O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 24
O Líder


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal,


Desde já gostaria de me desculpar pela ausência do cap da quarta,
Espero que gostem desse cap, que trará um personagem histórico um tanro controverso. Não o conheço profundamente, mas procurei descrever a imagem que tenho dele na minha mente.

Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 20 de Junho de 1910.

Bairro de Lambeth.


            Mycroft ficara descrente – talvez, receoso – quando soubera a quem Holmes iria recorrer para localizar o comunista, cujo paradeiro na Rússia era desconhecido até mesmo para a Agência de Espionagem Britânica. Holmes pouco se importou com seus conselhos, de que deveria aguardar a poeira baixar e conversar novamente com Norah Reid. Holmes estava com notável pressa. “Cada minuto que perco é vital para a vida de Esther”, disse Holmes, sempre impedindo qualquer comentário desencorajador de seu irmão sobre essa suposta “vida de Esther”, que poderia até mesmo estar perdida.

            Ainda na ponte Lambeth, Holmes pediu que o cabriolé parasse. Pagou o suficiente pela viagem e prosseguiu à pé em direção ao humilde bairro londrino, sem dar qualquer instrução ao cocheiro de esperar ou algo semelhante. Sentindo o cheiro asqueroso do rio Tâmisa bater em seu rosto, Sherlock Holmes fez sua caminhada com calma. A qualquer um que o assistisse caminhar, jamais poderia aludir aquele homem aparentemente calmo um detetive consultor prestes a se encontrar com o líder de uma organização que ameaçava os desígnios de Impérios ao redor do mundo – inclusive, o Britânico.

            A casa ficava nas proximidades do Tâmisa, em local discreto. Na rua, havia um moleque vendedor de jornais, um afiador de facas e algumas senhoras conversando enquanto escolhiam frutas em uma pequena banca montada na calçada.

            E lá estava o número 27.

            Holmes bateu à porta três vezes. Na terceira tentativa, foi recebido por uma senhora de idade, cuja aparência lhe lembrava de uma empregada simplória, mais habilidosa com os ofícios domésticos que com palavras. Talvez a mesma soubesse disso, pois ao ouvir a mera menção “meu nome é Sherlock Holmes”, a idosa nada disse, além de deixa-lo entrar. Tomou com notável grosseria a casaca e o chapéu do detetive e os colocou no cabide, onde pousava apenas uma rudimentar e gasta casaca negra, certamente pertencente ao homem que ele desejava ver.

            Acompanhando a mulher, Holmes se dirigiu pela casa modesta, típica de um trabalhador londrino comum de rendas modestas, mas não miserável. Parou ao mesmo passo que a idosa, quando colocado em uma sala de estar – que Holmes notou imediatamente ser bagunçada. Não uma bagunça qualquer, mas uma bagunça organizada, meticulosa. Algo que lhe era bastante familiar.

            Em uma mesa comum de escritório, na lateral do cômodo, estava assentado um sujeito magricela, já bastante calvo e aparentando estar na casa dos cinquenta anos. Usava um bigode, acompanhado por um rosto bem barbeado. Destacava-se sua cabeça um tanto grande demais para seus ombros tão estreitos, acentuados pelas ombreiras lustrosas de seu paletó. Sua fronte era ossuda e seus olhos, apertados, traziam um traço mongol – provavelmente, possuía descendentes distantes desse povo tão antigo, concluiu Holmes.

            -(Krupskaia, pode nos deixar.) – disse, em russo, sendo prontamente obedecido.

Ao levantar-se de sua cadeira com notável vagareza – provavelmente, estava sentado por lá há horas –, Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido por seu apelido “Lenin”, deu um sorriso torto. Não com intenção de soar antipático, mas porque, Holmes notara, tinha pouca prática em sorrir.

—Mr. Sherlock Holmes, eu presumo? – disse, com pouquíssimo sotaque. Por que os russos aprendem tão bem a perder o sotaque e eu, não?, pensou o detetive, ao fazer um aceno com a cabeça.

—Mr. Ulianov. Ou prefere ser chamado de Lenin?

O sujeito deixou outra vez, seu sorriso torto escapar.

—Prefiro Lenin. Por favor, sente-se. – disse, acenando para um par de mesas, próximas a uma pequena mesa onde uma partida inacabada de xadrez pairava. Antes de se sentar, Lênin rapidamente retirou um conjunto de folhas datilografadas e as colocou em um canto, praticamente na mesma posição em que estavam na cadeira. Deveriam fazer parte de algum estudo, concluiu Holmes.

—Fiquei bastante surpreso em receber sua carta, em Paris. – disse, enquanto se sentava, outra vez com vagareza. Exercício físico não deveria fazer parte de sua rotina. – Especialmente, pela forma como me enviara.

—Espero que meu gesto não lhe tenha soado ofensivo.

