Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 22
Capítulo 22




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Só porque eu estava com pressa, o atendimento de urgência atrasou mais de duas horas meu horário de saída, assim quando cruzei as portas do hospital já era quase nove da noite.

A chamada perdida no meu celular indicava que Harry já tinha tentado me ligar, mas optei por retornar para ele apenas quando chegasse em casa e dirigi rapidamente até o shopping que ficava a algumas ruas dali. Caminhei decidida por entre os corredores e entrei no que eu imaginei ser a única loja dali em que meus pés nunca tinham pisado.

Olhei em volta sem saber por onde começar, completamente perdida entre todas aquelas estantes abarrotadas, e minha cara deve ter chamado a atenção da vendedora, porque ouvi uma voz solícita perguntar:

—Boa noite, precisa de ajuda?

—Preciso. - Respondi aliviada por não ter que fazer isso totalmente sozinha. - Qual a série de livros mais legal que você tem, na edição mais ilustre, de colecionador, essas coisas?

Ela me olhou meio incerta antes de perguntar:

—Qual tipo de série?

—Não sei, a que mais vende.

Ela começou a andar até o fundo da livraria comigo em seu encalço. Durante o caminho pensei em como eu estava sendo relapsa com a compra desse presente e me esforcei ao máximo para tentar lembrar alguma referência que ele tenha feito aos seus livros preferidos. Me culpei internamente por não prestar muita atenção nisso, e continuei fazendo um enorme esforço mental para me lembrar de qualquer comentário que ele já tenha feito, até que me veio à tona o dia em que ele e Hermione se conheceram.

—Policiais! - Exclamei de repente, fazendo-a me olhar mais uma vez em dúvida. - Livros policiais.

—Agora fica mais fácil. - Virou num corredor e seguiu até o final. - Aqui, é nossa melhor série de livros policiais. Coleção completa de colecionador.

Apanhei a caixa elegante que ela me entregou, me surpreendendo com como era pesada, e olhei com atenção o acabamento bem feito e os detalhes em baixo relevo onde se lia Sherlock Holmes. Era uma embalagem muito bonita, somando ao fato de ser azul marinho, que era a cor preferida dele, julguei ser o presente perfeito.

—Vou levar. - Anunciei para a moça que me aguardava decidir. - Obrigada.

Pedi para que fizessem um embrulho bonito no caixa e paguei uma quantia surpreendentemente alta para estar levando um monte de papel para casa, mas não me importei com isso.

A caminho da porta me deparei com uma loja de lingeries e pensei que não faria mal comprar mais uma, então entrei e fui direto à sessão onde se encontrava apenas aquelas peças que se veste com o intuito de tirar vinte minutos depois. Passei direto pelas cores que eu mais gostava e fui direto a onde estavam todas as opções disponíveis numa cor que eu nunca compraria, e parei ali para escolher uma que eu sabia que o agradaria.

Senti uma vontade súbita de rir ao pensar que eu não estava fazendo nada de acordo com minha vontade hoje, tirei o celular do bolso e digitei rapidamente para ele:

"Não estou me sentindo nada voluntariosa hoje."

Achei um conjunto que só de olhar me deu uma ideia muito inspiradora do que fazer e me dirigi ao caixa. Enquanto minha compra era computada e embalada a resposta do Harry chegou indicando claramente sua dúvida: "???".

—Obrigada. - Peguei a sacola e saí da loja com o celular em mãos.

"Só queria que você soubesse."

Alcancei o estacionamento assim que meu celular tocou novamente:

"Quem é você e o que fez com a minha Ratinha?"

Respondi com uma carinha quando já estava perto do meu carro. Coloquei com cuidado a sacola preta e elegante no banco ao meu lado, a da lingerie foi jogada mais despreocupadamente no banco de trás junto com a minha bolsa, e fui para casa com duas coisas a menos para me preocupar.

—Oi, Ratinha. - Cumprimentou feliz quando atendeu minha ligação, no instante exato em que eu fechava a porta atrás de mim. - Chegando agora?

—Uhum, tive uma emergência de horas. - Contei com a voz contida.

—Super legal, cheia de sangue, muito grito de dor, ossos pra todo lado, você super feliz quebrando a pessoa para depois brincar de consertar. - Supôs divertido, com uma voz forçada de nojo.

—Isso mesmo. - Confirmei rindo.

