Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 21
Stannis Baratheon


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo tem muita informação porque é onde termina o livro 5 e o seriado modificou muita coisa sobre os acontecimentos no Norte. Para deixar claro o que estava acontecendo ao fim de Dança dos Dragões eu tentei explicar ao máximo como as coisas estavam acontecendo no Norte no fim do livro e dar nome as Casas que estavam do lado de Stannis ou não (no seriado estava todo mundo do lado dos Boltons, o que é absurdo).
Quanto a Stannis Baratheon, ele _nunca_ queimou a filha nos livros. O Stannis Baratheon dos livros não tem absolutamente nada a ver com o retratado no seriado. É sem dúvida o personagem mais distorcido pela série da HBO inteira.



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STANNIS

— Eu vou repetir mais uma vez para que entre na cabeça de vocês: não irei queimar pessoas vivas diante dos muros de Winterfell, com ou sem sangue de rei, entenderam?

Stannis Baratheon falou por entre os dentes, irritado. Estavam na pequena e apertada torre de pedras que estava lhe servindo de quartel general. Desde que saíram vitoriosos de Bosque Profundo haviam se instalado na pequena vila próxima a Winterfell onde estavam ocultos das vistas do Bastado de Bolton pela neve e pelas árvores da Mata de Lobos. Antes de passarem o castelo a fogo, aquela vila era um lugar habitado, mas com a queda da Casa Stark fora abandonada por seus habitantes que fugiram para os castelos mais próximos em busca de abrigo no inverno, abrigo que a Casa dos lobos não lhes dava mais. Depois de retomarem Bosque Profundo fazendo Asha Greyjoy e seus homens de refém, Stannis e seus homens, os clãs das montanhas, a Casa Mormont e a Casa Glover que se uniram a ele em Bosque Profundo, marcharam para Winterfell para tomar o castelo de volta da mão dos Boltons. Quando já em campo, encontraram Theon Greyjoy e Arya Stark que haviam fugido das garras do Bastardo saltando das muralhas do castelo direto para a neve. Arya estava em repouso e Greyjoy em correntes.

— Vossa graça – falou um cavaleiro que era um dos homens da rainha – quando queimamos os prisioneiros a neve derreteu e conseguimos chegar até aqui em segurança. Imagine se queimarmos alguém com sangue de rei... R’hllor garantirá nossa vitória sobre os homens do Bastardo.

— Queimei aqueles homens porque comeram carne humana, o que é contra as leis de todos os homens e todos os deuses, e ainda assim os nortenhos pensaram em me abandonar. Se queimar mais alguém, ganho o campo e perco meu exército, Sor.

— Os nortenhos também querem Theon Greyjoy morto, vossa graça – outro cavaleiro emendou dando apoio a ideia do amigo – ele tem sangue de rei. Diga a eles que está fazendo o mesmo que ele fez com as crianças Stark: fogo se paga com fogo e ele queimou os dois.

Verdade, ele queimou os garotos Starks”, Stannis pensou, “mas os nortenhos não querem que ele seja dado ao fogo do deus vermelho, eles querem que seu sangue seja derramado para as árvores, á moda do norte, uma decapitação para pagar o sangue aos deuses antigos”, ou pelo menos fora isso que dissera Asha Greyjoy, irmã de Theon. Os nortenhos chamavam a magia de Melisandre de bruxaria, não importa se inocente ou culpado fosse posto na fogueira.

— Devemos partir para batalha em campo aberto, R’hllor está do nosso lado, se o queimarmos seremos vitoriosos – falou de novo o cavaleiro e vários homens concordaram satisfeitos.

Na pequena e apertada sala da torre sem janelas, oito de seus generais se reuniam para decidir sobre a ofensiva a Winterfell. A sala só tinha uma mesa e uma cadeira, no canto um mini armário com muitas velas, cera e pergaminho, logo ao lado as correntes onde Theon estava preso durante dias desde que fora “resgatado” de sua fuga de Winterfell junto a Arya Stark. A garota saíra com duas costelas quebradas após pularem das Muralhas e o nariz congelado no caminho pela neve, agora virava um ferimento grave que deixaria uma cicatriz em seu rosto pelo resto da vida. Não que fosse ser um problema, se ela for a herdeira de Winterfell o menor interesse de seu futuro marido vai ser em sua aparência.

— Vossa graça, partir para enfrentar o Bastardo em campo aberto... é suicídio – falou um de seus cavaleiros.

Os homens começaram a reclamar e o chamaram de covarde. Dos oito homens presentes na reunião, seis eram devotos de R’hllor. “Homens da rainha, como diriam os patrulheiros da Muralha”, Stannis pensou impaciente, “somente dois desses são meus homens. Os outros seguem ao deus vermelho e não a mim”.

— Não temos homens o suficiente – o outro de seus homens falou – e não temos o campo. Somos pouco mais de mil homens...

— Mais de três mil a última vez que contei, ou o senhor não sabe contar? – reclamou o cavaleiro servo do deus.

— Somente mil são nossos, dois mil são nortenhos.

— Nortenhos a serviço do nosso Rei Stannis.

— Nortenhos que não lutarão com Casas que considerem suas irmãs. Não sabemos quais estandartes vão vir com o Bastardo. Não sabemos se os nortenhos vão lutar entre si.

— Irão se assim for ordenado pelo Rei.

Queria que fosse tão simples”, o rei pensou enquanto assistia a discursão de seus homens. “Sim, é o dever dos nortenhos lutar quando eu ordenar e sei que darão seu melhor contra Freys e contra Boltons, mas e se do outro lado for a Casa Umber, eles vão lutar? A Casa Manderly? Hornwood? Eles todos tem mais amizades com essas Casas do que comigo”.

— Vossa graça...

— Mas...

— Deveríamos...

— Não podemos...

— Saiam todos – Stannis mandou, perdendo a paciência e fazendo todos se calarem ao mesmo tempo. – Seus conselhos são inúteis. Deixem-me sozinho.

Os homens abaixaram a cabeça e saíram deixando o rei sozinho. Eram um bando de inúteis que se dividiam entre o pessimismo total e o otimismo exacerbado. Davos Seaworth saberia lhe dar o conselho certo, mas Davos se fora, estava morto com cabeça e mãos enfiadas em estacas sobre os muros de Porto Branco.

Sentou na cadeira frustrado, um mapa do norte aberto a luz de duas velas sobre a mesa a sua frente. Há poucos dias Stannis descobrira que a Casa Karstark o havia traído. Fora a primeira casa do Norte a declarar-lhe apoio e somente ali, diante dos muros de Winterfell, Stannis descobrira que os Karstark estiveram aliados com os Boltons esse tempo inteiro para leva-lo até ali e entregar sua localização. Assim o Bastardo poderia cair sobre seus homens de surpresa e esmagar de vez os planos de Stannis. Assim que provara a traição cuidou de matar os senhores traidores, poupando ainda todos os seus homens que sequer conheciam seus planos, eram inocentes de tudo, e agora estavam junto a seu exército sem um líder sequer, se apoiando em outras Casas do Norte como se fossem seus próprios senhores. Os homens nem tinham certeza para quem passará o castelo de Karhold, talvez a jovem Alys Karstark, com quem o tio tentara casar seu filho a força para ficar com sua pretensão as terras.

Os homens de Karstark preferem seguir qualquer senhor de qualquer casa menor do Norte do que a mim, nem parece que eu sou o Rei aqui”, pensou frustrado, “seguiriam Lord Snow que tem o sangue certo, mas ele cuspiu em minha oferta”.

Stannis havia oferecido Winterfell ao Lord Comandante Jon Snow, mas ele se recusara a sair da Muralha e abandonar seu posto na Patrulha da Noite. Stannis oferecera tudo a ele, perdão real pela deserção, Winterfell e ser legitimado, tudo que todo bastardo desde Dorne até a Muralha devia sonhar, mas ainda assim o lobo recusara. Um ato muito nobre, tinha que reconhecer, embora tivesse a impressão que devia ter algo por trás da recusa do rapaz muito mais forte do que seus votos para Patrulha da Noite. Nenhum bastardo recusaria o nome de sua família sem ter um motivo muito forte por trás.