—De forma alguma. – ele acenou, em recusa. – Embora alguns homens de minha confiança não tenham gostado de meu aceite quando a esta nossa... “audiência”, como o senhor se referira naquele papel. Não gostei muito do termo, “audiência”. Faz-me parecer um Czar, Imperador, ou algo do tipo. E não sou nada assim.

Holmes mordeu o lábio. Ele realmente parecia ofendido. Precisava reverter a situação.

—O senhor é um intelectual, pelo que vejo. – comentou Holmes, fazendo Lenin olhar ao seu redor. Livros e papéis rodeavam aquela conversa.

—Sabe, certa vez eu fui preso. Dezembro de 1895, quando publiquei algumas coisas em um jornal que o governo de meu país considerava “subversivo”. Eles adoram esta palavra. – disse, deixando escapar umas risadas fracas. – Enfim, passei um ano preso em São Petersburgo por isso. Você deve pensar que vivi o verdadeiro inferno em uma prisão czarista, que um homem da minha estatura e fraqueza física sobreviveria a tal coisa com sorte. Mas a prisão não fora tão ruim assim. Lá, podíamos estudar, ler à vontade, e mesmo escrever o que quiséssemos. Sermos presos porque escrevemos o que queríamos e permanecer a fazer o mesmo na prisão. Curioso, não é? Pois bem. Enquanto muitos presos como eu não pensavam em outra coisa além de sair, eu não me queixava. Não me queixava, porque eu tinha tudo o que precisava. Papel, um lápis bem apontado, e idéias. Como um homem das ciências, deve entender o que estou dizendo.

—E entendo. E é pelo meu entendimento que me referi a este encontro como “audiência”. Se eu pedisse para me encontrar com Fritz Haber* ou Hermann Emil Fischer*, eu mencionaria “audiência”.

            Os olhos de Lenin brilharam sutilmente.

            -O senhor é deveras formidável. Tem o dom de reverter situações a seu favor, cativar. Gosto disso. Pois creio que essa sua audiência com esses importantes químicos seria, com certeza, para tratar de expansão de conhecimentos. E perdoe minha intromissão, Mr. Holmes, mas você não me parece um homem que compartilha de gostos para os estudos de problemas sociais.

            Lenin trazia o cenho franzido, mas não por raiva e sim, diversão. Ele era de fato, esperto. Holmes notara que seu dialogo com o líder revolucionário tinha se tornado uma competição de intelectos, nada mais. Provavelmente, um desafio para alguém que estava entediado com seus livros. Sabendo que a conversa seria infrutífera se permanecesse nesse joguete, Holmes procurou ser mais objetivo.

            -O que me traz aqui é estritamente pessoal.

            -Ao contrário de seu irmão, você não gosta de política. – ignorou Lenin, permanecendo no assunto que Holmes desejava evitar.

             -Não. – cedeu Holmes, sentindo-se inexplicavelmente encurralado. Jamais se sentira assim, nem mesmo pelos mais perigosos homens da Europa. Curiosamente, um estudioso conseguiu o feito.

            Lenin sorriu com a resposta direta do detetive.

            -Um indiferente, então. Menos mal. Sabe qual é o mal dos indiferentes, Mr. Holmes? Eles não falam, logo, não tem voz. E permanecer calado é um aceite às demais vozes. Vozes da maioria, ou uma só voz, que grita. Se o mundo fosse mais povoado por indiferentes, nossa causa estaria mais disseminada. Mas deixemos de lado essas minhas divagações... Que tal uma partida de xadrez, hein?

            Antes que Holmes pudesse comentar sobre qualquer coisa, Lenin começou a arrumar as peças, colocando-as em jogo inicial, sem dúvida não dando brechas à uma recusa.

            -Jogar contra mim mesmo está ficando entediante. Minha esposa Krupskaia joga contra mim, às vezes, mas eu já sei todos os truques dela. É raro achar mulheres tão inteligentes como minha esposa.

            Holmes lembrou-se de Esther. De fato, ele poderia dizer o mesmo.

            -Preciso de uma informação.

            -E eu, de algumas partidas de xadrez. Estou escrevendo um artigo e há duas horas estou com pedaço de raciocínio interrompido, que não estou conseguindo desenvolver, como uma mula empacada na estrada. Se eu desanuviar minha mente, este raciocínio irá voltar. – disse Lenin, movendo uma primeira peça.

            -Então, minha informação não dependerá de minha vitória no xadrez.

            Lenin riu, deixando escapar risadas beirando a nervosas. – Não serei tão cruel para colocar tal coisa em jogo. Mas não posso garantir se irei te contar o que deseja saber.

            Holmes moveu uma peça.

            -Minha esposa está desaparecida.

            Lenin pareceu levemente penalizado.

            -Bom, você é um detetive. Deve saber melhor do que ninguém como localiza-la. Mas creio que não é tão simples assim, não é? – Lenin moveu sua peça, acabando com um dos peões de Holmes. – Onde eu me encaixo nisto?