Coloquei com cuidado a sacola sobre a mesa e fui para o quarto já desabotoando a calça no caminho.

—Por que você não está se sentindo mimada hoje? - Perguntou interessado.

—Voluntariosa. - Corrigi e pude imaginar com perfeição seu revirar de olhos para o nada. - Acordei sendo uma ótima pessoa, mas não se preocupe porque quando eu dormir de novo isso passa. - Ri também ao ouvir sua risada.

Conversei com ele alguns minutos a mais e me despedi para dormir cedo, porque apesar de legal, meu dia também foi bastante cansativo.

Acordei preocupada com o que fazer no sábado, porque eu nem sei se Harry gostava de aniversários, mas fazia questão de comemorar mesmo assim. Além disso, se ele iria sair com Michael, sairia comigo também.

Decidi que deveríamos jantar em algum lugar, mas não fazia ideia de onde. Me senti completamente desatenta, porque me dei conta de que além do seu gênero preferido de livros, eu também não me lembrava qual era o prato preferido do meu...

—O que Harry é meu? - Perguntei a mim mesma em voz alta, desviando completamente o foco da questão.

Sacudi a cabeça para espantar essa dúvida descabida e voltei ao que realmente importava, pois eu tinha certeza de que ele já havia me contato qual era, só precisava me esforçar um pouquinho. No meio do dia, a caminho do meu consultório após checar um pós operatório, a informação invadiu minha cabeça, vinda do nada: estrogonofe de frango!

Me senti aliviada por enfim responder à minha questão interna, mas simultaneamente alarmada por onde, pelo amor de Deus, eu o levaria para comer isso. Ter um relacionamento estava se mostrando muito mais complicado do que eu esperava.

Por sorte, eu sabia exatamente quem poderia me ajudar e por isso fechei a porta já com o celular no ouvido.

—Ginny? Tudo bem? - Mione perguntou, provavelmente estranhando o horário incomum da minha ligação.

—Tudo e você? Estou atrapalhando?

—Estou bem, pode falar.

—Queria pedir um favor. - Comecei e ela me incentivou a continuar. - Me lembro que você comentou comigo uma vez sobre seu assistente, que o que quer você precisasse achar e que fosse de bom gosto, ele conseguiria. Será que você pode me emprestá-lo para procurar uma coisa para mim?

—Claro, do que você precisa? O Ced vai ficar nas nuvens em saber que eu divulgo os talentos dele por aí. - Falou divertida, me fazendo rir.

—Preciso de um restaurante que sirva um excelente estrogonofe de frango.

—Nossa, que específico. - Comentou. - Para quando?

—Sábado, sei que está meio em cima da hora. - Me desculpei.

—O Ced consegue. - Garantiu, me tranquilizando. - Posso perguntar o motivo?

—É aniversário do Harry. - Respondi sem rodeios.

—Vou pedir para ele caprichar, então. - Falou animada. - Reserva no seu nome?

—Por favor.

—Ok, daqui a pouco te mando o endereço.

—Muito obrigada, Mione. Está me salvando.

—Não precisa agradecer, fico feliz em ajudar. Beijos, Ginny.

Na quinta à noite, quando eu sabia que ele já havia saído do trabalho, mandei uma mensagem apenas para confirmar se ele estava em casa e recebi sua resposta informando que estava na academia, mas depois iria direto para lá. Isso me fez lembrar que eu precisava comprar algumas roupas de ginástica para quando fosse acompanhá-lo, mas poderia ficar para o próximo mês.

"Quer companhia hoje a noite?"

Enviei meu auto convite e fiquei apenas aguardando sua resposta positiva e a informação de que já estava em casa. Pouco depois das oito da noite li sua mensagem:

"Sempre! :) Estou indo para casa."

Acomodei no banco traseiro do carro a bolsa e a sacola com minhas roupas de trabalho para o dia seguinte, depois coloquei com cuidado o presente dele ao meu lado e dirigi até lá. Quando estacionei meu carro na garagem o dele ainda não estava, então esperei encostada do lado de fora do veículo até vê-lo parar do meu lado, ainda dentro do carro, debruçar sobre a janela e dizer com um sorriso divertido:

—E aí, gostosa?

—E aí, gostoso? - Respondi no mesmo tom e o esperei estacionar o carro.

