jackson respondeu depois de comer o último docinho. Olheiras se formavam sob seus olhos e ele bocejava a cada quinze segundos.

 

— Passou a noite toda acordado?

 

— Eu sou o Batman. Não durmo de noite.

 

— O Batman dorme de noite sim! – ela protestou rindo.

 

— Por acaso você já leu alguma HQ em que ele dormia? Quem nos garante que ele não age como um morcego realmente? – A menor apenas sorriu, desistindo de discutir com o albino. – Você dorme de uma forma tão... serena.

 

— Me observou dormindo?

 

— Desde que você fechou os olhos até agora. Aliás, acredito que não estamos muito longe de Corona.

 

Aquela frase deveria alegrá-la, mas Rapunzel já não tinha mais certeza se queria se afastar do garoto. No começo a ideia de passar tanto tempo com ele parecia loucura, e agora a ideia de deixá-lo parecia sufocante. Ela sentia que precisava dar a Jack uma certeza de que voltaria para ele. Precisava ter uma certeza de que ele voltaria para ela, mesmo que não fosse seu.

 

Sem dar tempo para raciocinar direito, ela avançou na direção do albino e agarrou seu rosto num movimento desesperado, colando seus lábios nos dele.

 

O ato inesperado fez com que o sistema racional de Jackson parasse de funcionar e, por um instante, ele ficou totalmente paralisado, tentando assimilar o que estava acontecendo. No instante seguinte já estava devorando os lábios da garota e rodeando seu corpo pequeno e delicado com os braços. Precisava tê-la junto dele, o mais próximo possível. Seus dedos se embolavam nos fios dourados que agora pareciam estar por todos os lados. Somente quando seus pulmões imploraram por oxigênio eles se separaram.

 

Eles ficaram se encarando por um tempo até que o trem parou. Estavam em Corona. Como se seu corpo fosse eletrizado por um choque, Rapunzel juntou suas malas de forma rápida e arrumou os cabelos freneticamente, antes de voltar a encarar Jack. O albino anotava números num pedaço de papel familiar e logo o entregou para a garota. Ela analisou ambos os lados do papel. De um lado estavam números e uma letra de garrancho, como se quem escreveu aquilo estivesse com pressa. Este era o lado escrito por Jackson. O outro também possuía números, estes escritos em caneta vermelha e seguidos pelo nome “Elsa” em letra cursiva logo abaixo.

 

— Não vou precisar disso. – ele garantiu. – Me liga quando estiver em casa?

 

Rapunzel assentiu com a cabeça e se aproximou, sem saber o que fazer. No fim, acabou se jogando nos braços do garoto e lhe dando um abraço apertado.

 

— Obrigada. Por tudo.

 

Os dedos dele correram pelos fios longos. — Promete que vai voltar para mim?

 

A loira sorriu, percebendo que esta era a sua insegurança momentos antes. — Eu nunca fui sua.

 

— Você sempre foi minha.

 


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Notas finais do capítulo

That's it c: