A Garota da Lua escrita por calivillas


Capítulo 1
A sacerdotisa – a que revela o segredo guardado




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“- Não acredito em nada disso! – Digo a minha amiga Helena, que insiste em colocar cartas de Tarô para mim, já que está fazendo um curso e quer treinar comigo.

— Vamos, Diana, se você não acredita, pense na diversão. – Ela insistiu.

— Está bem! Vamos lá. – Desisto, resignada, então ela me entrega o baralho de cartas grandes. - Embaralhe e corte com a mão esquerda, junte as cartas e faça isso pensando em uma pergunta. – Ordena, então, eu obedeci.

Depois, Helena arrumou algumas das cartas, cuidadosamente, com as figuras voltadas para baixo, em duas fileiras paralelas de cartas e começou a virar uma de cada vez. ”

Assim começa a minha história.

Meu nome é Diana e sempre me considerei uma pessoa estranha, me sentia diferente, me achando inadequada para esse mundo, pois não tenho fé, como a maioria das pessoas, embora houvesse uma época na minha vida, quando era bem mais jovem, que acreditava em tudo, bruxas, fantasmas, duendes, santos e milagres. Supunha que havia um mundo mágico paralelo ao nosso que não podíamos ver porque ficava escondido dos olhos dos simples humanos, porque não o entenderíamos. Esse pensamento tornava a minha vida mais encantadora e leve, entretanto com o passar dos anos, essa fé foi acabando, gradativamente e, agora, não acreditava em mais nada, era completamente cética, achava que estávamos nesse mundo só para garantir a sobrevivência da nossa espécie. Bem, eu pensava assim até alguns fatos muito estranhos começarem a acontecer comigo.

Trabalho em um museu, sou uma museóloga recém-formada, poderia dizer que foi muita sorte ter conseguido esse emprego, logo que terminei a faculdade, mas eu não acredito em sorte. Quando tudo começou a mudar na minha vida, estava ajudando a preparar uma exposição sobre deuses e entidades antigas, no museu em que trabalho. Seria um evento enorme, pois havíamos conseguido peças de vários outros museus por todo o mundo, depois de meses de negociações.

As pessoas me perguntam, porque uma pessoa tão jovem como eu, gostava de objetos antigos e velhos, mas eu sempre fui assim desde de criança, me interessava por História, arqueologia, lugares do passado. Ainda muito jovem, enquanto minhas colegas liam revistas de adolescente sobre cantores e artistas famosos, eu me interessava por livros sobre as civilizações sumérias, greco-romanas e outras coisas do gênero, meus heróis eram os generais e conquistadores destas épocas, mas sempre tive um especial interesse sobre o período da queda do Império Romano, e meus pais sempre me incentivaram, talvez, por serem professores universitários de História, mas agora estão aposentados e passam a maior parte do tempo em nosso pequeno sítio no interior, por isso eu fico muito tempo sozinha no nosso apartamento.

Naquela manhã, abri os olhos antes do despertador tocar. Será que você perdeu a hora, Diana? Pensei, mas o relógio mostrava que ainda eram cinco e meia da manhã, não entendia porque havia perdido o sono tão cedo, já que me deitei na mesma hora de sempre. Fiquei ali na cama, enrolando por algum tempo, mas não conseguia dormir outra vez, por isso levantei, resolvida a chegar ao trabalho mais cedo, assim poderia catalogar algumas peças e preparar alguns relatórios atrasados.

Fui para o banheiro e me olho no espelho, minha cara está amassada pelo sono, penso que tenho que dar um jeito no meu cabelo, já que ele sempre me incomoda, por ser cacheado e de tonalidade loura-avermelhado, me colocando como ponto de referência nos lugares e eu não gosto de chamar atenção, mas ele combina bem com minha pele branca e minhas poucas sardas no nariz, e com meus olhos, que são cor-de-avelã, mas que mudam de cor e, às vezes, são verdes escuros. Então, prendo meu cabelo em um rabo-de-cavalo, coloco um jeans, uma camisa e tênis, tomo um rápido café-da-manhã e saiu de casa. E como de costume, ando até o metrô, mas hoje, as ruas estão mais desertas do que o normal, talvez por causa do horário, por isso me apresso, sinto uma incomoda sensação que alguém está atrás de mim, olho sobre meus ombros, mas não vejo ninguém, aperto mais os passos, só me tranquilizo quando chego a estação, que a essa hora ainda está quase vazia, me sento e pego meu livro na mochila, pois aproveito esse tempo para ler um pouco. Estou distraída na leitura, quando gritos chamam minha atenção.

— Mateus, espere! Pare!