Enquanto isso peguei as coisas que precisaria levar comigo e tranquei o carro com o controle do alarme, encontrando-o já me esperando com sua roupa leve, tênis de corrida e os cabelos grudados na testa suada. Eu estava com as mãos ocupadas, mas me encostei nele e fiquei nas pontas dos pés para dar um selinho.

—Quer que eu leve para você? - Apontou as sacolas na minha mão.

Normalmente eu trazia mesmo algumas coisas, então ele nem estranhava mais.

—Não precisa, obrigada. - Neguei, entrando no elevador.

As portas se fecharam e Harry se encostou na parede do fundo para esperar a viagem até seu andar, me virei e encostei de frente em seu peito, distribuindo alguns beijos em seu rosto e um pouco abaixo da linha do maxilar.

—Estou todo suado, Gin. - Avisou com as mãos apoiadas nas minhas costas.

—Olha, que novidade. - Ironizei e continuei onde estava até as portas se abrirem e sairmos.

Deixei minhas coisas sobre o sofá e tirei o casaco enquanto ele fechava a porta atrás de nós. Tomei o cuidado de deixar seu presente de um jeito que ele não visse.

—Vou tomar banho. - Anunciou, passando direto para o quarto.

—Vou com você. - Fui atrás e me deparei com seu olhar desconfiado e um sorriso de canto. - O que foi?

—O que você tem hoje? - Perguntou divertido enquanto jogava a camiseta para o lado.

—Nada, por que?

—Você está muito grudada em mim. - Explicou tirando os sapatos. - Eu adoro, mas não é normal.

—Claro que é. - Teimei, ficando só de roupa íntima.

—Não é, não.

Harry estava sentado na cama ainda vestindo sua calça de tecido leve, então fui até ele e me acomodei em seu colo antes de dizer de uma vez o que ele com certeza já sabia e que ainda assim certamente queria ouvir.

—Queria estar aqui amanhã, mas não vai dar.

—Você lembrou? - Falou falsamente surpreso, um sorriso desafiador na minha direção.

—Claro que eu lembrei, Ursinho. - Tentei dizer como se fosse óbvio.

—No final de semana você não fazia a menor ideia do que eu estava falando. - Acusou.

—Mas você também me diz o dia do seu aniversário casualmente, meses atrás, numa conversa que não tem nada a ver com isso e espera que eu me lembre sem nunca mais tocar no assunto? - Me justifiquei diante do seu olhar semicerrado.

—Você me disse o seu no mesmo dia e eu me lembro. - Falou com superioridade.

—Eu também me lembrei, só não foi com muita antecedência.

—Sei... - Desafiou com um sorriso de canto.

—Mas foi antecedência suficiente para você ter um jantar marcado no sábado às nove. - Informei e o deixei surpreso.

—Posso saber onde?

—Aguarde e verás. - Neguei lançando uma piscadinha em sua direção.

—Tudo bem, doutora, me surpreenda. - Se rendeu.

Com um impulso, ele se levantou me segurando até que eu colocasse os pés no chão novamente e me guiou até o banheiro. Enquanto eu tirava as últimas peças de roupa, Harry parou em frente à pia procurando alguma coisa e me chamou ainda revirando o conteúdo da primeira gaveta:

—Tem um aqui, nem precisa buscar na sua bolsa. - Falou com a mão esticada na minha direção.

Me virei disposta a perguntar o que, mas minha expressão se fechou quando vi na minha frente o elástico de cabelo que eu havia encontrado meses atrás, ali naquele mesmo lugar.

—Errou de dona, não é meu. - Falei séria, prendendo o cabelo com o que estava enroscado no meu braço.

—Não? Tem certeza? - Me olhou em dúvida, avaliando o objeto em sua mão com a expressão confusa.

—Absoluta. - Respondi encerrando assunto.

Harry ficou um tempo ainda olhando para aquilo sem entender como foi parar ali e perguntou mais para ele mesmo:

—De quem é isso aqui, então?

—Harry, se nem você sabe, como espera que eu te diga? - Respondi irônica.

Esperei de braços cruzados enquanto seu rosto mostrava claramente as engrenagens cerebrais trabalhando para trazer aquela informação à tona e vi o momento exato em que a compreensão o atingiu.

—Ah! Acho que é da... - Antes de completar a frase seu olhar encontrou o meu, levemente ameaçador, e ele se corrigiu rápido. - ...da minha mãe.