Mas ele ajudou-me mesmo assim. Os homens que tenho lá fora foi ele quem me deu, me falou onde acha-los e como faze-los ficar do meu lado. Sem Snow eu teria sido esmagado por Roose Bolton e Ramsay Snow tentando recuperar o Forte do Pavor. Discretamente, sem levantar uma bandeira a meu lado, Lord Snow está me ajudando no que pode, eu sei que sim”.

Um barulho de passos apressados veio da escada da torre fora da sala e o Rei se levantou impaciente. Havia ordenado que o deixassem só, como poderia esperar que seus homens marchassem para a batalha se eles não conseguiam obedecer a ordem mais simples de não entrar em sua sala? Depois de duas batidas apressadas na porta a pessoa entrou sem esperar resposta nem anuncio e o coração do Rei deu um salto com quem viu entrar.

— Sor Davos?!

Os deuses deveriam estar brincando com Stannis Baratheon, pois quem entrou pela porta, ofegante da subida dos degraus as pressas e com flocos de neve derretendo em seus cabelo era ninguém mais ninguém menos que a Mão do Rei, Sor Davos Seaworth, o Cavaleiro das Cebolas, que em teoria deveriam estar morto com sua cabeça na ponta de uma lança.

— Vossa graça – Davos falou.

— Como isso é possível? – Stannis questionou incrédulo. Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo, que seu Cavaleiro das Cebolas estava vivo.

Mesmo que seus olhos o vissem, parecia inacreditável demais para ser verdade. Depois de tudo que os deuses lhe tiraram, era a primeira vez em sua vida que os deuses davam algo de volta ao rei.

A vida de Stannis Baratheon era uma sucessão de perdas sem ganhos desde sempre. Quando ainda criança fora um menino de poucos sorrisos nem brincadeiras infantis, sua melhor lembrança da juventude era ter encontrado um falcão ferido que dera o nome de Asaltiva, o qual cuidou com afinco dia e noite para que não morresse. O pássaro sobreviveu e ele o amou por ser seu, por seu algo que salvara, mas o falcão nunca mais voou e sua família o forçou a abandona-lo enquanto Robert rira dele e o chamara de idiota e idiota ele se sentiu por isso. Se a infância fora ruim, não se comparava a adolescência trágica. Certa vez seu pai viajara com sua mãe para as cidades livres e comprara um escravo para ser seu novo bobo da corte. “Talvez ele possa fazer Stannis sorrir”, dissera numa carta, mas o navio de Lord Steffon Baratheon naufragara em uma tempestade na volta para casa, já as vistas do castelo e Stannis assistira o navio do pai ir a pique das Muralhas do castelo. Ainda era só um rapaz verde quando ajudara os homens a tirar os corpos da praia de Ponta Tempestade por dias e dias, até que uma das ondas trouxe o bobo da corte, rosto tatuado de escravo, nu e completamente louco cantando canções sobre mortes e o mar. Tinha dezenove anos quando Robert entrara em Rebelião junto a Casa Stark contra Rhaegar Targaryen e o Rei Louco. Quando Robert ordenou que segurasse o castelo a todo custo, não pensou duas vezes para obedecer ao irmão que o detestava e que chamava de irmão ao lobo, não á ele. Segurou o castelo por um ano e meio em meio a fome e o desespero até que Lord Eddard Stark veio em seu auxílio e furou o cerco dos Tyrell. Robert parabenizou a Stark, não a Stannis, mas Stannis não esperava mesmo os parabéns: não fizera mais do que seu dever. Quando Robert deu a ordem para que fosse a Pedra do Dragão matar Viserys e Daenerys Targaryen, não vacilara, apenas obedecera, não era culpa sua se quando chegara as crianças já não estavam mais lá. Mas fora punido por Robert mesmo assim, perdendo Ponta Tempestade, sua casa, aquela que mantivera por um ano e meio de cerco, e sendo mandado para Pedra do Dragão, o castelo que não havia tomado a tempo.