Levantei a cabeça e olhei de onde eles vieram os gritos, para ver um garotinho correndo no sentido em que estou, logo atrás dele, uma mulher grávida está tentando alcançá-lo. Apesar de pequena, a criança corria rápido, sorrindo achando engraçado aquela brincadeira, sem demonstrar nenhuma intenção de obedecer e com uma boa vantagem sobre sua perseguidora, muito pesada devido a barriga da gravidez avançada. Notei que a criança corria para o final da estação, ao mesmo tempo, vi o túnel se iluminar, mostrando que o trem se aproximava, sem pensar duas vezes e quase sem perceber, tinha o braço do menino, firmemente, preso na minha mão, que se debatia tentando escapar, mas eu o segurava forte, até a mulher se aproximar e tirá-lo de mim, ao mesmo tempo que o trem chegava a estação.

— Obrigada! Muito obrigada! – A mulher agradeceu e saiu arrastando a criança, entrando em um dos vagões.

As poucas pessoas que estão na estação me olharam, isso me deixou meia inibida. Entre eles, percebo um olhar de rancor de uma mulher morena, alta e magra ao meu lado. Assim, me apressei para pegar meu livro, que caiu no chão, e corri para entrar pela porta mais próxima do trem, antes que ela se fechasse, sentei em um dos assentos vazios, respirei fundo e retornei à minha leitura.

— Você foi bem rápida! – Ouvi e virei me em direção da voz, que vinha de uma velhinha pequena e com os cabelos brancos presos em um coque e com um vestido florido, eu não tinha percebido quando ela se sentou ali.

— O que a senhora disse? – Perguntei, achando que não havia entendido bem.

— Eu disse que você foi bem rápida lá na estação com o garotinho. Poderia ter ocorrido um acidente sério ali. – Ela esclareceu, olhando para mim, com um sorriso simpático.

— Não foi nada. Tenho certeza que não haveria nada demais. – Retruquei, com convicção.

— Sim, poderia. Se o garotinho caísse no trilho, o condutor poderia ter um ataque cardíaco pelo susto e não parar o trem, que entraria em alta velocidade na estação e poderia perder o controle e descarrilhar. Seria uma tragédia com vários mortos. – Ela falava muito sério.

— A senhora tem uma imaginação e tanto. – Afirmei, me segurando para não dar uma gargalhada.

— É pode ser, mas coisas ruins nunca acontecem quando você está por perto, não é? – Ela me indagou, como se soubesse a resposta.

— Como assim? Eu não sei. – Aquela conversa estava ficando cada vez mais doida.

— Você não sabe, porque quando se evita uma tragédia, ninguém fica sabendo, simplesmente, porque ela não aconteceu. – Ela explicou, com certa lógica.

— Eu nunca tinha pensando nisso antes. – Concordei com a ideia.

— Pois é, então pense nisso. Ah! Minha estação! - Ela exclamou e saiu apressada pela porta aberta do trem.

 Velha maluca! Pensei, divertida.

Cheguei bem cedo no museu, o vigia abriu a porta, porque ainda não havia mais ninguém por lá, peguei seus relatórios e comecei a prepará-los, pois era a parte mais chata do trabalho e queria se livrar logo dela, pouco depois, Suzana, minha supervisora e chefe chegou.

— Bom dia. Já aqui tão cedo, Diana? Caiu da cama? - Suzana perguntou assim que me viu.

— É perdi o sono e resolvi chegar cedo para preparar isso. E você também chegou cedo hoje?

— Não consegui dormir, estou muita empolgada, pois hoje chegará a peça principal da exposição, tenho que supervisionar tudo, checar a segurança e os outros detalhes. – Revelou animada, cumprindo o seu papel de curadora da exposição.

— Eu tinha me esquecido disso. Então, é hoje que a estátua e as outras peças chegam? – Disse, indiferente.

— Sim, mas eu não me esqueci. – Respondeu, animada.

Dificilmente, Suzana se esqueceria de algo, era uma mulher dinâmica e bem-conceituada no ramo, apesar de ser uma bela morena, por volta dos 40 anos, nunca se casou, dedicando-se primordialmente a sua profissão. Ela tinha batalhado muito para montar essa exposição, trazendo peças de outros museus e a peça principal, que seria uma estátua representando um deus dourado, enfeitado com várias peças semipreciosas, com aproximadamente dois mil anos de idade. Seu seguro custou uma fortuna, tiveram que conseguir patrocínio de várias empresas para cobri-lo e a sua chegada dele seria um verdadeiro evento. Uma sala particularmente projetada para recebê-lo, recriava um templo antigo, com colunas e pintura especial, além uma iluminação, exclusivamente, projetada para realçar cada detalhe dela, que imitando piras de fogo, além de, um sistema de segurança excepcional. Junto com a estátua, também chegariam algumas das relíquias que haviam sido descobertas no mesmo local, há alguns séculos atrás, que passaram de museu a museu, até que desapareceram durante a 1ª guerra mundial. Essas peças teriam sido roubadas e, posteriormente, vendidas há um colecionador milionário, que as manteve escondidas por muitos anos, mas ele as deixou em testamento para o museu, onde se encontram atualmente.