Quase ri do sorriso amarelo que ele me lançou depois disso, mas me contive e o observei abrir o cesto de lixo e jogá-lo ali sem nenhuma cerimônia.

—Sua mãe não vai querer de volta?

—Duvido que ela lembre que deixou aqui. - Falou normalmente, terminando de se despir. - Além disso, não tenho a menor vontade de vê-la outra vez, nem que seja só para devolver alguma coisa.

Me forcei a exibir uma expressão quase convincente de quem não ligava e entrei no chuveiro com ele logo atrás. Duas gracinhas depois e eu nem me lembrava mais do que estávamos conversando, a concentração agora totalmente voltada para nós.

Quando voltamos para a sala, eu vestida em meu robe e ele apenas com uma cueca boxer, passei direto pelo sofá e voltei segundos depois com a sacola preta nas mãos. Me acomodei à sua frente e entreguei o embrulho.

—Comprei uma coisinha para você.

—Obrigado. - Agradeceu com um sorriso enorme, se inclinou para frente e me deu um beijo.

—Não por isso. - Respondi vendo-o puxar a caixa de dentro e se livrar do papel de seda que a envolvia. - Espero que você goste.

—Puta que pariu! - Exclamou antes mesmo que eu terminasse minha frase, os olhos arregalados de surpresa em direção à bonita embalagem que guardava seus novos livros. - É a coleção completa de colecionador!

—Sim, gostou?

—Se eu gostei? É incrível, Ratinha! Como você sabia que eu queria esse box? - Perguntou com os olhos brilhando na minha direção.

—Não sabia, mas eu sei que você gosta de livros policiais. - Dei de ombros enfatizando que não era nada demais, mas ele continuou com o sorriso enorme.

—Acertou em cheio, muito obrigado.

Observei em silêncio enquanto ele tirava com muito cuidado os livros de lá de dentro e olhava com atenção, elogiando cada detalhe e folheando com cuidado. Eu ainda continuava vendo aquilo tudo apenas como um amontoado de papel, mas sua expressão provava que ele estava falando sério quando disse que acertei.

—Só por essa sua expressão, já sei que posso te dar livros em todas as datas comemorativas para sempre e nunca vou errar. O bom é que me poupa o trabalho de procurar.

Ele me olhou de canto por um momento, ainda exibindo seu sorriso enorme, e colocou com muito cuidado seu presente sobre a mesa de centro antes de me empurrar para trás e deitar sobre mim.

—É um ótimo plano, esse. - Opinou me dando um selinho. - Não te imagino escolhendo livros, mas eu gostei muito.

—Não foi a compra mais fácil que fiz na vida, nem a única daquele dia, mas eu estava me sentindo muito pouco voluntariosa.

Seu olhar se iluminou com a compreensão do que eu estava fazendo quando lhe enviei aquela mensagem.

—E posso saber o que mais você comprou?

—Aguarde e verás. - Repeti minha resposta diante do seu olhar desafiador.

—É meu aniversário, eu quero saber.

—Ainda não é, não.

Ele se esticou o suficiente para alcançar seu celular sobre a mesa de centro e me mostrou as horas: meia noite e dois.

—É sim. - Afirmou, cheio de razão.

—Então parabéns? - Desconversei descendo as mãos por suas costas e o sentindo se arrepiar.

—Só parabéns?

—Felicidades, muita saúde, muitos anos de vida e todas aquelas coisas que todo mundo deseja sempre.

—E o que você me deseja? - Perguntou sugestivo.

—Eu te desejo. - Respondi da mesma forma, apertando sua bunda.

—Você é uma tarada, sabia? - Acusou com um sorriso presunçoso, mordendo meu queixo e afundando o rosto no meu pescoço em seguida.

—Você que é um gostoso. - Corrigi dando espaço para que ele distribuísse seus beijos.

—Mesmo agora que não tenho mais só vinte e sete anos?

—A idade só te fez bem. - Garanti, fazendo-o rir.

Antes que eu tivesse tempo de começar a retribuir, seu celular tocou e Harry se virou para apanhar o aparelho que estava no chão ao lado do sofá. Antes que ele apertasse o botão que completaria a ligação consegui ver o nome do Michael na tela.

—Fala, lindinho. - Atendeu animado, ainda deitado em cima de mim e com o peso sustentado no cotovelo apoiado ao lado da minha cabeça.