A vida pessoal era ainda pior. Seu casamento fora arranjado numa aliança entre casas que agregassem vantagens a Robert, ninguém perguntou o que o jovem Stannis queria, então ele obedecera ao que lhe foi ordenado. Na noite de suas núpcias Robert desonrara a prima da noiva e ainda gerara um bastardo em sua cama.  A sua feia esposa Selyse, ele não suportava, sendo sua cama de casado um verdadeiro martírio que preferia evitar a todo custo. Sua filha, única coisa doce que a vida lhe dera, sua doce Shireen Baratheon, adoeceu ainda pequenina da mortal Escama Gris que deixara sua princesinha com parte do corpo e rosto petrificado, uma doce garota deformada pelo resto da vida. A única companhia da triste menina era o bobo da corte louco que seu pai quisera dar a ele e suas canções sobre a morte e o mar.

Quando Robert morrera e Stannis se tornara o único verdadeiro herdeiro do trono de ferro, o reino inteiro deu-lhe as costas, mas Stannis não ficou surpreso: estava mais do que acostumado a pessoas dando-lhe as costas. A última pessoa que o amou, o velho Meistre Cressen que terminou de cria-lo após a morte de seu pai, morreu no começo da guerra diante de seus olhos tomando o veneno que tentou dar a Lady Melisandre. Não lhe sobrara ninguém que se importasse e a cada dia lhe sobrava menos motivos para se importar de volta.  Sua vida parecia o refrão da triste canção nortenha de Danny Flint o Bravo:

Oh Danny Flint you'll never escape

Oh Danny Flint você nunca vai escapar

The Fate the Gods have written

Do destino que os Deuses escreveram

And life must seem the cruelest jape

E a vida parece ser a mais cruel das brincadeiras

Oh Brave Young Danny Flint.

Oh Brava e jovem Danny Flint.

Os deuses, novos, antigos e o vermelho, pareciam estar brincando com Stannis Baratheon a mais cruel das brincadeiras.

— Você está vivo – Stannis falou olhando para Davos, um peso enorme saindo de seus ombros cansados. – Como isso é possível?

— Sente-se, senhor, temos muito que conversar.

Davos levou poucos minutos para tentar por em palavras o mais resumidamente que podia tudo que passara desde que saíra de Atalaieste do Mar rumo a Porto Branco. Como parte dos navios naufragou e Salladhor Saan o deixara para trás; como chegara em Porto Branco para encontrar Freys banqueteando com o Senhor Manderly; como fora feito prisioneiro enquanto um bandido qualquer fora morto em seu lugar e sua cabeça colocada sobre os muros com uma cebola entre os dentes e principalmente como Lord Manderly o incumbira de ir numa missão quase suicida em busca de um garoto Stark perdido.

— Então Lord Manderly sabia esse tempo todo que um garoto Stark está vivo?

Estava— Davos corrigiu – quando finalmente chegamos a Skagos, Rickon Stark estava morto. Encontramos a mulher selvagem que fugiu com ele presa como escrava, os ossos do menino numa cova rasa, a carne fora comida em algum ritual.

Stannis fez uma careta. Era de conhecimento de muitos a lenda de que ainda haviam nativos canibais em Skagos, mas quando se estava do outro lado de Westeros, longe do Norte, ninguém gostava de lembrar desse fato.

— Então o Lord-gordo-demais-para-sentar-a-cavalo tinha um plano para coroar um Stark esse tempo todo. Por isso não curvou o joelho a mim.

— Eu trouxe os ossos do garotinho e agora repousam nos túmulos de Porto Branco, imagino que seja o mais próximo que ele terá de um herdeiro Stark, meu senhor.

— Como pode ter certeza que era mesmo o garoto Stark? Theon Greyjoy é meu prisioneiro, ele jura ter queimado os dois meninos.

— Corpos queimados são difíceis de se reconhecer, meu senhor. Os homens veem aquilo que querem, viram duas crianças mortas e pensaram ser os meninos Starks – o cavaleiro suspirou – assim como a cabeça de um velho com uma cebola entre os dentes e uma mão com dedos cortados parecia para todos os restos mortais do Cavaleiro das Cebolas. Mortes são forjadas em guerras, corpos irreconhecíveis a melhor forma de escondê-los. Sabemos que Rhaegar Targaryen está morto porque dez mil homens o viram morrer; sabemos que Tywin Lannister está morto porque Kingsland viu seu corpo, mas podemos dizer o mesmo de navios naufragados e corpos apresentados ao povo sem uma cabeça? Nós vimos o que queremos ver, vossa graça.

