Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 17
Jaime Lannister


Notas iniciais do capítulo

Obrigada mesmo a todos os que não desistiram!



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A tenda estava lotada demais para o gosto de Jaime.

Amontoados, de pé, se acotovelando por um pouco mais de espaço, estavam os representantes dos Freys (nada menos do que seis pessoas muito mal humoradas, incluindo o detestável Ryman Frey), Brienne de Tarth, Devan e mais dois cavaleiros Lannisters. Todos de pé diante dos três emissários que haviam acabado de chegar das Gêmeas trazendo uma convocação de tropas que havia sido enviada de Porto Real.

— A Rainha Cersei se diz frustrada porque o senhor não tem conseguido receber suas cartas, Sor Jaime – o emissário falou.

"Recebi todas", pensou Jaime, enquanto ouvia tudo em silêncio. "Recebi, li e queimei uma por uma".

— A Rainha convoca todas as tropas Lannisters para lidar com seus inimigos, - o homem continuou. – E para proteger a cidade de possíveis ataques. O anão foi visto em Westeros de novo.

— Devaneios de minha prima – Devan interviu. – Tyrion nunca mais foi visto desde que matou o pai.

— Até agora, Sor. Há relatos de que foi visto em Dorne tentando juntar exércitos e de que atacou uma fortaleza no Vale onde havia escondido sua esposa.

— Com que homens ele invadiria uma fortaleza do Vale?

— Com um exército mercenário, senhor. O anão demoníaco e Sansa Stark se juntaram de novo para matar a Rainha Cersei.

— É Tyrion— Jaime corrigiu estreitando o olhar. – Não é "anão demoníaco", o nome dele é Tyrion e é um Lannister.

O emissário das Gêmeas não gostou de ser corrigido, mas não teve coragem de responder-lhe, então prosseguiu na mensagem.

—Todos os exércitos Lannisters e seus oficiais são convocados pelo Trono de Ferro, e aquele que não comparecer sofrerá consequências.

— Devemos voltar, - falou um dos cavaleiros vassalo dos Lannisters. – Porto Real não aceitará nenhum tipo de recusa.

— Devemos voltar imediatamente, - concordou um dos Freys, e seus parentes lhe deram apoio. – Para o diabo o Norte e seus castelos. Estaremos todos mortos antes de chegarmos a Winterfell. Sugiro que voltemos imediatamente.

Todos os Freys concordaram vigorosamente.

— Levamos os prisioneiros de volta as Gêmeas e vocês seguem seu caminho para Porto Real – outro deles deu a ideia.

— Podemos partir pela amanhã – o cavaleiro Lannister voltou a insistir. – Cada passo para o Norte é mais frio e difícil, assim como cada passo para o Sul mais quente e rápido. Assim que voltarmos as terras fluviais andaremos bem mais rápido e em poucos dias estaremos junto a Rainha.

— Temos que voltar, vocês não podem dizer não ao Trono – um Frey frisou. – Seguir para dentro da neve seria suicídio.

— Tínhamos uma missão no Norte – Devan falou, parecendo não ter gostado da convocação de Cersei.

— Winterfell foi passada a fogo – Ryman Frey continuou. – O Norte está quebrado. Deixe que a neve e a fome terminem o trabalho por nós. Quando o inverno acabar caminharemos sobre seus corpos congelados e tomaremos suas terras vazias.

— A vida da Rainha está em perigo – o emissário continuou. – Não se trata só do anão, senhor. A fé a julgará por combate, assim como a Flor dos Tyrell. O campeão tem que ser um integrante da Guarda Real. Sor Loras Tyrell lutará pela irmã, enquanto as pessoas rezam para que o senhor possa lutar pela sua.

"As pessoas rezam por pão e por verões que nunca terminem, estão cagando para a sorte de reis e rainhas", pensou Jaime, "MargaeryTyrell terá sorte, o Cavaleiros das Flores tem boas chances de vencer". Mesmo com o pouco tempo que passara ao lado do rapaz na Guarda Real trouxe-lhe uma visão mais clara do garoto Tyrell. Até tivera simpatia pelo rapaz.

— Os mantos brancos são sete, ainda haverá muitos homens para lutarem por Cersei sem mim – sentia-se cansado.