            Os olhos de Lenin estavam apertados, questionadores.

            -Ela está na Rússia. E um de seus... “Camaradas” a levou para lá.

            Lenin pareceu revoltado. Soltou um palavrão leve em russo, e depois voltou a si.

            -Dê-me o nome do bastardo, e ele irá pagar por...

            -Não foi contra a vontade dela. – interrompeu Holmes, evitando que Lenin interpretasse mal seu comentário. – Ela a procurou, desejando uma forma de entrar na Rússia incógnita. E ele a ajudou nesta tarefa. Bem até demais, porque eu não sei o paradeiro dela.

            -Presumo que seu irmão também não sabe onde ela está. Do contrário, não estaríamos tendo esta... Maravilhosa partida. Oh, parece que me pegou desprevenido. – disse, enquanto assistia Holmes retirar uma de suas peças do tabuleiro.

            -Deveras. Sejamos francos, Mr. Lenin...

            Lenin riu.

            -Adoro a formalidade britânica, chamar-me de Mr. precedido por meu apelido.

            Holmes procurou aliviar sua irritação.

            -Lenin. Eu sei que não me dará a localização de seu camarada. Mas eu sei que consegue se comunicar com ele, por meio de canais que não desejo saber. O que peço não é um endereço, mas um encontro. Um encontro na Rússia, com Lev Sokolov.

            Lenin parecia pensativo. Voltou seus olhos para o tabuleiro, e deu xeque-mate em Sherlock Holmes.

—A Rússia está um barril de pólvora, Mr. Holmes. Desde 1905, quando o Czar mandou fuzilar uma multidão de trabalhadores cansados e famintos que pediam ajuda de forma pacífica. A situação por lá está insustentável. Em breve, a burguesia será esmagada, e os trabalhadores serão libertados da exploração corrupta e capitalista que permeia suas vidas. Portanto, vejo-me obrigado a perguntar: tem mesmo certeza de que você, um burguês de berço e boêmio incorrigível, deseja ir até lá?

Holmes suspirou, sentindo-se encurralado.

—O senhor já ouviu falar do Duque Ivanov?

Lenin soltou uma exclamação, em russo.

—Não há um russo sequer que não saiba daquele demônio em forma de nobre, Mr. Holmes. Eu só não digo que ele está apodrecendo no Inferno porque não acredito nestas coisas.

Holmes deixou escapar um leve sorriso. Depois, tornou-se sério.

—Minha esposa conheceu sua crueldade.

Lenin trocou um olhar complicado com Holmes. A julgar pelo olhar do intelectual, Holmes concluiu que ele sabia que tipo de “crueldade” ele estava se referindo. Decerto, a fama de pedófilo do Duque Ivanov também não passava despercebida.

—Eu sinto muito. Soube que ele cometeu suicídio aqui, na Inglaterra. Devo relacionar a morte dele a vocês dois? Se sim, receba os meus sinceros cumprimentos. Você ajudou a livrar meu país de um patife da pior espécie.

Para surpresa de Holmes, o próprio Lenin deu um estalo com as mãos e retirou rapidamente de seu terno um pequeno bloco de anotações. Após escrever, rapidamente, o intelectual deixou-se sorrir.

—Descobri o que estava faltando para o meu artigo. Bom... – disse Lenin, observando o tabuleiro. – Sei que me deixou ganhar apenas para conhecer os meus movimentos, por isso, gostaria de pedir mais uma partida, mas desta vez, quero que seja séria. Não gosto de ser mimado com facilidades.

Holmes permitiu-se rir um pouco, enquanto ajudava Lenin a preparar mais uma partida de xadrez.

—Terá seu encontro, Mr. Holmes. Ou melhor dizendo, audiência. Esse termo combina melhor com alguém como Lev Sokolov, afinal ele é um renomado professor de Química. Esteja em São Petersburgo, e um de meus camaradas do partido irá entrar em contato. Mas por hora, vamos à partida. Quero que jogue com tudo que tem desta vez.

Holmes pareceu surpreso, momentaneamente, com a informação inesperada a respeito de Lev Sokolov, mas logo voltou a si. Tinha à frente uma partida com um intelectual excêntrico, do qual ele duvidava que fosse fácil. Se não poderia vence-lo em argumentos, queria ao menos vencer no tabuleiro.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam desse novo "aliado" do Holmes? Realmente, o nosso detetive está disposto a tudo para encontrar Esther, mesmo se aproximar de Lenin e dos bolcheviques... Holmes é conhecido por não ter o mesmo gosto para política que Mycroft, conhecendo o essencial apenas para o seu trabalho de detetive. Lidar com revolucionários será desafiador.

No próximo cap: sairemos dessa atmosfera mais tensa da política e teremos mais de Grigori, Emily e suas conhecidas confusões.

Obrigada por acompanharem e boa leitura!



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