A Garota da Lua escrita por calivillas


Capítulo 13
O carro – a procura da verdade




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Comecei meu treinamento, em uma clareira, no meio do bosque, junto à casa de Samuel.  Primeiro foi arco e flecha, tinha que acertar um alvo a certa distância, mal conseguia puxar a corda, porém Samuel me ajudou e para minha própria admiração foi fácil, cada vez mais minha performance melhorava, era como se tivesse feito aquilo por toda minha vida.

— Uaol!  Não posso acreditar! – exclamei, quando acertei o centro do alvo pela quinta vez seguida.

— Eu falei que você iria se lembrar – Samuel também estava entusiasmado. – Essas flechas são especiais, quando você tira uma da sua aljava, outra aparecerá no lugar, elas não matarão quem você acertar, seus alvos apenas desaparecerão para renascer mais tarde. Afinal não podemos nos dar o luxo de nos matarmos, pois somos uma espécie em extinção. Agora a espada. Tome use essa, não é a sua, mas com o tempo ela aparecerá quando precisar dela.

— Como assim?

— Você poderá materializar sua espada. Sei que é uma arma antiga, mas ela foi usada por séculos antes do aparecimento das armas de fogo e, ainda, é mais elegante, por isso ficou incorporada na nossa história, talvez com o passar dos séculos, se a Terra sobreviver, começaremos a materializar revolveres ou armas de nêutrons.

— Eu vi isso antes, na verdade, sonhei com Gabriel fazendo uma espada de fogo se materializar, quando foi capturado por Hélio.

— A espada de fogo é o símbolo de Gabriel, há milhares de anos, está escrito em muitos livros da humanidade. O portador da espada de fogo como um...

— Um anjo.

— Suponho que sim. Então, você enxergou toda a cena da captura de Gabriel pelos olhos de Hélio?

— Sim, mas como isso é possível?

— Vocês são irmãos gêmeos, ligados desde do nascimento, às vezes, podem perceber o que o outro sente.

— Então, Hélio pode ver o que eu vejo, também! – falei horrorizada, pensando em ter toda minha vida visualizada por outra pessoa.

— Não, só você tem o dom da vidência, só você pode fazer isso. Ele pode perceber sua presença quando estiver por perto, e isso pode ser um problema.

— Mas, Hélio não sabia que era a irmã dele.

—Talvez, no início, ele não soubesse, mas tenho certeza que ele sabe agora. Chega! Acabou o recreio temos que treinar!

 

Nunca havia pego em uma espada antes na minha vida, pelo menos, não naquela que conhecia, porém a cada golpe parecia mais fácil e natural, como se meu corpo reconhecesse os movimentos e soubesse o que teria que fazer a seguir.

Treinamos até estar bem escuro, eu me sentia exausta e, estranhamente, mais forte e ágil. Mas, naquele momento, eu só queria comer algo, um banho e cair na minha cama.

— Você foi muito bem! Mas, não temos muito tempo, você poderia dormir aqui e recomeçaremos amanhã.

— Dormir aqui? Eu não posso, não tenho roupa, escova de dentes – inventei uma desculpa para não passar a noite na casa de um quase estranho.

Samuel deu uma gargalhada, jogando a cabeça para trás.

— Minha cara, esqueceu quem somos? Roupas não serão problemas, a casa é grande, tenho quarto suficientes, providenciarei o jantar, enquanto você toma um banho – ele esquematizou, fiquei sem saída.

— E meu trabalho? – Havia ligado antes para Suzana, mentindo que estava doente.

— Você continuará doente e, infelizmente, depois de tudo que acontecerá, será impossível voltar para o eu trabalho e para sua antiga vida. – Senti um aperto no meu coração e engoli seco, minha vida estava preste a mudar, completamente, perderia tudo que amava e que conhecia.

Samuel me levou até uma suíte grande e bem decorada, seguindo o mesmo estilo do resto da casa, misturando móveis modernos e peças de decoração orientais antigas. No armário, haviam várias roupas do meu tamanho, escolhi um moletom confortável. No banheiro, tinha tudo que eu precisava, inclusive uma banheira grande, e a parede de vidro, logo a sua frente desnudava a mata, agora mergulhada no breu, ouvia-se somente os sons noturnos, quase adormeci, imersa na tépida água. Mais relaxada, desci para me juntar a Samuel, que acabara de preparar o jantar, nos sentamos para desfrutar a refeição, juntos.

— Todos nós temos que cozinhar tão bem, pois, nesse caso, estou perdida. Porque como você, Gabriel cozinha muito bem e eu sou um fracasso na cozinha — brinquei, enquanto comíamos uma refeição no estilo oriental, pequenas porções de legumes e frutas secas, carne, tudo extremamente bem temperado acompanho de pão e um bom vinho tinto.

— Séculos de prática, minha cara. Assim como Gabriel, gosto de aprender, mas raramente cozinho, o mundo atual é muito prático.

— Fale-me a respeito de Gabriel – Está curiosa para saber sobre quem estava apaixonada.