— Quer dizer que vamos desobedecer a uma ordem real, Sor Jaime? – um dos cavaleiros perguntou, e todos na tenda se mostraram tensos com a possibilidade.

— Não, de maneira alguma – ele deu um longo suspiro. – Vocês tem razão. Longe de mim ir contra o Trono de Ferro. Preparem seus homens, organizem suas tendas, partiremos ao nascer dos sol. Estão dispensados, senhores. Menos você, Devan.

Os homens o cumprimentaram com sorrisos vitoriosos, já se sentindo mais aquecidos só em saber que sairiam daquele gelo infernal. O único que mantivera seus sentimentos para si fora Devan, que observava Jaime como se esperasse mais informações sobre sua decisão. Brienne parecia que tinha tomado fel, uma carranca no rosto deixando claro que abominava a decisão de deixarem Stark ser levado de volta as Gêmeas depois de terem conseguido tirá-lo de lá.

— Brienne? – Jaime a chamou, quando estava saindo da tenda. Ela se virou emburrada. – Traga o prisioneiro aqui. Preciso falar com ele.

— Os dois?

— Só o garoto. Agora.

A mulher fez um aceno afirmativo com a cabeça e saiu da tenda, o ar frio da noite entrando com força nos poucos segundos que ela abriu para sair. Lá fora já era noite e o frio aumentava ainda mais. Jaime caminhou para a parte de trás da tenda, que dividia com o primo, onde ficavam suas camas aquecidas com peles, uma pequena mesa com comida e vinho. Sentia-se cansado de pensar o quanto as noites que havia acabado de passar foram ruins, e o quanto as próximas poderiam ser piores.

— Se tem algo para me falar é um bom momento agora – Devan começou enquanto Jaime sentava-se a mesa e começava a comer uma uva. Seu primo continuou de pé. – Não acredito que passamos vinte dias soterrados na neve para você deixar os Freys levarem Stark de volta as Gêmeas.

— Tem uma coisa que você precisa saber – Jaime falou, comendo uma segunda uva. Estava praticamente congelada e sem gosto. – E vou lhe dizer isso, por que confio em você. Gosto de você.

— Tem a ver com Stark?

— Tem.

— Eu não vou gostar, não é?

— Nem um pouco.

Devan fez uma careta, como se suas suspeitas estivessem se tornando reais. Suas piores suspeitas, infelizmente.

— Você não está pensando em ajudar Stark, está?

Jaime não respondeu de imediato, brincando com a terceira uva nos dedos, admirando a cor avermelhada, a firmeza que o gelo trazia a ela. Não havia uma maneira fácil de dizer ao primo o que ele precisava dizer.

— Quando estive em Winterfell os garotos Starks ainda eram crianças de verão – começou a falar, a atenção totalmente presa a uva, ciente do olhar atento que o primo lançava sobre ele. – Tinha um deles, Bran Stark, magrinho, inquieto, e bem jovem. Gostava de escalar os muros do castelo. As muralhas de Winterfell são incrivelmente altas, sua muralha interna tem trinta metros, mas ele escalava mesmo assim. Eu não sabia. Um dia, ele escalou uma das torres vazias, dez metros pelo menos. E olhou para dentro. Lá dentro ele viu Cersei e eu fodendo.

O cavaleiro ergueu os olhos da fruta para encarar o primo. Era difícil descrever o misto de sentimentos que passou pela face do outro, um toque de surpresa e fascínio, uma grande dose de decepção. Não sabia se o primo acreditara nos boatos espalhados por Stannis, se o que o chocava era a confirmação do incesto ou a presença do menino, talvez ambos.

— Eu empurrei o menino do alto daquela torre para morrer – continuou, já que Devan não parecia capaz de dizer nada. – Ele havia nos visto. Não havia outra opção.

Não era preciso ler mentes para saber que para Devan Lannister empurrar um menino do alto de uma torre porque o pegara cometendo incesto com a rainha, definitivamente, não era uma opção.

— Você... – seu primo começou, mas se calou.

— Eu comecei essa guerra, Devan.

Antes que o primo pudesse responder algo Brienne voltou trazendo o prisioneiro pelo braço. Havia neve no cabelo dela e sobre o capuz dele indicando que lá fora o inferno gelado ia cair ainda mais forte naquela noite.