— Concordo. Lord Manderly não foi o primeiro e não será o último Lord a forjar uma morte de um inimigo enquanto o faz prisioneiro, mas se vemos o que queremos ver, quem garante que os ossos que trouxeram era de Rickon Stark? Já era difícil provar a identidade de um garoto Stark vivo, como provar a de um Stark morto?

— A resposta para essa questão o senhor precisa ver com seus próprios olhos, meu senhor – Davos falou indicando que o Rei o acompanhasse para fora da sala.

Os dois homens saíram da torre para o frio do inverno lá fora. Lá fora um pequeno caos se formava. Davos não viera sozinho, havia viajado de Porto Branco até Winterfell com cem homens de Porto Branco que Manderly havia deixado para trás estrategicamente quando marchara com os Freys para se juntar a Roosy Bolton em Winterfell. Além dos homens de armas, havia ainda um primo de Lord Manderly e um irmão de Lord Glover liderando as tropas. Agora que haviam alcançado o exército de Stannis, as casa do Norte com o Rei se aproximavam dos homens de Porto Branco e criavam um tumulto em volta do grupo recém chegado.

Davos e o rei abriram caminho por entre os curiosos até a entrada da pequena vila onde estavam os cavalos e carroças que haviam trazido desde Porto Branco. Uma carroça enorme puxada por quatro cavalos dos bons estava toda coberta por mantos pretos ao centro do grupo cercado de curioso que mantinham uma distância segura de alguns metros. Dois homens com aparência importante estavam ao lado da carroça quando o Rei se aproximou.

— Vossa Graça – Davos apresentou – esses são Robertt Glover e Sor Marlon Manderly.

— Lord Stannis – Sor Marlon cumprimentou enquanto Glover apenas acenou com a cabeça.

Lord Stannis, ele disse. O garoto Stark está morto e ainda assim esse homem não me vê como seu Rei”.

— O que tem na carroça? – Stannis perguntou olhando desconfiado para os mantos pretos cobertos por uma fina camada de neve que escondiam o interior da carroça de suas vistas.

— A prova que o senhor queria. Encontramos ele guardando o túmulo do menino – Davos respondeu enquanto Glover e Sor Marlon retiravam o pano que cobria a carroça mostrando a todos ali seu conteúdo.

Um lobo gigante.

Stannis rangeu os dentes de tensão quando o viu, podia ouvir os sussurros ao redor enquanto todos ali olhavam extasiados para a criatura presa. A maior parte daqueles homens jamais vira um lobo desses, só ouvira histórias, já que não havia lobos gigantes ao sul da Muralha por mais de duzentos anos, exceto pelos lobos criados pela Casa Stark. Aquele lobo tinha quase o mesmo tamanho de Fantasma, o lobo do Lord Comandante, mas parecia duas vezes mais feroz. Em contraste com Fantasma e seu pêlo branco como a neve, esse lobo era negro como a escuridão. Andava dentro da jaula como um leão enclausurado, tão assustador quanto, os dentes de fora num rangido baixo, quase que desafiando algum deles a provar o quanto eram afiados, parecendo cedendo por sangue. Parou um instante, ergueu a cabeça para o alto e uivou.

O som do uivo fez Stannis e a maior parte dos homens arrepiar. Não era um uivo comum, era forte, alto e aterrorizante. Fantasma era mudo, nunca emitia som algum então era a primeira vez que o Rei ouvia aquilo. Não parecia o canto de um lobo, parecia o canto da própria morte se aproximando.

Então este devia ser um dos ditos poderes de Robb Stark, pelo que ouvi”, Stannis lembrou enquanto o som continuava fazendo seu sangue gelar. “Muitos disseram que a presença de seu lobo aterrorizava os exércitos inimigos. Talvez não fosse o tamanho que falavam, devia ser seu uivo. Parece o som da própria morte chegando”.

— É bem diferente de Fantasma- o Rei falou quando a criatura finalmente se calou, voltando a andar em círculos dentro da jaula, impaciente.

