O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 7
Seu Último Caso


Notas iniciais do capítulo

Agora, um breve desfecho à pena do bom doutor, Dr. Watson. Espero que eu tenha conseguido reproduzir corretamente a forma mais elegante dele em escrever.



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Dos escritos secretos de Dr. John H. Watson

“O Atirador do Teatro Lyceum”

ou

“Eric Reid e a história jamais revelada”


É com intensa melancolia que levo minha mão à minha velha companheira caneta para tratar de um conto cujo desfecho acabara extremamente mal resolvido. Acredito que o maior agravante é que tal tragédia atingiu não um estranho, mas alguém próximo. Não querendo menosprezar os pobres e desvalidos que batiam em Baker Street, tendo por única ou última opção meu amigo Sherlock Holmes, mas os eventos acabam por ter uma conotação diferente quando acontecem a pessoas de nosso círculo de amizade. Embora seja minha intenção manter estes papéis trancafiados em meu cofre, acredito que meus leitores entenderiam a minha tristeza com essa história em especial.

O caso bateu à nossa porta numa noite fria, onde meu amigo Sherlock Holmes descansava de dias intensos de mudança. Nossa senhoria, Mrs. Hudson, havia falecido recentemente, e como se não bastasse o fardo do luto, precisamos carregar também o fardo de uma mudança avassaladora que bateu á nossa porta sob o nome Nathan Hudson, para meu pasmo, filho de sua senhoria. Um jovem que não demorou a se mostrar como alguém sem escrúpulos, com pouquíssima consideração por sua mãe, que dirá a estranhos. Cansei de esbarrar em tipos como esse, em minhas andanças ao lado de Sherlock Holmes, mas tal hábito não ameniza o desprezo que tais pessoas evocam em mim, e tenho certeza de que Holmes tem o mesmo sentimento.

Meu amigo recebeu uma ordem de despejo nada graciosa do mais novo proprietário do 221-B de Baker Street, mas apesar de seu luto, ele não se abateu. Arrumou suas coisas, com a certeza de que seus dias de detetive ainda não estavam acabados, e que tudo que precisava era de alguns dias em Sussex Downs para cuidar de suas abelhas enquanto não arranjasse um novo lar em Londres, mas creio que ele também desejava organizar suas idéias. Em suas arrumações, bateu-se à porta, já altas horas da noite, uma mulher chamada Norah Reid.

O sobrenome Reid dispensa maiores apresentações. Norah era a viúva do famoso Inspetor Edmund Reid, um dos responsáveis pela investigação de Jack, o Estripador. Ela contou a Holmes sobre seu filho, Eric. Um adolescente de cerca de treze anos, que atravessava dias difíceis, direcionando toda sua energia da juventude em algo pouco saudável: procurar o assassino de seu pai.

Ouvi tal relato rapidamente no dia seguinte ao ocorrido, em nossa viagem de cabriolé até o bairro de Chelsea, morada de Norah Reid e do menino Eric. Fomos recebidos pela mulher, que contou-nos sobre o desaparecimento do diário de seu marido, e também o revólver que ela mantinha em sua casa.

Neste momento, notei que a situação era grave. Já era de nosso conhecimento que o pobre menino sofria de histeria, ou alguma variação de uma doença psicológica da qual eu, um mero clínico sem grandes conhecimentos no ramo da Psiquiatria, não conseguiria diagnosticar com precisão. Suas suspeitas sobre o assassino de seu pai recaíam a um famoso industrial chamado Macintosh, que sofria investigação por Reid à época. Mas a julgar pelo olhar de meu amigo, havia algo mais na morte de Edmund Reid que nem eu, nem Mrs. Reid, sabíamos. Este era mais um segredo obscuro que Holmes fazia questão de ocultar do mundo.

Como suspeitávamos, o jovem Eric Reid estava planejando o assassinato do industrial, e o local do assassinato não poderia ser mais trágico e complicado senão o grande Lyceum londrino, local que “Mac” costumava frequentar com sua esposa – ou amantes. Mas a tentativa de Eric foi frustrada por meu amigo. Senti grande alívio quando notei o menino sendo levado por Holmes, são e salvo, mas seu olhar inquieto levou-me a calafrios. Parecia que ele não estava satisfeito por ter sido impedido de cometer um crime, dentro de um dos mais badalados teatros da cidade. Àquela ocasião, preferi guardar minhas impressões para mim. Só agora vejo o que poderia ter evitado.

Quando já cercados por alguns policiais, fomos informados do assassinato de Mac. Fiquei horrorizado, não apenas eu, mas também Norah e Holmes. Mas nenhuma de nossas reações foi mais surpreendente que a de Eric. O menino estava indiferente demais com a revelação de que estava sendo acusado por um assassinato que não cometeu. Seria esta indiferença algum sintoma de loucura? Talvez a histeria fosse um diagnóstico muito ameno para a real natureza de suas faculdades mentais.

Minhas suspeitas quanto à loucura de Eric Reid tornaram-se verdade quando fomos informados pelo delegado de que o menino confirmara ser o assassino. Nem mesmo a contratação de um dos melhores advogados da Inglaterra parecia ser o bastante para impedir que Eric fosse à forca, mas meu amigo Holmes empenhou sua palavra de que encontraria o verdadeiro culpado e, assim, desacreditaria o depoimento do menino. Mas isso não era o bastante, alegou Holmes. Era necessário revelar sobre a doença mental de Eric, ou mesmo fazê-la parecer muito pior do que realmente era. Neste ponto, Norah Reid me surpreendeu.