— Gabriel é um guerreiro poderoso e muito antigo. Ele nasceu no começo dos tempos e tornou mais ponderado ao passar dos séculos.

— No começo dos tempos? É engraçado, como vocês falam séculos como se fosse apenas anos, os meses.

— Viver tanto, ao mesmo tempo, é fantástico e aterrorizante, ver como o mundo mudou, principalmente, nos últimos tempos. — Você já se apaixonou por uma humana? – perguntei, indiscretamente, animada pelo bom vinho que ele me servia.

— Sim, por mulheres e homens, alguns foi por pouco tempo, mas outros durou por toda vida deles, envelhecíamos juntos e quando morriam, eu voltava a minha aparência original e partia – ele contou, com tristeza.

— E teve filhos? – Não conseguia ficar com a boca fechada.

— Sim, alguns, a maioria deles tem algo em especial, com habilidades incomuns, mas não se adaptavam bem ao mundo, como se não pertencessem a lugar nenhum, a maioria eram infelizes, por isso, parei de tê-los, ficou mais fácil no mundo atual. — Seguiu-se uma pausa silenciosa, enquanto ele bebia um gole de vinho, então pensei e a pergunta saiu da minha boca.

— E eu, Diana, tive filhos? – Ele deu uma gargalhada.

— Diana, minha querida, você conhece sua história.

— Sei, da deusa que não quis se entregar a nenhum homem, mas ela, quer dizer, eu já me apaixonei antes de... Isso é verdade?

— Só você pode responder essa pergunta – Ele me deu um olhar malicioso.

— Deixa isso para lá! – Não ia discutir minha vida íntima com um quase estranho, mas, na verdade, nunca me envolvi com ninguém realmente, houve algumas tentativas frustradas, porém nenhum deles, me interessou.

— E Gabriel teve filhos? – indaguei, já sentindo ciúmes, mesmo sem saber a resposta, imaginava o com outras mulheres.

— Sim, mas, lembre-se que ele é muito antigo, muito mais do você. Pergunte a ele quando encontrá-lo novamente, tenho certeza que lhe contará a verdade. No entanto, uma coisa é certa, ele a ama. Veem-na procurando por todos esses séculos, quando eu os vi juntos naquela noite, na livraria, meu coração se encheu de alegria, mesmo percebendo que você não o reconheceu. Agora, vá dormir, você deve estar cansada, conversaremos mais amanhã.

— Não, eu ajudo na cozinha.

— Você acha que lavamos pratos? – ele disse, sorrindo. – Pode dormir, cuidarei disso. Boa noite.

— Boa noite, Samuel.

 Ou eu estava muito cansada, ou nunca havia me deitado em uma cama tão boa, dormir quase imediatamente. No começo era um sono pesado, mas no meio da noite, tive um sonho. Estava em uma sala, na verdade, sabia que era Hélio que estava lá, olhava um homem de meia-idade, bonito e charmoso, os cabelos escuros, com as têmporas levemente grisalhas, queixo quadrado, olhos azuis, eu tinha certeza que era meu pai biológico, o Senhor do Ocidente, na sua frente, Gabriel parecia abatido, de cabeça baixa, como se estivesse esgotado.

— Gabriel, há quanto tempo não nos vemos, desde que deixou minha casa tão repentinamente, há alguns séculos atrás – Sua voz era calma e firme, acima de tudo charmosa e confiante. – Fico feliz que tenha aceitado o convite do meu filho Hélio e a nossa hospitalidade, mais uma vez – disse, olhando para minha direção.

— Foi um convite irrecusável – Gabriel rebateu, com ironia.

— Então vou lhe dar tempo para pensar na minha proposta de aliança. Enquanto, isso ficará na minha casa como hóspede, espero que não seja descortês como da outra vez, e não tente fugir. Lembre-se, infelizmente, minha filha não está mais aqui para ajudá-lo.

Naquele momento em que ouvia e via pelos ouvidos e olhos do meu irmão Hélio, tentei observar o lugar. Era um escritório com móveis clássicos e elegantes, com lambris de madeira escura e caras obras de artes europeias nas paredes, através da fresta da cortina podia ver água plácida cintilando a luz do sol com alguns barcos passando, não parecia praia ou mar, não sentia o cheiro de maresia.

Acordei, também já podia ver a luz da manhã e barulho de pássaros entrando pela janela do quarto em que dormir. Levantei-me, sonolenta, fui até o banheiro, lavei o rosto e quando o enxugava, olhei para o espelho e me assustei com a minha imagem refletida, pois eu havia mudado muito da noite para o dia. Meu cabelo estava mais liso e sedoso, minha face um pouco mais ângulos, as maçãs do rosto mais altas, as sardas haviam sumidos, então, me virei para o espelho de corpo inteiro na outra parede, tirando a blusa, meu corpo estava alongado e mais musculoso e meus seios maiores, como tivesse malhado muito. Vesti a roupa e desci correndo, para encontrar Samuel tomando chá, calmamente, na cozinha.