— É feroz e selvagem. Arrancou o braço de um dos homens quando tentávamos coloca-lo nessa jaula – Davos continuou apontando uma pata de trás ferida. – Tivemos que meter duas flechas nele para impedir que devorasse o pobre infeliz. Ainda assim ataca qualquer um que ouse se aproximar demais das grades. Totalmente selvagem.

— O que diabos Lord Eddard tinha na cabeça quando permitiu que seus filhos criassem essas criaturas? São bestas, não cachorrinhos – falou um dos homens devotos de R’hollor.

— São presentes dos deuses para a Casa Stark – Sor Marlon Manderly respondeu friamente.

— São demônios – o homem insistiu e vários dos homens sulistas concordaram, enquanto os nortenhos olhavam para a criatura com mais deslumbre do que medo. – Essa coisa não pode ser domada, vai matar qualquer um que chegar perto.

— O lobo do Lord Comandante é manso – Stannis falou.

— Ele é? – Robertt Glover perguntou, parecendo interessado. – Ouvi falar que o bastardo tem um lobo branco, mas não se fala muito sobre o lobo dele. Vento Cinzento, no entanto, era uma criatura magnífica. Talvez fosse um pouco menor que este, mas era tão inteligente quanto era feroz. Obedecia ao Jovem Lobo como se fossem um só.

— Isso é boato – disse um dos homens do Rei, descrente.

— Não é não – Glover retrucou.

— O lobo branco do Lord Comandante é maior que este – Stannis falou para Glover, então se dirigiu a seu homem – e tenho certeza que não é só um boato. Jon Snow é um warg, então Robb Stark também deveria ser um. Como os sulistas não entendem isso, achavam que o que Stark fazia era algum tipo de feitiçaria. Deve ser dai que vem a sua fama de demônio.

Warg?— o homem questionou olhando seu rei. – Sulistas?!

— Sim, um warg, troca-peles. Ele parece ter o poder de comandar a vontade do lobo.

— O bastardo pode fazer isso também? – Sor Marlon falou, parecendo realmente surpreso com aquela informação.

— Lord Snow é um filho da Casa Stark – Stannis falou e Manderly e Glover trocaram um olhar estranho entre si – imagino que os deuses se preocupem mais com o sangue do que com o nome. Seja lá o que Robb Stark fazia com Vento Cinzento, estou certo que Jon Snow pode fazer o mesmo com Fantasma.

— Interessante – Manderly falou.

— Muito interessante – Glover concordou enquanto eles encaravam um ao outro numa conversa silenciosa.

— Lord Glover, Sor Marlon e Sor Davos, me acompanhem. Há muitas coisas a serem explicadas além do lobo gigante.

Os homens acompanharam o Rei para fora do círculo de curiosos que aumentava conforme a notícia se espalhava sobre o lobo Stark encontrado. Logo o acampamento inteiro estaria ao redor da criatura, mas Stannis tinha assuntos mais urgentes enquanto o bicho não iria a lugar nenhum.

— Tem algo errado em sua história – o Rei falou tão logo haviam se afastado dos outros e subiam pela rua coberta de neve de volta a proximidade da torre onde Stannis estava hospedado. – Sobre os garotos Starks fugirem vivos de Winterfell.

— Garantimos nossa palavra quanto a isso, Lord Stannis – Manderly respondeu – o senhor viu o lobo que encontramos. Aquela criatura não guardaria um túmulo atoa. Bate com a história que o nascido no ferro nos contou. O lobo guardava o túmulo de uma criança, não pode ser coincidência, sem dúvida era a sepultura de um dos garotos Starks.

— Mas eu tenho Theon Vira-Casaca aqui como prisioneiro. Ele jura ter matado os dois e passado Winterfell a fogo.

— Então ele mente.

— Mas por quê? A mentira vai lhe custar a cabeça.

— Porquê os mentirosos mentem, eu também me pergunto. Porque é isso que eles fazem de melhor.