O restante da equipe chegou no nosso horário habitual. Eu era a mais jovem, por isso fiquei amiga de uma das estagiárias, Helena. Ela era engraçada e tinha sempre um sorriso do rosto, morena, com cabelos pretos compridos e lisos, sempre presos em um rabo-de cavalo durante o dia, e com belos olhos amendoados, lhe dando um ar oriental.

— Bom dia, Diana. Chegou cedo hoje? – Ela perguntou, assim que me já trabalhando.

— Bom dia, Helena. Perdi o sono. – Respondi sem dar detalhes, estava mais interessada na peça que tinha na mão

— Está empolgada com a chegada das peças hoje? – Ela me perguntou cheia de animação.

— Sabe que tinha me esquecido disso, completamente. – Confessei, sem muito entusiasmo e continuei o meu trabalho.

No meio da manhã, todos nós paramos de trabalhar, porque um caminhão de transporte trouxe as caixas que continha a estátua dourada e as demais peças da exposição. A caixa da estátua era enorme e foi levada diretamente para a sala onde ficaria exposta, mas ainda não poderia ser aberta sem a presença das representantes do museu de onde a peça viera e da seguradora. Além disso, a imprensa, também, havia sido convidada, pois seria uma grande propaganda para a exposição e para o nosso museu.

E quando todo aquele alvoroço acabou, já era hora do almoço, Helena veio me chamar, como sempre, e junto com Celina, uma das secretárias do museu, fomos ao pequeno restaurante, que frequentávamos diariamente.

Estávamos esperando o sinal fechar para atravessarmos a rua, quando um táxi parou antes da faixa de pedestre para pegar um passageiro e um homem distraído, falando no celular, começou a atravessar a rua.

— Cuidado! – Eu gritei para ele que parou e deu um passo para trás, no mesmo momento que um carro passou em alta velocidade.

O sinal fechou e nós começamos a atravessar a rua, Helena e Celina estavam um passo na minha frente.

— Essa foi por pouco. – Ouvi alguém falar ao meu lado, olhei e lá estava a mesma velhinha do metrô.

— A senhora, outra vez! – Exclamei, surpresa, pois era muita coincidência, e apesar de estarmos andando rápido e a velhinha ser bem menor do que eu, ela acompanhava meu ritmo, sem ofegar e continuava a falar.

— Perto de você nunca acontece nada de grave, não é?

— Não estou entendendo o que a senhora está dizendo.

— Você nunca presenciou nada de sério, como um acidente fatal ou assassinato ou algo parecido.

— Não! Claro que não! – Já estava ficando assustada com aquela conversa doida, queria me afastar, mas não conseguia me desvencilhar dela

— Nenhuma situação grave, como acidente de carro ou mesmo um atropelamento por bicicleta, não é mesmo?

Fiz um rápido inventário na minha cabeça e não me lembrei de nada, só sabia de uma única morte que ocorreu na minha vida, porém eu não tinha recordação dela.

— Não que eu me lembre. – Conclui.

— E crianças pequenas e bichos gostam de vocês?

— Acho que sim. – Confirmei, pois, eu já havia notado isso.

— Eu sabia! – Disse a velhinha, animada.

— Sabia o que? – Aquela história já estava me irritando.

— Diana, cuidado com qualquer coisa diferente que aconteça com você, mesmo que pareça algo de bom. - Ela me aconselhou, em um tom mais sério.

— Como você sabe meu nome? – Indaguei, espantada, pois eu tinha certeza que nunca havia dito a ela, porém quando olhei, novamente, velhinha havia desaparecido.

Não podia acreditar, observei em volta e não a vi mais, como ela podia ter sido tão rápida assim, me aproximei das minhas colegas que andavam mais à frente.

— Vocês viram isso? – Questionei a elas, ainda abismada.

— Viram o que? – Helena me devolve a pergunta.

— A velhinha que estava falando comigo. Vocês não viram? – Insisti.

— Não, eu não vi ninguém. – Disse Helena, me encarando, sem entender.

— Nem eu. – Celina também negou, dando de ombros. – Mas, estávamos conversando distraídas. Falávamos sobre o novo livro de Samuel Zargo que será lançado agora. – Admitiu.


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