O puxei para baixo e distribuí alguns beijos em seu pescoço enquanto o amigo o parabenizava. De canto de olho vi seus olhos fechados, dividindo a atenção entre nós dois, e continuei o que estava fazendo. Vendo que Mike daria continuidade ao assunto, puxei o celular sem aviso e coloquei no ouvido a tempo de ouvi-lo dizer algo sobre o horário que passaria aqui no dia seguinte.

—Lindinho, hoje ele é meu, espere sua vez. Beijo, tchau.

Desliguei sem dar tempo para que ele me respondesse e soltei o aparelho no chão novamente sob o olhar divertido acima de mim.

—Ele vai ligar de novo. - Avisou com um sorriso satisfeito.

—Não vai não, ele tem bom senso. - Afirmei puxando seu rosto para o meu e já aprofundando nosso beijo.

Mas ele estava certo e menos de dois minutos depois ouvimos o som que anunciava uma nova ligação. Sem abrir os olhos, tateei o chão ao nosso lado e levei o aparelho ao ouvido. Harry desceu seus beijos para o meu pescoço para que eu conseguisse falar e eu atendi dizendo:

—Mike, você está atrapalhando, eu já disse que hoje ele é meu. - Anunciei entre ameaçadora e divertida, muito concentrada no trajeto da boca do Harry que agora se infiltrava pelo decote da minha veste.

Ouvi uma risada antes da resposta, que me fez congelar:

—Tenho certeza que o Mike já entendeu, mas será que eu poderia falar com ele só um minutinho? - A voz feminina e alegre me perguntou sem nenhum ressentimento pela recepção, soando alegre.

Com os olhos arregalados tirei o telefone do ouvido e li a tela com uma sensação que era quase de pânico: Mãe. Nesse ponto eu já não sabia se estava sem palavras por estar falando com ela ou pela primeira frase que ela me ouviu dizer.

—Desculpe, eu achei que fosse o Michael. Para!- Sussurrei a última parte empurrando o rosto do filho dela para longe dos meus seios e o fazendo me olhar curioso, mas aparentemente não fui tão discreta, porque ouvi sua risada do outro lado da linha. - Ele acabou de ligar, achei que estivesse retornando.

—Não tem problema, querida. Tudo bem com você? É um prazer finalmente nos falarmos. - Falou satisfeita. - Parece que o Harry te esconde.

Ri um pouco sem graça, porque na verdade era eu que praticamente me escondia dessa situação.

—O prazer é meu. - Respondi por cortesia e ele me olhou confuso. - Bem, obrigada, e a senhora? - Seu olhar de compreensão foi cômico e me deixou vermelha na mesma proporção em que ele parecia satisfeito.

—Não, por favor, me chame de você e de Lily, nada de Sra. Potter. - Pediu com tanta jovialidade que eu sorri. - Estou muito bem, obrigada.

Depois dessa resposta não soube se eu me concentrava em desviar do sorriso de canto que Harry me direcionava ou em procurar um assunto para que a conversa não ficasse constrangedora.

—Harry está aqui, vou passar o telefone para ele.

—Ah, diga a ele para esperar, vamos conversar um pouquinho. - Pediu contente.

—Claro. - Retribuí o tom da melhor maneira que consegui.

Me sentei mais confortável com o telefone no ouvido e fechei os olhos com força sem saber o que dizer, quase constrangida com a situação.

—Então, ele me disse que você é médica, que encantador! - Comentou como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo.

Bom, nisso concordávamos.

—Sim, eu sou. Cirurgiã ortopedista.

—Harry fala tanto de você que é impossível não ficar curiosa.

—Bem, eu espero. - Falei com um sorriso involuntário.

—Só coisas ótimas. - Garantiu satisfeita.

—Ele fala bastante da senh..., desculpe, de você também. - Me corrigi antes que ela o fizesse e Harry riu alto da minha cara.

—Ele está aí na sua frente te encarando, não está? - Previu corretamente, conspiratória.

—Sim, está.

—Então me deixe falar logo com ele, por favor, assim não os atrapalho mais. - Senti meu rosto corar quando ela falou isso tão naturalmente. - Outro dia conversamos com mais tranquilidade, Gin.

—Claro, vou passar para ele. Foi um prazer, Lily. - Me despedi achando confortável a intimidade dela comigo e estranhando a minha com ela.