— Tire o capuz dele e pode voltar para sua barraca, Brienne. O garoto dormirá aqui essa noite.

— Tem certeza? – ela perguntou, desconfiada, enquanto o rapaz tirava o capuz.

— Sim. Arrume suas provisões, partiremos de manhã – ele indicou a cadeira de frente a ele na mesa em que estava sentado. – Sente-se.

Se Stark estava desconfiado como Brienne, era muito bom em não demonstrar. Quando a garota lhe mandou um olhar preocupado, o rapaz fez um leve aceno de cabeça mostrando não se importar. Brienne ainda lançou um olhar acusador a Jaime antes de dar as costas e sair a passos largos. O garoto se aproximou da mesa e hesitou um pouco antes de sentar, mas obedeceu ao comando e sentou-se diante de Jaime.

— Ouviu sobre o emissário?

— Seus oficiais saíram comemorando – Stark falou num tom frio, ocultando qualquer sentimento que tivesse a respeito – voltarão para o sul amanhã.

— O exército Lannister marchará para Porto Real... – Jaime falou, atento a reação do rapaz - ...os Freys vão leva-lo de volta as Gêmeas.

Jaime observava com cuidado que tipo de reação ele teria; se sentiria medo de voltar ao calabouço, se sentiria raiva ou o amaldiçoaria, se ergueria a cabeça e enfrentaria a situação como um rei. Stark, no entanto, teve a reação mais perturbadora possível, ele não expressou reação alguma. Não demonstrou medo ou raiva, não demonstrou coragem. O rosto não se alterou, os olhos não reagiram. Não é que aquele rapaz não entendesse o quão ruim aquilo poderia ser para ele, ou que fosse indiferente. Não era nada disso. Stark era frio.

"Não vejo coragem nos olhos desse garoto, mas também não vejo medo", constatou, se sentindo incomodado com a ideia, "ele parece não sentir mais nada".

— Então? – perguntou, impaciente com a falta de reação – Não vai dizer nada?

Robb continuou o olhando, sua face tão inexpressiva quanto a grande Muralha de gelo.

— O que espera que eu diga?

O Regicida trocou um olhar com o primo, mas Devan continuava de pé, quieto, passando o polegar esquerdo sobre os lábios como se degustasse um gosto ruim. Não sabia como lidar com a revelação de Jaime e nunca soubera como lidar com o Jovem Lobo. Voltou a olhar para o rapaz.

— Eu não sei – suspirou – imagino que não queira voltar para as Gêmeas.

— Quer que eu implore? – Stark falou e até seu tom era distante. – Eu não vou implorar.

— Os Freys vão te bater – Jaime pressionou, começando a sentir raiva da falta de reação do rapaz – vão te quebrar. Vão te humilhar. Talvez te façam rastejar como um cão, como fizeram quando saímos das Gêmeas.

— Eles podem me quebrar – o Lobo respondeu, sem se abalar. – Podem me humilhar... mas não podem me fazer implorar.

— Não imploraria por sua vida?

— Talvez, se acreditasse que isso pudesse fazer alguma diferença. Não acredito.

"Stark não expressa nenhum tipo de sentimento", pensou. "Será que sente ódio? Desejo de vingança? Amor pela garota que custou seu exército? Será que sente remorso?"

— Se você expressasse qualquer porcaria já estaria bom – Jaime ralhou, tentando provocar qualquer reação que fosse. – Raiva. Um pouco de raiva seria bom. Ou medo. Ou lágrimas.

— No Norte, se chorarmos no inverno as lágrimas congelam sobre nossa face. Seriam lágrimas de gelo.

"Gelo esse garoto deve ter por dentro", pensou, cada vez mais inquieto. "A mãe é uma Lady com um Coração de Pedras; o filho um lobo com o coração de gelo".

— Então tente me subornar.

— Não tenho ouro suficiente para comprar um Lannister.

— Então chore, implore, grite pelos Sete Infernos ou pelos deuses novos e antigos que salvem sua vida – falou, sem conseguir mais se conter. – Eu só quero que me dê um motivo, um único motivo para salvar você. Quero que me diga por quê eu deveria trair minha casa e minha irmã e te levar para o Norte. Por quê diabos eu deveria ferrar a minha vida para salvar a sua?