Stannis não entrou na torre quando chegaram, seguindo seu caminho e contornando a pequena torre de pedras, seguindo para a parte de trás onde as árvores eram mais densas e mais próximas a floresta. Os homens não questionaram seu caminho e continuaram o seguindo. Quando passaram a última casa de madeira, chegaram a um espaço aberto entre a vila e a floresta onde em tempos de verão deveria existir alguma plantação, mas no inverno nada mais é do que um campo coberto de neve e sem árvores por trinta metros até o limite da mata de lobos. Espalhadas pelo campo algumas tendas de acampamento para aqueles que não encontraram casas vazias na vila para se abrigar e ao fim do campo uma plataforma de madeira especialmente construída para sacrifícios a R’hllor que fora usada para decapitar os traidores Karstark dias antes. Não foram entregues ao fogo, mas a plataforma para mortes públicas cumprira seu papel.

— Pelos deuses – Sor Marlon exclamou olhando para a pessoa na plataforma – o que é isso?

— ‘Isso’ é Theon Greyjoy – Stannis respondeu, passando pelos dois guardas a postos e os guiando até a escada lateral onde ficava a subida da plataforma.

O rei sulista entendia a surpresa daqueles homens muito bem, também ficou surpreso a primeira vez que o viu. O nascido no ferro parecia mais morto do que aqueles mortos que a Patrulha da Noite jurava ter visto além da Muralha. A aparência dele era cadavérica. Sua pele era enrugada e cinzenta, seu cabelo branco e escasso, as mãos e os pés perderam vários dedos e sua boca vários dentes, assim como perdera seu membro viril. O Vira-Casaca fora torturado e quebrado por Ramsay Snow até sobrar apenas uma criatura deplorável e meio enlouquecida que estava com as mãos e pés acorrentados a um tronco no centro da plataforma elevada naquele momento.

— Vira-Casaca, esses homens vieram falar com você – Stannis informou quando subiram os vários degraus da plataforma e se aproximaram do prisioneiro.

— Meu nome é Theon – o louco respondeu – precisa lembrar do meu nome.

— Eu sei seu nome. Conte a eles o que você fez em Winterfell.

— Eu salvei a garota – ele riu, um riso quase sem dentes e quase sem sanidade. – Salvei sim. Eu me lembro o nome dela. O nome dela é Arya da Casa Stark.

— Você quase a matou em sua fuga, mas não é de Arya que estou falando. Diga o que fez com os meninos Starks.

— Eu matei os dois. Bran e Rickon. Queimei seus corpos e os pendurei nas muralhas internas.

— E Winterfell?

— Passei a fogo – um riso cruel se desenhava em seus lábios feridos. – Matei todos e queimei o castelo. Sorridente queimou também, meu cavalo, Lord Eddard quem me deu. Era um belo cavalo e um belo castelo, mas eu queimei a todos. Eu fiz isso a Winterfell. Eu tenho que lembrar disso.

O Rei encarou Manderly, Glover e Davos que olhavam para Theon com certa incredulidade. Nenhum deles desmentiu a história. Davos havia lhe dito que não foi divulgado em Porto Branco a história verdadeira. Se possível fosse manteriam a história de que encontraram o lobo gigante por acaso.

— Mas você salvou a garota – Davos indagou – por quê?

O sorriso se contorceu numa careta.

— Porque ela me pediu. O nome dela é Arya. Arya Stark.

— Você conheceu o bastardo – Sor Marlon falou – o que acha dele?

Greyjoy estremeceu dos pés a cabeça ao ouvir aquilo, sua feição mudando de riso para completo horror.

— Não, não o chame assim – sussurrou assustado – Lord Ramsay Bolton é o nome dele. Precisa lembrar o nome dele. Ele machuca quem o chama por a outra palavra. É Lord Ramsay Bolton.

— Não esse bastardo – o cavaleiro prosseguiu – o lobo bastardo. O que sabe de Jon Snow.

O prisioneiro pareceu incerto ao ouvir aquilo, sua expressão de horror mudando para desconfiança.

— Jon Snow não está aqui – Theon respondeu desconfiado - o bastardo está na Muralha.