—O prazer foi meu, querida. Beijos.

Estiquei o aparelho para Harry e me recostei no braço do sofá. Antes de levá-lo ao ouvido, ele me roubou um selinho rápido e se sentou de costas para mim, entre minhas pernas e com as costas apoiadas no meu peito.

—Oi, mãe. - Atendeu tão naturalmente que eu quase me senti como se não estivesse ali. - Um pouquinho, mas não tem problema, continuamos depois.

Apoiei as mãos no rosto, me sentindo subitamente envergonhada de novo. Harry, por sua vez, continuou o assunto como se a frase fosse corriqueira. Deitei a cabeça no encosto do sofá ao meu lado e escorreguei os dedos por seus cabelos pelos próximos vinte minutos em que ele conversou, riu, agradeceu, prometeu ir vê-la em breve e ouviu com atenção o que quer que seja que ela estivesse contando.

Depois daquela breve conversa estranha, pude entender com perfeição porque ele passava horas ao telefone com a mãe. Lily Potter nem me conhecia e já soava mais bondosa do que eu achei ser possível, transmitindo carinho em cada frase e me deixando confortável apesar de ter atendido ao telefone de um jeito tão pouco educado e delicado. Eu evitei a todo custo qualquer contato com os pais dele, mas agora aquela promessa de nos falarmos depois com mais tranquilidade não me parecia de forma alguma aterrorizante, eu poderia muito bem me acostumar com isso.

—Mãe, vou desligar agora, ta bom? Amanhã eu te ligo e falo com o meu pai. - Ele falou um tempo depois e aguardou que ela respondesse. - Tudo bem, eu mando. Obrigado, para você também. Beijos, eu também te amo. - Finalmente encerrou a ligação e colocou o aparelho novamente no chão.

Harry se encostou de novo em mim e virou o rosto para cima, me olhando de canto:

—Se recompôs? - Perguntou irônico, se referindo ao contato que ele já tinha percebido que eu evitava a qualquer custo.

—Quase, só falta a digerir a parte de como eu atendi o telefone. - Respondi da mesma forma, sem deixá-lo saber se eu estava falando sério ou brincando.

—Já podemos continuar, ou quer pensar sobre isso um pouco mais? - Perguntou me dando um selinho e deslizando a mão pela minha coxa.

—Não tenho mais clima. - Argumentei deitando a cabeça no encosto do sofá e retomando o carinho em seus cabelos. Seu olhar desolado foi bonitinho o suficiente para eu me inclinar e dar mais um beijo antes de me acomodar novamente. - Agora só vou pensar na sua mãe imaginando o que eu disse que ela estava atrapalhando.

—Ela riu, nem ligou. E se sua preocupação é que ela saiba o que estávamos fazendo, pode se despreocupar. - Argumentou se virando de frente e ajoelhando entre minhas pernas. - Minha mãe não tinha esperanças de que eu me casasse virgem.

A afirmação era tão absurda que eu gargalhei.

—Que bom, porque eu odiaria levar a culpa que é da Catia Bell.

—Fico lisonjeado em saber que você gravou o nome da menina que levou embora minha inocência. - Disse convencido.

—É solidariedade feminina, porque a coitada também levou um pé na bunda logo depois. - Tirei o foco do interesse de cima dele. - E duvido que quando finalmente aconteceu você ainda fosse um pouquinho sequer inocente.

Harry riu diante disso e rolou os olhos na minha direção. Antes de continuar o assunto ele encaixou as mãos atrás dos meus joelhos flexionados e me puxou para deitar, se acomodando ao meu lado e ficando de frente para mim.

—Quantos anos você tinha quando o cara mais popular da escola te deu um pé na bunda? - Perguntou interessado.

—Dezesseis.

—Começou cedo, doutora! - Exclamou surpreso e foi minha vez de rolar os olhos para ele.

—E você, quando as aulas de anatomia se tornaram práticas?

—Dezesseis também. - Falou normalmente.

—Começou cedo, moleque. - Retruquei desafiadora.

—Moleque? - Perguntou com o cenho franzido e achando divertido. - Isso é algum fetiche da sua parte por caras mais novos?

—Não, é só o jeito carinhoso que o Ron fala de você mesmo. - Seu sorriso se fechou em um olhar ameaçador que me fez rir com vontade. - Nunca antes fiquei com um cara mais novo.