O garoto suspirou.

— Não consigo pensar em nada.

O Regicida estava prestes a explodir de novo em mais uma enxurrada de provocações, mas seu primo falou primeiro.

— Você deseja morrer – falou Devan, e seu tom era de incredulidade ao falar com Stark. – Está cansado, desistiu de lutar. Você deseja a morte.

Aquelas foram palavras capazes de tirar Robb da muralha sob a qual se escondia e o rapaz expressou alguma coisa. Angústia. Não muita, não mais que uma sombra negra sobre seus olhos profundamente azuis.

— Desejo a morte desde o dia que soube que meu pai fora decapitado, - respondeu mantendo o mesmo tom distante – mas minha vida não me pertence para que eu possa dispor dela.

— E a quem pertence? – Devan indagou.

— Ao Norte – o rapaz respondeu e naquele momento pareceu muito cansado. – Deitar na neve e morrer é uma morte doce, mas esse direito me foi negado por meu nascimento. Vestir um manto branco, ser um cavaleiro – Robb falou olhando os dois homens diante dele – nunca foi uma opção para mim. Nasci para governar o Norte. Não posso dizer a meu povo que desisti. Não posso desistir. Nunca me foi dada essa opção.

O rapaz baixou os olhos, se perdendo em seus próprios pensamentos e Jaime não sabia mais se ele parecia muito velho ou muito jovem. "É só um garoto, e não gosta da responsabilidade", Jaime pensou. Podia ser ele ali. Deveria ter sido o herdeiro de Rochedo Casterly, o herdeiro da Casa Lannister, mas fora ousado e escolhera um manto branco. "Stark não gosta do poder que tem, mas não o recusa. Seria força ou fraqueza que o mantém?"

— Só existe uma riqueza que a Casa Stark tem e a Casa Lannister não, – o rapaz continuou, voltando a assumir uma expressão fria. – E não posso oferecer a você.

— Qual?

— Honra.

Jaime deu um sorriso involuntário. O garoto era ousado.

— Acha que minha Casa não tem honra?

— Tenho certeza que não.

— A Casa Lannister é...

— ...temida – Stark o interrompeu, suas palavras tão frias quanto duras. – Não amada. As pessoas o chamam de Regicida por suas costas. Os Lords, até na sua frente. O povo cochicha que ter matado o Rei Louco pelas costas, além de traição, foi covardia. Fofocam sobre como fornica com sua própria irmã, que seus sobrinhos são bastardos. De Dorne à Muralha, ninguém acredita que exista alguma honra em você.

O Regicida trincou os dentes com tanta força quanto Stannis fazia. "Você tem merda no lugar de honra", dissera Lady Catelyn no dia que ele lhe fizera uma promessa, a qual, nunca conseguira cumprir.

— Mas hoje você tem uma escolha – o lobo continuou. – Você pode ir para o sul e me deixar morrer nas Gêmeas, e passar o resto de sua vida como O Regicida. Ou pode ir para o Norte.

— E o que acontece se eu for para o Norte?

— Eu vivo – falou e seu olhar encontrou o de Jaime – e a vida é cheia de possibilidades.

"A vida é cheia de possibilidades", dissera Tyrion há muito tempo, enquanto tomavam café em Winterfell pouco depois dele ter empurrado o pequeno Bran Stark do alto de uma torre. "Em nome do grotesco", dissera seu irmão, "eu escolho a vida: a morte é terrivelmente final, ao passo que a vida está cheia de possibilidades".

—Devan - Jaime falou se virando para o primo. – Você levará nossos homens para Porto Real.

Sor Devan Lannister deu um longo suspiro, como se soubesse o tempo todo que aquela conversa terminaria daquele modo.

— E você? – perguntou, já sabendo a resposta.

— Quando era prisioneiro em Correrrio, fiz uma promessa a Lady Catelyn – falou, lembrando do dia em que a mulher colocara uma espada em seu pescoço e o soltara. – Minha liberdade em troca de suas filhas devolvidas em segurança. Estou livre, mas nunca achei suas filhas, achei seu último filho, Robb. Um Lannister sempre paga suas dívidas. Levarei o Jovem Lobo até seus homens. Pagarei minha promessa nem que tenha que pagá-la com a vida.


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