— O Lord Comandante desertou – Marlon Manderly falou fazendo Stannis encarar Davos com surpresa. O Rei não sabia disso. O maior problema de estar preso no meio da neve era ficar incomunicável. – Saiu da Muralha com destino a Winterfell, mas dizem que traz um exército de selvagens com ele, dizem que se aquece entre as pernas de suas mulheres e que ele próprio é meio selvagem agora. Que tipo de homem anda com selvagens, eu me pergunto. Me diga, Theon Greyjoy, que tipo de homem é o lobo bastardo.

O horror voltou aos olhos do prisioneiro.

— Ele vem por Arya Stark – falou arregalando seus olhos sem brilho – o bastardo é perigoso. É perigoso para Arya. Precisa mata-lo, senhor. Mate Jon Snow por deserção. Precisa mata-lo antes que chegue em Arya.

— Perigoso?

— Ele quer o castelo, meu senhor – Theon emendou falando rápido, - quer Winterfell para si. Bastardos são traiçoeiros. Jon Snow vai tentar reivindicar o castelo para si. Vai mentir sobre Arya Stark, vai enganá-los. Bastardos sempre contam mentiras. Jon Snow não pode ser Lord de Winterfell, a Casa Stark jamais permitiria, Arya é a Lady de Winterfell, senhor.

— Sei – Stannis respondeu.

Um uivo alto interrompeu a conversa. O lobo gigante podia estar preso do outro lado do acampamento, mas ainda assim seu uivo era alto, fantasmagórico e assustador.

— Vocês ouviram? – Greyjoy falou, um sorriso contorcendo seu rosto exibindo os poucos dentes que lhe restavam, seus olhos sem vida brilharam um pouco mais – Vocês estão ouvindo?! É Vento Cinzento! É Vento Cinzento me chamando... está me chamando para me juntar a Robb...

Os homens trocaram um olhar sem saber o que dizer enquanto o Rei os guiava de volta as escadas, deixando o prisioneiro sozinho em seus devaneios.

— Pelos Deuses, o homem está louco – Manderly comentou tão logo estavam de volta ao campo coberto de neve bem longe dos ouvidos de todos.

— Ele pensa que o lobo é Vento Cinzento, pensa estar ouvindo fantasmas – Davos comentou quando eles pararam no meio da neve. Stannis era o único que não parecia nenhum pouco perturbado pela loucura do prisioneiro.

— Talvez por isso afirma ter matado as crianças Starks – Glover concordou – talvez nem saiba mais o que está dizendo.

— Ah ele sabe sim – o Rei afirmou.

— Vossa Graça – Davos falou, ainda impressionado com o estado do jovem – Greyjoy está quebrado. Por fora e por dentro. Não sabe o que diz.

— Ah sabe sim – Stannis insistiu – tanto sabe como sugeriu que Lord Snow seja morto por deserção antes de encontrar Arya. Sabem o que isso significa?

— Que o bastardo pode querer matar a garota para ficar com Winterfell? – Glover indagou.

— Não – Stannis Baratheon afirmou com total certeza. – Significa que essa não deve ser a verdadeira Arya Stark. Ele quer impedir que Jon Snow a veja.


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Notas finais do capítulo

Rickon Stark está morto, sorry. Se ele estivesse vivo seria o legítimo herdeiro de Robb Stark e para a trama eu preciso que Robb não tenha herdeiro legítimo, senão isso ia tirar Jon Snow do páreo.
A morte de Davos foi o que me deu o plot dessa fic. Já foram forjadas várias mortes no livro como Aegon Targaryen, Rickon e Bran Stark, Sandor Clegane, Catelyn Stark (se bem que morreu mesmo), então quando li o livro 5 e vi a morte de Davos pensei que qualquer um que tenha tido um corpo irreconhecível poderia ter uma morte forjada: foi ai que me lembrei do corpo de Robb Stark com a cabeça de Vento Cinzento o tornando irreconhecível, muito semelhante a cabeça com uma cebola entre os dentes usada para forjar a morte de Davos.

p.s. Sobre a Casa Baratheon, estou colocando aqui no site uma pequena fanfic que escrevi há anos quando li os livros chamada PONTA TEMPESTADE sobre os três irmãos Baratheon. É bem diferente desta, mas sinto que infelizmente tem poucas fanfics sobre a Casa Baratheon para ler, então, é isso.



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