Um Pedido de Socorro escrita por Liza Maia


Capítulo 1
Único




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Isso deveria ser uma carta de despedida, e em vez disso, vai ser um texto cheio de metáforas sobre a minha vida, devaneios sobre o ser humano e questões existenciais sobre a morte.

A gente deveria ser feliz, né?

Aproveitar a vida como ela é, por mais que ela seja bem difícil de aguentar às vezes. Acreditar que sempre há algo mais, um dia triste que será recompensado com dois felizes. Mas nunca é assim; a insatisfação está no meu sangue.

É sempre tão difícil se sentir magoada. Aquela dorzinha no peito, o bolo na garganta, o corpo sem saber como se mexer. Esses sintomas estão cada vez mais constantes no meu dia a dia, e eu não sei quando foi que eu comecei a deixar a tristeza me afetar tanto. No começo um sentimento ruim surgia, mas depois de muito ignorado, ele ia embora eventualmente. E eu ria até chorar, só pra poder soltar algo no mundo que não fosse negativo.

Foram quatro meses.

Acumulando tudo, pensando nisso, se eu realmente deveria me expor a esse ponto. Eu só não queria machucar ninguém. Minha mãe, principalmente; ela é sempre a que mais acredita em mim, no meu lado forte. Na Juliana bonita e confiante, que sempre se esforça pra ser altruísta.

Me desculpa, mãe. Eu sou egoísta.

Eu não me importo se eu vou machucar quem eu gosto. Eles me machucaram muito mais; não que alguém mereça a tristeza. Eu só não quero mais sentir esse soco no estômago, todos os dias.

Quando eu tinha treze anos eu brigava muito com meus pais. Era difícil, porque eles tinham acabado de se separar, e eu não ajudava em nada o processo. Então eu inventei uma brincadeira comigo mesma: eu não podia chorar. Se eu chorasse, perdia o direito de ficar brava com eles. Funcionou muito por alguns meses; eu respirava fundo, pensava em outra coisa e passava. E o sentimento não acumulou; eu amo meus pais, e não tenho nenhum remorso dessa época.

Mas hoje em dia eu já não consigo mais. Já não dá pra fingir que está tudo bem, e depois acreditar nessa mentira, tornando-a verdade por consequência. Parece que eu cresci e me tornei uma pessoa pior, que não aceita desculpas, que guarda rancor dos outros e ignora o fato de que ninguém é obrigado a saber exatamente o que você está sentindo.

Eu penso muito sobre quando eu era mais nova. Porque eu era aquela Julianinha de onze a quatorze anos feia, cheia de espinha na testa, um aparelho no dente e cabelo comprido estufado. E eu engordei e me sentia pior ainda quando me olhava no espelho, cortei o cabelo e eu parecia um menino; naquela época nada parecia dar certo, e eu passei pelo longo processo da puberdade com uma autoestima abaixo da terra e zero confiança nos outros. Eu não sei porque era tão difícil pra mim eu aceitar o que eu era. Eu ainda não sei por quê.

Aí eu mudei.

Pintei o cabelo de azul, deixei ele crescer de novo e tirei o aparelho. As espinhas diminuíram e agora eu até que tinha uns amigos próximos. Com o tempo a autoconfiança aumentou, o empoderamento funcionou.

Aí veio o Ensino Médio, e todo o estresse de estudar pra vestibular e novos amigos e novas brigas. E no primeiro ano eu só queria que tudo fosse melhorando.

Não foi o que aconteceu.

O ano passou tão rápido e ruim que eu nem tive tempo de respirar fundo e pensar em outras coisas, como fazia com treze anos. Eu só observei de fora tudo desmoronar dentro de mim aos poucos, até esse momento.

O momento em que eu quero gritar que EU NÃO AGUENTO MAIS. O segundo ano mal começou e eu já briguei duas vezes com minha suposta melhor amiga – suposta porque parece que ela já não pensa em mim de um jeito tão especial quanto eu penso nela –, saí com dois caras que não eram nada certos pra mim e me isolei a ponto de começar a ter preguiça até de falar com meu melhor amigo. Faltei quase dois meses nas aulas de teatro, que me faziam tão bem e agora parecem só mais uma atividade no meu currículo, gastei muito dinheiro sem minha mãe saber comprando coisas na internet que eu sei que não preciso, sem mencionar o meu pai, que está meio desempregado e mora num lugar que eu nem sei onde é, mas não parece nada legal quando ele descreve.

Aí no meio da aula eu fico pensando essas coisas, e vem aquelas imaginações mórbidas e perguntas existenciais: será que a morte é mesmo o fim? Ou depois realmente tem algo ou alguém celestial te esperando?

Porque eu acredito no espiritismo, e eu acredito que existe um lugar muito mais avançado espiritualmente esperando por nós depois que a gente se for. Mas será que eu vou pra lá? Dizem que quem tira a própria vida é condenado. Mas eu só quero acabar com essa dor; porque eu vou ser condenada por fazer algo que me tiraria um mundo da consciência?

E ainda por cima de tudo isso tem a questão mais importante de todas: como eu vou fazer isso?

Na minha família existe um caso de partida dessa pra uma melhor à força, e ninguém enxergou a tempo. A preocupação constante da minha mãe quando me vê triste é compreensível, e eu não quero ser o caso decisivo, aquele que diz “fiquem de olho, duas pessoas já foram, quem vai ser o próximo a enlouquecer?”. Principalmente porque os olhares recairiam sobre minha prima mais nova, que eu tenho certeza de que nunca vai ter que passar por toda essa complicação que eu passo já que ela é bonita, alta, magra, um exemplo de padrão social, mas ninguém dos mais velhos vai perceber isso.  Se eu realmente for embora, todo mundo vai achar que foi negligência e vai acabar sufocando minha prima. E eu não quero isso.

Existe mais um fator, também. O principal, provavelmente.

Eu me descobri frágil.

As pessoas não podem mais ficar chateadas comigo, ou me chatear. Se isso acontece eu já quero morrer, que nem agora, e muitas vezes acabo quase tentando mesmo.

Hoje é um desses casos, mas eu sei que dessa vez é definitivo. Porque eu já estou com o desinfetante no copo, a lâmina do meu lado e meu seriado favorito passando. Minha mãe deitada no quarto ao lado nem imagina o que está prestes a acontecer, e eu só espero que ela me encontre quando já seja tarde demais, porque eu odiaria ver ela chorar por algo estúpido que eu fiz.

No final, eu nem sei pra quem vou mandar essa carta. Porque ninguém vai querer saber os motivos; nunca vai parecer suficiente. Eu acho que vou deixar ela aqui, numa tela aberta do computador, flutuando como um bilhetinho de geladeira. Friends passado ao fundo, no episódio em que Chandler e Monica vão adotar um bebê.

Uma nova vida vai começar ali no seriado, enquanto ironicamente, na vida real, eu vou estar tirando a minha.


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Notas finais do capítulo

É, essa sou eu.



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