“Você quer que o meu filho se passe por maluco?!”

“Não, Mrs. Reid.” Respondeu meu amigo, calmamente. “Eu quero que todos saibam que seu filho sofre de um distúrbio psicológico e...”

“Está sugerindo a mesma coisa!”, esbravejou a mulher. “Acha que a sociedade encarará meu filho como uma pessoa normal, depois que todos souberem que ele é incapaz de dar um depoimento?”

“A sociedade, ou os leitores?”, insinuou Holmes, deixando Norah Reid sem postura. Ainda assim, a mulher parecia indisposta a entregar ao delegado o papel contando sobre a doença mental do menino. Pergunto-me que tipo de mãe seria capaz de lançar seu filho aos leões para impedir que sua imagem fosse prejudicada.

Os dias que se seguiram foram lentos, vagarosos. Holmes se embrenhou no submundo, atrás do assassino de Mac. Ele estava convicto de que a arma do crime tinha sido um rifle de ar, similar ao utilizado por Sebastian Moran. E como se não bastasse definir o tipo de arma, percebi que Holmes suspeitava que o próprio rifle de Moran havia sido utilizado. Nesta hora, sua conhecida falta de zelo por seus pertences levou a melhor, pois ele dera falta da arma. Pediu que eu procurasse, enquanto eu terminava de reunir seus pertences em sua mudança. Para meu alívio, pouco havia o que se fazer. Boa parte das coisas de Holmes, pelo menos as mais pessoais, já estava organizada. E tal como ele imaginava, eu não encontrei a arma.

Holmes só reapareceu dois dias depois, visivelmente cansado e um tanto triste, eu notei. Pensei em perguntar-lhe sobre isso, mas ele não deixou qualquer brecha à pergunta, levando-me para a suposta morada do assassino. Após bater com insistência à porta, fomos recepcionados por ninguém menos que Wiggins. Há anos que não via o mais tenaz dos Irregulares, de modo que minha surpresa deu lugar á decepção. Decepção, por descobrir que Wiggins era o assassino do industrial. Em um confronto corporal com meu amigo, ele acabou morto. Por mim. E mesmo que Holmes tenha se irritado, esbravejado comigo após o meu disparo, eu não me arrependo. Eu sei reconhecer um assassino quando estava diante de mim. Anos de guerra e também da companhia de Holmes fizeram isso comigo, e eu sabia que Wiggins queria matar Holmes, no instante em que o vi erguendo aquela faca. Holmes pode estar chateado comigo agora, mas sei que o tempo curará sua raiva.

Quando chegamos em casa, fomos recepcionados pela notícia da morte de Eric Reid, que cometera suicídio em sua cela. Como primeira providência, fomos até a Delegacia, onde para nosso completo pasmo, encontramos Norah Reid sendo entrevistada por uma dúzia de jornalistas, contando sobre a injustiça a qual seu filho Eric fora acometido, culpando o trabalho dos policiais e alegando tortura. A sensação de asco nos tomou gravemente quando um dos jornais conectou a ferida nas mãos do menino – que sabíamos que era causada por sua alergia à tinta – a uma possível tortura na delegacia. Como resultado, a Delegacia de Westminster sofreu fortes punições, culminando na transferência de ninguém menos que nosso velho camarada Lestrade, então Comissário de Westminster, para o esquecido condado de Cornwall.

Após tal desenrolar dos fatos, pesquisei sobre a vida de Wiggins e descobri que o menino, aos dezessete anos, entrou para uma gangue londrina chamada Sloggers. Nesta época, Holmes estava ocupado, tentando localizar Esther, ainda sob os poderes de Daniel Jenkins, de modo que ele sequer pôde impedir a partida do Irregular. Assaltos, assassinatos... Mesmo estupros já pertenciam à longa ficha criminal do menino de muitos codinomes, inclusive “Willian”. Ele fora mais tarde reconhecido por Norah Reid como o tal cocheiro contratado para levar Eric ás aulas de Pintura. Dias depois, fomos informados pela Escola de Artes que Eric não era um aluno assíduo, faltando com frequência, mas não o bastante para chamar a atenção. E para completar, ouvimos de um aluno que Eric tinha uma “musa”. Tentei tocar no assunto com Norah, e a notei ruborizada. Após uma leve insistência, ela contou que havia encontrado debaixo da cama de Eric uma pintura bastante erótica, uma espécie de nu artístico, de uma mulher. O problema é que seu rosto estava incompleto, de modo que era difícil identifica-la corretamente. Mostramos o quadro a Sherlock Holmes, e ele também não pôde dar uma resposta satisfatória.

Faz duas semanas que Holmes está em Sussex Downs. Duvido muito que ele volte para Londres, depois do último caso retirar o seu mais fiel escudeiro, e também filho de um homem a quem ele tinha uma dívida eterna. Ele se diz cansado, indisposto e desmotivado a embarcar na carreira detetivesca outra vez, após tantas perdas. Recebi uma carta recentemente, onde ele parecia eufórico em notar o progresso de sua colmeia de abelhas, além de um tipo de experimento bem-sucedido com a abelha-rainha. Parece que o Grande Detetive trocou a “colmeia urbana”, como chamara Londres algumas vezes, pela colmeia verdadeira. Só o que posso desejar é felicidades e boa sorte em seu merecido descanso.


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