—Também nunca antes fiquei com uma mulher mais velha. - Falou pensativo, como que puxando pela memória para ver se era isso mesmo. - Com quantos anos você teve o primeiro namorado?

—Dezesseis, foi o cara do pé na bunda.

—Aquele idiota. - Falou me adulando.

—Aquele idiota. - Concordei para vê-lo me olhar satisfeito, como sempre fazia quando dizia algo certo.

—E o segundo?

—Que segundo? - Neguei a existência de um próximo namorado depois daquele.

—Você só teve um namorado? - Perguntou confuso.

—Para que mais? - Devolvi divertida.

—Talvez porque é o que se faz quando a gente gosta de alguém?

—Mas quem te disse que eu gostava deles? - Dei de ombros ao explicar.

—Meu Deus, você é a mestre das relações casuais então? - Perguntou cético e eu assenti. - Quanto tempo durou seu relacionamento mais longo?

—Uns três meses, quatro no máximo.

—E os corações partidos que você deixou por aí?

—Se deixei, não estou sabendo. - Neguei e ele olhou descrente. - Nunca me envolvi com alguém que quisesse alguma coisa séria.

—Por que? - Seu tom agora era visivelmente curioso.

—Porque eu também não queria, então o outro lado tem que ter um interesse semelhante, não? - Expliquei como se fosse óbvio. - Mas por que estamos falando só de mim, mesmo?

—Porque é meu aniversário e é disso que eu quero falar. - Afirmou sem dar margem para que eu contestasse. - Então resumindo, vou desconsiderar o primeiro porque você era criança, uma criança precoce, mas ainda assim criança, todos seus relacionamentos foram com pessoas que só queriam se divertir?

—Sim. - Confirmei normalmente.

—E tudo bem com isso?

—Sim.

—E eu estou nesse grupo também?

Abri a boca pronta para dizer "não", mas me detive e desviei os olhos um momento, pensando no que eu deveria responder. Suspirei e o encarei antes de ser sincera:

—Eu achava que sim.

—Não acha mais?

—Eu nem sei mais o que pensar de você, Ursinho.

—Não pense, então, deixa como está. - Sugeriu com um sorriso tão grande que superava o de quando viu os livros.

—Essa é sua melhor sugestão? - Debochei, sentindo que ele estava de novo usando seu inegável talento de levar o assunto para onde queria.

—A outra é eu te dizer exatamente o que você pensa de mim. - Afirmou soando seguro demais para quem ia dizer o que se passava nos pensamentos alheios.

—Não abuse da sorte, aniversariante. - Duvidei com a sobrancelha erguida em sua direção.

—E aí, qual sugestão vai ser? - Deu a cartada final, sabendo que eu ficaria curiosa e acabaria perguntando.

—O que eu penso de você? - Perguntei a contragosto, mas me atentei para ouvir a resposta.

Harry limpou a garganta teatralmente antes de começar:

—Eu era só o paciente bonito e insistente que pareceu meio irresponsável e sem noção quando inventou uma lesão para te ver e isso a fez me encaixar no seu grupinho de gente que só queria se divertir e por isso você aceitou sair comigo. Tudo somado ao fato de que você estava doida para dizer sim desde o primeiro dia, é claro. - Começou de maneira segura e me lançou um olhar de "não é?", mas não aguardou minha resposta. - Não podemos deixar de citar também que eu era o cara mais novo, e quem vai se preocupar com o moleque te ligando com mais frequência do que a diversão de sempre, não é? Ele é totalmente improvável, mas é divertido e te distrai, melhora o seu dia e faz tudo que você gosta, na cama e fora dela, então você continua e acaba se deixando levar. Aí quando percebe, já está ligando para ele quarenta e sete vezes porque era para ser só o sexo gostoso do final de semana, mas agora você se preocupa de um jeito bem possessivo e nem notou. O resultado é que estamos aqui quebrando recordes, doutora.

—Quebrando recordes? - Perguntei sem desviar o olhar do seu sorriso presunçoso.

—Sim, aqueles seus três ou quatro meses, no máximo, já viraram cinco meses e... - Parou um pouco para fazer uma conta rápida de cabeça. - Catorze dias. E você não quer parar. Não estou certo?

—Cinco meses e catorze dias desde...? - Evitei a pergunta final.