— O que está acontecendo comigo? – perguntei ao entrar, antes mesmo de cumprimentá-lo.

— Bom dia, Diana. Olhe o que aconteceu, você está voltando – ele respondeu satisfeito.

— Voltando como? – indaguei, sem entender.

— Sua aparência original, agora você está mais parecida com a antiga Diana, isso é bom. Chá?

— Sim, obrigada – aceitei, ainda atônita, sem pensar, sentando em uma cadeira, enquanto Samuel me servia o chá.

— Dormiu bem? – Ele se mostrava simpático, como se nada estivesse ocorrido.

— Sim, mas tive um sonho, com Gabriel e um homem que acho que seja meu pai, assistia tudo pelo os olhos de Hélio.

— Um sonho? Isso pode nos ajudar. Conte o para mim.

Então narrei a conversa e descrevi a sala e a paisagem que vi pela janela,

— Isso é ótimo! Podemos ter uma pista de onde seu pai está agora – Samuel falou animado.

— Ele tem muitas casas? – Estava curiosa, pois imaginei que ele vivesse em um palácio, algo parecido com o Olimpo e sentasse em um trono de mármore e ouro.

— Sim, ele tem muitas casas, sempre em um belo lugar perto da natureza. Seu pai é muito rico e influente, ganhou muito dinheiro na bolsa e prospecção de petróleo, se tornando muito poderoso. Diana, por acaso, você tem passaporte?

— Sim, mas por quê?

— Ótimo, isso elimina um problema. Porque vamos viajar.

— Viajar? Para onde?

— Para Itália. Seu pai está no Lago Como, e Gabriel também.

— Itália! Não posso viajar assim! – Resistia à ideia de deixar tudo para trás.

— Você ainda pensa como uma humana, se prendendo a pequenos detalhes, entretanto, agora, sua vida é muito diferente – disse em tom de crítica. – Vamos até sua casa, pois, hoje à noite, estaremos voando para Itália, resgatar Gabriel.

Samuel me deixou em minha casa, pediu para arrumar uma pequena mala, somente, com o necessário a fim de não chamar a atenção, e, principalmente, não me esquecer do passaporte, ele viria me buscar a tarde para viajarmos juntos. Eu estava assustada e excitada, sempre desejei viajar para Itália, com sua história, ruínas e cidades históricas, porém, não dessa maneira, não seria turismo mais uma missão de resgate, estava pensando nisso quando abri a porta de casa.

— Mãe! Vocês voltaram – E, agora, meus pais estavam em casa, teria que inventar uma história, pois não poderia simples falar que iria viajar com um amigo para Itália de repente, eles não entenderiam, eu nunca faria algo parecido até alguns dias atrás, contudo havia descoberto que não era quem sempre achei que fosse, minha vida virou de cabeça para baixo.

— Diana! Estávamos preocupados! Você não dormiu em casa. – Minha mãe parecia aliviada ao me ver.

— Dormir na casa de uma amiga, por causa da confusão do incêndio – contei uma meia mentira.

— Ligamos várias vezes para você e caía sempre na caixa postal.

— Não tem sinal lá – Isso era verdade. – Por que voltaram tão cedo?

— Seu pai precisava ir ao médico.

— Há algo errado? – Fiquei preocupada, pois meus pais já eram idosos, haviam me adotados já na meia-idade.

— Não, só rotina – ela respondeu, dando os ombros.

Eu olhei para o relógio, ainda precisa arrumar as malas, não sabia como contar a ela que iria viajar para fora do país, em poucas horas.

— Tem algum compromisso agora? – minha mãe me interrogou, ao ver me preocupada com o horário.

— Onde está papai?

— Dormindo, ele anda muito cansado, ultimamente. – Essa observação me deixou ainda mais preocupada, porque meu pai sempre foi um homem ativo, contudo a idade começava a pesar

— Diana, o que houve? – ela indagou, olhando-me de alto a baixo.

— Nada, por quê?

— Você está diferente, mais magra. Está se alimentando bem? – Tive que ri.

— Sim, está tudo bem. Mãe, aconteceu algo, vou precisar fazer uma pequena viagem urgente.

— Algo com o trabalho?

— Sim, com o trabalho.

— E quando você vai viajar?

— Hoje, na verdade, em algumas horas – respondi, de maneira casual.

— Em poucas horas! O que pode ser tão urgente em um museu? – Ela não entendia, estava aflita e preocupada. – Há algo errado, Diana?

— Mãe, não posso contar, mas, por favor, confie em mim. Tenho que arrumar minha mala. – Fui para meu quarto, enquanto colocava meus objetos em uma pequena mala, lágrimas corriam do meu rosto, pensando que talvez nunca mais veria meus pais.

O telefone tocou, era Samuel, para me informar que estava tudo resolvido, os lugares reservados no voo, que sairia hoje à noite, só teríamos algumas horas. Então, pensei ir até o museu, precisa arrumar uma boa desculpa para desaparecer por algum tempo.


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