—Desde aquele beijo quando Colin nos interrompeu porque uma criança se jogou da lage e eu te levei até o hospital. - Respondeu me encarando. - Não estou certo?

Eu mal lembrava do beijo e ele sabia até a data.

—Não. Eu nunca achei que você fosse irresponsável.

Ele sorriu tanto quanto se eu tivesse dito sim. O problema desses assuntos é que eles me levavam muito próximo a um limite que eu não queria ultrapassar.

—Eu queria fazer aniversário com mais frequência. - Falou satisfeito e apertou mais seu braço em volta de mim, grudando nele qualquer parte minha que por ventura ainda estivesse a um centímetro de distância e acomodado uma perna entre as minhas.

—Eu não saberia comprar tantos livros assim. - Desconversei.

—Não estou falando dos livros, minha linda. - Afirmou com os olhos brilhando e me dando um beijo estalado na boca. - Apesar de eu ter gostado muito deles também. Já está com sono?

A solução com Harry é que ele me puxava de volta para o terreno seguro quando me notava ficando desconfortável. Mas cada vez ele deixava um pouquinho mais dele numa parte que eu julgava ser inalcançável.

—Um pouco, mas amanhã tenho plantão, então acho melhor já irmos dormir.

Ele me deu um beijo rápido e se levantou, me puxando em seguida para que eu o acompanhasse até o quarto.

—Me empresta uma camiseta? - Pedi me arrastando para o lado da cama que ele ocupava quando estava sozinho, mas que eu usava quando estava aqui.

—Pode pegar, Gin, já disse. - Reafirmou sua permissão para que eu mexesse em seu armário, mas fez o que pedi e jogou a peça para mim.

—Obrigada.

Desatei o laço do meu robe e o deixei de qualquer jeito por cima do edredom antes de vestir a peça que me caía até um pouco abaixo do quadril. Depois ele apagou a luz e se juntou a mim com os braços ao meu redor, como de costume.

—Me conte algo que eu ainda não sei. - Pediu um tempo depois.

—Você quebrou outro recorde hoje, eu nunca dei presente de aniversário para nenhum deles.

—Espero também que você não tenha ganhado, porque aí serão três recordes em duas semanas. - O tom de voz não mentia o quanto ele se sentia satisfeito.

Acabei rindo da presunção.

—Infelizmente não serão, então, porque eu já ganhei.

Ele praguejou baixinho e eu ri da reação, depois ficamos em silêncio.

Não sei que tipo de livros Harry lia, se era apenas o fato de ler em si, ou se o dom só se aplicava a mim, a questão é que ele é um leitor excepcional, daqueles que percebem algumas coisas que eu nem notei. Ele era muito bom também em fazer isso e me dar espaço para me enrolar à vontade com meus próprios pensamentos.

—Harry? - Chamei um tempo depois, quando sua respiração ainda não estava calma como quando ele dormia.

—Uhn.

—Eu estava certa no começo, pelo menos? Você queria só se divertir mesmo? - Evitei pensar que ele pudesse ter ouvido a mesma nota de insegurança que eu quando a segunda pergunta foi feita.

—Estava. - Afirmou sem rodeios e eu não gostei de ouvir aquilo. - Mas minhas diversões não chegavam nem no segundo mês, Ratinha, imagina no quinto.

Aproveitando a vantagem do quarto escuro abri um sorriso que era pura satisfação.

—Boa noite, lindinho. - Ele riu quando ouviu o apelido que eu nunca tinha usado, acompanhado do tom divertido que usei.

—Boa noite, lindinha. - Repetiu da mesma forma e me deu um beijo no rosto. - Não faz nem duas horas que esse meu aniversário começou e já é o melhor.

—Então espere por sábado. - Prometi sugestiva.

—É bom você se esforçar, porque eu estou criando expectativas.

—É bom você estar preparado, porque eu vou superá-las. - Afirmei antes de ficarmos em silêncio.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
Parece que alguém aqui está empenhada em comemorações, não?
Ela só não contava ter que falar com a mãe do moço... hehe Parece que eles não têm muita sutileza em como vão se apresentar para a família do outro, né?!
Ansiosa para saber o que acharam, não deixem de comentar.
Beijos e até o próximo.

Crossover: Backstage foi atualizada ontem, não deixem de acompanhar porque mais rápido do que imaginam as histórias voltam a se cruzar.